Procedimento de Controle Administrativo – Serventias extrajudiciais – Contratação de parentes de interinos e interventores – Nepotismo caracterizado – Improcedência – I. Procedimento de Controle Administrativo, o qual se impugna ato do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que determinou a demissão de parentes de Interinos e Interventores dos Serviços Extrajudiciais desse Estado – II. Como se sabe, uma vez encerrada a delegação, o serviço será declarado vago pela autoridade competente e retorna ao Poder Público, operando, portanto, a reversão, e, “em consequência, os direitos e privilégios inerentes à delegação, inclusive a renda obtida com o serviço, pertencem ao Poder Público”. Nesse ínterim, até que seja nomeado outro delegatário, aprovado em concurso público de provas e títulos, responderá pela serventia, precariamente, um interino ou interventor, que não possui a delegação, mas atua como preposto do Estado – III. Considerando a responsabilidade estatal dos atos praticados pelos Interinos/Interventores durante a designação, não há como afastá-los da observância obrigatória aos princípios do artigo 37 da Constituição Federal, inclusive quanto à vedação ao nepotismo – IV. No caso dos cartórios extrajudiciais, o Enunciado Administrativo CNJ nº 01, de 15/12/2005, ampliou o escopo das Resoluções nº.: 07/2005 e 80/2009, editadas por este Conselho, e do Provimento nº 77/2018 da Corregedoria Nacional de Justiça para abranger também as nomeações não-concursadas para tais serventias. Assim, não há outro entendimento senão o de que a contratação de parentes até o terceiro grau como funcionários de serventias comandadas por Interinos/Interventores afronta os princípios republicanos da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e, em especial, da moralidade – V. Na hipótese, o Ato impugnado, Aviso nº 13/2020, oriundo da Corregedoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, a observar tais premissas, encontra-se em consonância com a legislação de regência sobre a matéria – V. Procedimento de Controle Administrativo que se julga improcedente.


  
 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO – 0000329-41.2020.2.00.0000

Requerente: SINDICATO DOS ESCREVENTES, SUBSTITUTOS E DEMAIS EMPREGADOS EM OFÍCIOS PRIVATIZADOS DE NOTAS, REGISTROS DE IMÓVEIS, DISTRIBUIÇÃO, PESSOAS NATURAIS E INTERDIÇÕES E TUTELAS DOS ESTADOS DO RIO DE JANEIRO, MINAS GERAIS, ESPÍRITO SANTO E BAHIA – SINDSCREV

Requerido: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – CGJRJ

EMENTA: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. CONTRATAÇÃO DE PARENTES DE INTERINOS E INTERVENTORES. NEPOTISMO CARACTERIZADO. IMPROCEDÊNCIA.

I – Procedimento de Controle Administrativo, o qual se impugna ato do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que determinou a demissão de parentes de Interinos e Interventores dos Serviços Extrajudiciais desse Estado.

II – Como se sabe, uma vez encerrada a delegação, o serviço será declarado vago pela autoridade competente e retorna ao Poder Público, operando, portanto, a reversão, e, “em consequência, os direitos e privilégios inerentes à delegação, inclusive a renda obtida com o serviço, pertencem ao Poder Público”. Nesse ínterim, até que seja nomeado outro delegatário, aprovado em concurso público de provas e títulos, responderá pela serventia, precariamente, um interino ou interventor, que não possui a delegação, mas atua como preposto do Estado.

III – Considerando a responsabilidade estatal dos atos praticados pelos Interinos/Interventores durante a designação, não há como afastá-los da observância obrigatória aos princípios do artigo 37 da Constituição Federal, inclusive quanto à vedação ao nepotismo.

IV – No caso dos cartórios extrajudiciais, o Enunciado Administrativo CNJ nº 01, de 15/12/2005, ampliou o escopo das Resoluções nº.:  07/2005 e 80/2009, editadas por este Conselho, e do Provimento nº 77/2018 da Corregedoria Nacional de Justiça para abranger também as nomeações não-concursadas para tais serventias. Assim, não há outro entendimento senão o de que a contratação de parentes até o terceiro grau como funcionários de serventias comandadas por Interinos/Interventores afronta os princípios republicanos da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e, em especial, da moralidade.

V – Na hipótese, o Ato impugnado, Aviso nº 13/2020, oriundo da Corregedoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, a observar tais premissas, encontra-se em consonância com a legislação de regência sobre a matéria.

V – Procedimento de Controle Administrativo que se julga improcedente.

ACÓRDÃO 

O Conselho, por unanimidade, julgou improcedentes os pedidos e determinou o arquivamento do feito, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 13 de agosto de 2021. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Emmanoel Pereira, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Rubens Canuto, Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Candice L. Galvão Jobim, Flávia Pessoa, Sidney Madruga, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou, em razão da vacância do cargo, o representante da Câmara dos Deputados.

RELATÓRIO

Trata-se de Pedido de Providências proposto pelo SINDICATO DOS ESCREVENTES, SUBSTITUTOS E DEMAIS EMPREGADOS EM OFÍCIOS PRIVATIZADOS DE NOTAS, REGISTROS DE IMÓVEIS, DISTRIBUIÇÃO, PESSOAS NATURAIS E INTERDIÇÕES E TUTELAS DOS ESTADOS DO RIO DE JANEIRO, MINAS GERAIS, ESPÍRITO SANTO E BAHIA (SINDSCREV), com pedido liminar, em face da CORREGEDORIA GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, impugnando o Aviso nº 13/2020 daquele Órgão Censor, o qual determinou “a demissão de parentes dos Responsáveis pelo Expediente e Interventores dos Serviços Extrajudiciais do Estado do Rio de Janeiro“.

O Requerente aduz que referido ato “não tem fundamento lógico tampouco jurídico”, apresentando manifesta ilegalidade, haja vista a inaplicabilidade da Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal ao caso dos autos, uma vez que referido verbete não se aplica à estrutura das Serventias Extrajudiciais, seja porque essas não fazem parte da Administração Pública Direta, seja porque os seus funcionários não exercem cargo em comissão ou de confiança.

Ainda de acordo com o Requerente, as Serventias Extrajudiciais possuem natureza privada e seus empregados não são remunerados pelos cofres públicos, o que afastaria a alegação de nepotismo. Cita também decisão deste Conselho, no sentido de que os Notários e os Registradores não são titulares de cargo público efetivo (Procedimento de Controle Administrativo nº 0000006– 22.2009.2.00.000).

Requer, em caráter liminar, a suspensão do ato questionado. No mérito, pugna pela sua cassação.

O feito foi inicialmente distribuído ao então Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Humberto Martins e, atuando em substituição a esse Conselheiro, antes de apreciar a liminar, determinei a intimação da Corregedoria local, para melhores esclarecimentos sobre o mencionado ato (Id. 3854762).

A Requerida explicitou que, conquanto utilizada a expressão “interino ou não”, o ato impugnado “não restringe a liberdade de contratação do titular e do delegatário da Serventia Extrajudicial“, pois “se destina exclusivamente às serventias vagas” (Id. 3857785 – fl. 13), alcançando, assim, apenas os Responsáveis pelo Expediente (REs), em caráter precário e provisório, e os Interventores (Ids.: 3857785 e 3857786).

A esse respeito, afirmou que o Aviso impugnado nestes autos “determinou a demissão dos empregados contratados apenas pelos REs e Interventores que se enquadrassem no grau de parentesco especificado na SV 13” (Id. 3857785, fl. 12).

Constatando-se que o ato impugnado encontrava-se em consonância com o posicionamento firmado no âmbito deste Conselho, haja vista os termos do Provimento CGCNJ nº 77/2018 e o teor da decisão proferida nos autos do PCA nº 0007525-67.2017.2.00.0000, que considerou aplicável o entendimento firmado pela Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal às hipóteses de serventias vagas, indeferi a liminar, ainda na condição de substituto do Corregedor Nacional de Justiça (Id. 3859232).

Ato contínuo, a Requerida fez juntar tabela indicando quantitativo de parentes contratados nas Serventias Extrajudiciais e seus respectivos salários (Id. 3895663).

Com o término do mandato do então Corregedor, Ministro Humberto Martins, a atual Corregedora Nacional de Justiça, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, declarou a incompetência da Corregedoria para análise da matéria e determinou a alteração da classe processual deste feito de Pedido de Providências para Procedimento de Controle Administrativo e sua redistribuição a um dos Conselheiros (Id. 3895121). Assim, os autos retornaram a minha Relatoria.

É o relatório, em síntese.

VOTO

Impende registrar, de início, que a situação tratada nestes autos não se refere à designação de substituto legal de titular de Serventia Extrajudicial, em caso de vacância. A questão ora posta, cinge-se à contratação por interino/interventor de funcionários para o serviço cartorário, que possuam algum grau de parentesco com os seus contratantes.

Eis o teor do ato, ora impugnado, editado pela Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

AVISO nº 13/2020

O Desembargador BERNARDO MOREIRA GARCEZ NETO, Corregedor-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro no desempenho das atribuições que Ihe são conferidas pelo artigo 22, inciso XVIII, da Lei Estadual nº 6956, de 13/05/2015, que dispõe sobre de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do Rio de Janeiro,

AVISA aos Senhores Responsáveis pelo Expediente e Interventores dos Serviços Extrajudiciais do Estado do Rio de Janeiro que quaisquer parentes de responsável pelo expediente, interino ou não, ou interventor de serventia extrajudicial, assim considerados nos termos da Sumula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal, deverão ser demitidos no prazo de 5 (cinco) dias e comunicada a demissão à Corregedoria, arcando o responsável pelo expediente ou interventor, com as despesas trabalhistas decorrentes da rescisão da contratação que efetuou” (Id. 3853041).

O Sindicato Requerente, ao impugnar o  referido ato, sustenta que não há qualquer ilegalidade na contratação pelos Interinos e Interventores de seus parentes para o mencionado serviço, não sendo aplicável, portanto, a Súmula Vinculante nº 13, do Supremo Tribunal Federal.

Não prosperam, contudo, as alegações suscitados pelo Autor. Diante do arcabouço constitucional atual, não há outro entendimento senão o de que a contratação de parentes até o terceiro grau como funcionários de serventias comandadas por interinos ou interventores afronta os princípios republicanos da impessoalidade, da eficiência, da igualdade, e em especial, da moralidade.

Vale ressaltar que, conquanto a redação do Aviso nº 13/2020 faça referência ao Responsável pelo Expediente, como sendo o interino, ou não, o que poderia suscitar interpretação de que a previsão abarcaria também os Notários e os Oficiais de Registro, a Corregedoria local informou que o ato “se destina exclusivamente às serventias vagas, cuja gestão é exercida por substituto designado pela Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, para a função de Responsável pelo Expediente ou Interventor” (Id. 3857785).

Por sua vez, a Lei nº 8.935/1994, que dispõe sobre os serviços notariais e de registro, trata especificamente “DOS PREPOSTOS” em seu Título II (Normas Comuns) do Capítulo II, nos seguintes termos:

Art. 20Os notários e os oficiais de registro poderão, para o desempenho de suas funções, contratar escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho.

§ 1º Em cada serviço notarial ou de registro haverá tantos substitutos, escreventes e auxiliares quantos forem necessários, a critério de cada notário ou oficial de registro.

§ 2º Os notários e os oficiais de registro encaminharão ao juízo competente os nomes dos substitutos.

§ 3º Os escreventes poderão praticar somente os atos que o notário ou o oficial de registro autorizar.

§ 4º Os substitutos poderão, simultaneamente com o notário ou o oficial de registro, praticar todos os atos que lhe sejam próprios exceto, nos tabelionatos de notas, lavrar testamentos.

§ 5º Dentre os substitutos, um deles será designado pelo notário ou oficial de registro para responder pelo respectivo serviço nas ausências e nos impedimentos do titular.

Art. 21O gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços”. 

Extrai-se da leitura dos dispositivos citados que a previsão se dirige, assim, aos prepostos contratados pelos Notários e Oficiais de Registro, titulares[1]   das serventias, por delegação do Poder Público, e que tem responsabilidade sobre o gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços.

A ADI nº 2.602/DF, que tramitou no âmbito do STF, invocada como precedente pelo Requerente, também não se aplica ao caso dos autos, uma vez que a questão nela veiculada referia-se ao regime jurídico dos Notários e Registradores. Eis a sua ementa:

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROVIMENTO N. 055/2001 DO CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. NOTÁRIOS E REGISTRADORES. REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS. INAPLICABILIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 20/98. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE EM CARÁTER PRIVADO POR DELEGAÇÃO DO PODER PÚBLICO. INAPLICABILIDADE DA APOSENTADORIA COMPULSÓRIA AOS SETENTA ANOS. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. O artigo 40, § 1º, inciso II, da Constituição do Brasil, na redação que lhe foi conferida pela EC 20/98, está restrito aos cargos efetivos da União, dos Estados-membros , do Distrito Federal e dos Municípios — incluídas as autarquias e fundações. 2. Os serviços de registros públicos, cartorários e notariais são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público — serviço público não-privativo. 3. Os notários e os registradores exercem atividade estatal, entretanto não são titulares de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público. Não são servidores públicos, não lhes alcançando a compulsoriedade imposta pelo mencionado artigo 40 da CB/88 — aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (ADI 2.602-0/MG, Rel. para o acórdão Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno do STF, julgado em 24.11.2005, DJ 31.03.2006).

Este Conselho, considerando que a Administração Pública encontra-se vinculada aos princípios assentes no artigo 37 da Constituição Federal e que lhe cabe zelar pela sua observância, no âmbito do Poder Judiciário, editou a Resolução CNJ nº 07, de 18/10/2005, que disciplinou o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário, no que se refere à prática do nepotismo.

Posteriormente e em complemento ao referido normativo, o CNJ publicou o Enunciado Administrativo nº 01, de 15/12/2005, ampliando o escopo da Resolução CNJ nº 07/2005, preceituando, dentre outros comandos, que “aplica-se a Resolução 7 deste CNJ às nomeações não-concursadas para serventias extrajudiciais”.

O Supremo Tribunal Federal, atento ao mencionado dispositivo constitucional, e à recorrente sistemática irregular de nomeações na Administração Pública, declarou, em 20/08/2008, a constitucionalidade da Resolução CNJ nº 07/2005 (ADC12) e aprovou, na Sessão Plenária do dia 21/08/2008, a Súmula Vinculante nº 13, que assim dispõe:

“(…) a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”.

Nessa esteira de entendimento, este Conselho já se manifestou sobre o tema, cabendo citar os seguintes precedentes: PCA nº 0005082-46.2017.2.99.0000, PCA nº 0007525-67.2017.2.00.0000 e PCA nº 0006528-84.2017.2.00.0000.

Depois, a Corregedoria Nacional de Justiça editou o Provimento nº 77/2018 que, mais uma vez, reafirmou a vedação ao nepotismo, dessa vez, quanto à impossibilidade de designação de substituto para serventia vaga que seja cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau do antigo delegatário ou de magistrados do tribunal local.

Apesar de a Resolução CNJ nº 07/2005 e a Súmula Vinculante nº 13, do STF, não terem alcançado,  expressamente, a hipótese em comento – contratação de parentes pelos Interinos e Interventores como funcionários de Serventias Extrajudiciais – por não terem conseguido prever, por óbvio, todas as possíveis contratações/nomeações que caracterizariam nepotismo no âmbito de cada Poder, não significa que não haja outras contratações/nomeações igualmente irregulares no serviço público. O Supremo Tribunal Federal tem idêntico posicionamento, no que se refere à mencionada Súmula Vinculante:

“Ao editar a Súmula Vinculante 13, a Corte não pretendeu esgotar todas as possibilidades de configuração de nepotismo na Administração Pública, dada a impossibilidade de se preverem e de se inserirem, na redação do enunciado, todas as molduras fático-jurídicas reveladas na pluralidade de entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios) e das esferas de Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário), com as peculiaridades de organização em cada caso. Dessa perspectiva, é certo que a edição de atos regulamentares ou vinculantes por autoridade competente para orientar a atuação dos demais órgãos ou entidades a ela vinculados quanto à configuração do nepotismo não retira a possibilidade de, em cada caso concreto, proceder-se à avaliação das circunstâncias à luz do art. 37, caput, da CF/1988” (MS 31.697, voto do rel. min. Dias Toffoli, 1ª T, j. 11-3-2014, DJE 65 de 2-4-2014).

Feitas essas considerações, cumpre analisar a relação existente entre os Interinos/Interventores e o Estado, durante a vacância da serventia.

Conforme enuncia o caput do artigo 236 da Constituição Federal, “os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”.  Esta ocorre, por meio de concurso público (artigo 236, §3º, da CF), concretizada na figura do titular/delegatário.

No entanto, uma vez extinta a delegação, o serviço será declarado vago pela autoridade competente e retorna para o Poder Público, operando, portanto, a reversão, e, “em consequência, os direitos e privilégios inerentes à delegação, inclusive a renda obtida com o serviço, pertencem ao Poder Público[2]  ”, respondendo pela serventia, precariamente, um designado, também conhecido como Interino/Interventor, os quais não possuem a delegação, sendo considerados apenas prepostos do Estado. Nesse sentido, vale transcrever o entendimento da doutrina a respeito do tema:

“Aquele que responde pelo expediente não é delegado do Poder Público, mas agente público, ainda vinculado pela legislação trabalhista à serventia, encarregado, pelo Estado, de administrar os trabalhos, até que novo titular seja nomeado, praticando quanto seja estritamente necessário para a regularidade dos serviços. Nesse período intermédio, a responsabilidade pelos encargos de dissidências trabalhistas é do Estado. No art. 36, ao tratar da nomeação de interventor, diz a lei que lhe caberá responder pela serventia, expressão que, sem o elevar à condição de delegado, abarca um campo mais amplo do correspondente à satisfação do expediente. Na ofensa ao direito de terceiros, no período dessa substituição, a responsabilidade é do Poder Público” (CENEVIVA, Walter, Editora Saraiva, p. 313).

Há pouco tempo, o Supremo Tribunal Federal, foi instado a se manifestar novamente sobre o tema, tendo aprovado a seguinte tese: “os substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada não se equiparam aos titulares de serventias extrajudiciais, visto não atenderem aos requisitos estabelecidos nos arts. 37, inciso II; e 236, § 3º, da Constituição Federal para o provimento originário da função, inserindo-se na categoria dos agentes estatais, razão pela qual se aplica a eles o teto remuneratório do art. 37, inciso XI, da Carta da República” (RE nº 808.202/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 24/08/2020).

E, em razão disso, a Suprema Corte, no Mandado de Segurança nº 30.180 AgR, de relatoria do Min. Dias Toffoli, decidiu que o “O titular interino não atua como delegado do serviço notarial e de registro porque não preenche os requisitos para tanto; age, em verdade, como preposto do Poder Público e, nessa condição, deve-se submeter aos limites remuneratórios previstos para os agentes estatais, não se lhe aplicando o regime remuneratório previsto para os delegados do serviço público extrajudicial (art. 28 da Lei nº 8.935/1994)”.

Nessa linha, e considerando a responsabilidade estatal dos atos praticados pelos Interinos/Interventores durante a designação, não há como se afastar dos princípios do artigo 37 da Constituição Federal, em especial, da moralidade e da impessoalidade.

É importante relembrar que a Resolução CNJ 80/2009, que declarou a vacância dos serviços notariais e de registro ocupados em desacordo com as normas constitucionais, permitiu a permanência dos até então responsáveis pelas unidades vagas até a assunção do novo delegatário (artigo 3º, caput), mas vedou expressamente a interinidade nas hipóteses de nepotismo descritas (artigo 3º, §2º) ou qualquer designação ofensiva à moralidade administrativa, uma vez que a “a sucessão de parentes à testa do serviço registral contraria igualmente o princípio republicano, por causar a perpetuação de uma pessoa ou grupo de pessoas (núcleo familiar) no exercício de atividade do Estado, sem privilegiar, contudo, a alternância e a temporariedade”  (PCA nº 0005082-41.2017.2.00.0000).

Outrossim, tal norma proíbe os Interinos de contratar novos funcionários ou adotar qualquer outra medida que comprometa a renda da Serventia de modo continuado sem a prévia autorização do Tribunal competente (artigo 3º, §4º), indicando, que a liberdade de contratação, nesse aspecto, dos interinos, é restrita, o que difere dos Notários e Registradores que, podem, inclusive, indicar parentes como seus substitutos, posto que “são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso” (artigo 22 da Lei nº 8.935/1994 com a redação alterada pela Lei nº 13.286/2016).

O mesmo raciocínio se aplica aos Interventores, que são pessoas igualmente designadas, de forma precária, para responder pelas Serventias, enquanto perdurar o afastamento do titular do serviço.

Depreende-se, dessa forma, que a vedação ao nepotismo teve origem com a Constituição Federal e, no caso dos cartórios extrajudiciais, efetivou-se com o Enunciado Administrativo CNJ nº 01, de 15/12/2005, que ampliou os efeitos da Resolução CNJ nº 07/2005, a Resolução CNJ nº 80/2009 e o Provimento CNJ nº 77/2018.

Eventuais prejuízos individuais dos empregados dos Cartórios contratados pelos Interinos ou Interventores não podem se sobrepor ao interesse público materializado nos princípios da Administração Pública contidos no artigo 37 da Constituição Federal.

Assim, a contratação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, por consanguinidade ou afinidade, dos Interinos/Interventores como funcionários das serventias por eles gerenciadas afronta o disposto na Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal e a Resolução CNJ nº 07/2005, o Enunciado Administrativo CNJ nº 01 e a Resolução CNJ nº 80/2009, configurando, pois, a prática de nepotismo[3] . Pensar de modo diverso é “perenizar uma situação fática com a qual o texto constitucional não compactua[4]”.

Por todo exposto, tendo em vista que o ato impugnado – AVISO nº 13/2020 – editado pelo TJRJ está de acordo com a legislação de regência da matéria, assim como atende aos princípios que regem a Administração Pública, assim como à vedação ao Nepotismo, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados neste feito e, com fundamento no artigo 25, X, do RICNJ,  DETERMINO O ARQUIVAMENTO DOS AUTOS.

É como voto.

Ministro EMMANOEL PEREIRA

Conselheiro Relator

Notas:

[1] https://www.irib.org.br/obras/os-servicos-notariais-e-registrais-no-brasil#:~:text=Os%20titulares%20s%C3%A3o%20not%C3%A1rios%20ou,registro%20ou%20registradores%2C%20como%20sin%C3%B4nimos.

[2] Trecho retirado das informações prestadas pelo então Corregedor Nacional de Justila, Min. Gilson Dipp no MS nº 29.192/DF, Rel. Min. Dias Toffoli.

[3] Vê-se que alguns Tribunais já contemplam em seus normativos tal disposição: Provimento nº 36/2016-CGJ do TJMT com redação alterada pelo Provimento nº 23/2020; Provimento nº 218/2019– CGJ do TJMS.

[4] RE 808.202/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 24/08/2020. – – /

Dados do processo:

CNJ – Procedimento de Controle Administrativo nº 0000329-41.2020.2.00.0000 – Rio de Janeiro – Rel. Cons. Emmanoel Pereira – DJ 17.08.2021

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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