Inventário – Sucessão hereditária – Tempo da abertura a fixar a legislação aplicável – No caso, o atual Código Civil de 2002 – Regime de bens adotado por ocasião do casamento que não interfere na linha de vocação – Ausentes descendentes ou ascendentes, a sucessão será atribuída por inteiro ao cônjuge sobrevivente – Aplicação dos dispostos pelos artigos 1.845, 1.829, III e 1.838 do atual Código Civil – Colaterais que sucedem somente se já dissolvida a sociedade conjugal – Sociedade vigente na data do falecimento, a afastar os irmãos ao direito à herança – Sentença confirmada – Recurso não provido.


  
 

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1011837-28.2020.8.26.0004, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes JOSÉ MARIANO, MARILICE FRANCISCO MARIANO, IRENE MARIANO VIEIRA, JAIRO VIEIRA DO PRADO, MARIA DE LOURDES MARIANO SANTOS, JORGE GOMES DOS SANTOS, LOURIVAL MARIANO, ALAIDE MARIANO, SAMUEL VIEIRA MARIANO e MARIA AUREA VIEIRA MARIANO, são apelados MARIVALDO PACHECO DOS SANTOS (INVENTARIANTE) e EUNICE MARIANO PACHECO DOS SANTOS (ESPÓLIO).

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOÃO CARLOS SALETTI (Presidente sem voto), JAIR DE SOUZA E COELHO MENDES.

São Paulo, 24 de setembro de 2021.

ELCIO TRUJILLO

Relator(a)

Assinatura Eletrônica

Apelação n° 1011837-28.2020.8.26.0004

Comarca: São Paulo

Ação: Inventário

Apte (s).: José Mariano (e outros)

Apdo (s).: Marivaldo Pacheco dos Santos (inventariante)

Voto nº 41.082

INVENTÁRIO – Sucessão hereditária – Tempo da abertura a fixar a legislação aplicável – No caso, o atual Código Civil de 2002 – Regime de bens adotado por ocasião do casamento que não interfere na linha de vocação – Ausentes descendentes ou ascendentes, a sucessão será atribuída por inteiro ao cônjuge sobrevivente – Aplicação dos dispostos pelos artigos 1.845, 1.829, III e 1.838 do atual Código Civil – Colaterais que sucedem somente se já dissolvida a sociedade conjugal – Sociedade vigente na data do falecimento, a afastar os irmãos ao direito à herança – Sentença confirmada – RECURSO NÃO PROVIDO.

Trata-se de ação de inventário em que foi adjudicada a totalidade do acervo hereditário indicado por conta do falecimento de Eunice Mariano Pacheco dos Santos ao cônjuge sobrevivente Marivaldo Pacheco dos Santos, conforme r. sentença de fls. 379, de relatório adotado.

Recorrem os irmãos da falecida, alegando, em resumo, que ausentes descendentes e ascendentes, em face do regime de bens adotado por ocasião do casamento, de separação obrigatória de bens, o direito à sucessão cabe aos herdeiros colaterais, no caso, os apelantes, afastando a sucessão do viúvo autor, além de haver cláusula de incomunicabilidade sobre os bens indicados (fls. 510/524). Contrarrazões (fls. 531/536).

É o relatório.

O recurso não comporta provimento.

Com o falecimento de Eunice Mariano Pacheco dos Santos, ocorrido em 12 de janeiro de 2016 (fls. 13/14) e tendo sido ela casada sob o regime da separação total de bens (fls. 12), não havendo descendentes e nem ascendentes vivos, cuidou o viúvo de pretender a adjudicação dos bens que pertenciam à “de cujus”.

O i. Juiz decidiu pela adjudicação da totalidade do acervo hereditário que pertencia à falecida ao cônjuge sobrevivente.

Daí o apelo dos irmãos, alegando serem os verdadeiros herdeiros da “de cujus”.

Sem razão.

De início, cumpre observar a legislação aplicável, que é a do tempo de abertura da sucessão, nos termos do artigo 1.787 do Código Civil. [1]

Com o falecimento da autora da herança em 12 de janeiro de 2016, aplicável o atual Código Civil, de 2002.

Não se há confundir o que ocorre com os Apelantes – regime de bens adotado por ocasião do casamento no caso, foi o da separação de bens – a tratar da meação, com herança.

Meação fica restrita ao próprio interesse dos cônjuges que, no momento do casamento, fazem a opção quanto ao regime a ser adotado para os bens.

Trata-se de apurar a ordem de vocação hereditária, por sinal, descrita pelo artigo 1.829 do Código Civil aqui aplicado e que indica o cônjuge sobrevivente depois dos descendentes e ascendentes estando incluído no rol dos herdeiros necessários (artigo 1.845 do Código Civil) [2]:

“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III – ao cônjuge sobrevivente;

IV – aos colaterais.” (grifo nosso).

Portanto, sob tal circunstância, a exclusão se dá apenas se já dissolvida a sociedade, a teor do artigo 1.830 do Código Civil [3] o que, pelo relato geral e pela motivação do pedido, não se deu.

Assim, por ocasião do falecimento, o viúvo mantinha a sociedade conjugal, fator demonstrado, ainda, pela certidão de óbito (fls. 13/14) que, por ser documento público gera a presunção “juris tantum”, não desconstituída pelos apelantes.

Não havendo descendentes e nem ascendentes, como no caso, o cônjuge tem direito à integralidade da herança, a teor do artigo 1.838 do Código Civil: “Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente.”

Apontam Sebastião Amorim e Euclides de Oliveira que “Para a sucessão do cônjuge, não interessa o regime adotado, herdando sempre, seja no regime de comunhão de bens, como no de separação, salvo se, por ocasião da abertura da sucessão, já estivesse dissolvida a sociedade conjugal”.

Mais: “O cônjuge sobrevivente, figurando em terceiro lugar na ordem preferencial da vocação hereditária, recebe a integralidade da herança se não houver descendentes e ascendentes. Não importa qual seja o regime de bens. Ainda que casado, por exemplo, pela separação total de bens, convencional ou legal, recebe toda a herança.” (“Código Civil Comentado”, coord. Min. Cesar Peluso, Editora Manole, 2007, pág. 1831/1832).

Posição pacífica, inclusive, da jurisprudência deste Egrégio Tribunal:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO Inventário Decisão que indefere a habilitação de colaterais do de cujus como herdeiros, tendo em vista a existência de companheira – Companheira sobrevivente, que, tal qual o cônjuge sobrevivente, precede aos colaterais na ordem de vocação hereditária (inciso III do art. 1.829 do CC) Observação do Tema 809 do STF, em sede de repercussão geral Regime de bens que não influi na decisão Recurso não provido..” (2ª Câmara D. Privado, Agravo de Instrumento nº 2124114-45.2021.8.26.0000, Rel. Des. José Carlos Ferreira Alves, j. 20.08.2021, v.u.);

“INVENTÁRIO. DECISÃO QUE ASSENTOU A QUALIDADE DE HERDEIRO DO COMPANHEIRO SOBREVIVENTE E EXCLUIU OS COLATERAIS DA HERANÇA. RECURSO DESPROVIDO. Inventário. Insurgência contra a decisão que assentou a condição de herdeiro exclusivo do companheiro sobrevivente, destituindo o irmão da inventariança e excluindo os colaterais da herança. Não houve pedido de efeito. Companheiro sobrevivente que integra a ordem de vocação hereditária, na forma do artigo 1829 do Código Civil. Colaterais chamados a suceder o de cujus apenas na ausência de descentes, ascendentes e cônjuge/companheiro supérstite. Adoção do regime da separação convencional de bens que não afasta a qualidade de herdeira do companheiro. Escritura pública de união estável. Jurisprudência do STJ e deste Tribunal. Decisão mantida. Recurso desprovido.” (10ª Câmara D. Privado, Agravo de Instrumento nº 2149990-36.2020.8.26.0000, Rel. Des. J. B. Paula Lima, j. 06.08.2020, v.u.);

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – INVENTÁRIO – INCLUSÃO DA VIÚVA DO DE CUJUS NO INVENTÁRIO – CASAMENTO CELEBRADO SOB O REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS HERDEIRA NECESSÁRIA – INCIDÊNCIA DO ARTIGO 1829, INCISO I, DO CÓDIGO CIVIL INEXISTÊNCIA DE PROVA NOS AUTOS DA SEPARAÇÃO DE FATO QUE AFASTA O CÔNJUGE SOBREVIVENTE DA SUCESSÃO E CONVOCA OS COLATERAIS DECISÃO MANTIDA RECURSO NÃO PROVIDO.” (5ª Câmara D. Privado, Agravo de Instrumento nº 2089360-48.2019.8.26.0000, Rel. Des. Erickson Gavazza Marques, j. 29.10.2019, v.u.).

As cláusulas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade gravadas sobre os bens do acervo em nada interferem na adjudicação dos respectivos quinhões ao autor, uma vez que referidos gravames persistiriam somente enquanto Maria do Socorro de Souza Mariano estivesse viva (segundas núpcias do genitor da falecida fls. 18), pelo que cessariam os ônus após a sua morte (fls. 23 e 31).

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.

ELCIO TRUJILLO

Relator

Notas:

[1] “Art. 1.787. Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela.”

[2] “Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.”

[3] “Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.” – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1011837-28.2020.8.26.0004 – São Paulo – 10ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Elcio Trujillo – DJ 28.09.2021

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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