CSM/SP: Registro de Imóveis – Instrumento particular de dissolução de sociedade por responsabilidade limitada – Necessidade de escritura pública para a transmissão de imóvel da sociedade para a sócia, com valor individual superior a trinta salários mínimos, ainda que realizada a título de pagamento de haveres – Obrigatoriedade da comprovação do reconhecimento da imunidade, ou isenção, do imposto de transmissão de bens “inter vivos” – ITBI, na forma da legislação municipal – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido.

Apelação Cível nº 1002635-98.2021.8.26.0066

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1002635-98.2021.8.26.0066

Comarca: BARRETOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1002635-98.2021.8.26.0066

Registro: 2021.0000918277

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002635-98.2021.8.26.0066, da Comarca de Barretos, em que é apelante SILVIA RODRIGUES DE BRITO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BARRETOS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 20 de outubro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1002635-98.2021.8.26.0066

Apelante: Silvia Rodrigues de Brito

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Barretos

VOTO Nº 31.574.

Registro de Imóveis – Instrumento particular de dissolução de sociedade por responsabilidade limitada – Necessidade de escritura pública para a transmissão de imóvel da sociedade para a sócia, com valor individual superior a trinta salários mínimos, ainda que realizada a título de pagamento de haveres – Obrigatoriedade da comprovação do reconhecimento da imunidade, ou isenção, do imposto de transmissão de bens “inter vivos” – ITBI, na forma da legislação municipal – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido.

1. Trata-se de apelação interposta por Silvia Rodrigues de Brito contra r. sentença que julgou a dúvida procedente e manteve a recusa do Sr. Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Barretos em promover os registros, nas matrículas nºs 74.797 e 74.798, do contrato de dissolução de sociedade por cotas de responsabilidade limitada em que prevista a transmissão dos imóveis para a sócia, porque é necessária a escritura pública e porque não foi comprovado o pagamento, ou isenção, do imposto de transmissão de bens “inter vivos” – ITBI (fl. 44/48).

A apelante alegou, em suma, que o instrumento particular de distrato é título suficiente para o registro da transmissão dos imóveis que recebeu em razão da dissolução da sociedade comercial. Disse que as alterações contratuais ou estatutárias podem ser efetivadas por instrumento particular, servindo a certidão passada pela Junta Comercial como documento hábil para a transferência por transcrição no registro público competente, como previsto nos arts. 53 e 64 da Lei nº 8.934/1994. Afirmou que a dispensa da escritura pública prevalece para o registro dos bens transmitidos pelos sócios para a integralização do capital social e, ainda, para as transmissões de bens feitas pela sociedade aos sócios em razão da extinção da pessoa jurídica, o que ocorre por força do princípio da simetria. Além disso, não há incidência do imposto de transmissão “inter vivos” nessa transferência, uma vez que basta o arquivamento do instrumento particular de distrato na Junta Comercial. Requereu o provimento do recurso para que a dúvida seja julgada improcedente (fl. 51/57).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 86/88).

É o relatório.

2. O art. 64 da Lei nº 8.934/1994 prevê que a certidão dos atos de constituição e de alteração, fornecida pela Junta Comercial, constitui título hábil para o registro da transferência dos bens transmitidos pelo sócio para a sociedade empresária visando a subscrição ou o aumento do capital social:

Art. 64. A certidão dos atos de constituição e de alteração de empresários individuais e de sociedades mercantis, fornecida pelas juntas comerciais em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou para o aumento do capital” (grifei).

Dessa forma, o instrumento particular de constituição ou alteração da sociedade de responsabilidade limitada, registrado na Junta Comercial, é título hábil para o registro da transmissão do imóvel feita pelo sócio para a integralização do capital social a que se obrigou.

Igual, porém, não ocorre com a transmissão de imóvel para o sócio, ainda que promovida a título de pagamento de haveres em razão da dissolução e posterior liquidação da sociedade empresária.

Isso porque, não dispondo a lei em contrário, é a escritura pública requisito de validade para a transferência de direitos reais sobre imóvel de valor superior a trinta salários mínimos, como previsto no art. 108 do Código Civil:

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País“.

Por sua vez, não há conflito entre o art. 64 da Lei nº 8.934/1994 e o art. 108 do Código Civil, pois a norma especial prevalece sobre a norma geral na hipótese que prevê, ou seja, na transmissão de bens do sócio para a sociedade promovida para a constituição ou o aumento do capital social.

Ausente conflito de normas, e cuidando-se de negócio jurídico celebrado em circunstância distinta, não há que se falar em violação de princípio da simetria, ou violação da isonomia, pois o princípio da igualdade impõe que o tratamento seja igual entre os iguais e desigual entre os desiguais.

E não há igualdade entre a sociedade, que tem personalidade jurídica própria, e os seus sócios, inclusive no que se refere aos patrimônios de ambos que são distintos.

A distinção entre a pessoa jurídica e os seus sócios, inclusive no que se refere ao patrimônio, foi realçada pelo art. 49-A do Código Civil, introduzido pela Lei nº 13.874/2019, que dispõe:

Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.

Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos“.

A função social das pessoas jurídicas referida no parágrafo único do art. 49-A do Código Civil, que abrange a sua função econômica, embasa o tratamento adotado na legislação para a transmissão dos bens, pelos sócios, destinados à integralização e aumento do capital social, uma vez que são essenciais para o desenvolvimento da atividade empresária.

Por isso, a transmissão de bem imóvel da sociedade para o sócio, ainda que a título de pagamento dos haveres decorrentes da dissolução e posterior liquidação da empresa, tem como requisito de validade a escritura pública, salvo se o imóvel tiver valor inferior a trinta salários mínimos, como previsto no art. 108 do Código Civil.

O instrumento público não é dispensado pela causa da transmissão do imóvel da sociedade para o sócio, consistente no pagamento de haveres decorrente da sua dissolução, pois até a sua efetiva liquidação e consequente extinção permanece a sociedade com o domínio dos bens que integram o seu patrimônio, como esclarece Fábio Ulhoa Coelho:

A sociedade empresária dissolvida (por ato dos sócios ou decisão judicial) não perde, de imediato, a personalidade jurídica por completo. Ao contrário, conserva-a, mas apenas para liqüidar as pendências obrigacionais existentes (LSA, art. 207; CC/2002, art. 51, Ccom, art. 335, in fine). Em outros termos, ela sofre uma considerável restrição na sua personalidade, na medida em que somente pode praticar os atos necessários ao atendimento das finalidades da liquidação. Qualquer negócio jurídico realizado em nome da sociedade empresária dissolvida que não vise dar seguimento à solução das pendências obrigacionais não pode ser imputado à pessoa jurídica. Esta não é mais um sujeito apto a titularizar direitos ou contrair obrigações, salvo as indispensáveis ao regular processamento da liquidação. Imputam-se, desse modo, as conseqüências do ato exclusivamente à pessoa física que o praticou em nome da sociedade dissolvida” (Curso de Direito ComercialVol. 2, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 460).

A jurisprudência deste Egrégio Conselho Superior da Magistratura, com iguais fundamentos, exige o instrumento público como requisito para o registro do negócio jurídico de transmissão de imóvel da sociedade para o sócio, como se verifica na ementa do v. acórdão que foi prolatado na Apelação Cível nº 75.582-0/9 da Comarca de Jundiaí, j. 22.02.2001, de que foi relator o Desembargador Luís de Macedo:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Recusa no registro de instrumento particular de distrato social de pessoa jurídica, registrado na Junta Comercial, visando a transmissão de bem imóvel da sociedade para um dos sócios. Aplicação do art. 134, II, § 6º, do Código Civil, sendo necessário que o ato de transferência seja instrumentalizado por escritura pública. Interpretação restritiva, não abrangente da hipótese do art. 64, da lei nº 8.934/94. Dúvida procedente. Recurso a que se nega provimento“.

3. Por fim, nos termos do art. 289 da Lei n.º 6.015/73 incumbe ao oficial de registro a rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofíciopodendo a omissão acarretar a sua responsabilidade solidária no pagamento do tributo, como previsto no art. 134, inciso VI, do Código Tributário Nacional:

“Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

(…)

VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu oficio”.

A imunidade prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal não incide quando a pessoa jurídica tiver como atividade preponderante a compra e venda de bens ou direitos sobre imóveis, a locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.

Assim, incumbe ao Registrador o dever de fiscalizar o pagamento dos impostos devidos, observando-se que eventual não incidência do imposto está condicionada à apresentação da prova do reconhecimento administrativo da imunidade, ou isenção, conforme o art. 31, inciso XIX, da Lei Municipal Estadual 96/2008 que foi referido na nota devolutiva (fl. 08).

4. Ante o exposto, pelo meu voto nego provimento ao recurso e mantenho a recusa do registro do título.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 26.01.2021 – SP)

Fonte: INR Publicações.

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CORREGEDORES PERMANENTES: Publicação anual SP

CORREGEDORES PERMANENTES

Espécie: EDITAL

Comarca: INTERIOR

CORREGEDORES PERMANENTES

Em conformidade com os incisos XI e XXV do artigo 28 da Seção VIII do Novo Regimento Interno do E. Tribunal de Justiça, a Corregedoria Geral da Justiça faz a publicação anual dos Editais de Corregedores Permanentes do Estado de São Paulo, de acordo com as situações vigentes, observando que uma vez superadas eventuais pendências (processos ainda em andamento – vide anotação ao lado do nome da Comarca), oportunamente será feita nova republicação do edital:

(…)

Nota da redação INR: Clique aqui para visualizar a íntegra do ato. (DJe de 26.01.2022 – SP)

Fonte: INR Publicações.

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TJSP: Apelação e Reexame Necessário – Mandado de segurança preventivo – ITCMD – Sucessão hereditária – Definição da base de cálculo do tributo, bem como de sua homologação – Incidência sobre o valor do patrimônio líquido dos bens, e não a integralidade do monte-mor, deduzindo-se o passivo declinado nos autos do inventário – Possibilidade, nos termos dos arts. 38 do Código Tributário Nacional, arts. 1.792 e 1.997 do Código Civil, bem como art. 796 do Código de Processo Civil – Art. 12 da Lei Estadual nº 12.705/00, que desconsidera o abatimento das dívidas que onerem o bem transmitido ou o espólio, que restou derrogado – Inteligência do art. 2.º, § 1.º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e art. 24, § 4.º, da Constituição Federal – Precedentes – Concessão da ordem mantida – Recursos desprovidos.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 1035376-06.2019.8.26.0506, da Comarca de Ribeirão Preto, em que é apelante ESTADO DE SÃO PAULO e Recorrente JUÍZO EX OFFICIO, é apelada MARIA DO CARMO JACINTHO JUNQUEIRA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento aos recursos. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores CLAUDIO AUGUSTO PEDRASSI (Presidente) E LUCIANA BRESCIANI.

São Paulo, 6 de novembro de 2021.

RENATO DELBIANCO

Relator(a)

Assinatura Eletrônica

Voto nº 19.722

Apelação Cível nº 1035376-06.2019.8.26.0506

Recorrente: JUÍZO “EX OFFICIO”

Apelante: ESTADO DE SÃO PAULO

Apelado: ESPÓLIO DE HAROLDO DINIZ JUNQUEIRA

Interessado: CHEFE DO POSTO FISCAL 11 RIBEIRÃO PRETO

Comarca: RIBEIRÃO PRETO

Juíza de 1º Grau: LUÍSA HELENA CARVALHO PITA

APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO – Mandado de segurança preventivo – ITCMD – Sucessão hereditária – Definição da base de cálculo do tributo, bem como de sua homologação – Incidência sobre o valor do patrimônio líquido dos bens, e não a integralidade do monte-mor, deduzindo-se o passivo declinado nos autos do inventário – Possibilidade, nos termos dos arts. 38 do Código Tributário Nacional, arts. 1.792 e 1.997 do Código Civil, bem como art. 796 do Código de Processo Civil – Art. 12 da Lei Estadual n.º 12.705/00, que desconsidera o abatimento das dívidas que onerem o bem transmitido ou o espólio, que restou derrogado – Inteligência do art. 2.º, § 1.º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e art. 24, § 4.º, da Constituição Federal – Precedentes – Concessão da ordem mantida – Recursos desprovidos.

Trata-se de apelação e reexame necessário interpostos nos autos do mandado de segurança preventivo impetrado com o fim de permitir ao espólio impetrante o recolhimento do ITCMD tomando-se por base de cálculo o valor do patrimônio líquido dos bens deixados pelo de cujus Haroldo Diniz Junqueira, e não a integralidade do monte-mor, deduzindo-se o passivo declinado nos autos do inventário, tendo a ordem sido concedida pela r. sentença de fls. 173/176.

Ao recurso oficial somou-se tempestivo apelo do Estado de São Paulo, assistente litisconsorcial passivo (fls. 183/189), aduzindo, em síntese, a impossibilidade de descontos na base de cálculo do ITCMD, consoante determina a legislação de regência.

Vieram contrarrazões (fls. 194/202).

Esta C. Câmara, por intermédio do v. acórdão de fls. 205/214, houve por bem inicialmente não conhecer do recurso interposto em função de se tratar de questão a ser dirimida pelo Juízo do inventário, nos termos do art. 638, § 2.º, do Código de Processo Civil, cuja competência seria de umas Câmaras da Primeira Seção de Direito Privado.

Distribuídos os autos à C. 8.ª Câmara de Direito Privado, esta declinou da competência e suscitou conflito perante o E. Órgão Especial (fls. 217/221) que, por meio do conflito de competência n.º 0009186-18.2021.8.26.0000, declarou como competente esta C. 2.ª Câmara de Direito Público (fls. 223/239).

Não há oposição ao julgamento virtual.

É o relatório.

Cuida-se de mandado de segurança preventivo impetrado pelo espólio de Haroldo Diniz Junqueira, representado por sua inventariante Maria do Carmo Jacintho Junqueira, com a finalidade de permitir o recolhimento do ITCMD tomando-se por base de cálculo o valor do patrimônio líquido dos bens deixados pelo de cujus, e não a integralidade do monte-mor, deduzindo-se o passivo declinado nos autos do inventário n.º 1018115-28.2019.8.26.0506, em trâmite perante a 3.ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Ribeirão Preto/SP.

A ordem foi concedida pelo Juízo da 2.ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Ribeirão Preto/SP.

Nenhum reparo comporta o r. julgado.

De acordo com o art. 12 da Lei Estadual n.º 10.705/00, que “dispõe sobre a instituição do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos ITCMD” no Estado de São Paulo:

Art. 12. No cálculo do imposto, não serão abatidas quaisquer dívidas que onerem o bem transmitido, nem as do espólio.

Tal regramento, no entanto, não se coaduna com o disposto no art. 38 do Código Tributário Nacional:

Art. 38. A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.

E, por “bens ou direitos transmitidos” entende-se todos aqueles após a dedução das dívidas do falecido, a teor do disposto nos arts. 1.792 e 1.997 do Código Civil, bem como art. 796 do Código de Processo Civil:

Código Civil

Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados.

Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube.

Código de Processo Civil

Art. 796. O espólio responde pelas dívidas do falecido, mas, feita a partilha, cada herdeiro responde por elas dentro das forças da herança e na proporção da parte que lhe coube.

Ora, é princípio hermenêutico basilar que a lei posterior derroga a anterior naquilo que for incompatível (art. 2.º, § 1.º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro [1]), bem como não ser possível lei estadual contrariar o disposto em lei complementar federal, como é o caso do Código Tributário Nacional [2], ou, ainda, que “a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário” [3], e tem-se por inviável a pretensão fazendária no sentido de se desconsiderar o abatimento das dívidas que onerem o bem transmitido ou o espólio, consoante decidido pelo Excelso Pretório:

“À luz das lições colacionadas, impõe-se a seguinte conclusão: se o imposto é sobre transmissão de patrimônio, a base de cálculo deve ser uma medida do patrimônio (que será o patrimônio transferido). Os impostos incidem sobre signos presuntivos de riqueza. O universo tributável deve corresponder à uma mensuração da riqueza auferida. Tributar fato alheio à riqueza, a título de imposto, importa em confisco. Se a base de cálculo não corresponde ao acréscimo no universo patrimonial daquele que figura como contribuinte, a conclusão é óbvia: a base de cálculo não se coaduna com a hipótese de incidência. Ao vedar as deduções, a lei estadual impede a tributação sobre a transmissão do patrimônio líquido (quantum efetivamente transmitido) e assim deforma a regra matriz de incidência. Não foi por outro motivo que esta Corte já se posicionou no sentido de que a base de cálculo é o montante líquido da herança” (STF, 1ª– T, AgRg no Agravo de Instrumento nº 733.976/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 11/12/2012, DJ  05/02/2013).

Nesse sentido, as decisões proferidas por esta C. Corte:

Mandado de Segurança – Tributário – ITCMD – Incidência do imposto sobre a totalidade da herança, sem abatimento das dívidas do falecido – Art. 12 da Lei Estadual nº 10.705/2000 que contraria o disposto nos arts. 1.792 e 1.997 do Código Civil – Base de cálculo do imposto deve corresponder ao acervo patrimonial transmitido, sem inclusão das dívidas do de cujus – Art. 12 da Lei Estadual nº 10.705/2000 tacitamente revogado pelos arts. 1792 e 1997 do Código Civil, normas federais posteriores e incompatíveis com a primeira – Aplicação do critério temporal previsto no art. 2º, §1º, da LINDB Precedentes desta E. Corte – Sentença mantida – Recurso e reexame desprovidos. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1037316-70.2020.8.26.0053; Relator (a): Souza Meirelles; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 4ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 14/10/2021; Data de Registro: 14/10/2021).

TRIBUTO ITCMD – Imóvel urbano – Base de cálculo – Valor venal utilizado para cálculo do IPTU Possibilidade: – A base de cálculo do ITCMD deve corresponder ao valor venal do bem na data da realização do ato ou contrato de doação, quando ausente qualquer arbitramento administrativo para aferição de valor real realizado em regular contraditório. ITCMD – Base de cálculo – Patrimônio efetivamente transferido Dedução das dívidas – Possibilidade: – O ITCMD incide somente sobre o patrimônio efetivamente transferido, deduzidas eventuais dívidas. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1032261-07.2021.8.26.0053; Relator (a): Teresa Ramos Marques; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 7ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 06/10/2021; Data de Registro: 06/10/2021).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. BASE DE CÁLCULO DO ITCMD. Recurso contra a decisão que determinou que a base de cálculo do ITCMD compreenda todo o acervo hereditário, sem dedução das dívidas do Espólio. Pretensão do agravante de que se recolha o ITCMD somente sobre o patrimônio líquido que será objeto de partilha, com exclusão das dívidas. Cabe ao CTN, que tem natureza de lei complementar, definir a base de cálculo do imposto. O art. 12 da Lei Estadual nº 10.705/2000 não poderia ter modificado a base de cálculo do tributo definida no CTN para determinar que não poderiam ser abatidas as dívidas do Espólio na apuração do imposto. Base de cálculo que deve considerar apenas o patrimônio transmitido, com dedução prévia das dívidas, nos termos do art. 38 do CTN. Determinação que também observa o art. 1.792 do Código Civil. Precedentes. RECURSO PROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2115879-89.2021.8.26.0000; Relator (a): Alexandre Marcondes; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Caetano do Sul – 1ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 09/09/2021; Data de Registro: 09/09/2021).

MANDADO DE SEGURANÇA – Impetração para o fim de que seja conferido o abatimento das dívidas do espólio da base de cálculo do ITCMD – Inteligência dos artigos 1.997 e 1.792, ambos do Código Civil – Sentença concessiva da ordem mantida – Lei Federal de competência legislativa concorrente prevalece sobre Lei Estadual – Exegese do art. 24, inc. I, § 4º, da Constituição Federal – Lei posterior revoga anterior quando com ela incompatível – Artigo 2º, §1º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro Precedente jurisprudencial – Remessa necessária não provida. (TJSP; Remessa Necessária Cível 1059458-68.2020.8.26.0053; Relator (a): Fermino Magnani Filho; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 5ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 25/08/2021; Data de Registro: 25/08/2021).

AGRAVO DE INSTRUMENTO – INVENTÁRIO – IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS – ITCMD – CÁLCULO – PRÉVIO ABATIMENTO DAS DÍVIDAS – A jurisprudência deste Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo é no sentido de que as dívidas do espólio não integram a base de cálculo do ITCMD, que deve recair exclusivamente sobre os bens e direitos efetivamente transmitidos aos herdeiros Decisão reformada – DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2038663-52.2021.8.26.0000; Relator (a): Alexandre Coelho; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José dos Campos – 2ª Vara da Família e das Sucessões; Data do Julgamento: 16/03/2021; Data de Registro: 16/03/2021).

Sem razão, portanto, o apelante.

Sem honorários, a teor do disposto no art. 25 da Lei n.º 12.016/09. Custas na forma da lei.

Considera-se prequestionada toda matéria infraconstitucional e constitucional aventada, observado que é desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais, bastando que a questão tenha sido analisada.

Por estes fundamentos, pelo meu voto, nego provimento aos recursos oficial e voluntário do Estado.

RENATO DELBIANCO

Relator

Notas:

[1] Art. 2.º (…). § 1.º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

[2] De acordo com caudaloso entendimento jurisprudencial, inclusive no âmbito do C. Supremo Tribunal Federal (RE n.º 636.972/RS), o Código Tributário Nacional, apesar de se tratar de uma lei ordinária federal, possui status de lei complementar.

[3] Art. 24, § 4.º, da Constituição Federal. – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação / Remessa Necessária nº 1035376-06.2019.8.26.0506 – Ribeirão Preto – 2ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Renato Delbianco – DJ 17.11.2021

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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