CSM/SP: Registro de imóveis – Apelação – Dúvida negativa de registro de carta de sentença divórcio – Excesso de meação configurado transmissão onerosa dos direitos aquisitivos sobre bem imóvel incidência do ITBI – inteligência do art. 2º, V, da Lei Municipal N.º 12.391/2005 e do art. 152 do Decreto Municipal N.º 59.579/2020 – Qualificação registral razoabilidade da base de cálculo atribuição de valor irrisório no caso concreto óbices mantidos – Recurso a que se nega provimento.


  
 

Apelação Cível nº 1052995-32.2021.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1052995-32.2021.8.26.0100

Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1052995-32.2021.8.26.0100

Registro: 2021.0000918292

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1052995-32.2021.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante OLIVIA COSTA ALONSO, é apelado 4° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 3 de novembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1052995-32.2021.8.26.0100

Apelante: Olivia Costa Alonso

Apelado: 4° Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 31.596

Registro de imóveis – Apelação – Dúvida negativa de registro de carta de sentença divórcio – Excesso de meação configurado transmissão onerosa dos direitos aquisitivos sobre bem imóvel incidência do ITBI – inteligência do art. 2º, V, da Lei Municipal N.º 12.391/2005 e do art. 152 do Decreto Municipal N.º 59.579/2020 – Qualificação registral razoabilidade da base de cálculo atribuição de valor irrisório no caso concreto óbices mantidos – Recurso a que se nega provimento.

1. Cuida-se de recurso de apelação interposto por OLÍVIA COSTA ALONSO em face da r. sentença de fl. 139/140, que julgou procedente a dúvida suscitada, mantendo os óbices registrários ofertados pelo 4º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital para registro da carta de sentença oriunda dos autos do processo n.º 1114655-32.2018.8.26.0100, referente ao divórcio da apelante e de Felipe Sabino de Souza, instrumentalizada pelo 6º Tabelião de Notas da Capital.

A Nota de Exigência de fl. 11/12 indicou como motivos de recusa do ingresso do título:

“Considerando o patrimonio constituído apenas por bens imóveis, na partilha dos bens do casal, Olivia Costa Alonso, recebeu quinhão acima da sua meação, dessa forma será necessário, apresentar o recolhimento do imposto de transmissão ITBI, com a respectiva multa, juros de mora e correção monetária, se pago fora do prazo legal, relativamente ao Apartamento n.º 71, do Edifício Claudio Tozzi, na rua Itacema, n.º 97. Esse o entendimento do Conselho Superior da Magistratura, na Apelação Cível n.º 372-6/9, da Comarca de Patrocínio Paulista SP.

Ainda, em atenção ao artigo 289 da Lei de Registros Públicos e conforme determinado nas Normas de Serviço do Extrajudicial da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo:

217. Em se tratando de separação ou divórcio, a carta de sentença deverá conter, ainda, cópias das seguintes peças:

(…)

V – Manifestação do Município, pela respectiva Procuradoria, se o caso, acerca da incidência e recolhimento do Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos, e sobre eventual pagamento em dinheiro da diferença entre os quinhões dos herdeiros, e sobre a incidência do tributo;

Obs. O imposto de transmissão recolhido pela guia apresentada no protocolo 599.293, que trata da subrogação da dívida junto ao Itaú Unibanco S/A., foi pago a menor, tendo em vista que a base de cálculo deveria considerar o valor venal de referencia atribuído ao imóvel pela prefeitura de São Paulo.

O valor total das custas e emolumentos do presente título, calculados com base na Lei Estadual n.º 11.331/02, importa em R$ 1.196,40, tendo sido depositada a importância de R$ 0,00, restando um saldo remanescente a ser recolhido de R$ 1.196,40.”

Sustenta a recorrente, em suma, que a exigência de manifestação da Procuradoria Municipal atenta contra o princípio da razoável duração do processo; não é o caso de se exigir a manifestação do Município de São Paulo porque não houve transmissão de bem imóvel por ato inter vivos; o ex-cônjuge, Felipe Sabino de Souza, cedeu para a Apelante a sua posição em contrato de alienação fiduciária, ou seja, houve a transmissão de uma obrigação pessoal, mas não um direito real de propriedade. A cobrança de ITBI no caso concreto deve ser afastada para não haver bis in idem, uma vez que já pagou o ITBI sobre todo o imóvel quando da celebração do negócio jurídico original.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fl. 175/178).

É o relatório.

2. Presentes seus pressupostos legais e administrativos, conheço do recurso.

Foi apresentada à registro a carta de sentença instrumentalizada pelo 6º Tabelião de Notas desta Capital, extraída dos autos do processo nº 1114655- 32.2018.8.26.0100, referente ao divórcio de Olívia Costa Alonso, ora apelante, e de Felipe Sabino de Souza.

No acordo entabulado entre as partes, homologado pela r. sentença datada de 12 de dezembro de 2018, restou convencionado que os direitos aquisitivos sobre o imóvel objeto da matrícula nº 96.717, decorrentes da alienação fiduciária constituída sobre o R.07 do citado livro, seriam partilhados integralmente para a recorrente, havendo, ainda, expressa disposição no sentido de que “o quinhão do varão será pago pela virago nos seguintes moldes:

a) primeira parcela no valor de R$ 24.635,80 a ser depositada na conta corrente de titularidade do varão;

b) demais 20 parcelas no valor de R$ 15.000,00 a serem depositadas nos meses consecutivos e subsequentes do pagamento da primeira parcela”.

Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme disposto no item 119 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, vigente à época da qualificação (atual item 117).

Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n.º 413-6/7; Apelação Cível n.º 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível n.º 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível nº. 1001015-36.2019.8.26.0223).

Fixado esta premissa, nos termos do art. 289 da Lei n.º 6.015/73, incumbe ao oficial de registro a rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício, o que vem corroborado pelos itens 117 e 117.1, do Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ:

“117 – Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.

117.1. – Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais”.

A omissão do Delegatário pode levar à sua responsabilidade solidária no pagamento do tributo, nos exatos termos do art. 134, inciso VI, do Código Tributário Nacional-CTN:

“Art. 134 – Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

(…) VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu oficio”.

In casu, em face do excesso de meação em favor da apelante, que ficou com a integralidade dos direitos aquisitivos sobre o imóvel objeto da matrícula nº 96.717, foi paga ao divorciando Felipe a importância de R$ 324.635,80, de forma parcelada.

Com efeito, o art. 35 do Código Tributário Nacional c.c. o art. 156, inciso II, da Constituição Federal estabelecem que o fato gerador do ITBI é a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição, competindo aos Municípios legislar a respeito de sua instituição.

Sobre a incidência do ITBI relevante destacar trecho doutrinário:

“O que se tributa é a transmissão da propriedade de bem imóvel realizada através de um negócio jurídico oneroso, tais como compra e venda, dação em pagamento ou permuta.” [1]

E, em razão da cessão onerosa dos direitos aquisitivos sobre o imóvel objeto da matrícula nº 96.717, incide o imposto, em observância ao que dispõe o artigo 2º, V, da Lei Municipal n.º 12.391/2005:

“Art. 2º – Incluem-se na hipótese de incidência do imposto quaisquer atos onerosos translativos ou constitutivos de direitos reais sobre imóveis, como definidos na lei civil, dentre os quais:

V – o excesso ocorrido nas divisões do patrimônio comum ou na partilha quando for atribuído a um dos cônjuges separados ou divorciados ou ao condômino valor dos bens imóveis localizados no município acima do respectivo quinhão de direito, quando houver tornas ou reposições”.

No mesmo sentido é a redação do art. 152 do Decreto Municipal n.º 59.579 de 03 de julho de 2020.

“Art. 152 – Estão compreendidos na incidência do imposto:

VI – o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou na partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerando, em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou monte-mor.”

E, não há como se acolher o argumento da recorrente de que no caso não houve transmissão de bem imóvel por ato inter vivos, havendo, apenas, cessão, por parte do divorciando, de sua posição no contrato de alienação fiduciária em que figurava como devedor.

À luz do que dispõe o artigo 1.368-B do Código Civil:

“Art. 1.368-B – A alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor.”

Como nos ensina Francisco Eduardo Loureiro ao comentar referido dispositivo legal:

“A titularidade pelo devedor fiduciante de direito real de aquisição, que se converterá em propriedade plena tão logo solva a obrigação garantida, gera relevantes consequencias jurídicas. Tem o devedor fiduciante a seu favor ações reais, fundadas não somente na posse direta (jus possessionis) como também no seu direito real de aquisição (jus possidendi), inclusive ação reivindicatória, contra quem quer que viole tal prerrogativa, inclusive contra o credor fiduciário. Além disso, esse direito é transmissível inter vivos e causa mortis, e suscetível de ser penhorado, arrestado e sequestrado, porquanto é atual e tem valor econômico (Moreira Alves, obra citada, p. 178)”.[2]

Inquestionável, assim, a existência de transmissão onerosa de direito real de aquisição, fato gerador do imposto de transmissão “inter vivos“.

Não há se falar, tampouco, em bis in idem, como alegado pela recorrente.

Como dito, o fato gerador do tributo é a transmissão “Inter Vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como a cessão de direitos à sua aquisição.

Nesta ordem de ideias, o recolhimento do ITBI por ocasião do negócio jurídico inaugural, firmado entre Cláudio Stocco Lellis, com a anuência de sua convivente Claudia Regiane da Silva, e o extinto casal (fl. 80), não interfere e não se confunde com o negócio subsequente, qual seja, a cessão onerosa dos direitos reais de aquisição de Felipe para a ora apelante.

Não se desconhecem, ademais, os precedentes deste Conselho Superior da Magistratura no sentido de que não cabe ao Registrador se ater ao valor recolhido a título de ITBI, como na Apelação nº 1000459-49.2017.8.26.0176, de Relatoria do Excelentíssimo Desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, cuja ementa assim se transcreve:

“Registro de Imóveis – Escritura pública de dação em pagamento – Qualificação negativa – Questionamento a respeito da base de cálculo utilizada para recolhimento do imposto sobre transmissão de bens imóveis ITBI – Análise pelo oficial registrador, na matéria concernente ao imposto de transmissão, que deve se ater ao seu recolhimento, sem alcançar o valor – Não configuração de flagrante irregularidade no recolhimento – Precedentes do C. Conselho Superior da Magistratura – Apelação provida para julgar a dúvida improcedente”.

Contudo, indiscutível que o recolhimento do tributo deve ser feito com fulcro em base de cálculo razoável, o que não ocorreu no caso concreto.

Conforme se vê da guia acostada a fl. 111, a apelante atribuiu à transação o valor irrisório de R$ 1,00 e ao imóvel o valor de R$ 11.564,65, o que não se mostra razoável e está em dissonância com o disposto no art. 157 do Decreto Municipal Municipal n.º 59.579 de 03 de julho de 2020, in verbis:

“Art. 157 – Para fins de lançamento do imposto, a base de cálculo é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, assim considerado o valor pelo qual o bem ou direito seria negociado à vista, em condições normais de mercado.”

Assim, cabe a interessada procurar a Administração Fazendária e realizar o correto recolhimento do imposto, com base na norma vigente, para futura apresentação junto ao Oficial de Registro de Imóveis.

Finalmente, eventual não incidência do tributo está condicionada à apresentação pela interessada de prova do reconhecimento administrativo da isenção, que não está na esfera de discricionariedade do Oficial, conforme art. 176, inciso I, do Decreto Municipal n.º 59.579/2020.

“Art. 176 – Para lavratura, registro, inscrição, averbação e demais atos relacionados à transmissão de imóveis ou de direitos a eles relativos, ficam obrigados os notários, oficiais de Registro de Imóveis ou seus prepostos a:

I – verificar a existência da prova do recolhimento do imposto ou do reconhecimento administrativo da não-incidência, da imunidade ou da concessão de isenção;”

Nesse cenário, não há como se concluir pela superação dos óbices apontados pelo Registrador.

3. Por essas razões, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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