CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Processo extrajudicial de usucapião – Impossibilidade, diante da normativa vigente, de proceder-se à notificação por edital de desconhecidos herdeiros de titulares de direitos inscritos – Necessidade de observar-se o disposto no Prov. 65/2017, art. 12, e nas NSCGJ, II, XX, item 418.14 – Apelação a que se nega provimento.

Apelação Cível nº 1000523-45.2020.8.26.0470

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1000523-45.2020.8.26.0470

Comarca: PORANGABA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1000523-45.2020.8.26.0470

Registro: 2021.0000973502

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000523-45.2020.8.26.0470, da Comarca de Porangaba, em que são apelantes EMANUEL FERNANDO DE JESUS MARQUES, GUSTAVO FUDOLI DE OLIVEIRA e LUCAS FRANCISCO DA COSTA HELT, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DE PORANGABA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 22 de novembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1000523-45.2020.8.26.0470

Apelantes: Emanuel Fernando de Jesus Marques, Gustavo Fudoli de Oliveira e Lucas Francisco da Costa Helt

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Porangaba

VOTO Nº 31.635

Registro de Imóveis – Dúvida – Processo extrajudicial de usucapião – Impossibilidade, diante da normativa vigente, de proceder-se à notificação por edital de desconhecidos herdeiros de titulares de direitos inscritos – Necessidade de observar-se o disposto no Prov. 65/2017, art. 12, e nas NSCGJ, II, XX, item 418.14 – Apelação a que se nega provimento.

1. Trata-se de apelação (fl. 705/729) interposta por Emanuel Fernando de Jesus Marques, Gustavo Fudoli de Oliveira e Lucas Francisco da Costa Helt contra a r. sentença (fl. 699/702) proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Porangaba, que julgou procedente a dúvida (fl. 01/06) e manteve óbice ao avanço de processo extrajudicial de usucapião concernente a uma fração ideal do imóvel da matrícula nº 13.421, daquele cartório (fl. 82/84 – prenotação nº 21.791).

Segundo a r. sentença (fl. 699/702), no processo extrajudicial de usucapião é possível notificar por edital os herdeiros de titulares de direitos reais que estejam em lugar incerto, ou não sabido, ou inacessível; por falta de previsão legal, contudo, não é lícita a notificação por edital quando os próprios herdeiros são desconhecidos ou incertos, como ocorre na hipótese; logo, a dúvida é procedente, e a declaração de usucapião não pode correr na via extrajudicial.

Os apelantes alegam (fl. 705/729) que desde o início do processo vêm tentando identificar e localizar os herdeiros dos falecidos titulares de direitos reais; as tentativas, porém, foram baldadas, o que justificava (ao contrário do que foi concluído pela r. sentença) a notificação por edital. Não há, no direito vigente, nenhuma distinção entre notificando incerto ou desconhecido, de um lado, e notificando em lugar incerto ou desconhecido, de outro, de modo que num e noutro caso é possível notificar por edital, como indica o Cód. de Proc. Civil, art. 256, I e II. Além disso, a anuência dos herdeiros é mera possibilidade, mas não constitui condição para o prosseguimento do feito extrajudicial. A notificação por edital, por conseguinte, é cabível, nos termos do art. 11 do Provimento nº 65, de 14 de dezembro de 2017, da Corregedoria Nacional de Justiça, e do item 418.16 do Capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça NSCGJ. Logo, a r. sentença tem de ser reformada, para que se defira a notificação por edital e, com isso, continue o processo extrajudicial.

A ilustre Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo não provimento do recurso (fl. 741/745).

É o relatório.

2. Os donos tabulares do imóvel usucapiendo são (a) Pedro Quintino de Camargo, (b) Odorica Quintino de Camargo, (c) Domingas Quintino de Camargo e seu marido (d) Hermelino Pinto da Silveira, (e) Luiza Afonso de Camargo, (f) Maria Ivanilde de Goes Acosta, casada com Wilman Acosta, (g) Mario Martins de Oliveira, (h) Clovis Vieira, e (i) Adilson Martins de Oliveira (matrícula nº 13.421, do Ofício de Registro de Imóveis de Porangaba, copiada a fl. 82/83, matrícula inicial e R. 2).

O Oficial de Registro de Imóveis exigiu a anuência dos herdeiros de (a) Pedro Quintino de Camargo, (b) Odorica Quintino de Camargo, (c) Domingas Quintino de Camargo e seu marido (d) Hermelino Pinto da Silveira, (e) Luiza Afonso de Camargo, e dos herdeiros de Wilman Acosta, casado com (f) Maria Ivanilde de Goes Acosta (fl. 03).

Os apelantes, entretanto, sustentam que é cabível promover, desde logo, a notificação dos herdeiros eventuais por meio de edital, para que se lhes supra a anuência; o Oficial, por sua vez, insiste que, em caso de falecidos titulares de direitos reais sobre o imóvel, tal providência não é cabível nessa forma, uma vez que o art. 12 do Prov. nº 65/2017, da Corregedoria Nacional de Justiça, e o item 418.14 do Cap. XX do Tomo II das NSCGJ dão solução diferente: a anuência dos herdeiros tem de estar secundada por escritura pública declaratória de que sejam os únicos sucessores, com nomeação de inventariante.

Ora, razão realmente assiste o Oficial de Registro de Imóveis, em que pese aos argumentos trazidos pelos apelantes.

Como está nos §§ 4º e 13 do art. 216-A da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (e também no Prov. nº 65/2017, arts. 11 e 16, e nas NSCGJ, II, XX, itens 418.16 e 418.21), no processo extrajudicial de usucapião a notificação por edital é cabível para a ciência (a) de terceiros eventualmente interessados e (b) de notificandos que não tenham sido encontrados, ou que estejam em lugar incerto ou não sabido.

A questão concernente aos herdeiros de notificandos, contudo, está regulada de forma diversa: a anuência desses sucessores só pode ser eficaz, se eles apresentarem escritura pública declaratória de herdeiros únicos, com nomeação de inventariante (Prov. nº 65/2017, art. 12; NSCGJ, II, XX, itens 418.14). Isto é: não é bastante a notificação deles, é preciso que a situação sucessória esteja totalmente esclarecida, pois, do contrário, o consentimento que prestarem não se poderá considerar eficaz, por não se saber se efetivamente tinham legitimidade para o exercício dessa forma de disposição.

Ora, se não é suficiente a mera notificação dos herdeiros, ainda quando conhecidos (pois o seu consentimento, como dito, tem de estar expresso pelo modo muito específico prescrito, repita-se, no Prov. nº 65/2017, art. 12, e nas NSCGJ, II, XX, itens 418.14), muito menos pode sêlo quando esses sucessores não estejam identificados e venham a ser notificados por edital. Essa providência, nos termos dos regulamentos vigentes, é realmente incabível.

Não favorecem os apelantes as alegações de que os incisos I e II do art. 256 do Cód. de Proc. Civil devam ser aplicados, ou de que negar a notificação por edital dos herdeiros seja medida que contravenha a teleologia do processo extrajudicial de usucapião. O Cód. de Proc. Civil tem aplicação supletiva, é verdade (cf. art. 15), mas por isso mesmo (i. e., por tratar-se de um suplemento, ou complementação) é que não pode ser invocado aqui, onde já existe, como se viu, regra regulamentar específica.

Por outro lado, o processo extrajudicial de usucapião, justamente porque não produz coisa julgada (esse é o ponto), tem de ser marcado pela absoluta certeza do consenso ou, pelo menos (depois das alterações trazidas pelo art. 7º da Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017), pela falta de oposição; quando não se puder obter essa certeza como é o caso da notificação por edital de herdeiros não identificados aos interessados não resta outra opção, a não ser a via jurisdicional.

Nesse sentido, de resto, já decidiu este C. Conselho Superior da Magistratura em caso análogo:

“Dúvida. Registro imobiliário. Usucapião extrajudicial exigências previstas nos art. 216-A, §2º, LRP c. c. art. 10, § 9º, Provimento nº 65/2017 do CNJ e item 418.9, do capítulo XX das NSCGJ.

Impossibilidade de identificação do representante do titular de domínio. Ausência de comprovação da posse qualificada. Inconsistências não passíveis de solução na via administrativa. Recurso não provido.” (Apelação Cível n. 1004685-12.2019.8.26.0408, j. 28.4.2020, DJe 01.6.2020)

Consta das razões de decidir:

“Tampouco seria o caso de notificação por edital conforme pretendem os recorrentes. O item 418.16, do Capítulo XX, das Normas Extrajudiciais da Corregedoria Geral da Justiça admite a notificação por edital apenas quando o titular de direitos registrados estiver em lugar incerto ou não sabido, ou inacessível, não sendo a hipótese dos autos, vez que o titular de domínio sequer é conhecido.”

Em suma: o óbice – a impossibilidade de proceder à notificação por edital de herdeiros desconhecidos, no processo extrajudicial de usucapião, considerada a normativa vigente – foi bem lançado, como reconheceu a r. sentença, a qual, por sua vez, não merece reforma.

3. Ante o exposto, por meu voto, nego provimento à apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 24.02.2021 – SP)

Fonte: INR Publicações.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Escritura pública de inventário e partilha – Cessão da meação da viúva meeira e instituição de usufruto – Divisão entre meação e herança por meio de constituição de usufruto e transmissão da nua propriedade – Apresentação de guia de recolhimento do ITCMD – Dúvida improcedente – Recurso provido para afastar a exigência.

Apelação Cível nº 1001328-44.2020.8.26.0584

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1001328-44.2020.8.26.0584

Comarca: SÃO PEDRO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1001328-44.2020.8.26.0584

Registro: 2021.0001020018

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001328-44.2020.8.26.0584, da Comarca de São Pedro, em que é apelante SELMA CRISTINA CURY CAMARGO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO PEDRO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 2 de dezembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1001328-44.2020.8.26.0584

Apelante: Selma Cristina Cury Camargo Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Pedro

VOTO Nº 31.673

Registro de imóveis – Escritura pública de inventário e partilha – Cessão da meação da viúva meeira e instituição de usufruto – Divisão entre meação e herança por meio de constituição de usufruto e transmissão da nua propriedade – Apresentação de guia de recolhimento do ITCMD – Dúvida improcedente – Recurso provido para afastar a exigência.

1. Cuida-se de recurso de apelação interposto por SELMA CRISTINA CURY CAMARGO contra a r. sentença de fl. 357/358, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São Pedro, mantendo-se o óbice registrário.

A Nota de Exigência de fl. 321/322 indicou como motivo de recusa do ingresso do título:

“O posicionamento da E. Corregedoria Permanente desta Comarca, ao qual este Oficial encontra-se vinculado, alicerçado em decisões da Corregedoria Geral da Justiça e do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que “o cônjuge supérstite é proprietário da metade dos bens amealhados durante o casamento em virtude do regime de bens adotado. O inventário somente servirá para especificar o patrimônio que o compõe, distinguindo-o dos bens que comporão a herança. Dessa forma, não é realmente viável realizar a cessão sobre a meação, tampouco renunciar a ela. Na verdade, se a disposição sobre esse patrimônio se der a título gratuito, o ato jurídico a ser entabulado é a doação, que deverá ocorrer após a partilha dos bens” (Processo 1000002-83.2019.8.26.0584).

Logo, o título deverá ser retificado para que seja efetuada a partilha dos bens à viúva e, se for o caso, efetuada subsequentemente doação com reserva de usufruto. Também será possível que a meação seja paga com o usufruto e a herança com a nua-propriedade e se houver necessidade, eventual acertamento poderá ser realizado no mesmo título, sob a forma de doação. Em virtude desta exigência os emolumentos poderão sofrer alterações.

2) Apresentar os comprovantes de quitação do ITR/2019 referentes aos imóveis das matrículas 3.898 e 6.720, para fins do cumprimento do disposto no art. 22, §3º, da Lei 4.947 de 1966, uma vez que a NCD não abrange o último exercício fiscal.

Obs.: em virtude de apresentação de requerimento de cindibilidade do título não foram apreciados os documentos para o cumprimento dos itens 2 e 3 da nota devolutiva anterior datada de 03/08/2020 em relação aos imóveis das matrículas 7.750, 7.755 e 7.775”.

Sustenta a recorrente, em suma, que não há vedação legal à cessão da meação, onerosa ou gratuita, na escritura de inventário e partilha, desde que recolhido o imposto respectivo. Além disso, não há exigência para a realização de dois atos formais, um para o inventário e outro para a cessão da meação.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fl. 391/394).

É o relatório.

2. Presentes seus pressupostos legais e administrativos, conheço do recurso.

No mérito o recurso merece provimento.

Trata-se de registro de escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados por Francisco Camargo Junior lavrada em 10 de maio de 2019 perante o 26º Tabelionato de Notas da Capital, prenotada, inicialmente, sob o nº 117306 no Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São Pedro.

Houve o cumprimento das exigências, com exceção da constante do item 1 da nota devolutiva de fl. 321/322, motivo da dúvida.

Com efeito, a meação do cônjuge supérstite não se confunde com a herança, de modo que a cessão respectiva configura ato inter vivos e não renúncia à herança.

É pacífico na jurisprudência paulista o entendimento de que a divisão entre a meação e a herança pode ser realizada por meio de constituição de usufruto e transmissão da nua propriedade do bem, com recolhimento do imposto que for devido se o valor da meação superar o valor do usufruto.

Neste sentido:

“INVENTARIO. Decisão interlocutória que negou pedido da viúva inventariante de ceder aos herdeiros sua meação, com reserva de usufruto, nos autos do inventário dos bens deixados por seu finado esposo. Desacerto. Não há qualquer impedimento para que a doação – ou cessão se opere por termo nos autos do inventário. Cônjuge supérstite não é herdeiro, mas apenas meeiro por força do regime da comunhão universal de bens. Possível que a partilha atribua, como pagamento da meação do cônjuge supérstite, o usufruto vitalício sobre bens do monte. Pleito perfeitamente viável e, a rigor, não necessita, para ser instrumentalizado, nem do negócio jurídico de usufruto deducto, muito menos da cessão de direito hereditários (ou renúncia in favorem). Acerto patrimonial entre a viúva- meeira e os herdeiros necessários pode ser resolvido na própria partilha de bens, bastando imputar a nuapropriedade dos imóveis no pagamento dos quinhões dos herdeiros e o usufruto vitalício na meação da viúva, independente de qualquer outro negócio jurídico de doação ou cessão, tal como sugerido pelos interessados. As questões alusivas ao recolhimento do tributo em relação à operação desejada pelas partes (ITCMD ou ITBI) deverão ser esclarecidas na origem, em momento oportuno, após oitiva da Fazenda Pública. Recurso provido, com observação” (Agravo de Instrumento nº 2078003-03.2021.8.26.0000, Des. Relator FRANCISCO LOUREIRO).

Do corpo do V. Acórdão extrai-se que:

“Irrelevante o negócio cessão de direitos ou doação a ser utilizado para instrumentalizar a operação econômica que se deseja realizar. Diante de tal cenário, rigorosamente indiferente o nome que se dá aos negócios jurídicos, que refletem a mesma causa e têm a mesma natureza.

A questão pode ser resolvida na própria partilha de bens, sem maior dificuldade ou formalidade”.

Nesta ordem de ideias, nada obsta que o acerto patrimonial entre a viúva-meeira e os herdeiros necessários seja resolvido na própria partilha de bens, bastando, como procederam in casu, imputar a nuapropriedade dos imóveis no pagamento dos quinhões dos herdeiros e o usufruto vitalício na meação da viúva, independentemente de qualquer outro negócio jurídico de doação.

Não se observa, pois, impedimento para que a cessão da meação se opere na escritura de inventário e partilha e que esta atribua, como pagamento da meação da viúva, o usufruto vitalício sobre os bens do monte.

Relevante destacar, no ponto, os ensinamentos de Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim:

“Hipótese bastante comum é a do cônjuge viúvo, com direito à meação nos bens da herança, concorrendo com herdeiros filhos. Atribui-se ao viúvo o direito de usufruto sobre determinados bens e faz-se a partilha da nua propriedade aos herdeiros. Cumpre ressalvar, no entanto, que o valor do usufruto corresponde a uma fração do valor dos bens, que no Estado de São Paulo, por força da Lei n.10.775/2000, seria de 1/3. Sobre a diferença entre esse terço e o valor da meação, pelas cotas atribuídas aos herdeiros, incidirá o imposto de transmissão, que pode ser o ITCMD no caso de liberalidade, ou o ITBI se houver pagamento ou reposição do valor.” (Inventário e Partilha: teoria e prática, 26ª edição, São Paulo: Saraiva, 2020, capítulo 10, n. 2.2).

Nesta senda, nada impede que se ajuste, consensualmente, que a meação da viúva recaia sobre o usufruto do todo, não subsistindo o óbice registrário, bem porque foi apresentada a guia com o recolhimento do ITCMD (fl. 67/92).

3. Ante o exposto, dou provimento ao recurso para afastar a recusa do registro.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 24.02.2021 – SP)

Fonte: INR Publicações.

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Partilha causa mortis – Escritura pública – Renúncia por herdeiros contra os quais pesavam indisponibilidades decorrentes de ordens jurisdicionais – Indisponibilidades que, entretanto, não impunham aos herdeiros o dever de aceitar a herança – Apelação a que se dá provimento para, afastado o óbice e reformada a r. sentença, permitir os registros almejados.

Apelação Cível nº 1001772-70.2020.8.26.0263

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1001772-70.2020.8.26.0263

Comarca: ITAÍ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1001772-70.2020.8.26.0263

Registro: 2021.0000973510

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001772-70.2020.8.26.0263, da Comarca de Itaí, em que é apelante CELIA PEREIRA BUNDER, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ITAÍ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 22 de novembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1001772-70.2020.8.26.0263

Apelante: Celia Pereira Bunder

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Itaí

VOTO Nº 31.644

Registro de Imóveis – Dúvida – Partilha causa mortis – Escritura pública – Renúncia por herdeiros contra os quais pesavam indisponibilidades decorrentes de ordens jurisdicionais – Indisponibilidades que, entretanto, não impunham aos herdeiros o dever de aceitar a herança – Apelação a que se dá provimento para, afastado o óbice e reformada a r. sentença, permitir os registros almejados.

1. Trata-se de apelação interposta por Célia Pereira Bunder contra a sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas e Naturais e de Interdições e Tutelas da Sede da Comarca de Itaí/SP, que julgou procedente a dúvida e manteve a recusa de registro de escritura de inventário e partilha tendo por objeto os imóveis matriculados sob nos 5.046 e 5.047 da referida serventia extrajudicial (fl. 119/122).

Alega a apelante, em síntese, que os imóveis em questão foram adquiridos na constância de seu casamento com Juveniano Mario Almaceu Bunder, falecido em 27 de junho de 2017. Afirma que, na escritura de inventário e partilha lavrada, os herdeiros filhos, Mariwalton Bunder, Douglas Bunder e Jefferson Bunder renunciaram à herança deixada pelo pai, nos termos do art. 1.806 do Código Civil. Esclarece que, à época, não havia sido decretada a indisponibilidade dos bens dos herdeiros renunciantes, Mariwalton Bunder, Douglas Bunder, tal como apurado em consulta realizada quando da lavratura do ato.  Sustenta que, em virtude da renúncia à herança, os imóveis versados nos autos não chegaram a ingressar no patrimônio dos filhos do falecido e, portanto, não podem ser atingidos pela indisponibilidade posteriormente decretada. Ressalta que, segundo o princípio da saisine, os bens do de cujus são transmitidos aos herdeiros no momento da morte, mas dependem da aceitação ou renúncia posteriores, retroagindo os efeitos à data da abertura da sucessão na forma do art. 1.804, § único, do Código Civil.

A DD. Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo não provimento do recurso (154/157).

É o relatório.

2. A r. sentença tem de ser reformada, não obstante as suas bem fundadas razões.

Sempre que trata do tema, a doutrina faz incluir a indisponibilidade (Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 247) no campo das proibições ao poder de dispor, pois ela:

(a) representa uma “inalienabilidade de bens, que pode provir das mais diversas causas”, diz Valmir Pontes (Registro de Imóveis, São Paulo: Saraiva, 1982, p. 179);

(b) constitui uma “forma especial de inalienabilidade e de impenhorabilidade”, segundo Walter Ceneviva (Lei dos Registros Públicos Comentada, 20ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 625, n. 671);

(c) implica “a restrição ao poder de dispor da coisa, impedindo-se sua alienação ou oneração por qualquer forma”, conforme o ensinamento de Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza (Noções Fundamentais de Direito Registral e Notarial, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 109);

(d) “impede apenas a alienação, mas não equivale à penhora e não acarreta necessariamente a expropriação do bem”, no dizer de Francisco Eduardo Loureiro (in José Manuel de Arruda Alvim Neto et alii (coord.), Lei de Registros Públicos comentada, Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 1.291);

(e) “afeta os atributos da propriedade, perdendo o proprietário o poder de disposição, de modo que, para alienar ou onerar o bem é necessário o prévio cancelamento da indisponibilidade”, ensina Ana Paula P. L. Almada (in Registros Públicos, Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2020, p. 444); e

(f) possui natureza “evidentemente acautelatória, pois visa assegurar o resultado prático de não dispor do imóvel enquanto persistir a situação jurídica que autoriza a indisponibilidade de bens”, na opinião de Vitor Frederico Kümpel e Carla Modina Ferrari (Tratado Notarial e Registral – Ofício de Registro de Imóveis, São Paulo: YK Editora, 2020, p. 2.843-2.843).

Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza (op. cit., p. 109-110) ainda faz a seguinte precisão:

“Não obstante a inalienabilidade e a indisponibilidade signifiquem restrição ao poder de dispor da coisa, usualmente tem-se utilizado o termo inalienabilidade para as restrições decorrentes de atos de vontade, enquanto o termo indisponibilidade tem sido usado para se referir às restrições impostas pela lei, ou em razão de atos administrativos ou jurisdicionais. Diferença relevante assenta na finalidade: enquanto nos atos de vontade o que se busca atingir com a restrição é a proteção do beneficiário da cláusula (daquele que fica impedido de dispor), nos demais atos o objetivo, em regra, é dar efetividade a decisões administrativas e jurisdicionais, em desfavor de quem tenha alcançado seu poder de disposição.”

Estabelecido, assim, que a indisponibilidade é proibição ao poder de dispor, com finalidade acautelatória, resta por determinar o seu efetivo alcance no caso concreto. O problema coloca-se, porque, na hipótese em discussão, entenderam assim o ofício de registro de imóveis como o juízo corregedor permanente que os herdeiros, a quem a herança se transmite ipso jure com a morte do de cujus (Código Civil, art. 1.784), não podem renunciar ou, o que é o mesmo, devem aceitar o que veio a seu patrimônio a causa de morte.

Em que pesem à bem fundada nota devolutiva e às boas razões da r. sentença apelada, essa interpretação não é a mais consentânea com o sistema da lei civil e a liberdade que se concede em matéria hereditária. Isso porque, como está no art. 1.813 do Código Civil, a existência de credores não impõe aos herdeiros que necessariamente aceitem a herança: permite-se, em vez disso, e no seu lugar, que os credores aceitem, mas de nenhuma forma está na lei que os herdeiros estejam impedidos de renunciar e se tal dever não está criado no Código Civil, muito menos aparece como decorrência das indisponibilidades em questão.

Segundo as informações postas a fl. 03, com efeito, as indisponibilidades que recaem sobre os herdeiros renunciantes advêm, todas elas, de decisões jurisdicionais, proferidas pela Justiça Federal e pela Justiça do Trabalho, as quais, portanto, não se fundam em regra nenhuma que abra exceção ao regime geral do Código Civil, o qual, repita-se, não impõe dever de aceitação.

Como ensina Pontes de Miranda:

“Em caso de concurso de credores, ou de devedores, a deliberação é segundo os princípios. No direito brasileiro, há o art. 1.586 do Código Civil, onde se diz: ‘Quando o herdeiro prejudicar os seus credores, renunciando a herança, poderão eles, com autorização do juiz, aceitá-la em nome do renunciante. Nesse caso, e depois de pagas as dívidas do renunciante, o remanescente será devolvido aos outros herdeiros’. Noutros sistemas jurídicos parte-se de princípio que colima com a regra jurídica acima transcrita: entende-se que se apoia em pensamento prático não ser influenciada pelos credores a manifestação de vontade do herdeiro” (Tratado de Direito Privado, tomo LV, § 5.590, 4).

“No direito brasileiro, o credor tem a pretensão à adição, a despeito de ter havido a renúncia pelo sucessor. Tem de ser exercida, satisfeitos os pressupostos e produzidas as provas, com o remédio jurídico processual da autorização judicial. O credor pede ao juiz tal autorização. Tem base jurídica exigir-se o rito ordinário, pois é indispensável a citação do renunciante, para a contestação e os demais atos processuais. O renunciante pode alegar e provar que não há insolvabilidade, que o demandante não é credor do que diz, que as dívidas foram posteriores à renúncia. Se o renunciante paga a dívida, ou as dívidas, cessa a demanda. A lei criou direito, pretensão e ação para o credor, se se compõem os requisitos que ela aponta como necessários. Não se trata de inserção do credor na situação jurídica do devedor insolvente e renunciante. Apenas se sub-roga ao renunciante, no que toca ao devedor, razão por que, no inventário e partilha, se legitima a todos os atos que o devedor renunciante tinha de praticar ou poderia praticar. Desde o momento em que se paga de todo o crédito, cessa a legitimação do credor para atos que concernem ao patrimônio ou à parte do patrimônio que seria do renunciante se renúncia não tivesse havido. Não se trata de ‘anulação’ a favor do credor, o que é erronia de alguns juristas (e. g., CARLOS MAXIMILIANO, Direito das Sucessões, 1, 86). Todas as renúncias a herança ficam expostas a essa eventual ineficacização por ter algum credor, ou por terem alguns credores, satisfeitos os pressupostos, exercido o direito de se sub-rogar nos direitos do renunciante, até a importância do que esse lhe devia antes da renúncia. No fundo, a ação do credor é constitutiva negativa, quanto à renúncia pelo devedor, e tem carga de eficácia condenatória, sem que isso altere o rito processual do inventário e da partilha. […] A desconstituição é até o quanto da dívida, ou das dívidas, seja um só o credor, ou sejam dois ou mais os credores. No que excede à soma devida, a eficácia da renúncia não é atingida. O resto vai aos outros sucessores, conforme os princípios, em virtude da permanência abdicativa.” (Pontes de Miranda, op. cit., § 5.592, 9)

Não se ignora, é certo, que as razões da renúncia formulada pelos herdeiros é matéria que extrapola o aspecto formal a que em regra se limita a qualificação registral. De resto, o dever de velar pelos interesses dos beneficiados com a indisponibilidade não é da serventia imobiliária, mas dos credores, a quem tocará, eventualmente, usar dos remédios jurídicos que possam ter.

As decisões proferidas por este Conselho na Apelação Cível nº 1100256-61.2019.8.26.0100 (j. 16.03.2020, DJe 14.04.2020), na Apelação Cível nº 0000003-66.2011.8.26.0196 (j. 07.11.2011, DJe 13.01.2012) e na Apelação Cível nº 1003970-04.2018.8.26.0505 (j. 15.08.2019, DJe 02.09.2019), invocadas como precedentes nas razões de suscitação de dúvida, não se aplicam a este caso, porque tratam de hipóteses diversas.

Em todas, é claro, se cuida de saber se são eficazes (ou mesmo válidos) os atos dependentes daquele praticado por quem estava sob a indisponibilidade. Contudo, isso não basta para dar similaridade às espécies, porque nos referidos precedentes estava certo que se tratava de legitimado que se demitiu de seu patrimônio, cedendo direitos a despeito da indisponibilidade, enquanto na hipótese em análise se versa situação distinta, ou seja, o caso de legitimados que, segundo disseram o ofício de registro de imóveis e a sentença, estavam obrigados a adquirir para, então, não poder alienar e, desse modo, não prejudicar seus credores o que, repita-se, não é a solução da lei, que permite a renúncia e faculta aos interessados que aceitem em lugar do renunciante.

Em suma: a pendência das indisponibilidades não impedia que os herdeiros renunciassem; a renúncia, portanto, foi válida e eficaz, e não há impedimento a que se proceda, agora, aos registros stricto sensu resultantes da partilha causa mortis.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para, afastando-se o óbice registral e reformando-se a r. sentença, deferir os pretendidos registros stricto sensu da partilha (escritura pública copiada a fl. 19/26; matrículas nos 5.046 e 5.047 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas e Naturais e de Interdições e Tutelas da Sede da Comarca de Itaí/SP; prenotação nº 22.878).

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 24.02.2021 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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