Um Mar de Rosas diante de nós – POR AMILTON ALVARES

A vida não é um mar de rosas; a jornada da vida está mais para mar de espinhos do que propriamente para mar de rosas. Os problemas se avolumam, as dificuldades são constantes e as frustrações sempre nos alcançam. Jesus Cristo enfrentou a dor como ninguém na terra e não prometeu refresco nesta vida – “No mundo vocês terão aflições” (João 16.33). Mas, seguindo a orientação do próprio Senhor Jesus, a palavra é – “Tenham ânimo! Eu venci o mundo!”. Prossiga! Não desista!

Não sei como está a sua vida hoje; a minha, eu posso assegurar que está recheada de problemas. Mas não podemos esmorecer nem desistir no meio da jornada. Viver é uma arte e sobreviver é a nossa vocação. Viver requer disposição, temperança, perseverança, fé e muito mais. E é bom ter em conta que nesta terra somos forasteiros e peregrinos, pois a nossa Pária está nos céus (1ª Pedro 2.11, Filipenses 3.20). Persevera meu irmão! Prossiga para o alvo da nossa santa vocação em Cristo Jesus (Filipenses 3.14)

A jornada tem de ser enfrentada. Não esmoreça. Neste mundo de dor e sofrimento a gente toma muita pancada. Podemos chegar arrebentados na nossa Pátria celestial, mas precisamos chegar. Por mais que estejamos sofrendo diante do curso da vida, não podemos esquecer que estamos a caminho de casa. Lá, no nosso lar celestial receberemos um corpo de glória, que não mais estará sujeito à morte. E não haverá mais pranto nem dor, pois o próprio Deus enxugará toda lágrima dos olhos de seus filhos (Apocalipse 21). Prossiga meu amigo! Prossiga minha amiga! Isso aqui é apenas o primeiro tempo do jogo.

Se você reconhece que é pecador e já disse para Deus que tem a Cristo como seu Salvador e a Ele entregou a sua vida, então a gente vai se encontrar na eternidade com Deus. Não esqueça que só Cristo salva e que não há salvação em nenhum outro (Atos 4.12). Persevere! Não desista! A vida ainda não é um Mar de Rosas, mas estamos a caminho da nossa Pátria celestial. Lá, nos braços do Senhor, teremos o nosso Mar de Rosas. E, enquanto não chega o grande dia, cabe exercitar a fé, em perseverança, sabendo que as misericórdias do Senhor se renovam a cada manhã.

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* O autor é Procurador da República aposentado, Oficial do 2º Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São José dos Campos/SP, colaborador do Portal do Registro de Imóveis (www.PORTALdoRI.com.br) e colunista do Boletim Eletrônico, diário e gratuito, do Portal do RI.

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STJ: Civil – Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial – União estável – Regime de bens – Contrato com efeitos ex nunc – Decisão mantida – 1. Conforme entendimento desta Corte, a eleição do regime de bens da união estável por contrato escrito é dotada de efetividade ex nunc, sendo inválidas cláusulas que estabeleçam a retroatividade dos efeitos patrimoniais do pacto. Precedentes – 2. Agravo interno a que se nega provimento.

AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.631.112 – MT (2019/0359603-6)

RELATOR : MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA

AGRAVANTE : J B S N

ADVOGADOS : MARCO AURELIO MESTRE MEDEIROS – MT015401O

JULYEFFERSON CHRISTIANO DA COSTA SANTOS – MT017844O

MARCELLE THOMAZINI OLIVEIRA PORTUGAL – MT010280O

AGRAVADO : M T G

ADVOGADO : SILVIA MACHADO MUCHAGATA – MT006872O

EMENTA

CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE BENS. CONTRATO COM EFEITOS EX NUNC. DECISÃO MANTIDA.

1. Conforme entendimento desta Corte, a eleição do regime de bens da união estável por contrato escrito é dotada de efetividade ex nunc, sendo inválidas cláusulas que estabeleçam a retroatividade dos efeitos patrimoniais do pacto. Precedentes.

2. Agravo interno a que se nega provimento.

ACÓRDÃO 

Após o voto-vista da Ministra Maria Isabel Gallotti, dando parcial provimento ao agravo interno, e a adequação do voto do relator no mesmo sentido, e o voto do Ministro Raul Araújo dando provimento ao agravo interno, divergindo do relator, e o voto do Ministro Luis Felipe Salomão acompanhando o relator, a Quarta Turma, por maioria, deu parcial provimento ao agravo interno, para dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do relator. Vencido o Ministro Raul Araújo. Votou vencido o Sr. Ministro Raul Araújo.

Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão (Presidente) e Maria Isabel Gallotti (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Não participou do julgamento o Sr. Ministro Marco Buzzi.

Brasília-DF, 26 de outubro de 2021 (Data do Julgamento)

Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA

Relator

RELATÓRIO

Trata-se de agravo interno (e-STJ fls. 655/666) interposto contra decisão desta relatoria que conheceu do agravo e deu provimento ao recurso especial (e-STJ fls. 647/651).

A parte agravante alega (e-STJ fls. 657/661):

Conforme bem atentado pela Câmara Julgadora do TJMT, a Agravada não logrou êxito em demonstrar qualquer violência psicológica sofrida quando da assinatura do contrato em comento, muito menos juntou qualquer prova a respeito.

Assim, o simples fato de rever o entendimento do TJMT implicaria claramente em reexame da matéria fática, sendo vedado pela própria súmula 7 do STJ.

[…]

Ademais, como bem levantado pelo próprio Ministério público Federal, a ora Agravada não particularizou os dispositivos aos quais entende negada vigência pelo v. acórdão recorrido, nos moldes exigidos por essa colenda Superior Casa de Justiça, atraindo a aplicação do Enunciado de Súmula nº 284/STF. Também, no tocante à alínea “c”, observa-se que a Agravada deixou de observar as exigências legais especificadas no parágrafo único do art. 1.029 do CPC/73, não realizando, conforme exigido, o confronto analítico de forma a conferir condições hábeis à verificação das similaridades e divergências circunstanciais entre o acórdão recorrido e os confrontados.

[…]

como já dito anteriormente, equivoca-se a Agravada, diante da previsão contratual em que estabelece o termo inicial do Contrato a maio do ano 2000 (cláusula décima), bem como o regime de separação total de bens (cláusula quarta, parágrafo quarto – fl. 50).

Portanto, existindo cláusula expressa com a previsão, não há qualquer ilegalidade ou abuso.

Ao final, pede o provimento do recurso pelo Colegiado, com a reforma da decisão agravada.

A parte recorrida não apresentou impugnação (e-STJ fl. 669).

É o relatório.

VOTO

A insurgência não merece acolhida.

A parte não trouxe nenhum argumento capaz de afastar os termos da decisão agravada, motivo pelo qual deve ser mantida por seus próprios fundamentos (e-STJ fls. 647/651):

Trata-se de agravo nos próprios autos interposto contra decisão que inadmitiu o recurso especial por incidência da Súmula n. 7 do STJ (e-STJ fls. 590/594).

O acórdão recorrido está assim ementado (e-STJ fl. 488):

RECURSO DE AGRAVO INTERNO OPOSTO NO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO INCIDENTAL – CONTRATO DE CONVIVÊNCIA – NULIDADE – NÃO OCORRÊNCIA – VALIDADE MANTIDA – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO.

Nos termos do Art. 373, I do CPC, incumbe a parte Autora a comprovação de sua alegação, no caso quanto a vício de consentimento que supostamente atingiria a realização do contrato de convivência.

Os requisitos de validade para a realização do contrato de convivência estão estampados na regra do Art. 1.725 do CC, inexistindo qualquer obrigação quanto a sua formalização por escritura pública.

A cláusula que prevê a retroatividade dos efeitos patrimoniais do pacto só deve ser declarada nula quando houver elemento incontestável que demonstre vício de consentimento, quando viole disposição expressa e absoluta de lei ou quando esteja em desconformidade com os princípios e preceitos básicos do direito.

A decisão monocrática, contra a qual foi interposto agravo, estava assim ementada (e-STJ fl. 417):

RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL- AÇÃO INCIDENTAL – CONTRATO DE CONVIVÊNCIA – NULIDADE – NÃO OCORRÊNCIA VALIDADE MANTIDA – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO.

Nos termos do Art. 373, I do CPC, incumbe a parte Autora a comprovação de sua alegação, no caso quanto a vício de consentimento que supostamente atingiria a realização do contrato de convivência.

Os requisitos de validade para a realização do contrato de convivência estão estampados na regra do Art. 1.725 do CC, inexistindo qualquer obrigação quanto a sua formalização por escritura pública.

A cláusula que prevê a retroatividade dos efeitos patrimoniais do pacto só deve ser declarada nula quando houver elemento incontestável que demonstre vício de consentimento, quando viole ‘disposição expressa e absoluta de lei ou quando esteja em desconformidade com os princípios e preceitos básicos do direito.

Os embargos de declaração foram rejeitados (e-STJ fls. 534/539).

Nas razões do recurso especial (e-STJ fls. 543/573), interposto com fundamento no art. 105, III, “a” e “c”, da CF, a recorrente alegou afronta aos arts. 1.725 do CC/2002 e 5º da Lei n. 9.276/1996 (e-STJ fls. 553/555):

[…] enquanto não viger entre os conviventes um contrato escrito vigorará entre o casal o regime de comunhão parcial de bens, de modo que os bens adquiridos na constância da união estável e até o momento da celebração do contrato, pertencem a ambos os conviventes, os dispositivos acima mencionados, fazem ver que os efeitos do contrato de união estável são de natureza ex nunc.

É que a lei – especial e codificada – determina a aplicação do regime da comunhão parcial de bens para a união estável cujas relações patrimoniais não tiverem sido definidas diversamente por contrato.

Em outras palavras, na ausência de contrato que faça as vezes do pacto antenupcial, o regime de bens da união estável será o da comunhão parcial, no qual todos os bens adquiridos onerosamente durante a união pertencerão aos companheiros em partes iguais.

Assim, celebrar um contrato para oficializar a união estável já existente de fato e estabelecer regime de bens diverso da comunhão parcial (separação ou comunhão total, por exemplo) implica mudar a relação patrimonial até então aplicável, coisa que parte da doutrina entende ser possível, dado o caráter privado atribuído pela lei a tal situação.

Contudo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem decidido em sentido contrário.

Em recente julgado, o STJ determinou que não é lícito aos conviventes atribuírem efeitos retroativos ao contrato de união estável, a fim de eleger o regime de bens aplicável ao período de convivência anterior a sua assinatura.

O entendimento do STJ leva em conta o previsto pela legislação brasileira com relação ao regime de bens do casamento.

Para a alteração do regime de bens do casamento é necessário solicitar autorização judicial, entre outras coisas, para verificar se não há lesão a direito de terceiros.

Assim, o contrato de convivência não pode conceder mais benefícios à união estável do que a lei atribui ao casamento.

No agravo (e-STJ fls. 597/603), afirma a presença de todos os requisitos de admissibilidade do especial.

A parte agravada apresentou contraminuta (e-STJ fls. 607/618).

Parecer do MPF pelo desprovimento do agravo (e-STJ fls. 636/639).

É o relatório.

Decido.

A Corte local assim entendeu (e-STJ fl. 496):

No que concerne a alegação de retroatividade do contrato celebrado em 24/01/2008, restou estabelecido no contrato, verbis:

“CLÁUSULA DÉCIMA – O termo inicial do presente contrato é a partir do momento que os conviventes passaram a conviver com compromisso definitivo na constituição de família, vivendo sob o mesmo teto, em maio de 2000.”

Todavia, como bem fundamentado pelo Parquet a jurisprudência e doutrina tem se posicionado no sentido de possibilitar a retroatividade do contrato de convivência desde que prevista expressamente, portanto, havendo manifestação bilateral sobre referida cláusula e inserção expressa sobre essa no contrato de convivência, pacífico se faz o entendimento quanto a sua retroatividade.

O entendimento está em dissonância com o desta Corte, segundo o qual a eleição do regime de bens da união estável por contrato escrito produz efeitos ex nunc, sendo inválidas cláusulas que estabeleçam a retroatividade dos efeitos. Nesse sentido:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL – AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM – INVENTÁRIO – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE PROVEU O APELO NOBRE. INSURGÊNCIA DA COMPANHEIRA SUPÉRSTITE.

1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a eleição de regime de bens diverso do legal, que deve ser feita por contrato escrito, tem efeitos apenas ex nunc, sendo inválida a estipulação de forma retroativa.

2. Na linha dos precedentes do STJ, os argumentos trazidos em agravo interno que não foram objeto do acórdão do Tribunal a quo, nem das contrarrazões ao recurso especial, não são passíveis de conhecimento, por importar em inovação recursal, a qual é considerada indevida em virtude da preclusão consumativa.

3. Agravo interno desprovido.

(AgInt no REsp 1751645/MG, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/11/2019, DJe 11/11/2019.)

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. ESCRITURA PÚBLICA DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS. ATRIBUIÇÃO DE EFICÁCIA RETROATIVA. NÃO CABIMENTO. PRECEDENTES DA TERCEIRA TURMA.

1. Ação de declaração e de dissolução de união estável, cumulada com partilha de bens, tendo o casal convivido por doze anos e gerado dois filhos.

2. No momento do rompimento da relação, em setembro de 2007, as partes celebraram, mediante escritura pública, um pacto de reconhecimento de união estável, elegendo retroativamente o regime da separação total de bens.

3. Controvérsia em torno da validade da cláusula referente à eficácia retroativa do regime de bens

4. Consoante a disposição do art. 1.725 do Código Civil, “na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”.

5. Invalidade da cláusula que atribui eficácia retroativa ao regime de bens pactuado em escritura pública de reconhecimento de união estável.

6. Prevalência do regime legal (comunhão parcial) no período anterior à lavratura da escritura.

[…]

9. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

(REsp 1597675/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/10/2016, DJe 16/11/2016)

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. CONTRATO DE CONVIVÊNCIA. 1) ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO. INOCORRÊNCIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO. ART. 104 E INCISOS DO CC/02. SENILIDADE E DOENÇA INCURÁVEL, POR SI, NÃO É MOTIVO DE INCAPACIDADE PARA O EXERCÍCIO DE DIREITO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS INDICATIVOS DE QUE NÃO TINHA O NECESSÁRIO DISCERNIMENTO PARA A PRÁTICA DO NEGÓCIO JURÍDICO. AFIRMADA AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DE VONTADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DO STJ. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 284 DO STF. REGIME OBRIGATÓRIO DE SEPARAÇÃO DE BENS NO CASAMENTO. INCISO II DO ART. 1.641 DO CC/02. APLICAÇÃO NA UNIÃO ESTÁVEL. AFERIÇÃO DA IDADE. ÉPOCA DO INÍCIO DO RELACIONAMENTO. PRECEDENTES. APONTADA VIOLAÇÃO DE SÚMULA. DESCABIMENTO. NÃO SE ENQUADRA NO CONCEITO DE LEGISLAÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. RECURSO ESPECIAL DO EX-COMPANHEIRO NÃO PROVIDO. 2) PRETENSÃO DE SE ATRIBUIR EFEITOS RETROATIVOS A CONTRATO DE CONVIVÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL DA EXCOMPANHEIRA NÃO PROVIDO.

1. A condição de idoso e o acometimento de doença incurável à época da celebração do contrato de convivência, por si, não é motivo de incapacidade para o exercício de direito ou empecilho para contrair obrigações, quando não há elementos indicativos da ausência de discernimento para compreensão do negócio jurídico realizado.

2. Com o aumento da expectativa de vida do povo brasileiro, conforme pesquisa do IBGE, com a notória recente melhoria na qualidade de vida dos idosos e, com os avanços da medicina, não é razoável afirmar que a pessoa maior de 60 anos não tenha capacidade para praticar os atos da vida civil. Afirmar o contrário afrontaria diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana e o da igualdade.

3. A alteração da conclusão do Tribunal a quo, com base nos elementos probatórios de que não existia um mínimo de prova indicando que não houve livre manifestação da vontade e de que não se comprovou alteração no estado emocional ou ausência de capacidade para a formalização do ajuste, não é possível de ser feita em recurso especial, em razão do óbice contido na Súmula nº 7 do STJ.

4. A deficiência na fundamentação do recurso especial no que tange à alegada ofensa aos arts. 1.641, II, 104, 145 e 171 do CC/02 atrai a incidência da Súmula nº 284 do STF.

5. Apesar do inciso II do art. 1.641 do CC/02 impor o regime da separação obrigatória de bens somente no casamento da pessoa maior de 60 anos (70 anos após a vigência da Lei nº 12.344/2010), a jurisprudência desta egrégia Corte Superior estendeu essa limitação à união estável quando ao menos um dos companheiros contar tal idade à época do início do relacionamento, o que não é o caso. Precedentes.

6. O fato do convivente ter celebrado acordo com mais de sessenta anos de idade não torna nulo contrato de convivência, pois os excompanheiros, livre e espontaneamente, convencionaram que as relações patrimoniais seriam regidas pelo regime da separação total de bens, que se assemelha ao regime de separação de bens. Observância do disposto no inciso II do art. 1.641 do CC/02.

7. A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que o apelo nobre não constitui via adequada para análise de eventual ofensa a enunciado sumular por não estar ele compreendido na expressão “lei federal” constante da alínea a do inciso III do art. 105 da CF. Precedentes. Some-se o fato da ausência de demonstração e comprovação do dissídio jurisprudencial na forma legal exigida.

8. No curso do período de convivência, não é lícito aos conviventes atribuírem por contrato efeitos retroativos à união estável elegendo o regime de bens para a sociedade de fato, pois, assim, se estar-se-ia conferindo mais benefícios à união estável que ao casamento.

9. Recursos especiais não providos.

(REsp 1383624/MG, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 2/6/2015, DJe 12/6/2015.)

Assim, no período anterior à celebração do contrato, deve vigorar o regime legal da comunhão parcial de bens.

Aplica-se ao caso a Súmula n. 568 do STJ.

Ante o exposto, CONHEÇO do agravo e DOU PROVIMENTO ao recurso especial para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que se prossiga na análise fático-probatória, considerada a invalidade da cláusula que estabeleceu a retroatividade dos efeitos da mudança de regime de bens.

Publique-se e intimem-se.

Trata-se de ação declaratória proposta com a finalidade de que fosse declarada a “nulidade do contrato particular de união estável, obrigações contratuais e outros pactos, celebrado em 24.01.2008 e de seu respectivo aditamento nominado de ‘instrumento de alteração contratual’ celebrado em 28.03.2008, declarando como vigente o regime de comunhão parcial de bens na união estável entre os contendores, bem como julgar integralmente procedentes os pedidos da ação de dissolução de união estável c.c. partilha de bens que ficam aqui ratificados” (e-STJ fls. 23/24).

O Juízo da 2ª Vara Especializada de Famílias e Sucessões do TJMT julgou improcedente o pedido inicial sob o argumento de que, “tendo os litigantes optado por adotar o regime da ‘separação total de bens’ quando da realização do contrato de convivência, inclusive com efeitos retroativos ao início da união estável, e não tendo restado demonstrado que a autora foi forçada ou ludibriada a fazê-lo, se concluiu ter ela o feito espontaneamente, devendo o pacto continuar a vigorar” (e-STJ fl. 369).

Nas razões do recurso de apelação, buscava a autora a reforma da sentença, tendo em vista não ser cabível “a aplicação do regime de separação total de bens estipulado no contrato, porquanto, o mesmo não pode retroagir à data do início da união estável, devendo ser partilhado o patrimônio ‘amealhado até a assinatura do contrato em discussão, consoante o regime legalmente previsto, ou seja, a comunhão parcial de bens” (e-STJ fl. 493), conforme consta no relatório do acórdão recorrido.

O Tribunal de origem manteve a sentença, por entender possível a retroatividade de todo o contrato de convivência no caso de previsão expressa em cláusula contratual.

Ao assim entender, a Corte estadual afastou, por conseguinte, a tese da autora de irretroatividade do regime de bens, único ponto impugnado no recurso especial.

Dessa forma, o Tribunal de origem decidiu a questão em desconformidade com a jurisprudência do STJ, segundo a qual a eleição do regime de bens da união estável por contrato escrito é dotada de efetividade ex nunc, sendo inválidas cláusulas que estabeleçam a retroatividade dos efeitos. A propósito:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 489 DO CPC. INOCORRÊNCIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. ESCRITURA PÚBLICA DE UNIÃO ESTÁVEL ELEGENDO O REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS. RETROATIVIDADE. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 568/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA.

1. Ausentes os vícios do art. 1.022 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração.

2. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 489 do CPC.

3. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível.

4. Não é possível a atribuição de eficácia retroativa a regime de bens da união estável pactuado mediante escritura pública. Precedentes.

5. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas.

6. Agravo interno não provido.

(AgInt no AREsp 1292908/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/03/2019, DJe 27/03/2019 – grifei.)

Destaca-se a inaplicabilidade da Súmula n. 7 do STJ ao caso, considerando que não foi analisada, no julgamento do agravo em recurso especial, nenhuma matéria fática.

Ademais, a parte alegou ofensa aos arts. 1.725 do CC/2002 e 5º da Lei n. 9.276/1996, afastando-se, portanto, a aplicação da Súmula n. 284 do STF.

Por fim, aderindo aos pertinentes fundamentos da Ministra Isabel Gallotti, consigno a possibilidade de cláusula retroativa sobre o regime de bens, em contrato celebrado entre os conviventes, apenas no caso de expressa autorização judicial, nos termos do art. 1.639, § 2º, do CC/2002.

E ainda, por se tratar de ação incidental, com a finalidade declaratória de nulidade contratual de união estável, após o julgamento de invalidade da cláusula de retroatividade do regime de bens, verifico ser desnecessário o retorno dos autos ao Tribunal de origem e inverto, consequentemente, o ônus da sucumbência fixado na sentença (e-STJ fls. 358/370).

Assim, não prosperam as alegações constantes no recurso, incapazes de alterar os fundamentos da decisão impugnada.

Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo interno.

É como voto.

VOTO VENCIDO

O SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO: Sr. Presidente, cumprimento o eminente Relator e a eminente Ministra Maria Isabel Gallotti pelos excelentes votos, porém entendo que estamos a tratar de direitos disponíveis, ou seja, de como ficarão os bens do casal no caso do estabelecimento de regime legal acerca deles.

Sobre o estabelecimento do regime legal, no casamento, a eminente Ministra Maria Isabel Gallotti traz a regra do art. 1.639 do Código Civil, dispondo:

É lícito aos nubentes, antes de celebrar o casamento, estipular quanto aos bens o que lhes aprouver.

§ 1º O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento.

§ 2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial… [prossegue o dispositivo]”

No caso da união estável, temos que se dá sem as formalidades inerentes ao casamento, sendo mais difícil, para terceiros, constatar a precisa data de seu início, especialmente se os companheiros divergem acerca disso. Então, temos de ver se tratamos aqui de alteração do regime de bens na união estável, porque, em algum momento anterior, os conviventes teriam optado por um determinado regime e agora querem alterar esse regime anteriormente formalizado para outro. Essa hipótese, seria, a meu ver, coincidente com a regra e a exigência prevista no § 2º do art. 1.639.

Mas, se a união estável teve início e perdurou até um ponto em que veio uma primeira formalização de regime de bens, sem expressa adoção anterior de outro regime, não estaremos a falar propriamente de alteração do regime de bens e sim da própria instituição ou formalização do regime de bens sempre prevalente entre aqueles conviventes. Nessa segunda hipótese.

Quer dizer, ressalvado o caso de os conviventes terem anteriormente optado por um determinado regime, e formalizado essa opção, estando agora a pretender alterar tal regime, e nesse caso a mudança teria de ser perante o juiz, teríamos ou não o caso de aplicação da regra do § 2º do art. 1.639.

Porque, se antes não havia regime de bens formalizado entre os conviventes, o que fizeram por último foi apenas formalizar o regime de bens da união informalmente já ajustado entre os conviventes, dispondo sobre direitos disponíveis, o que me parece possível. Não se estaria, nessa hipótese, a tratar de alteração de regime, mas, sim, da lícita instituição ou formalização do regime que, desde o início da união, entre eles vigorava. Isso, porque ninguém os terá forçado a assim proceder, salvo se houver alegação nesse sentido.

Anoto que, sempre, em toda e qualquer hipótese em que se dê a disposição acerca de regime de bens, ficam ressalvados os direitos de terceiros, que tenham confiado na existência daquele casal.

Faço essas apreciações indagando se, no caso, os conviventes haviam anteriormente formalizado regime diferente daquele por último escriturado, configurando, assim, agora, uma mera formalização do regime informalmente instituído ou uma efetiva alteração.

Sem a resposta acerca da indagação, entendo que, neste caso, não tratamos de alteração de regime de bens, mas, sim, de formalização do regime de bens vigente na união estável. E considero, por isso, possível o efeito retroativo, pois os direitos são disponíveis. As partes apenas compareceram a Cartório e fizeram o pacto, formalizando o regime de bens desde o início vigente na comunhão estável.

Desse modo, fico vencido, com a devida vênia do eminente Relator e da eminente Ministra Maria Isabel Gallotti. Confirmo o v. Acórdão recorrido.

VOTO-VISTA

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Trata-se de agravo interposto contra decisão que não admitiu recurso especial interposto em face de acórdão assim ementado:

RECURSO DE AGRAVO INTERNO OPOSTO NO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO INCIDENTAL – CONTRATO DE CONVIVÊNCIA – NULIDADE – NÃO OCORRÊNCIA – VALIDADE MANTIDA – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO.

Nos termos do Art. 373, I do CPC, incumbe a parte Autora a comprovação de sua alegação, no caso quanto a vício de consentimento que supostamente atingiria a realização do contrato de convivência.

Os requisitos de validade para a realização do contrato de convivência estão estampados na regra do Art. 1.725 do CC, inexistindo qualquer obrigação quanto a sua formalização por escritura pública.

A cláusula que prevê a retroatividade dos efeitos patrimoniais do pacto só deve ser declarada nula quando houver elemento incontestável que demonstre vício de consentimento, quando viole disposição expressa e absoluta de lei ou quando esteja em desconformidade com os princípios e preceitos básicos do direito.

Embargos de declaração rejeitados (fls. 534-539).

Nas razões do especial, alegou a ora agravada, em suma, violação aos arts. 5º, caput, da Lei 9.278/1996 e 1.725 do Código Civil de 2002, bem assim dissídio jurisprudencial, sob o argumento de que o contrato celebrado entre os conviventes para estabelecer o regime de bens adotado na união estável não produz efeitos retroativos.

O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 636-639 pelo não provimento do recurso, por considerar incidentes as Súmulas 284/STF e 7/STJ.

O Relator, Ministro Antonio Carlos Ferreira, mediante a decisão de fls. 647-651, considerou que a escolha do regime de bens da união estável “por contrato escrito produz efeitos ex nunc, sendo inválidas cláusulas que estabeleçam a retroatividade dos efeitos”, motivo pelo qual deu provimento ao especial, “para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que se prossiga na análise fático-probatória, considerada a invalidade da cláusula que estabeleceu a retroatividade dos efeitos da mudança de regime de bens”.

Diante disso, foi interposto pelo recorrido o agravo interno de fls. 655-665, ao qual o Relator negou provimento ao recurso com base nos mesmos fundamentos acima sumariados.

Pedi vista.

II

Anoto, inicialmente, que M.T.G. ajuizou ação de reconhecimento e dissolução da união estável que manteve J.B.S.N., no período de maio de 2000 e março de 2008, cumulada com partilha igualitária dos bens adquiridos onerosamente durante a convivência, em razão da presunção legal do esforço comum, nos termos do arts. 5º, caput, da Lei 9.278/1996 e 1.725 do Código Civil de 2002 (fls. 25-42).

Posteriormente, ajuizou a presente ação incidental, pleiteando a declaração de nulidade do contrato escrito que adotou o regime da separação total de bens, celebrado entre as partes no dia 24.1.2008, na parte em que previu a retroatividade do regime de bens nele estabelecido ao início da convivência (fls. 15-24). Essa pretensão foi julgada improcedente, nos termos do voto condutor do acórdão ora recorrido, confirmatório da sentença proferida pelo Juízo de primeiro grau (fls. 419-423):

A presente Ação Declaratória Incidental foi proposta pela ora Apelante ao argumento de que viveu em união estável com o Apelado desde o ano de 2000, sendo que em 24/01/2008; firmaram o instrumento denominado “Contrato Particular de União Estável, Obrigações Contratuais e Outros Pactos”, adotando o regime de separação total de bens para a convivência marital, o qual é utilizado pelo Apelado como defesa na Ação de Dissolução de União Estável c/c Partilha de Bens amealhados na constância da união estável, em apenso (RAC – 4754/2018).

(…)

Sustenta que descabido se faz a aplicação do regime de separação total de bens estipulado no contrato, porquanto, o mesmo não pode retroagir à data do início da união estável, devendo ser partilhado o patrimônio amealhado até a assinatura do contrato em discussão, consoante o regime legalmente previsto, ou seja, a comunhão parcial de bens.

(…)

Outrossim, como bem aferido pelo Parquet, equivocado se faz o questionamento quanto a validade do ato. Isso porquê, o Art. 1.725 do Código Civil Brasileiro, prevê o único requisito de validade para o referido contrato de convivência, qual seja, a sua formalização por escrito, tendo sido referido requisito observado pelas partes, para quando de sua celebração.

É certo ainda, ao contrário do que afirma a Apelante equivocado se faz a alegação de renúncia de bens, mas tão somente o reconhecimento de que os mesmos teriam sido adquiridos onerosa e exclusivamente com valores próprios e pertencentes ao convivente, ora Apelado, portanto, não se confundindo com a irresignação de eventual renúncia a patrimônio procedida pela Apelante.

No que concerne a alegação de retroatividade do contrato celebrado em 24/01/2008, restou estabelecido no contrato, verbis:

“CLÁUSULA DÉCIMA – O termo inicial do presente contrato é a partir do momento que os conviventes passaram a conviver com compromisso definitivo na constituição de família, vivendo sob o mesmo teto, em maio de 2000.”

Todavia, como bem fundamentado pelo Parquet a jurisprudência e doutrina tem se posicionado no sentido de possibilitar a retroatividade do contrato de convivência desde que prevista expressamente, portanto, havendo manifestação bilateral sobre referida cláusula e inserção expressa sobre essa no contrato de convivência, pacífico se faz o entendimento quanto a sua retroatividade.

Assim delimitada a questão, observo que as instâncias de origem, com base na aplicação do regime estabelecido pela Lei 9.278/1996 e art. 1.725 do Código Civil de 2002, consideraram que é livre a manifestação dos conviventes para estabelecer o regime de bens a ser aplicação na união estável, mediante em contrato escrito de convivência que poderá dispor de forma retroativa ao início da convivência.

Anoto que a Lei 9.278/96 estabeleceu presunção legal relativa de comunhão dos bens adquiridos a título oneroso durante a união estável. Trata-se de regime legal dispositivo, na medida em que podem os conviventes, por documento escrito, pactuar em sentido contrário (art. 5º), não havendo impedimento algum de no referido contrato de união estável os conviventes estabelecerem que a convivência teve início em data anterior à assinatura do instrumento, como ocorreu no caso presente, sendo certo que o pacto pode ser celebrado a qualquer tempo.

Nesse sentido, discorre Francisco José Cahali, em seu livro “Contrato de Convivência na União Estável”, do qual transcrevo:

Mantendo fidelidade ao princípio de que o ato não vedado, ou contrário à lei, é permitido, na ausência de norma idêntica ao contido no art. 256 do Código Civil, em que se limita a realização do pacto (NCC, art. 1.639) anteriormente ao casamento, tem-se que o contrato de convivência pode ser celebrado a qualquer momento, na constância da união estável ou previamente ao seu início.

Neste sentido, CLAUDIA GRIECO TABOSA PESSOA assina-la: “não se trata de um pacto anterior à união estável, à semelhança do pacto antenupcial, porquanto não dispôs o legislador acerca de eventual limitação temporal à sua realização, podendo ser realizado a qualquer tempo, mesmo no curso de união previamente estabelecida…”

Divegindo desse entendimento GUILHERME CALMON NOGUEIRA GAMA e FRANCISCO E. O. PIRES E ALBUQUERQUE PIZZOLANTE, este último escrevendo: “Devem, portanto, ainda no silêncio da lei, tal contrato ser estabelecido antes da verificação do início da união estável, uma vez que sua criação no curso desta daria ensejo à perquirição de sua anulabilidade”, justificando sua conclusão do fato de que, por simetria, pela proximidade do instituto que essa lei regula com o casamento, “devem ser obedecidas, ao menos, no que se refere ao contrato, as formalidades necessárias ao pacto antenupcial, do qual retira todos os elementos essenciais”.

Não nos perfilhamos a esta tese. Antes, pelo contrário, em toda a linha de interpretação dos dois institutos – casamento e união estável – temos marcado a distinção entre eles, principalmente, evitando impor ao segundo a interferência demasiada do Estado no interesse dos particulares, conferindo maior liberdade aos seus partícipes, exatamente porque não pretenderiam ingressar no campo extremamente regrado do matrimônio.

(…)

O interesse na formalização deste contrato na constância da união é evidente, até mesmo para se conferir segurança à relação, principalmente quando esta passa a se apresentar, no campo afetivo, sólida e estruturada, e quem sabe até com o nascimento de filhos comuns. Mais ainda, passando a existir uma evolução patrimonial que talvez no início da convivência era improvável ou remota, a definição quanto à situação dos bens chega a ser um fator importante do amadurecimento da relação, como uma etapa que, se bem superada, permite o prolongamento de uma convivência saudável, sem duvidas ou desconfianças reciprocas. (Saraiva, 2002, p. 72-74)

Considero, dessa forma, que não há impedimento legal para que os conviventes celebrem contrato escrito de convivência no curso da união estável, dispondo sobre todas as relações jurídicas entre eles travadas desde o início da convivência.

Penso, de outra parte, que, a despeito de não existir dispositivo legal expresso que impeça os conviventes de estabelecerem o regime legal de bens que deverá viger no período da união estável, inclusive de forma retroativa, a interpretação sistemática da legislação de regência da matéria revela que o contrato escrito de convivência, por si só, não se configura como instrumento hábil para esta finalidade.

Com efeito, a Constituição não equiparou a união estável ao casamento, tanto que preconizou fosse facilitada, por lei, a sua conversão em matrimônio. O compromisso formal assumido com o casamento evidencia a estabilidade jurídica da relação, dando segurança recíproca aos cônjuges e também aos terceiros que com eles mantém relações jurídicas, favorecendo, portanto, a organização da vida social.

Embora compartilhe do entendimento de CAHALI de que a união estável deve conferir maior liberdade aos conviventes, de forma menos regrada pelo Estado do que o instituto do matrimônio, não se pode deixar de observar que o reconhecimento da união estável como entidade familiar, para efeito de proteção do Estado, pelo art. 226, § 3º, da Constituição, ensejou o surgimento de sólida construção jurisprudencial, no STF e no STJ, no sentido de atribuir simetria entre casamento e união estável no âmbito familiar, sucessório, previdenciário, entre outros.

A propósito, entre muitos outros, os seguintes precedentes:

Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e companheiros.

1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável.

2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988.

3. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da vedação do retrocesso.

4. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública.

5. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”.

(RE 878.694/MG, STF-Plenário, Relator Luis Roberto, Barroso, DJ 10.5.2017)

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. SUCESSÃO. CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL. FILHOS COMUNS E EXCLUSIVOS. BEM ADQUIRIDO ONEROSAMENTE NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. REGIMES JURÍDICOS DIFERENTES. ART. 1790, INCISOS I E II, DO CC/2002. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO STF. EQUIPARAÇÃO. CF/1988. NOVA FASE DO DIREITO DE FAMÍLIA. VARIEDADE DE TIPOS INTERPESSOAIS DE CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA. ART. 1829, INCISO I, DO CC/2002. INCIDÊNCIA AO CASAMENTO E À UNIÃO ESTÁVEL. MARCO TEMPORAL. SENTENÇA COM TRÂNSITO EM JULGADO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS. SÚM 7/STJ. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. NÃO OCORRÊNCIA.

1. É firme o entendimento do STJ de que “a meação constitui-se em consectário do pedido de dissolução da união estável, não estando o julgador adstrito ao pedido de partilha dos bens discriminados na inicial da demanda” (REsp 1021166/PE, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/10/2012, DJe 08/10/2012).

2. A diferenciação entre os regimes sucessórios do casamento e da união estável promovida pelo art. 1.790 do Código Civil de 2002 é inconstitucional. Decisão proferida pelo Plenário do STF, em julgamento havido em 10/5/2017, nos RE 878.694/MG e RE 646.721/RS.

4. Considerando-se que não há espaço legítimo para o estabelecimento de regimes sucessórios distintos entre cônjuges e companheiros, a lacuna criada com a declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 deve ser preenchida com a aplicação do regramento previsto no art. 1.829 do CC/2002. Logo, tanto a sucessão de cônjuges como a sucessão de companheiros devem seguir, a partir da decisão desta Corte, o regime atualmente traçado no art. 1.829 do CC/2002 (RE n. 878.694/MG, relator Ministro Luis Roberto Barroso).

5. “Conhecido o recurso especial, cabe ao Superior Tribunal de Justiça examinar a insurgência à luz do ordenamento jurídico, impondo-se a aplicação de sua jurisprudência, ainda quando advém alteração de entendimento entre o período que intermedeia a interposição do reclamo e seu definitivo julgamento” (AgRg nos EDcl no REsp 960.360/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 13/11/2012, DJe 22/11/2012).

6. Aberta a instância recursal, não havendo coisa julgada do tema, aplicou-se o direito à espécie (Súm n# 456 do STF), enquadrando o precedente vinculante do STF – RE n. 878.694/MG -, conforme determinação do voto condutor: “com o intuito de reduzir a insegurança jurídica, entendo que a solução ora alcançada deve ser aplicada apenas aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública”.

7. Na hipótese, há peculiaridade aventada por um dos filhos, qual seja, a existência de um pacto antenupcial – em que se estipulou o regime da separação total de bens – que era voltado ao futuro casamento dos companheiros, mas que acabou por não se concretizar. Assim, a partir da celebração do pacto antenupcial, em 4 de março de 1997 (fl. 910), a união estável deverá ser regida pelo regime da separação convencional de bens. Precedente: REsp 1.483.863/SP. Apesar disso, continuará havendo, para fins sucessórios, a incidência do 1829, I, do CC.

8. Deveras, a Segunda Seção do STJ pacificou o entendimento de que “o cônjuge sobrevivente casado sob o regime de separação convencional de bens ostenta a condição de herdeiro necessário e concorre com os descendentes do falecido, a teor do que dispõe o art. 1.829, I, do CC/2002, e de que a exceção recai somente na hipótese de separação legal de bens fundada no art. 1.641 do CC/2002”.

9. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt nos EDcl nos EDcl nos EDcl no RESP 1.318.249/GO Quarta Turma, Relator Ministro Luiz Felipe Salomão, DJ 30.9.2019)

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE SUCESSÃO. 1. ART. 1.790, I E II, DO CÓDIGO CIVIL. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO STF. INCIDÊNCIA DO ART. 1.829 DO CC AO CASAMENTO E À UNIÃO ESTÁVEL. EQUIPARAÇÃO. AUSÊNCIA DE ASCENDENTES E DESCENDENTES DO DE CUJUS. COMPANHEIRA. TOTALIDADE DA HERANÇA. PRECEDENTES. 2. MULTA. NÃO CABIMENTO. 3. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. Conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 878.694/MG (Tema 809 de Repercussão Geral), é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado em ambos os casos o regime do artigo 1.829 do CC/2002.

1.1 Inexistindo descendentes e ascendentes, a sucessão se dará por inteiro ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, ressalvada disposição de última vontade.

2. O mero não conhecimento ou improcedência de recurso interno não enseja a automática condenação à multa do art. 1.021, § 4º, do NCPC, devendo ser analisado caso a caso.

3. Agravo interno desprovido.

(AgInt no RESP 1.878.044/GO Terceira Turma, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJ 1.9.2020)

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. ART. 1.641, II, DO CÓDIGO CIVIL (REDAÇÃO ANTERIOR À LEI Nº 12.344/2010). REGIME DE BENS. SEPARAÇÃO LEGAL. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. COMPROVAÇÃO. BENFEITORIA E CONSTRUÇÃO INCLUÍDAS NA PARTILHA. SÚMULA Nº 7/STJ.

1. É obrigatório o regime de separação legal de bens na união estável quando um dos companheiros, no início da relação, conta com mais de sessenta anos, à luz da redação originária do art. 1.641, II, do Código Civil, a fim de realizar a isonomia no sistema, evitando-se prestigiar a união estável no lugar do casamento.

2. No regime de separação obrigatória, apenas se comunicam os bens adquiridos na constância do casamento pelo esforço comum, sob pena de se desvirtuar a opção legislativa, imposta por motivo de ordem pública.

3. Rever as conclusões das instâncias ordinárias no sentido de que devidamente comprovado o esforço da autora na construção e realização de benfeitorias no terreno de propriedade exclusiva do recorrente, impondo-se a partilha, demandaria o reexame de matéria fático-probatória, o que é inviável em sede de recurso especial, nos termos da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça.

4. Recurso especial não provido.

(RESP 1.403.419/MG, Terceira Turma, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJ de 14.11.2014).

CIVIL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C PARTILHA DE BENS. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. ART. 1.641, II, DO CÓDIGO CIVIL (REDAÇÃO ANTERIOR À DADA PELA LEI 12.344/2010). REGIME DE BENS. SEPARAÇÃO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE DE SE PRESTIGIAR A UNIÃO ESTÁVEL EM DETRIMENTO DO CASAMENTO. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. ART. 258, § ÚNICO, INCISO II, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916.

1. Por força do art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), ao casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação obrigatória de bens. Por esse motivo, às uniões estáveis é aplicável a mesma regra, impondo-se seja observado o regime de separação obrigatória, sendo o homem maior de sessenta anos ou mulher maior de cinquenta.

2. Nesse passo, apenas os bens adquiridos na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum, devem ser amealhados pela companheira, nos termos da Súmula n.º 377 do STF.

3. Recurso especial provido.

(RESP 646.259/RS, Quarta Turma, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, DJ de 24.8.2010).

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. PENSÃO POR MORTE. FILHA SOLTEIRA. UNIÃO ESTÁVEL. PERDA DO STATUS.

1. A Segunda Turma do STJ, no exame do RMS 59.709/RS (DJe 25/6/2020), reafirmou a jurisprudência desta Corte Superior de que as pensões concedidas às filhas maiores sob a égide da Lei n. 3.373/1958 que atenderam os requisitos relativos ao estado civil e à não ocupação de cargo público de caráter permanente encontram-se consolidadas e somente podem ser cassadas e cessadas se um dos dois requisitos for superado. Fixou, ademais, que, em razão da equiparação ao casamento estabelecida pelo art. 226, § 3º, da CF/1988, a união estável configura alteração do estado civil, fazendo cessar o direito ao recebimento do benefício.

2. Na hipótese, a autora teve a pensão cancelada em razão de receber, concomitantemente, pensão por morte de companheiro. Assim, houve a perda do status de filha solteira.

3. Essa configuração torna ilógico o questionamento sobre a possibilidade de escolha por um ou outro benefício, porque a modificação da situação da autora torna ilícito o recebimento da pensão fundada na Lei n. 3.373/1958, que, sobretudo, tem caráter temporário, como dispõe o inciso II do art. 5º da norma.

4. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no RESP 1.919.341/RJ, Segunda Turma, Relator Ministro Og Fernandes, DJ 24.9.2021)

Diante disso, ao meu sentir, em atenção à proteção da união estável como entidade familiar, nos termos em que vem sendo tratada pela jurisprudência, penso não ser possível conferir efeitos retroativos ao contrato de união estável, na parte em que altera o regime legal de bens então regente da relação (comunhão parcial), sem a necessária autorização judicial, nos termos do disposto para a alteração do regime de bens do casamento pelo § 2º do art. 239, do Código Civil, assim redigido:

Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.

(…)

§ 2º. É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.

Nesse sentido, a despeito da acesa divergência doutrinária sobre a matéria, são as considerações de Érica Verícia de Oliveira Canuto:

Por razões de ordem constitucional (princípio da isonomia), também dever-se-á permitir a alteração do regime de bens no curso da união estável, que deverá ser procedido através de contrato escrito.

Relevante, nesse aspecto, é o fato de que, para alteração do regime de bens na união estável, os companheiros não precisam cumprir todos aqueles requisitos previstos no art. 1.639, § 2°, do CC/02. Fazem a alteração, a qualquer tempo, quantas vezes desejarem, mediante contrato escrito. É assim que prevê o art. 1.725 do CC/02. Não entendo possível – sob pena de ferir o princípio constitucional da isonomia – a exigência legal de requisitos distintos, sem qualquer justificativa, para duas situações semelhantes (casamento e união estável). A solução interpretativa deve ser a seguinte: ou se impõe também para a alteração do regime de bens na união estável os mesmos requisitos exigidos no casamento (art. 1.639, § 2°, do CC/02), ou não se aplique, ao casamento, a exigência daqueles requisitos, permitindo-se, da mesma forma da união estável, que a alteração de regime de bens seja feita através de contrato escrito (no caso escritura pública registrada). (Revista Brasileira de Direito de Família nº 22, ano V, Fev-Mar 2004, págs. 151-165).

Considerando que não é possível a dispensa da autorização judicial para a alteração do regime de bens do casamento, em razão da literalidade do § 2º do art. 1.639 do Código Civil, penso que, entendendo os conviventes de regular, de forma retroativa, as relações patrimoniais em curso, alterando o regime legal então regente da união, será necessário obter autorização judicial.

Nessa linha, adverte Rolf Madaleno sobre as incongruências e riscos de se admitir a alteração de regime de bens na união estável, mediante a mera celebração de contrato de convivência que estabeleça efeitos retroativos ao início da união:

Tormentosa discussão ocorre, diante da possibilidade reconhecida por boa parte da doutrina e da jurisprudência, que admitem o pacto de separação convencional de bens firmado pelo casal às vésperas do seu casamento e estendendo a incomunicabilidade de seu patrimônio para o período em que mantiveram precedente união estável.

Cuida-se da retroatividade das disposições estabelecidas no pacto antenupcial quando convertida a precedente união estável em casamento ou mesmo na hipótese de simplesmente firmarem contrato de convivência, convencionando efeitos pretéritos para selar com o regime da incomunicabilidade também as aquisições procedidas desde o começo da união.

FRANCISCO JOSÉ CAHALI apresenta sólidos argumentos para conferir retroatividade ao contrato de convivência e assim fazer incidir os resultados da convenção sobre a situação já consumada, sendo perfeitamente viável aos conviventes estipularem em contrato de convivência ou em pacto antenupcial que o patrimônio passado e futuro é considerado eminentemente particular e de propriedade exclusiva do seu respectivo titular, afastando da partilha qualquer bem apresto ou aquesto. Significa outorgar aos conviventes ou futuros nubentes a liberdade plena de reconhecerem que viveram em união estável e que a sua relação passada e seus onerosos aquestos poderão ser ressalvados pela eleição, em contrato, de um regime de separação de bens que está apagando as comunicações passadas.

Para Francisco Cahali, impedir aos companheiros, com livre disposição sobre seus bens preexistentes ou futuros, de estitupularem seus relações patrimoniais seria projetar restrições à capacidade civil e ao exercício da propriedade, tangenciando até a inconstitucionalidade, diante dos arts. 5º, XXII, XXIII, e 170, III, da Constituição Federal de 1988.

(…)

Por conta dessa dissensão e dos seus reflexos econômicos, jurídicos e sociais, merece reflexão mais detida a eficácia retroativa das disposições patrimoniais entre os conviventes que casam, pois não é por menos que a legislação brasileira exige a adoção de escritura publica para o pacto antenupcial e também não é sem motivo que o art. 1.639, em seu § 2°, só admite a alteração do regime de bens mediante autorização judicial em pedido motivado por ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros. A mutabilidade do regime de bens exige redobrada cautela do intérprete da lei, que tem a tarefa de julgar a viabilidade da mudança intercorrente do regime matrimonial dos cônjuges, porque sua alteração pode abrir as portas do abuso à inevitável fraqueza do cônjuge ainda tomado pela cegueira da paixão, salientando TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER que, na conversão da união estável em casamento, celebrado com pacto antenupcial de separação de bens, existe justamente o risco de um dos nubentes impor o pacto de separação ao outro, exatamente para locupletar-se dos bens adquiridos pelo esforço comum de ambos, na constância da pretérita união fática.

(…)

Sob o risco de convalidar a fraude, toda a modificação de um regime econômico de comunicação de bens, que na constância da união venha a restringir direitos, pressupõe a prévia liquidação do regime anterior e correta divisão de bens já amealhados pelo regime automático da comunhão parcial, aplicável à união estável na ausência de precedente contrato escrito.

Aceitar a renúncia após a aquisição do patrimônio, por contrato escrito pelos conviventes ou porque decidiram casar e firmar pacto antenupcial de completa separação retroativa de bens, só poderia ser considerado como um contrato válido quando não prejudicasse terceiros e quando não atentasse contra a ordem pública. Aliás, não é por outra razão que a lei civil põe ao encargo do juiz de família a decisão sobre a mudança do regime matrimonial de bens, mandando que sejam declinadas as causas e criando todo um roteiro para que não haja prejuízos não só para terceiros, como especialmente para os cônjuges.

Calha neste espaço questionar qual seria a reação judicial de uma pretensão de mudança do regime econômico de bens da comunhão universal de sólido e rico casamento cujo cabedal foi construído exatamente durante o matrimônio. Seria assim tão simples aceitar que a esposa promovesse a renúncia retroativa de sua meação e optasse talvez já na quadra final de sua existência pelo regime convencional da completa separação de bens. E se a resposta for positiva, então está inaugurada a estrada que leva a doação gratuita dos bens conjugais a um dos consortes, deixando doravante de ser devido, por exemplo, imposto pelo excesso de meação na partilha dos bens conjugais, pois será muito mais econômico desdobrar a separação do casal em duas etapas: primeiro, promovendo a alteração do regime de comunhão para o de total separação, ficando o marido com a totalidade do acervo já registrado em seu nome; passo seguinte, seria ajuizar a separação judicial consensual, nela informando inexistirem bens para dividir, tendo em conta que na atualidade estão casados pelo regime da completa separação de bens, conforme precedente alteração judicialmente homologada.

Por evidente que não quer a lei o enriquecimento sem causa, tanto que o vigente Código Civil contém regras expressas para a sua vedação. Se bem visto, a renúncia de direitos requer menção expressa, por escritura pública ou por termo nos autos de uma separação judicial ou de dissolução de uma união estável. A renúncia dissimulada por simples contrato escrito de convivência, que afasta a presuncão de comunhão parcial, deve ser rejeitada por seu nefasto efeito de enriquecer sem justa causa apenas o companheiro beneficiado pela renúncia do outro e por ser claramente contrário à moral e ao direito permitir restrições de ordem material e com efeito retroativo. Apagar acordos tácitos de comunhão parcial justamente quando a lei presume a comunicação dos bens pela inércia contratual dos conviventes não deixa de ser forma consciente de optar pelo regime da comunhão parcial, para depois permitir que, por mero contrato surgido muitas vezes no desgaste da relação, a sua renúncia fosse um meio de empobrecer a título gratuito um dos parceiros em benefício do outro.

(…)

Se quer a lei no ato de mutabilidade do regime de bens preservar os direitos e interesses de terceiros, nunca foi desejo do legislador prejudicar o meeiro da relação afetiva, como se esquecesse a sua principal função de organizar e regulamentar os interesses materiais dos cônjuges e conviventes, porque ambos externam entidades familiares tuteladas pela Constituição Federal e não parece que, em tempos de estado democrático de direito, de igualdade e dignidade humana, pudesse ainda existir ainda algum espaço para restrição de direitos e dissensões que apenas consagrariam a sempre odiosa fraude à meação.

(Revista Jurídica nº 348 outubro 2006, ano 54, págs. 27-52, grifos não constantes do original)

Assinalo que, de forma distinta do que se verifica na sucessão, que é disciplinada pela lei em vigor na data do óbito, a partilha de bens, seja em razão do término, em vida, do relacionamento, seja em decorrência do óbito do companheiro ou cônjuge, deve observar o regime de bens e o ordenamento jurídico vigente ao tempo da aquisição de cada bem a partilhar.

Diante disso, a alteração do regime de bens vigente no curso da relação, com efeitos retroativos ao início da início da união estável, deve ser precedida de autorização judicial, na qual deverá o magistrado verificar a presença dos requisitos estabelecidos no § 2º do art. 1.639 do Código Civil – acordo entre os conviventes, os motivos com a comprovação de sua veracidade e ausência de prejuízo para terceiros e para os conviventes.

Considero pertinente ressaltar, a propósito, que a incidência do regime da separação total de bens adotado no contrato escrito de união estável, com efeitos retroativos ao início da convivência, pode ensejar, no caso presente, expropriação do patrimônio adquirido pela ora agravada, no período de maio de 2000 (início da união estável) a janeiro de 2008 (modificação do regime legal de bens), porque afastaria a presunção legal do esforço comum dos conviventes na aquisição desses bens, à luz do disposto na Lei 9.278/1996 e art. 1.725 do Código Civil de 2002.

Observo que a incidência da regra do § 2º do art. 1.639 do Código Civil para a alteração de regime de bens no curso de união estável foi afirmada pela Terceira Turma no julgamento do RESP 1.383.624/MG, ao apreciar hipótese semelhante à dos presentes autos, nos termos dos fundamentos do voto Relator, Ministro Moura Ribeiro:

Os recorrentes mantiveram união estável, que se iniciou em novembro de 1999 e se prolongou até dezembro de 2010. Em outubro de 2008 (e-STJ, fls. 77/83), por contrato escrito firmado em cartório, eles optaram pelo regime da separação total de bens, com incomunicabilidade absoluta dos bens e rendas, inclusive com efeito retroativo ao início da convivência (novembro de 1999), acordo esse que ela pretende que seja declarado válido totalmente, de modo que o seu ex-convivente nada tem a receber na partilha.

A lei reconhece e a CF/88 elevou ao estado de entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, com convivência duradoura, pública e contínua, estabelecida com o objetivo de constituição da família. Por ser uma relação de fato informal, não depende de nenhuma solenidade ou celebração para produzir efeitos legais, como ocorre com o casamento.

A regulamentação das suas relações pessoais e patrimoniais pode-se efetivar por contrato escrito, público ou particular, desde que as suas cláusulas não ofendam os direitos pessoais dos conviventes, nem os princípios gerais de direito, nem o interesse público ou os de terceiros.

A união estável, como situação de fato não se sujeita a nenhuma solenidade. Normalmente, concretizar-se-á com o decorrer do tempo, pois não há como saber previamente se ela será duradoura e estável. Dessa forma, eventual contrato de convivência pode ser formalizado a qualquer momento, seja na sua constância seja previamente ao seu início. Isso se justifica, pois, como não se submetem às solenidades e rigores do casamento, os conviventes possuem maior liberdade para decidir o momento em que vão celebrar o contrato. Além disso, o que não é proibido ou contrário à lei, presume-se permitido.

A propósito, MARIA BERENICE DIAS, lecionando a respeito do contrato de convivência, diz que ele pode ser celebrado e alterado a qualquer tempo e acrescenta que a singeleza com que a lei refere à possibilidade de os conviventes disciplinarem o regime de bens, facultando a elaboração de contrato escrito, denota a ampla liberdade que têm os companheiros de estipularem tudo o que quiserem, não só questão de ordem patrimonial, mas também de ordem pessoal (Manual de Direito de Família. 3ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. p. 158).

No caso, como o contrato de convivência foi celebrado oito anos após o início da união estável, o Tribunal a quo, a partir de interpretação dos arts. 1.641 e 1.725 do CC/02, concluiu que o ajuste era válido, mas que somente geraria efeitos para o futuro, ou seja, não admitiu a atribuição de efeitos pretéritos. Confira-se a fundamentação do acórdão:

Todavia, não se pode deixar de considerar que a sua validade é da data de sua formalização para frente, já que não se pode permitir os efeitos pretéritos do ato, sob pena de se permitir que ocorra a modificação do regime de comunhão parcial que até então vigorava na união estável, para o de separação total, sem o crivo do Judiciário.

Imprescindível observar que apesar de a união das partes ter tido início no ano de 1999, quando o autor contava com 54 anos, a sua formalização ocorreu em 2008, afigurando-se, por isso, correto o regime adotado, qual seja, de separação de bens, em consonância com os artigos 1641 e 1725 do Código Civil, permitindo-se, contudo, repita-se a sua validade do ano 2008 em diante (e-STJ, fls. 230-231).

Acerca dos efeitos do contrato de união estável, registro que doutrinadores renomados, como MARIA BERENICE DIAS (opus cit, Manual de Direito das Famílias. p. 199) e FRANCISCO JOSÉ CAHALI (Contrato de Convivência na União Estável, São Paulo: Ed. Saraiva, 2002. p. 76-77), sustentam que na união estável é possível a alteração a qualquer tempo das disposições de caráter patrimonial, inclusive com efeitos retroativos, mediante singelo acordo despido de caráter patrimonial, sob o argumento de que deve prevalecer o princípio da autonomia da vontade.

Não obstante a tese trazida pela ex-companheira encontrar respaldo na doutrina, entendo que o art. 1.725 do CC/02 (na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens), não comporta o alcance por ela pretendido.

O dispositivo legal autoriza que os conviventes formalizem suas relações patrimoniais e pessoais por meio de contrato e que somente na ausência dele aplicar-se-á, no que couber, o regime de comunhão parcial. Numa palavra: enquanto não houver a formalização da união estável, vigora o regime da comunhão parcial, no que couber.

O contrato de convivência, no entanto, não pode conceder mais benefícios à união estável do que ao casamento, pois o legislador constitucional, não obstante reconhecer os dois institutos como entidade familiar e lhes conferir proteção, não os colocou no mesmo patamar, pois expressamente dispôs que a lei facilitará a conversão daquele neste (§ 3º do art. 226 da CF).

Nessa linha de pensamento, como no casamento o regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento (§ 1º do art. 1.639 do CC/02) e a sua modificação somente é permitida mediante autorização judicial requerida por ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvado o direito de terceiros (§ 3º do art. 1.639 do CC/02), não vejo como o contrato de convivência poderia reconhecer uma situação que o legislador, para o casamento, prevê a intervenção do Judiciário.

É a situação dos autos, pois durante oito anos de convivência e diante da ausência de contrato presume-se que vigia entre o casal o regime da comunhão parcial de bens. Após, com a superveniência do ajuste, modificou-se o regime para o da separação total de bens e lhe conferiu efeitos retroativos, como se o outro jamais tivesse existido e produzido efeitos jurídicos. Admitir essa situação seria conferir, sem dúvida, mais benefícios à união estável do que ao matrimônio civil, bem como teria o potencial de causar prejuízo a direito de terceiros que porventura tivessem contratado com eles.

Concluo, pois, que é possível a celebração de contrato escrito entre os conviventes com a finalidade de dispor de forma retroativa sobre o regime de bens, mas sua validade depende da autorização judicial prevista no § 2º do art. 1.639 do Código Civil.

No caso em exame, não houve a necessária autorização judicial para a alteração do regime de bens, a qual não teria, como visto, a concordância da ora agravada. O contrato foi celebrado às vésperas do rompimento do casal e sem a necessária submissão ao Poder Judiciário, não se prestando, portanto, à finalidade de reger o tempo pretérito de relação da partes.

Observo, de outra parte, que a presente ação tem caráter incidental e visa tão somente à declaração de nulidade do contrato escrito entre conviventes que adotou o regime da separação total de bens, com a finalidade de obter, em ação anteriormente ajuizada (fls. 25-42), o reconhecimento do direito à partilha igualitária dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável, em razão da presunção legal do esforço comum, nos termos do arts. 5º, caput, da Lei 9.278/1996 e 1.725 do Código Civil de 2002.

Diante disso, com a devida vênia, penso que não seja o caso de determinação de “retorno dos autos ao Tribunal de origem para que se prossiga na análise fático-probatória, considerada a invalidade da cláusula que estabeleceu a retroatividade dos efeitos da mudança de regime de bens”.

Esta invalidade terá aplicação na conexa ação de dissolução da união e partilha de bens, no âmbito da qual serão apreciadas as provas e partilhados igualitariamente os bens adquiridos de forma onerosa no curso da união, nos termos do regime legal vigente até a celebração do pacto em 24.1.2008.

Em face do exposto, acompanho o voto do Relator, com a ressalva acima, a fim de dar provimento ao recurso especial, para julgar procedente o pedido de nulidade do contrato escrito, na parte em que estabelecida a retroatividade ao regime da separação total de bens.

Invertidos os ônus da sucumbência fixados na sentença.

É como voto. – – /

Dados do processo:

STJ – AgInt no AREsp nº 1.631.112 – Mato Grosso – 4ª Turma – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJ 14.02.2022

Fonte: INR Publicações.

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Corregedoria institui novo fluxo para ressarcimento de atos gratuitos e renda mínima nos cartórios

A nova forma de pagamento passa a valer a partir deste ano

A Corregedoria-Geral da Justiça de Rondônia a partir deste ano de 2022 deverá reter na fonte o imposto de renda (IRRF), referente aos valores pagos às serventias de registro civil das pessoas naturais, a título de compensação por atos gratuitos, selos isentos e renda mínima, praticados em cumprimento da Lei Estadual n° 918/2020 e Lei Federal nº 10.169/2000, que garantem  a gratuidade a pessoas cuja situação econômica e financeira não lhes permita pagar.

A partir de agora, o Tribunal de Justiça (FUJU), responsável por esse fundo em Rondônia, passará a fazer o repasse do Imposto à Receita Federal relacionado a esses valores (ressarcimento e renda mínima), e não mais o delegatário (quem presta o serviço de notas, civil das pessoas naturais, protesto de títulos, etc).

A recomendação foi feita pela Receita Federal, ao poder judiciário de Rondônia, em setembro de 2021, por meio do ofício nº 25/2021. O novo fluxo de pagamento deverá ser colocado em prática, a partir do mês de janeiro de 2022.

O fluxo de retenção do imposto de renda é apenas para valores recebidos diretamente do TJ/RO por meio de compensação, permanecendo a obrigatoriedade da serventia recolher o imposto de renda via carnê leão referente aos atos praticados de forma remunerada nos termos orientados pela Receita Federal em legislação própria.

Diante disso, a CGJ enfatiza a necessidade de todas as serventias efetuarem o recolhimento do imposto de renda com exatidão, e reforça que o período de orientação está encerrando. Caso contrário, a Receita Federal passará a efetuar autuações e aplicação de multas nos casos de recolhimento indevido, o que poderá, inclusive, resultar em procedimento administrativo na Corregedoria contra o  delegatário que eventualmente não recolher os impostos da forma exigida em lei.

Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia.

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