CSM/SP: Registro de imóveis – Escritura pública de inventário e partilha – Cessão da meação da viúva meeira e instituição de usufruto – Divisão entre meação e herança por meio de constituição de usufruto e transmissão da nua propriedade – Apresentação de guia de recolhimento do ITCMD – Dúvida improcedente – Recurso provido para afastar a exigência.


  
 

Apelação Cível nº 1001328-44.2020.8.26.0584

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1001328-44.2020.8.26.0584

Comarca: SÃO PEDRO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1001328-44.2020.8.26.0584

Registro: 2021.0001020018

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001328-44.2020.8.26.0584, da Comarca de São Pedro, em que é apelante SELMA CRISTINA CURY CAMARGO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO PEDRO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 2 de dezembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1001328-44.2020.8.26.0584

Apelante: Selma Cristina Cury Camargo Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Pedro

VOTO Nº 31.673

Registro de imóveis – Escritura pública de inventário e partilha – Cessão da meação da viúva meeira e instituição de usufruto – Divisão entre meação e herança por meio de constituição de usufruto e transmissão da nua propriedade – Apresentação de guia de recolhimento do ITCMD – Dúvida improcedente – Recurso provido para afastar a exigência.

1. Cuida-se de recurso de apelação interposto por SELMA CRISTINA CURY CAMARGO contra a r. sentença de fl. 357/358, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São Pedro, mantendo-se o óbice registrário.

A Nota de Exigência de fl. 321/322 indicou como motivo de recusa do ingresso do título:

“O posicionamento da E. Corregedoria Permanente desta Comarca, ao qual este Oficial encontra-se vinculado, alicerçado em decisões da Corregedoria Geral da Justiça e do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que “o cônjuge supérstite é proprietário da metade dos bens amealhados durante o casamento em virtude do regime de bens adotado. O inventário somente servirá para especificar o patrimônio que o compõe, distinguindo-o dos bens que comporão a herança. Dessa forma, não é realmente viável realizar a cessão sobre a meação, tampouco renunciar a ela. Na verdade, se a disposição sobre esse patrimônio se der a título gratuito, o ato jurídico a ser entabulado é a doação, que deverá ocorrer após a partilha dos bens” (Processo 1000002-83.2019.8.26.0584).

Logo, o título deverá ser retificado para que seja efetuada a partilha dos bens à viúva e, se for o caso, efetuada subsequentemente doação com reserva de usufruto. Também será possível que a meação seja paga com o usufruto e a herança com a nua-propriedade e se houver necessidade, eventual acertamento poderá ser realizado no mesmo título, sob a forma de doação. Em virtude desta exigência os emolumentos poderão sofrer alterações.

2) Apresentar os comprovantes de quitação do ITR/2019 referentes aos imóveis das matrículas 3.898 e 6.720, para fins do cumprimento do disposto no art. 22, §3º, da Lei 4.947 de 1966, uma vez que a NCD não abrange o último exercício fiscal.

Obs.: em virtude de apresentação de requerimento de cindibilidade do título não foram apreciados os documentos para o cumprimento dos itens 2 e 3 da nota devolutiva anterior datada de 03/08/2020 em relação aos imóveis das matrículas 7.750, 7.755 e 7.775”.

Sustenta a recorrente, em suma, que não há vedação legal à cessão da meação, onerosa ou gratuita, na escritura de inventário e partilha, desde que recolhido o imposto respectivo. Além disso, não há exigência para a realização de dois atos formais, um para o inventário e outro para a cessão da meação.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fl. 391/394).

É o relatório.

2. Presentes seus pressupostos legais e administrativos, conheço do recurso.

No mérito o recurso merece provimento.

Trata-se de registro de escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados por Francisco Camargo Junior lavrada em 10 de maio de 2019 perante o 26º Tabelionato de Notas da Capital, prenotada, inicialmente, sob o nº 117306 no Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São Pedro.

Houve o cumprimento das exigências, com exceção da constante do item 1 da nota devolutiva de fl. 321/322, motivo da dúvida.

Com efeito, a meação do cônjuge supérstite não se confunde com a herança, de modo que a cessão respectiva configura ato inter vivos e não renúncia à herança.

É pacífico na jurisprudência paulista o entendimento de que a divisão entre a meação e a herança pode ser realizada por meio de constituição de usufruto e transmissão da nua propriedade do bem, com recolhimento do imposto que for devido se o valor da meação superar o valor do usufruto.

Neste sentido:

“INVENTARIO. Decisão interlocutória que negou pedido da viúva inventariante de ceder aos herdeiros sua meação, com reserva de usufruto, nos autos do inventário dos bens deixados por seu finado esposo. Desacerto. Não há qualquer impedimento para que a doação – ou cessão se opere por termo nos autos do inventário. Cônjuge supérstite não é herdeiro, mas apenas meeiro por força do regime da comunhão universal de bens. Possível que a partilha atribua, como pagamento da meação do cônjuge supérstite, o usufruto vitalício sobre bens do monte. Pleito perfeitamente viável e, a rigor, não necessita, para ser instrumentalizado, nem do negócio jurídico de usufruto deducto, muito menos da cessão de direito hereditários (ou renúncia in favorem). Acerto patrimonial entre a viúva- meeira e os herdeiros necessários pode ser resolvido na própria partilha de bens, bastando imputar a nuapropriedade dos imóveis no pagamento dos quinhões dos herdeiros e o usufruto vitalício na meação da viúva, independente de qualquer outro negócio jurídico de doação ou cessão, tal como sugerido pelos interessados. As questões alusivas ao recolhimento do tributo em relação à operação desejada pelas partes (ITCMD ou ITBI) deverão ser esclarecidas na origem, em momento oportuno, após oitiva da Fazenda Pública. Recurso provido, com observação” (Agravo de Instrumento nº 2078003-03.2021.8.26.0000, Des. Relator FRANCISCO LOUREIRO).

Do corpo do V. Acórdão extrai-se que:

“Irrelevante o negócio cessão de direitos ou doação a ser utilizado para instrumentalizar a operação econômica que se deseja realizar. Diante de tal cenário, rigorosamente indiferente o nome que se dá aos negócios jurídicos, que refletem a mesma causa e têm a mesma natureza.

A questão pode ser resolvida na própria partilha de bens, sem maior dificuldade ou formalidade”.

Nesta ordem de ideias, nada obsta que o acerto patrimonial entre a viúva-meeira e os herdeiros necessários seja resolvido na própria partilha de bens, bastando, como procederam in casu, imputar a nuapropriedade dos imóveis no pagamento dos quinhões dos herdeiros e o usufruto vitalício na meação da viúva, independentemente de qualquer outro negócio jurídico de doação.

Não se observa, pois, impedimento para que a cessão da meação se opere na escritura de inventário e partilha e que esta atribua, como pagamento da meação da viúva, o usufruto vitalício sobre os bens do monte.

Relevante destacar, no ponto, os ensinamentos de Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim:

“Hipótese bastante comum é a do cônjuge viúvo, com direito à meação nos bens da herança, concorrendo com herdeiros filhos. Atribui-se ao viúvo o direito de usufruto sobre determinados bens e faz-se a partilha da nua propriedade aos herdeiros. Cumpre ressalvar, no entanto, que o valor do usufruto corresponde a uma fração do valor dos bens, que no Estado de São Paulo, por força da Lei n.10.775/2000, seria de 1/3. Sobre a diferença entre esse terço e o valor da meação, pelas cotas atribuídas aos herdeiros, incidirá o imposto de transmissão, que pode ser o ITCMD no caso de liberalidade, ou o ITBI se houver pagamento ou reposição do valor.” (Inventário e Partilha: teoria e prática, 26ª edição, São Paulo: Saraiva, 2020, capítulo 10, n. 2.2).

Nesta senda, nada impede que se ajuste, consensualmente, que a meação da viúva recaia sobre o usufruto do todo, não subsistindo o óbice registrário, bem porque foi apresentada a guia com o recolhimento do ITCMD (fl. 67/92).

3. Ante o exposto, dou provimento ao recurso para afastar a recusa do registro.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 24.02.2021 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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