1VRP/SP: Registro de Imóveis. A sentença arbitral é passível de registro, já que possui a mesma eficácia dos títulos judiciais e figura como título executivo na legislação processual, igualando-se à carta de sentença judicial (artigo 31, Lei n. 9.307/96; artigo 221, Lei n. 6.015/73; STF, SE 5.206-Espanha, Inf. 71, de 12/05/1997).


  
 

Processo 1144150-82.2022.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Maria de Lourdes Ferreira de Barros – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida para manter os óbices registrários. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: MONIQUE OLIVEIRA PIMENTEL DOMINGUES (OAB 276715/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1144150-82.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 9º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo – SP

Suscitado: Maria de Lourdes Ferreira de Barros

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 9º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Maria de Lourdes Ferreira de Barros diante de negativa em se proceder ao registro de carta de sentença arbitral expedida pelo Tribunal Internacional de Justiça Arbitral do Brasil – TRIAB no procedimento de adjudicação compulsória de autos n.0001309-50-2022.7.26.2009, referente ao imóvel da matrícula n. 292.938 daquela serventia (prenotação n.740.779).

O Oficial informa que o registro foi adiado porque o título não produz efeito contra todos os titulares dos direitos inscritos na matrícula; porque não há convenção de arbitragem nos contratos e porque não foi juntada prova de que os mandatários que firmaram o compromisso arbitral receberam poderes para representar os espólios dos proprietários e dos compromissários compradores. Por tais motivos, exigiu que o título fosse instruído com sentença judicial julgando procedente o compromisso arbitral (artigo 7º, §7º, da Lei n. 9.307/96).

Considerando, ainda, a escassez de precedentes sobre a instrumentalidade da carta de sentença arbitral como título hábil a registro, o Oficial sugere a participação no presente feito do Colégio Notarial do Brasil e da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo na qualidade de amicus curiae.

Explica que a carta de sentença arbitral, apesar de ter força de título executivo judicial, não deixa de ser um instrumento particular; que, no caso concreto, não foram apresentados os atos constitutivos da câmara arbitral, a qual não figura no rol das câmaras privadas credenciadas pelo Tribunal de Justiça para os fins do Provimento CSM n.2.348/16; que não é possível verificar nem mesmo se o procedimento arbitral atendeu aos ritos da própria câmara que o presidiu.

Documentos vieram às fls. 07/95.

A parte suscitada apresentou impugnação às fls.96/105, alegando que a sentença arbitral é passível de registro, já que possui a mesma eficácia dos títulos judiciais e figura como título executivo na legislação processual, igualando-se à carta de sentença judicial (artigo 31, Lei n. 9.307/96; artigo 221, Lei n. 6.015/73; STF, SE 5.206-Espanha, Inf. 71, de 12/05/1997).

No mérito, sustenta que os sucessores dos proprietários foram citados no procedimento arbitral e não se opuseram à transferência da propriedade, tampouco contestaram a via eleita, mas a constituíram como procuradora, pelo que válido o compromisso arbitral firmado; que precedente deste juízo reconhece a prescindibilidade de participação do espólio, possibilitando a participação somente dos herdeiros (processo de autos n. 1023863-61.2020.8.26.0100); que, embora os sucessores não tenham participado do instrumento de compromisso, o contrato os vincula, sendo legítima sua participação no polo passivo da ação de adjudicação; que não há fundamento legal para se exigir alvará judicial para representar os espólios, notadamente os herdeiros, que não estão alienando bens do espólio: a venda se operou em vida pelos genitores.

A parte informa, ainda, que existem inúmeros processos de adjudicação envolvendo os mesmos espólios, já que os possuidores não possuem escritura, mas apenas contratos de cessão de direitos, e cuja solução não é alcançada pelo Poder Judiciário devido à dificuldade de se encontrarem os herdeiros. Sustenta, por fim, que não há necessidade de participação, no compromisso arbitral, dos compromissários compradores descritos na matrícula, já que transferiram seus direitos através de contrato válido e com firma reconhecida, bem como porque faleceram e a lei processual não exige a participação dos compromissários no processo de adjudicação, por não serem considerados proprietários (STJ, REsp n. 648468/SP).

O Ministério Público opinou pela procedência (fls. 109/111).

É o relatório.

Fundamento e decido.

De início, vale destacar que a carta de sentença arbitral figura como título hábil a registro, notadamente porque a sentença arbitral produz os mesmos efeitos daquela proferida pelo Poder Judiciário (artigo 31 Lei n. 9.307/96, artigo 221, inciso IV, LRP).

Essa foi a conclusão do Conselho Nacional de Justiça no Pedido de Providências de autos n.0004727-02.2018.2.00.0000, para o qual as Corregedorias Estaduais e do Distrito Federal foram intimadas, e na Consulta n.0008630-40.2021.2.00.0000, orientada por parecer da Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro no âmbito do CNJ. Prescindível, portanto, a participação do Colégio Notarial do Brasil e da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo nestes autos. Mesmo que a carta arbitral equipare-se aos títulos judiciais, não está isenta de qualificação para ingresso no fólio real. Em verdade, o título derivado de sentença proferida por juiz togado também deve atender a requisitos formais próprios de toda carta de sentença para que seja admitido como título hábil ao registro, sujeitando-se à qualificação.

Nesse sentido, o Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7).

A mesma orientação foi seguida na Ap. Cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:

“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.

E, ainda:

“REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA.

O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência – pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).

Podemos concluir, em suma, que a origem dos títulos, seja arbitral ou judicial, não basta para garantir ingresso automático no fólio real, cabendo ao Oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.

Quanto aos requisitos formais dos títulos judiciais, verifica-se que incumbe ao escrivão ou ao chefe da secretaria redigir, na forma legal, os atos que pertençam ao seu ofício (artigo 152, I, do CPC), o que inclui a formação das cartas de sentença.

O escrivão, então, autenticará e conferirá as peças que formam a carta de sentença e certificará a autenticidade da assinatura do juiz que subscreveu o documento.

Essa forma de autenticação conta com expressa previsão normativa de validade perante todas as repartições públicas.

Ainda assim, o reconhecimento de firmas pode ser exigido se houver dúvida em relação à sua autenticidade (artigo 221, parágrafos 3º e 4º, do Tomo I, das NSCGJ).

As cartas arbitrais, portanto, devem seguir o mesmo regime, com atendimento aos requisitos formais previstos nos artigos 69, §1º, e 260, §3º, do CPC, embora sejam expedidas por árbitro ou tribunal arbitral, na forma autorizada pelo artigo 22-C da Lei n.9.307/96.

Ainda que a legislação destaque a relação de cooperação e coordenação entre o juízo arbitral e o juízo estatal (artigo 237, IV, do CPC, e artigo 22-C da Lei de Arbitragem), é possível adiar o cumprimento da carta arbitral via decisão devolutiva motivada, quando ela não estiver revestida dos requisitos legais ou houver dúvida acerca de sua autenticidade (artigo 267, I e III, do CPC).

Nesse contexto, considerando que a interpretação conferida pelo CNJ ao artigo 221, IV, da Lei n. 6.015/73, é no sentido de que a carta arbitral é título hábil para inscrição independentemente de manifestação do Poder Judiciário, incumbirá ao Registrador a verificação dos requisitos formais e, havendo dúvida acerca de sua autenticidade, poderá devolvê-la, esclarecendo sua motivação e exigindo providências suficientes para contornar a insegurança detectada.

Relevante salientar, ainda, que o registro somente será possível se houver observância do princípio da continuidade, consoante explicado por Afrânio de Carvalho:

“O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia, de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª edição, página 254).

O título, portanto, deve estar em conformidade com o inscrito no registro.

No caso concreto, o que se pretende é o registro da adjudicação do imóvel descrito na matrícula n. 292.938 do 9º RI da Capital, cujos proprietários tabulares são Raul Ferreira de Barros e sua mulher, Maria da Luz Leda Pannunzio de Barros; Rubens Ferreira de Barros e sua mulher, Georgette Heydt de Barros; Carlos Ferreira de Barros e sua mulher, Yara Ferreira de Barros; Renato Ferreira de Barros e sua mulher, Osmilda Ferreira de Barros; Paulo Ferreira de Barros e sua mulher, Izolina Gonçalves de Barros, e Raphael Ferreira de Barros, casado pelo regime da separação de bens com Maria Aparecida Ferreira de Barros (fl. 83).

Verifica-se, ainda, que, em 21 de setembro de 1959, os titulares do domínio prometeram o imóvel a venda para Anselmo Vessoni, casado com Thereza de Souza Nogueira ou Thereza Nogueira Vessoni; José Virgílio Nogueira Vessoni, casado com Rene Nogueira Vessoni; Alfredo Salemi, casado com Selma Chebl Salemi, e André Saleme, casado com Maria Julieta Niro Saleme (Av. 01, fl. 84).

Por sua vez, o procedimento arbitral que deu origem ao título ora analisado envolveu ação de adjudicação compulsória movida por Marcos Antônio da Silva, sua mulher, Eugênia Benedita Deusdete da Silva, e Walter da Silva em face dos espólios dos proprietários tabulares, todos representados por Maria de Lourdes Ferreira de Barros.

Os requerentes demandaram a adjudicação do imóvel que seu falecido pai, Sebastião Marcos da Silva, adquiriu de Maria Elena da Costa, a quem os promitentes compradores que figuram na matrícula cederam seus direitos por meio de instrumento particular firmado em fevereiro de 1963 (fls.26/31).

A sentença arbitral de procedência foi prolatada em 20 de setembro de 2022 (fls.50/55).

Ocorre que a carta de sentença, seja judicial ou arbitral, deve trazer todas as peças processuais necessárias à correta interpretação do contexto do feito em que a ordem foi proferida, o que garante segurança jurídica ao seu executor ou ao destinatário do título.

No caso da adjudicação de imóvel, imprescindível a apresentação dos elementos processuais que comprovem a representação e a legitimidade das partes envolvidas no procedimento, a fim de se verificar a adequação do título à continuidade do registro.

No caso concreto, entretanto, não há qualquer documento que demonstre que Maria Aparecida Ferreira de Barros representa todos os espólios envolvidos, o que é essencial para a verificação da sua legitimidade, sem a qual os efeitos da sentença não podem se estender aos proprietários tabulares. Sequer sua condição de herdeira de todos os proprietários é confirmada.

A sucessão hereditária exige procedimento formal para verificação e confirmação da identidade dos sucessores, de modo a se evitar que algum interessado seja preterido, ainda que desconhecido o seu paradeiro.

É para dar continuidade à administração do espólio que um inventariante é nomeado enquanto se apuram o patrimônio, a identidade dos sucessores e sua participação na partilha, que, ao final, será homologada (artigo 75, VII, e 618 do CPC).

Outrossim, ao firmar compromisso arbitral, a pessoa manifesta sua livre vontade de se submeter à decisão do árbitro escolhido para solução de determinadas questões.

Todavia, como bem observado pelo Oficial registrador, a vontade do inventariante não é livre. Considerando o munus do seu encargo, os atos de alienação e transação, como os envolvidos na espécie, dependem da oitiva de todos os interessados e de autorização judicial, na forma do artigo 619 do CPC.

Portanto, inócua a participação de alguns herdeiros no ato, como demonstrado no documento de fls.68/71, sem comprovação da inventariança e da prévia autorização judicial.

Sem prova documental de que o compromisso arbitral foi firmado pelo legítimo representante dos espólios de todos os proprietários tabulares, os efeitos da sentença arbitral apresentada não podem ser estendidos a eles, o que impede acesso do título ao fólio real.

Esta conclusão se reforça pelo próprio conteúdo da documentação apresentada, na medida em que o vício de legitimidade vem implicitamente reconhecido no aditamento à carta arbitral, por meio do qual o Tribunal de origem retificou o documento em função da nota de devolução relativa à prenotação n.736.534, alterando as páginas iniciais da demanda e corrigindo o polo passivo mesmo após o trânsito em julgado decorrente da preclusão lógica (fl.59), sob o fundamento de que “os verdadeiros proprietários do imóvel foram indicados” na nota devolutiva (item 1 de fl.65).

Não resta dúvida, assim, de que as exigências formuladas se justificam.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida para manter os óbices registrários.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 03 de fevereiro de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito (DJe de 06.02.2023 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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