1VRP/SP: Registro de Imóveis.  Se a transferência do controle acionário da administradora de consórcio depende de autorização do BACEN, da mesma forma deve ser comprovada a autorização para a transferência da administração dos grupos já constituídos, sob pena de burla à fiscalização imposta por lei.


  
 

Processo 1131360-66.2022.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Embracon Administradora de Consórcio LTDA – Diante do exposto, JULGO PREJUDICADA a dúvida, observando que os óbices subsistem, mas com as observações feitas na fundamentação. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: AUREO OLIVEIRA NETO (OAB 21603/DF)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1131360-66.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: Décimo Cartório de Registro de Imóveis

Suscitado: Embracon Administradora de Consórcio LTDA

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de pedido de providências formulado pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Embracon Administradora de Consórcios Ltda diante da negativa de averbação, nas matrículas n.91.223 e 91.272 daquela serventia, de operação por meio da qual a credora fiduciária transmitiu seus direitos creditórios para a parte suscitada (prenotação n.586.776).

O Oficial informa que o requerimento foi pela averbação de cisão entre Embracon Administradora de Consórcio Ltda e Pan Administradora de Consórcio Ltda, mas o título foi devolvido porque os arquivos enviados eletronicamente devem ser gerados em PDF/A e assinados digitalmente, com certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICP-Brasil, bem como porque o documento apresentado não é hábil para possibilitar ingresso da cessão de crédito, sendo necessário instrumento próprio, devidamente formalizado.

O Oficial observa, ainda, que não foi apresentada ata de Assembleia Geral Extraordinária homologada pelo Banco Central do Brasil, aprovando a cisão de Pan Administradora de Consórcio Ltda por Embracon Administradora de Consórcios Ltda, mas apenas instrumento particular de cessão e transferência de administração de grupos de consórcio.

Considerando que a cessão de direitos creditórios enseja ato de averbação, sugeriu a instauração de pedido de providências, embora o requerimento da apresentante tenha sido pela suscitação de dúvida registral.

Documentos vieram às fls. 11/409.

Em manifestação dirigida ao Oficial, a parte esclarece que, desde agosto de 2021, tenta promover averbação nas matrículas n.91.223 e n.91.272 relativa à cisão ocorrida entre Embracon Administradora de Consórcio Ltda e Pan Administradora de Consórcio Ltda, mas sem sucesso; que o título foi apresentado e devolvido diversas vezes; que “já ocorreu de fato e de direito a Cisão Parcial de versão das parcelas do patrimônio da PAN ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIO LTDA para o Banco EMBRACON ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIO LTDA, o que pode ser comprovado pela farta documentação apresentada, na qual transferiu-se direitos e obrigações decorrentes das operações da carteira de financiamento imobiliário”; que a averbação pretendida tem fundamento no artigo 234 da Lei n. 6.404/64; que os documentos apresentados são ampla e nacionalmente aceitos nos mais diversos cartórios, já que considerados válidos e aptos em relação à cessão do crédito (fls.19/21).

Nestes autos, porém, não houve impugnação (fls.31 e 410).

O Ministério Público se manifestou pela prejudicialidade da dúvida ante a ausência de impugnação quanto à exigência de envio de todos os arquivos em formato PDF/A, assinados digitalmente, e, no mérito, pela procedência (fls. 413/414).

É o relatório.

Fundamento e decido.

Primeiramente, vale observar que a previsão do artigo 234 da Lei n. 6.404/76, no sentido de que a certidão passada pelo registro do comércio da incorporação, fusão ou cisão, é documento hábil para averbação, nos registros públicos competentes, da sucessão, decorrente da operação, em bens, direitos e obrigações, não se aplica à hipótese, em que o negócio apresentado foi o de cessão de direitos creditórios relacionados com a alienação fiduciária em garantia.

No que diz respeito à cessão dos créditos, mostra-se como tormentosa a questão relativa ao ato registral apropriado para o caso.

Isto porque é possível entender que a cessão de direitos creditórios relativos à alienação fiduciária enseja averbação, tal como dispõe o artigo 167, II, 30, da Lei de Registros Públicos, com a redação dada pela Lei 14.382/22, bem como o item 234.1, do Cap.XX, das NSCGJ (destaque nosso):

“234. A cessão do crédito objeto da alienação fiduciária implicará a transferência ao cessionário de todos os direitos e obrigações inerentes à propriedade fiduciária em garantia e independe de anuência do devedor fiduciante.

234.1. Havendo cessão da posição do credor fiduciário, indispensável prévia averbação dessa circunstância na matrícula do imóvel, para fins de substituição do credor e proprietário fiduciário originário da relação contratual pelo cessionário, o qual fica integralmente subrogado nos direitos e obrigações do contrato de alienação fiduciária”.

Por outro lado, como não estamos diante de sub-rogação propriamente dita, mas de cessão de direitos creditórios envolvendo alienação fiduciária, a qual opera transferência de direito real imobiliário, é possível concluir que se sujeita a ato de registro em sentido estrito nos moldes de alteração legislativa recente (Lei n. 14.382/2022: artigos 167, inciso I, 35, e inciso II, 21, da Lei de Registros Públicos).

Esta nos parece a posição tecnicamente mais correta, já que o negócio jurídico em questão envolve cessão de crédito (operado via consórcio), mas a propriedade fiduciária é garantia real acessória que depende de registro e poderá se consolidar no caso de inadimplência, nos termos da Lei n. 9.514/97.

Note-se que a caução e a cessão fiduciária de direitos relativos a imóveis, embora constituam direitos reais, estão sujeitas à averbação na forma da lei (artigo 167, inciso II, 8, da Lei de Registros Públicos), mas são garantias relacionadas com os contratos de incorporação imobiliária e cédulas de crédito (Decreto-Lei n. 70/66; Lei n. 4.864/65 e Lei n. 10.931/2004), com admissão também pelo Sistema Financeiro da Habitação.

O feito, portanto, deve tramitar como dúvida, como ocorrido em casos semelhantes:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – Alienação – Fiduciária em Garantia – Cessão de Crédito – Dúvida – Exigências – Juntada de Documentos – Prenotação – Prioridade. Embargos de declaração – Inexistência de omissão, contradição ou obscuridade – Alegações que revelam inconformismo da parte embargante – Caráter infringente do recurso – Matéria expressamente examinada na decisão questionada – Embargos de declaração rejeitados” (CSMSP Embargos de declaração n. 1024566-08.2020.8.26.0224/50000; data de julgamento: 16/06/2021; DJe: 13/09/2021, Relator: Des. Ricardo Mair Anafe).

“Registro de Imóveis – Alienação fiduciária em garantia – Possibilidade de instituição de alienação fiduciária como forma de garantia de qualquer espécie de contrato, inclusive cessão de crédito Instrumento de contrato que prevê o valor principal da dívida, bem como o prazo para cumprimento das obrigações assumidas – Requisitos legais e normativos preenchidos – Procedimento de dúvida em que a qualificação do título deve ser realizada por inteiro – Reconhecimento de obstáculos ao registro não indicados anteriormente – Cabimento – Título que deveria ter sido instruído com os contratos de cessão de créditos garantidos por alienação fiduciária, nos quais, em tese, constariam a natureza da obrigação garantida e os valores devidos individualmente, ou a forma para sua identificação, assim como os encargos pactuados para incidência em caso de mora do devedor – Documentos não apresentados ao Oficial de Registro Impossibilidade de complementação do título no curso do procedimento de dúvida – Dúvida procedente, ainda que por fundamento diverso – Nega-se provimento ao recurso” (CSMSP Apelação Cível: 1024566-08.2020.8.26.0224; data de julgamento: 15/04/2021; DJe: 07/05/2021; RELATOR: Des. Ricardo Mair Anafe).

Em segundo lugar, verifica-se que não houve impugnação da exigência de envio de todos os arquivos em formato PDF/A, assinados digitalmente, com certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICP-Brasil.

A dúvida, portanto, resta prejudicada.

Ainda assim, como estamos na via administrativa, visando evitar novo questionamento futuro, passo à análise do óbice impugnado, o que é possível segundo entendimento do E. Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Recusa de ingresso de título – Resignação parcial – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação – Correta descrição dos imóveis envolvidos em operações de desdobro e fusão – Princípio da especialidade objetiva – Manutenção das exigências – Exibição de certidões negativas de débitos federais, previdenciários e tributários municipais – Inteligência do item 119.1. do Cap. XX das NSCGJ – Precedentes deste Conselho – Afastamento das exigências – Exibição de certidões de ações reais, pessoais reipersecutórias e de ônus reais – Exigência que encontra amparo na letra “c” do item 59 do Capítulo XIV das NSCGJ e na Lei nº 7.433/1985 – Manutenção das exigências” (Apelação n.1000786-69.2017.8.26.0539 Relator Des. Pereira Calças).

No mérito, é importante ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

É o que se extrai do item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

É importante ressaltar, ainda, que, no sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda os ditames legais.

No caso concreto, constata-se que as matrículas n.91.223 e n.91.272 do 10º RI da Capital se referem a um apartamento e a sua respectiva vaga de garagem, localizados no edifício Villaggio San Remo, os quais foram adquiridos por Edilene Laura Gonçalves e Maurício Ramirez por meio de instrumento particular datado de 29 de agosto de 2012 (Registro n.4 de cada uma das matrículas – fls.12 e 16).

Concomitantemente ao registro da aquisição, registrou-se a alienação fiduciária dos imóveis em favor de PANAMERICANO ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIO LTDA para garantia do pagamento de saldos remanescentes de três cotas de grupo de consórcio administrado pela fiduciária (grupo n.8.023), sucedendo-se a averbação das restrições legais determinadas pelo parágrafo 5º, do artigo 5º, da Lei n.11.795/2008 (fls.12/13 e 16/17).

Ocorre que, em 20 de dezembro de 2019, as sociedades Pan Administradora de Consórcio Ltda e Embracon Administradora de Consórcio Ltda firmaram instrumento particular de cessão e transferência de administração de grupos de consórcio, o qual foi registrado no dia 23 de dezembro de 2019 junto ao Registro de Títulos e Documentos da Comarca de Barueri (fls.114/163).

Por meio do referido contrato, a empresa Pan prometeu transferir para Embracon a administração de diversos grupos de consórcio, dentre eles o grupo n.8.023 (fl.146), sob a condição de aprovação pelo CADE, nos termos da Lei n. 12.529/11, e das respectivas Assembleias Gerais dos grupos de consórcio (cláusula 2.1 fls.120/121).

A ata com a aprovação da transferência da administração pela Assembleia Geral do grupo n.8.023 foi apresentada às fls.343/355 (ata, edital de convocação, lista de consorciados ativos e relação de votos).

A aprovação pelo CADE foi demonstrada às fls.380/383, comprovando o atendimento das condições contratuais para a transferência da administração.

Entretanto, nos termos do artigo 6º da Lei n. 11.795/08, “a normatização, coordenação, supervisão, fiscalização e controle das atividades do sistema de consórcios serão realizados pelo Banco Central do Brasil”, a quem, nos termos do artigo 7º, I, compete “conceder autorização para funcionamento, transferência do controle societário e reorganização da sociedade e cancelar a autorização para funcionar das administradoras de consórcio”.

Portanto, se a transferência do controle acionário da administradora de consórcio depende de autorização do BACEN, da mesma forma deve ser comprovada a autorização para a transferência da administração dos grupos já constituídos, sob pena de burla à fiscalização imposta por lei.

Tal exigência não é suprida pela aprovação do CADE, que é autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça, enquanto o BACEN é autarquia de natureza especial, com atribuições próprias e autonomia estabelecidas pela Lei Complementar n.179/2021.

Vale ressaltar que o negócio firmado entre as empresas Pan e Embracon não indica, em verdade, a ocorrência de cisão societária da administradora original do grupo 8.023, mas simples transmissão negociada da administração entre duas sociedades previamente existentes.

Outrossim, importante observar que, nos termos do artigo 3º da Lei n.11.795/08, o grupo de consórcio é uma sociedade não personificada, autônoma e que possui patrimônio próprio, o qual não se confunde com o patrimônio de outros grupos nem com o da sua administradora, que contabiliza separadamente os recursos que gere.

Assim, tendo o grupo recebido um direito real em garantia das obrigações do consorciado contemplado, o artigo 5º, §7º, da Lei n.11.795/08, impõe-se a averbação no Registro de Imóveis das restrições dispostas no §5º do mesmo dispositivo, a saber:

“§ 5° Os bens e direitos adquiridos pela administradora em nome do grupo de consórcio, inclusive os decorrentes de garantia, bem como seus frutos e rendimentos, não se comunicam com o seu patrimônio, observado que:

I – não integram o ativo da administradora;

II – não respondem direta ou indiretamente por qualquer obrigação da administradora;

III – não compõem o elenco de bens e direitos da administradora, para efeito de liquidação judicial ou extrajudicial;

IV – não podem ser dados em garantia de débito da administradora”.

Nesse contexto, desnecessária a formalização da transferência da administração por instrumento particular de cessão de crédito a ser firmado entre as sociedades Pan e Embracon. Tratando-se de direito creditório que pertence ao grupo de consórcio, o qual é apenas gerido pela administradora, basta a ata da Assembleia Geral do grupo aprovando a transferência para que se proceda ao registro.

Tal alteração deve contar, ainda, com autorização do BACEN, que é o órgão fiscalizador do setor.

Há que se observar também que o princípio da continuidade torna necessária a adequação da especialidade subjetiva mediante averbação da alteração da razão social da credora fiduciária, que figura nas matrículas como PANAMERICANO ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIO LTDA, divergindo do que consta no contrato apresentado e na ata da Assembleia Geral que autorizou a alteração da administração.

Por fim, vale destacar a observação do Oficial de que algumas providências registrais relativas ao grupo de consórcio podem ser alcançadas pela nova administradora mediante simples procuração, sem necessidade do ato registral (fl.09).

Diante do exposto, JULGO PREJUDICADA a dúvida, observando que os óbices subsistem, mas com as observações feitas na fundamentação.

Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 09 de fevereiro de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 16.02.2023 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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