Mandado de Segurança – Contestação de cobrança de ITBI sobre partilha resultante de divórcio – Impossibilidade de se considerar, para fins do tributo, cada imóvel partilhado – Regime de comunhão de bens que não representa condomínio entre os cônjuges, mas mancomunhão, havendo mera atribuição de patrimônio com a partilha, e não transmissão de parte ideal dos imóveis entre os cônjuges – Tributação que somente pode ocorrer quando houver excesso de meação, incidindo o ITCMD quando houver liberalidade e o ITBI quando houver torna – Caso concreto em que consta da escritura de partilha que o excesso de meação foi pago com bens particulares do cônjuge virago ao cônjuge varão, havendo onerosidade e incidindo o ITBI – Tributo que não incinde sobre cada imóvel, mas sobre o valor do excesso de meação sobre o qual houve torna – Recursos voluntário e oficial parcialmente providos.


  
 

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 1017701-69.2022.8.26.0071, da Comarca de Bauru, em que é apelante MUNICÍPÍO DE BAURU e Recorrente JUÍZO EX OFFICIO, são apelados ANA LÚCIA DE OLIVEIRA DARÉ e LUIZ DARE NETO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Por unanimidade, deram parcial provimento aos recursos, com declaração de voto convergente do 2º Juiz, Des. Eutálio Porto, de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores SILVA RUSSO (Presidente sem voto), EUTÁLIO PORTO E AMARO THOMÉ.

São Paulo, 8 de dezembro de 2022.

TANIA MARA AHUALLI

Relator(a)

Assinatura Eletrônica

Apelação Cível e Remessa Necessária – Autos Digitais

Processo nº 1017701-69.2022.8.26.0071

Comarca: 1ª Vara da Fazenda Pública do Foro de Bauru

Magistrado(a): Dra. Ana Lúcia Graça Lima Aiello

Apelante: Município de Bauru

Apelados: Ana Lúcia de Oliveira Daré e Luiz Daré Neto

Voto nº 04342

Mandado de Segurança – Contestação de cobrança de ITBI sobre partilha resultante de divórcio – Impossibilidade de se considerar, para fins do tributo, cada imóvel partilhado – Regime de comunhão de bens que não representa condomínio entre os cônjuges, mas mancomunhão, havendo mera atribuição de patrimônio com a partilha, e não transmissão de parte ideal dos imóveis entre os cônjuges – Tributação que somente pode ocorrer quando houver excesso de meação, incidindo o ITCMD quando houver liberalidade e o ITBI quando houver torna – Caso concreto em que consta da escritura de partilha que o excesso de meação foi pago com bens particulares do cônjuge virago ao cônjuge varão, havendo onerosidade e incidindo o ITBI – Tributo que não incinde sobre cada imóvel, mas sobre o valor do excesso de meação sobre o qual houve torna – Recursos voluntário e oficial parcialmente providos

Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por Ana Lúcia de Oliveira Daré Luiz Daré Neto face a autoridade vinculada ao Município de Bauru, contestando a cobrança de ITBI sobre partilha de bens ocorrida em razão de divórcio. Alegam que, apesar da divergência entre os quinhões, houve mera liberalidade entre os cônjuges, sendo o caso de cobrança de ITCMD.

A r. sentença de fls. 67/71 concedeu a segurança.

Apela o Município às fls. 76/82. Aduz que, no regime de comunhão de bens, cada cônjuge é proprietário de 50% do imóvel, de modo que se a partilha determina que determinado imóvel foi atribuído a um cônjuge em 100%, houve efetiva aquisição de metade do imóvel, pago por meio dos outros imóveis, incidindo o ITBI. Alega ainda haver onerosidade, já que houve pagamento pelo excesso de meação.

Contrarrazões às fls. 88/91.

Feito sujeito a remessa necessária, nos termos do art. 14, §1º, da Lei 12.016/09.

É o relatório.

Os recursos voluntário e oficial merecem parcial provimento.

Quanto a possibilidade de que se considere cada imóvel individualmente para fins de ITBI na ocasião do divórcio, este Tribunal vem rechaçando a possibilidade de cobrança.

Ao contrário do alegado pelo apelante, durante a vigência do casamento, os bens incluídos na comunhão não tem caráter de condomínio, pertencendo em 50% a cada cônjuge. Há, na verdade, a mancomunhão dos bens, ou seja, pertencem eles, em sua totalidade, a ambos os cônjuges.

Assim, o casal tem um patrimônio em comum, e quando do fim do matrimônio pelo divórcio esse patrimônio, em seu valor total e independentemente da natureza dos bens, é divido em dois. Do valor total que cabe a cada cônjuge, há atribuição de bens para cada um deles, não havendo qualquer transferência de propriedade já que, durante a união conjugal, cada qual já era dono de todos os bens.

Disso decorre que, no divórcio, se for atribuído a cada um dos cônjuges patrimônio equivalente a metade do patrimônio total em comum, não há incidência de qualquer imposto, independentemente da forma e da espécie dos bens.

Já no caso de haver diferença no patrimônio distribuído, pode haver incidência de ITCMD ou ITBI. O primeiro incinde no caso de simplesmente existir diferença de valores, sem qualquer torna, resultando em liberalidade de um cônjuge em favor do outro, ou seja, doação de patrimônio.

O ITBI, por outro lado, incinde quando há divisão desigual dos bens com pagamento por um dos cônjuges, com bens particulares, ao outro. Há, nesse caso, onerosidade, havendo verdadeira aquisição (compra) de bens de um cônjuge pelo outro.

Assim, por exemplo, havendo patrimônio comum de R$ 1.000.000,00 e ficando a totalidade para o cônjuge varão, sem qualquer pagamento pelo cônjuge virago, considera-se haver doação tributável pelo ITCMD de R$ 500.000,00, já que a ex-esposa tinha direito a R$ 500.000,00 mas abriu mão dos valores em favor do ex-marido. Há diminuição do patrimônio da mulher, resultando em liberalidade (doação).

No mesmo caso, contudo, caso a totalidade do patrimônio comum fosse atribuído ao varão mas esse desse, para o cônjuge virago, R$ 500.000,00 de seu patrimônio particular (por exemplo, dando torna em dinheiro ou mesmo entregando imóvel anterior a união conjugal), haveria incidência do ITBI, pois o ex-marido estaria comprando o patrimônio da ex-esposa, pagando com seus bens particulares. Nesse caso, não há diminuição do patrimônio da mulher, mas substituição de bens que eram dela por bens que antes pertenciam exclusivamente ao marido (havendo verdadeira compra e, portanto, onerosidade).

Aplicando-se tais premissas ao caso concreto, vê-se pela impossibilidade de cobrança de ITBI sobre cada imóvel individualmente considerado apenas porque determinado cônjuge passou a ser proprietário de 100%. Como dito, na partilha resultante de divórcio não há transmissão de cada bem, mas mera atribuição de patrimônio, antes comum, a cada cônjuge.

Não obstante, é cabível tributação pelo ITBI, de modo parcial. É que conforme a minuta da escritura pública de partilha (fls. 18/22), houve excesso de meação que não se tratou de mera liberalidade, mas verdadeira aquisição onerosa de bens entre os cônjuges. Como constou no documento, em seu item VII:

“As partes alegam que não é devido o imposto sobre transmissão ‘causa mortis’ e Doação, tendo em vista que o excesso apurado, segundo declaram as partes, foram devidamente pagos, mediante liberalidade da segunda, de valores relativos a aluguéis do imóveis, recebidos integralmente pelo primeiro nesse período”.

Tal declaração deixa claro que Ana Lúcia tinha direito a alugueis dos bens, alugueis esses que eram de seu patrimônio particular (já que pagous após o divórcio, quando não havia mais comunhão, salientando que o divórcio ocorreu em 2009 e a partilha em 2022). Todavia, os alugueis foram pagos em sua totalidade a Luiz, ou seja, Ana Lúcia entregou a parte que pertencia a ela ao ex-marido, como pagamento pelo excesso de meação.

Em outras palavras, a diferença de R$ 82.506,75 do quinhão pertencente a cada cônjuge em favor de Ana Lúcia foi pago por ela, com bens particulares, em favor de Luiz, existindo onerosidade tributável. Sendo a totalidade do patrimônio de natureza imobiliária, pode-se concluir, sem dúvida, que Ana Lúcia comprou valor equivalente a R$ 82.506,75 em imóveis de Luiz, incidindo o ITBI.

Como já explicado, não houve diminuição do patrimônio de Luiz, não havendo que se dizer existir doação tributável pelo ITCMD. O patrimônio de Luiz continuou o mesmo, já que foi compensado pela perda de bens imobiliários através de pagamento em dinheiro advindo do patrimônio particular de Ana Lúcia, havendo verdadeira transação imobiliária tributável.

Considera-se prequestionada toda matéria infraconstitucional e constitucional, observando-se que é pacífico no âmbito do Colendo Superior Tribunal de Justiça que, tratando-se de prequestionamento, é desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais, bastando que a questão posta tenha sido abordada no bojo do processo.

Do exposto, dou parcial provimento a apelação e ao recurso oficial, afastando a cobrança de ITBI relativo a cada imóvel individualmente considerado, mas mantendo a cobrança sobre o valor de R$ 82.506,75, já que houve excesso de meação com torna, nos termos do art. 482, VI, do Decreto Municipal 10.645/2008.

Tânia Ahualli

Relatora

VOTO Nº 43385

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA Nº 1017701-69.2022.8.26.0071

COMARCA: BAURU

APELANTE: MUNICÍPÍO DE BAURU

RECORRENTE: JUÍZO EX OFFICIO

APELADOS: ANA LÚCIA DE OLIVEIRA DARÉ E LUIZ DARE NETO

INTERESSADO: SECRETÁRIO MUNICIPAL DE FINANÇAS DO MUNICÍPIO DE BAURU/SP

DECLARAÇÃO DE VOTO CONVERGENTE

Acompanho a douta Relatora Sorteada, nos termos que seguem.

A questão controvertida diz respeito à incidência do ITBI sobre partilha de bens decorrente de divórcio dos impetrantes.

Com efeito, segundo os termos do art. 156, II, da CF, o fato gerador do ITBI é a “transmissão ‘inter vivos’, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição”.

No caso dos autos, conforme minuta de escritura pública de partilha de fls. 18/22, houve excesso de meação que não se tratou de mera liberalidade, mas verdadeira aquisição onerosa de bens entre os cônjuges, in verbis:

“As partes alegam que não é devido o imposto sobre transmissão ‘causa mortis’ e Doação, tendo em vista que o excesso apurado, segundo declaram as partes, foram devidamente pagos, mediante liberalidade da segunda, de valores relativos a aluguéis do imóveis, recebidos integralmente pelo primeiro nesse período” (item VII).

De sorte que, tratando-se de ato oneroso, cabível a incidência do ITBI sobre o excesso de meação.

Face ao exposto, pelo meu voto, dava parcial provimento aos recursos oficial e voluntário.

EUTÁLIO PORTO

2º Juiz

(assinado digitalmente) – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação / Remessa Necessária nº 1017701-69.2022.8.26.0071 – Bauru – 15ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Tania Mara Ahualli – DJ 23.01.2023

Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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