Artigo: 450 anos de tabeliado no Brasil?


Estive hoje gravando algumas cenas para o documentário Justiça uma história, dirigido por Vicentini Gomez. Fui gentilmente convidado para dar um depoimento sobre a importância da atividade notarial e registral brasileira. Perquiriam-me o diretor Vicentini e o historiador da sua equipe técnica, prof. Jonas Soares de Souza (USP), acerca, especialmente, da figura do tabelião no relacionamento com a atividade judiciária.

Para prestar um depoimento minimamente fundamentado, voltei-me às velhas anotações sobre a história do notariado brasileiro. Reestudando a matéria, verifiquei que neste ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo comemora-se uma data muito especial para os tabeliães brasileiros: cumpriremos 450 anos da criação do notariado na cidade do Rio de Janeiro no próximo mês de março.

Eis que, a 1º de março de 1565, Pero da Costa seria nomeado o primeiro serventuário do ofício de tabelião público do Judicial e das Notas da cidade do Rio de Janeiro. O ato foi firmado por Estácio de Sá. Posteriormente, o tabelião assumiria, a 20 de setembro daquele ano, a escrivania de sesmarias, renunciado ao ofício de tabelião do judicial.

Estes e outros detalhes sobre os primórdios do tabeliado brasileiro se encontram na obra Tabeliães do Rio de Janeiro do 1º ao 4º Ofício de Notas – 1565-1822, de Deoclécio Leite de Macedo, em edição de 2007 do Arquivo Nacional, concluída após a morte do autor.

Deoclécio lutou bravamente para trazer a lume esta importante (e pioneira, tanto quanto saiba) pesquisa extensiva que empreendeu sobre os tabeliães brasileiros. Quem conhece a sua obra – especialmente os volumes dedicados à história do tabeliado cearense – sabe que este exímio paleógrafo brasileiro devotou parte de sua vida a compulsar velhos livros de registro em busca de elementos que naturalmente se acham esparsos para constituição de uma história do tabeliado brasileiro.

Em 1990 lamentava a falta de interesse daqueles que seriam os maiores beneficiados na divulgação de uma obra dessa natureza. Registra ele:

É deprimente ao pesquisador que remexeu durante a vida inteira papéis velhos e bolorentos, nos poeirentos arquivos à procura de dados sobre a história e organização de uma das mais antigas e nobres instituições do nosso Direito – o Notariado, e no fim ser desprezado, por aqueles que vivem nababescamente a vida de marajás às custas de uma função que receberam de mão beijada dos padrinhos políticos. (Macêdo. Deoclécio Leite de. Notariado cearense. História dos cartórios do Ceará. IV vol. Ceará: 1990, 195 p.).

A obra seria concluída em 9 volumes, abrangendo todos os municípios do Estado do Ceará. Aparentemente, não ultrapassou os 4 volumes que vieram a lume na década de 90, que tenho, à disposição do pesquisador, na Biblioteca Medicina Animae.

A história dos tabeliães da cidade do Rio de Janeiro – de onde se extrai a importante informação da criação do primeiro tabelião do Brasil – teve uma edição anterior, lançada pelo mesmo Arquivo Nacional, pelo Ministério da Justiça e Negócios Interiores, no ano de 1965.

A edição de 2007, que tenho agora em mãos, foi ampliada, corrigida e melhorada pelo autor, apoiado pela Equipe de Documentos Privados da Coordenação de Documentos Escritos do Arquivo Nacional, viabilizando um antigo projeto do autor, anunciado quando da doação de seu acervo pessoal ao Arquivo Nacional em 1998.

Lamentavelmente, o professor Deoclécio Leite de Macedo faleceria em 2000, não tendo a chance de ver a obra ultimada e afinal publicada.

450 anos da tabeliado no Brasil?

Este post inicia com uma pergunta. Terá sido Pero da Costa o primeiro tabelião brasileiro?

Duvido um pouco desta conclusão que embala, inclusive, uma pretendida homenagem comemorativa, planejada pelos tabeliães brasileiros.

Em primeiro lugar, o próprio Deoclécio Leite de Macedo registra, claramente, que Pero da Costa foi o primeiro “tabelião público do Judicial e Notas do Rio de Janeiro” (op. cit. p. 11). Aliás, a obra centrou-se exclusivamente na fixação do rol dos notários do Rio de Janeiro.

Depois, sabemos que o grande capitão Martim Afonso de Souza trouxe, a bordo da famosa esquadra por ele comandada, 2 tabeliães, oficiais que teriam sido escolhidos e nomeados ainda em Portugal, conforme se lê da Carta de Poder de 20 de novembro de 1530 conferida por D. João III. Registrava o monarca que para a tomada de posse das terras bem como “para as coisas da Justiça e governança da terra” seria necessário criar tabeliados. Diz a Carta:

[…] por esta minha carta de poder ao dito Martim Afonso para que ele possa criar e fazer dois tabeliães que sirvam das notas e judicial, que logo com ele daqui vão na dita armada, os quais serão tais pessoas que o bem saibam fazer o que para isso sejam aptos aos quais dará suas cartas com o traslado desta minha para mais firmeza, e estes tabeliães que assim fizer deixarão seus sinais públicos que houverem de fazer na minha chancelaria, e se depois que ele dito Martim Afonso for dita terra lhe parecer que para governança dela são necessários mais tabeliães que os sobreditos que assim daqui há de levar isso mesmo lhe dou poder para os criar e fazer de novo, e para quando vagarem assim uns como os outros ele prover dos ditos ofícios as pessoas que vir que para isso são aptas e pertencentes; e bem assim lhe dou poder para que possa criar e fazer de novo e prover por falecimento dos quais os ofícios da justiça e governança da terra que por mim não forem providas que vir que são necessários, e os que assim por ele criados e providos forem hei por bem que tenham e possuam e sirvam os ditos ofícios como se por mim, por minhas provisões, os fossem e porque assim me disso apraz lhe dei esta minha carta de poder ao dito Martim […]”.

Quais serão os nomes desses tabeliães, que deixaram seus sinais públicos registrados na chancelaria de Dom João III? Ainda não descobri. Possivelmente, compulsando a chancelaria de D. João será possível descobrir e indicar, com certeza, que estes terão sido, possivelmente, os primeiros tabeliães deste imenso país.

Vivo às voltas com estas perguntas: terão exercido efetivamente a atividade? Terão ficado em São Vicente? Seriam eles degredados – como muitos letrados?

São perguntas que, ainda, não foram respondidas no contexto estrito de nossos estudos.

Finalizo este pequeno comentário para registrar que Afonso de Escragnolle Taunay, em seu festejado São Paulo nos Primeiros Anos – 1554-1601 – ensaio de reconstituição social (Tours: Imprenta de E. Arrault et. c. 1920, 216p.) registra que já em 1562 João Fernandes, “tabellião de notas do prubrico e judisiall e da quamara e allmotasaria”, na grafia deliciosa da época, já redigia as atas da municipalidade nesta condição (op. cit. p. 88).

Seguiram-se a ele Manuel Fernandes e Pero Dias (~1572). depois dele, a 10 de janeiro de 1573, empossava, a Câmara paulistana, o célebre Fructuoso da Costa, um “refinadíssimo velhacaz”, citado, inclusive, no processo de canonização de José de Anchieta (positio super dubio). 

Mas esta é uma outra história. Retorno a ela em outra oportunidade.

Carta de poder – transcrição paleográfica

Na carta de 20 de novembro de 1530 D. João III, rei de Portugal, confere a jurisdição sobre os tripulantes da armada e sobre todos os habitantes da Colônia a Martim Afonso de Sousa:

“Dom João & A quantos esta minha carta virem faço saber que eu envio ora a Martim Afonso de Sousa do meu conselho por capitão-mor da armada que envio à terra do Brasil e assim das terras que ele na dita terra achar e descobrir; e porque assim para que tomar a posse delas como para as coisas da Justiça e governança da terra serem ministradas como devem, será necessário criar e fazer de novo alguns oficiais assim tabeliães como quaisquer outros que vir que para isso forem necessários, por esta minha carta de poder ao dito Martim Afonso para que ele possa criar e fazer dois tabeliães que sirvam das notas e judicial, que logo com ele daqui vão na dita armada, os quais serão tais pessoas que o bem saibam fazer o que para isso sejam aptos aos quais dará suas cartas com o traslado desta minha para mais firmeza, e estes tabeliães que assim fizer deixarão seus sinais públicos que houverem de fazer na minha chancelaria, e se depois que ele dito Martim Afonso for dita terra lhe parecer que para governança dela são necessários mais tabeliães que os sobreditos que assim daqui há de levar isso mesmo lhe dou poder para os criar e fazer de novo, e para quando vagarem assim uns como os outros ele prover dos ditos ofícios as pessoas que vir que para isso são aptas e pertencentes; e bem assim lhe dou poder para que possa criar e fazer de novo e prover por falecimento dos quais os ofícios da justiça e governança da terra que por mim não forem providas que vir que são necessários, e os que assim por ele criados e providos forem hei por bem que tenham e possuam e sirvam os ditos ofícios como se por mim, por minhas provisões, os fossem e porque assim me disso apraz lhe dei esta minha carta de poder ao dito Martim Afonso por mim assinada e selada com o meu selo para mais firmeza, dada em Vila de Castro Verde a XX (20) dias de novembro. Fernão da Costa a fez, ano do nascimento de nosso senhor Jesus Cristo de mil bcxxx (1530) anos. E eu André Piz a fiz escrever e sobrescrevi”.

Fonte: Observatório do Registro | 26/01/2015.

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Artigo: Município de São Paulo altera Lei do ISSQN e institui programa de parcelamento incentivado para dívidas vencidas – Parte II – Por Rubens Harumy Kamoi


*Rubens Harumy Kamoi

Nesta oportunidade, esclareceremos algumas questões que nos foram apresentadas, sobre o Programa de Parcelamento Incentivado, instituído pela Lei Municipal nº. 16.097 de 30.12.2014, devidamente regulamentada pelo Decreto nº. 55.828, publicado no Diário Oficial do Município do dia 08.01.2015, pois se trata de importante oportunidade para Notários e Registradores Paulistanos regularizarem débitos vencidos de sua responsabilidade relativos ao ISSQN, ou outro débito municipal.

1 – Quais débitos poderão ser incluídos no PPI, instituído pela Lei nº. 16.097/14?

R: A regra é que poderão ser incluídos débitos tributários e não tributários, constituídos ou não, inscritos em Dívida Ativa ou não, ajuizados ou não, decorrentes de fatos geradores ocorridos até 31 de dezembro de 2013, com exceção das multas pelo descumprimento de obrigações acessórias conforme esclarecido na questão número 3.

2 – O que são débitos tributários e não tributários?

R: Débitos tributários são aqueles originários de obrigações tributárias principais (tributo, juros e multa de mora), ou decorrentes de descumprimento de obrigações tributárias acessórias, como é o caso de multa punitiva pela não emissão de documento fiscal. Já os débitos não tributários decorrem de obrigações que não ostentam natureza tributária, como é o caso de multa por infração de trânsito, multa por execução de obra irregular, obrigações de natureza civil mantidas com a Prefeitura, entre outras.

3 – Todas as multas por descumprimento de obrigação tributária acessória, por exemplo, pela não emissão de Nota Fiscal, poderão ser incluídas no PPI?

R: Somente poderão ser incluídas no PPI as multas por descumprimento de obrigação acessória, que tenham sido constituídas através de Auto de Infração, lavrado até 31 de dezembro de 2013.

4 – Há algum débito que não pode ser incluído no PPI?

R: Sim. Não podem ser incluídos no PPI os débitos relativos a: i) infrações à legislação de trânsito; ii) obrigações de natureza contratual; iii) indenizações devidas ao Município por dano causado ao seu patrimônio; e iv) Regime Simples de Tributação.

5 – Saldos de parcelamentos anteriores podem ser incluídos no PPI?

R: Sim, com exceção dos débitos parcelados com base na Lei nº. 13.092 de 7 de dezembro de 2000 e na Lei nº. 14.129 de 11 de janeiro de 2006, e atualizações posteriores, considerando que já se tratam de parcelamentos incentivados, cujos débitos foram contemplados com os benefícios conferidos pelas respectivas leis.

6 – Qual o prazo para adesão ao PPI?

R: O prazo para formalização de adesão ao PPI é o dia 30 de abril de 2015.

7 – Quais são os benefícios sobre os débitos tributários incluídos no PPI?

R: Para pagamento em parcela única: redução de 85% (oitenta e cinco por cento) do valor dos juros de mora, 75% (setenta e cinco por cento) do valor da multa e de 75% (setenta e cinco por cento) dos honorários advocatícios. Para pagamento parcelado: redução de 60% (sessenta por cento) do valor dos juros de mora, 50% (cinquenta por cento) da multa e 50% (cinquenta por cento) dos honorários advocatícios.

8 – E para os débitos não tributários?

R: Para pagamento em parcela única: redução de 85% (oitenta e cinco por cento) do valor dos encargos moratórios incidentes sobre o débito principal e de 75% (setenta e cinco por cento) dos honorários advocatícios. Para pagamento parcelado: redução de 60% (sessenta por cento) do valor atualizado dos encargos moratórios incidentes sobre o débito principal e de 50% (cinquenta por cento) dos honorários advocatícios.

9 – O débito consolidado poderá ser pago em quantas parcelas?

R: Poderá ser pago em parcela única ou em até 120 (cento e vinte) meses.

10 – Qual será o vencimento das parcelas?

R: A parcela única ou a primeira parcela, no caso de parcelamento, vencerá no último dia útil da quinzena subsequente à da formalização do pedido, e as demais no último dia útil dos meses subsequentes.

11 – No caso de pagamento parcelado, qual será o índice de correção a ser aplicado?

R: As parcelas serão corrigidas pela variação da Selic até o mês anterior ao do vencimento, mais 1% (um por cento) para o mês em que o pagamento estiver sendo efetuado.

12 – E quanto aos recursos administrativos e ações judiciais que se encontram em andamento?

R: A adesão ao parcelamento implica em desistência automática das impugnações e recursos administrativos que discutam o débito parcelado. Quanto às ações e embargos à execução fiscal, deverá ser apresentada a desistência e apresentada cópia da petição devidamente protocolada no prazo de 60 (sessenta) dias contados da formalização do pedido de parcelamento.

13 – O contribuinte que possui ação judicial com depósito poderá levantar o valor depositado e incluir o débito no PPI?

R: Não. Os valores depositados judicialmente só poderão ser levantados para pagamento do débito, sendo incluído no parcelamento o débito remanescente, se for o caso.

14 – Quais são as causas de exclusão do PPI?

R: Há algumas causas previstas para exclusão de Pessoas Jurídicas. Todavia, para Notários e Registradores as principais causas de exclusão são: i) estar em atraso por mais de 90 (noventa) dias com o pagamento de qualquer parcela; ii) não comprovação da desistência de ação judicial ou embargos à execução, no prazo de 60 (dias) contados do pedido de adesão ao PPI; iii) deixar de pagar regularmente as obrigações tributárias e não tributárias, com vencimento posterior à data de homologação do ingresso no PPI, nos moldes a serem disciplinados pela Secretaria Municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico; e iv) deixar de observar as exigências estabelecidas na Lei nº. 16.097/14, bem como do Decreto nº. 55.828/15.

15 – Qual o procedimento a ser adotado para adesão do PPI?

R: A Prefeitura disponibilizou um aplicativo em seu site: http://www.prefeitura.sp.gov.br/ppi, que permite pesquisar e selecionar os débitos já constituídos para inclusão no PPI, bem como permite confessar espontaneamente débitos ainda não constituídos, cujo parcelamento seja de interesse do contribuinte. Noutro dizer, o contribuinte poderá escolher os débitos existentes que pretende incluir no PPI, mantendo outros em aberto que, eventualmente, seja objeto de discussão administrativa ou judicial.

Estas são as primeiras considerações que fazemos em relação ao Programa de Parcelamento Incentivado instituído pela Lei Municipal nº. 16.097/14, regulamentada pelo Decreto nº. 55.828/15.

O autor é advogado, especialista em Direito Tributário pela PUC-SP, especialista em Direito Processual Civil e Trabalho pelo Centro de Extensão Universitária, colunista do Jornal da ArpenSP e do Boletim Eletrônico INR. É, ainda, coordenador do escritório Kamoi Advogados Associados e diretor do Grupo SERAC.

Fonte: Grupo Serac – Boletim Eletrônico INR nº 6780 | 19/01/2015.

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