Artigo: Os direitos sucessórios na união estável e o respeito às situações consolidadas – Por Mário Luiz Delgado


*Mário Luiz Delgado

A análise das decisões do STF que declararam a inconstitucionalidade da diferenciação das regras de concorrência sucessória entre cônjuge e companheiro (CC, artigo 1.790) e mandaram aplicar à união estável o artigo 1.829 do CC/2002, conduz o intérprete por um caminho de dúvidas e de insegurança, pois diversas questões remanescem obscuras, propiciando interpretações muitas vezes colidentes.

Uma dessas questões relaciona-se à modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do artigo 1.790. Com relação aos recursos extraordinários 878.694 e 646.721, o STF decidiu que “o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública”[1].

Destaca-se, inicialmente, a atecnia da modulação proposta, por se afastar dos parâmetros tradicionais e universais do direito intertemporal, a impor a regência da matéria sucessória pela lei vigente à data da abertura da sucessão, de modo a considerar como odiosa retroatividade a aplicação do novo entendimento aos processos em curso, ou seja, às sucessões já abertas em data anterior, pouco importando o estágio processual do inventário.

A doutrina tradicional, em litania uníssona, afirma ser pela lei vigente no tempo da abertura da sucessão, “que, em geral, se regulam as sucessões. Essa lei dirá se o domínio e a posse da herança se transmitem aos herdeiros legítimos e testamentários, pelo só fato do falecimento do de cujus, fixará a quota hereditária disponível e determinará a capacidade sucessória”[2].

Ou seja, as novas regras (e também uma nova interpretação) só valem para as sucessões abertas após a entrada em vigor da lei posterior ou da mudança jurisprudencial[3]. O momento exato em que ocorrido o evento morte constituirá a linha divisória entre os dois sistemas. Assim, ainda que a lei ou interpretação posterior tenha admitido outros herdeiros à sucessão, apenas aqueles que já o eram à data do óbito partilharão a herança.

Nas sucessões abertas antes da declaração de inconstitucionalidade, quando a norma então vigente (artigo 1.790) impunha a partilha dos bens particulares exclusivamente entre os descendentes, excluindo-se o companheiro sobrevivente, essa é a regra que deveria prevalecer, em respeito à situação jurídica dos demais herdeiros, que se tornou concretacom a abertura da sucessão. Roubier distingue as situações jurídicas concretas em oposição às situações jurídicas abstratas. Estas seriam próprias de “uma categoria mais ou menos numerosa de pessoas, genericamente integradas num quadro ou grupo social pela lei, que lhes será aplicável quando se realize certo ato ou fato jurídico”[4].

Praticado o ato ou realizado o fato, a situação jurídica de abstrata passa a concreta. Quando falamos que João é herdeiro de seu pai, Pedro, estando este ainda vivo, estamos nos referindo à situação jurídica abstrata de herdeiro, que se transmudará em uma situação jurídica concreta após a abertura da sucessão com o óbito de Pedro. Antes do óbito, João será titular de uma mera expectativa de direito. Após a morte de Pedro, torna-se titular efetivo dos direitos e deveres que a lei vigente à data da abertura da sucessão lhe conferir e/ou impuser, os quais não poderão, a princípio, serem suprimidos por lei posterior.

A data de publicação da jurisprudência inovadora, que altera jurisprudência anterior, especialmente nos casos de repercussão geral, constitui linha divisória intransponível. Todos os atos e fatos pretéritos, praticados sob a vigência do precedente superado, deveriam obrigatoriamente estar protegidos e não poderiam ser atingidos pela nova decisão[5].

De qualquer forma, retomando a análise da modulação realizada pelo STF, temos que a referência ao “trânsito em julgado da sentença de partilha” não pode ser interpretada de forma literal e absoluta, sob pena de atingir um universo de outras situações já consolidadas, independentemente da conclusão do processo de inventário. Basta citar, por exemplo, os negócios jurídicos comumente utilizados nas operações de planejamento sucessório, especialmente contratos de doação e de constituição de holdingspatrimoniais, por meio dos quais se promove a antecipação em vida dos quinhões hereditários. Ou ainda a partilha em vida, prevista no artigo 2.018 do Código Civil. Muitos desses atos, realizados antes da decisão do STF, levaram em conta a redação então vigente do artigo 1.790, a excluir, expressamente, a concorrência sucessória do companheiro sobrevivente com os descendentes e ascendentes, no tocante aos bens particulares do autor da herança. Obedecidos os requisitos de validade vigentes quando de sua celebração, tornaram-se “atos jurídicos perfeitos”, fora do alcance, tanto da lei nova como da nova orientação jurisprudencial.

Portanto, não se poderia admitir, sob pena de ferir de morte a própria segurança jurídica que a modulação quis preservar, que tais atos e negócios jurídicos sejam atingidos pela declaração de inconstitucionalidade do artigo 1.790, mesmo que o processo de inventário esteja em curso ou que ainda não tenha sido lavrada escritura de partilha.

Em outras palavras, podem-se divisar diversas outras situações consolidadas que ficarão ao abrigo da declaração de inconstitucionalidade, mesmo antes de lavrada a escritura ou proferida a sentença de partilha nos autos do inventário. São relações jurídicas que se constituíram e se consolidaram à luz da lei censurada, de modo que a retroação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade acarretaria prejuízos de difícil reparação aos jurisdicionados e à sociedade.

A decisão do STF pretendeu resguardar as situações já consolidadas ou estabilizadas e foi esse, precisamente, o sentido da referência feita ao “trânsito em julgado das sentenças de partilha”. O que se quis dizer, ou se preferirmos, o que se quis modular, in concreto, foi a proteção da confiança e da estabilidade das relações jurídicas.

É de se afastar, pois, qualquer pretensão de exegese literal da referência ao “trânsito em julgado da sentença de partilha”, de modo a prejudicar situações jurídicas completamente idênticas àquelas que a modulação quis preservar. A interpretação deve ser necessariamente teleológica, de que resulta aplicar-se a modulação a casos que, embora aparentemente não mencionados no texto da decisão, estão abrangidos no seu espírito.

Os elementos lógico e sistemático devem fazer o espírito, a ratio, da decisão de modulação prevalecer sobre a expressão literal da fórmula, ampliando a sua aplicação a hipóteses que a redação do acórdão parece não abranger, mas que indubitavelmente fazem parte do seu conteúdo, segundo aqueles elementos. Assim, apesar de não incluídas expressamente as situações consolidadas no dispositivo modulador, cabe ao intérprete e aplicador fazê-lo, lendo subjacentemente que a declaração de inconstitucionalidade do artigo 1.790 será “aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública” quando não prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, a coisa julgada, o fato consumado e as situações consolidadas, para que se possa compatibilizar a decisão com a cláusula pétrea constitucional do inciso XXXVI do artigo 5º .

Em resumo, a modulação dos efeitos da decisão do STF não pode ser aplicada “em tiras”, isoladamente, interpretação meramente literal, fora de seu contexto sistemático. As consequências seriam nefastas à própria efetividade das decisões do STF, à medida em que proporcionaria o enfraquecimento de sua autoridade, pela vulneração do princípio da segurança jurídica, ante a desnaturação dos institutos do ato jurídico perfeito e do direito adquirido e violação do princípio da irretroatividade, veiculado em cláusula pétrea.


[1] Vide decisão proferida no Recurso Extraordinário 878.694, que se reproduziu no Recurso Extraordinário 646.721 e deu origem ao Tema 809 de repercussão geral.
[2] BATALHA, Wilson de Souza Campos. Direito Intertemporal. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 400.
[3] A mudança de interpretação da lei pelos tribunais produz os mesmos resultados que a mudança legislativa, como bem ressalta Suárez Collía: “Se puede argumentar, que estos cambios jurisprudenciales no se ven afectados por la prohibición de irretroactividad de las leyes penales, toda vez que sólo cambia el criterio de interpretación; pero es evidente que ello supone en la práctica los mismos resultados que una modificación legislativa, razón que los hace desaconsejables, pero indudablemente han de ser admitidos pues en otro caso los tribunales se verían ‘atados’ por sus anteriores decisiones, y se produciría una ‘fosilización’ de la jurisprudencia” (SUÁREZ COLLÍA, José M.ª. El principio de la irretroactividad de las normas jurídicas. Madrid: Atlas, 1994, p.67).
[4] MAXIMILIANO, Carlos. Direito intertemporal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, p. 12.
[5] Para Heleno Taveira Torres, “o momento da vigência da jurisprudência inovadora (por repercussão geral, especialmente), que altera jurisprudência anterior, deverá ser o marco decisivo. Todos aqueles atos-fatos pretéritos (porque ocorridos antes do início da vigência da nova jurisprudência), sob a vigência do precedente superado, deverão ser protegidos. Resulta daí que nem os fatos, propriamente ditos, nem os efeitos que deles decorrem poderão ser atingidos pela mudança de orientação, pela jurisprudência inovadora. A modulação dos efeitos da decisão nova deve ser a regra, tal a força do princípio da irretroatividade entre nós. Assim como a confiança é pressuposta em relação às leis, o mesmo raciocínio, mais objetivo, deverá comandar a aplicação do princípio da irretroatividade às modificações jurisprudenciais” (Segurança jurídica do sistema constitucional tributário. Tese apresentada ao concurso público de títulos e provas para provimento do cargo de professor titular de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, p.705).

Mário Luiz Delgado é advogado, professor da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (Fadisp) e da Escola Paulista de Direito (EPD), doutor em Direito Civil pela USP, mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP e especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) e membro da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC).

Fonte: Conjur | 08/07/2018.

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Artigo: Usucapião extrajudicial – A conciliação e a mediação no registro de imóveis – Por Vitor Frederico Kümpel e Bruno de Ávila Borgarelli


*Vitor Frederico Kümpel e Bruno de Ávila Borgarelli

Este texto é o segundo da série de colunas sobre usucapião extrajudicial (art. 216-A da Lei de Registros Públicos), iniciada há pouco1. Nele dedicaremos breves linhas a um aspecto muito interessante da regulamentação dessa modalidade administrativa de usucapião, que é a possibilidade de conciliação e de mediação feita pelo oficial do Registro de Imóveis na operacionalização do instituto.

Recorde-se, antes de mais, que se deve à lei 13.465/2017 a correção de diversos pontos problemáticos da redação original do art. 216-A da LRP. Como já se afirmou, a mais relevante dessas alterações está na nova redação dada ao §2º:

“Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como concordância”.

O artigo afasta a anterior “presunção de discordância”, havida quando os titulares dos imóveis confrontantes não se manifestassem a respeito do pedido. Agora, uma vez notificados e não dando resposta em 15 dias, tem-se por concordância a sua inércia. Mas se, ao revés, houver uma impugnação do pedido de usucapião, o Oficial do Registro de Imóveis deve tentar uma conciliação entre as partes.

Depois da lei 13.465/2017, o provimento 65/2017, da Corregedoria Nacional de Justiça, estabeleceu importantes “diretrizes para o procedimento da usucapião extrajudicial no âmbito dos serviços notariais e de registro de imóveis” (art. 1º). E também no art. 10 do Provimento se afirma que:

Art. 10. Se a planta mencionada no inciso II do caput do art. 4º deste provimento não estiver assinada pelos titulares dos direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes ou ocupantes a qualquer título e não for apresentado documento autônomo de anuência expressa, eles serão notificados pelo oficial de registro de imóveis ou por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos para que manifestem consentimento no prazo de quinze dias, considerando-se sua inércia como concordância.

Como igualmente se assentou na última coluna, ninguém pode criticar a redação original dada ao art. 216-A da LRP pelo CPC/2015. Isso porque uma novidade como a usucapião administrativa (em toda a sua abrangência, nada comparável à restrição da lei 11.977/2009) exigia cautela do legislador e da comunidade jurídica. Após discussões saudáveis é que se identificaram problemas, cuja superação poderia ser facilmente corrigida. Assim é que se passou da presunção de discordância para apresunção de concordância em caso de inércia dos titulares de direitos reais sobre o imóvel ou dos titulares dos imóveis confrontantes.

Além disso, como também se afirmou no último texto, será sempre questionável, de certo modo, a mudança legislativa. Na medida em que o registro é a base do sistema, o princípio da inviolabilidade socorre o seu titular. O titular tabular, via de regra, está protegido desde a dimensão constitucional do direito de propriedade. Passou-se, com a mudança, a proteger o possuidor, o que é bastante razoável sob o ponto de vista prático e funcional, porém questionável do ponto de vista das garantias fundamentais. Essa discussão, contudo, deve ficar para outras linhas.

O que parece bastante claro é que uma tentativa de favorecer a desjudicialização não se poderia contentar apenas com essa diretriz (presunção de concordância). Importa também, numa normativa que se pretende eficiente, direcionar o que ocorre quando da impugnação – ou seja, que rumos toma o procedimento quando há impugnação do procedimento pelos referidos titulares ou pelos terceiros interessados. Recorde-se que a estes últimos também se dá a conhecer o procedimento: é o teor do §4º do art. 216-A da LRP (já na redação originalmente dada pelo CPC/15):

§ 4o O oficial de registro de imóveis promoverá a publicação de edital em jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão se manifestar em 15 (quinze) dias.

Pois bem. Sobre a impugnação, diz o art. 216-A, em seu disposto:

§ 10. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum.

Então o que a lei parece ordenar é que o Oficial, diante de uma impugnação, remeta de pronto os autos ao juízo competente. Mas, será que uma interpretação apenas literal do preceito seria suficiente, tanto mais diante da complexidade do que afinal se regulamenta?

Parece que sim. E é bom que se recorde que o mesmo CPC/15, que estabeleceu a usucapião extrajudicial, também prestigiou fortemente a figura da conciliação, apresentada em diversos de seus dispositivos.

Uma visão sistemática, embora reconhecendo a presença da usucapião administrativa em artigo isolado (e um artigo que não menciona expressamente a conciliação/mediação operada pelo Oficial do Registro de Imóveis) entende desde a promulgação da lei ser possível que o agente atue como conciliador entre as partes (assim Lamana Paiva2, por exemplo).

O que fez o provimento 65/2017 – já mencionado – foi explicitar, dentre suas diretrizes, essa possibilidade, para que se operacionalize já no próprio Registro de Imóveis uma tentativa de superar o impasse da impugnação. Assim está o dispositivo:

Art. 18. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião apresentada por qualquer dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, por ente público ou por terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis tentará promover a conciliação ou a mediação entre as partes interessadas.

§ 1º Sendo infrutífera a conciliação ou a mediação mencionada no caput deste artigo, persistindo a impugnação, o oficial de registro de imóveis lavrará relatório circunstanciado de todo o processamento da usucapião.

§ 2º O oficial de registro de imóveis entregará os autos do pedido da usucapião ao requerente, acompanhados do relatório circunstanciado, mediante recibo.

§ 3º A parte requerente poderá emendar a petição inicial, adequando-a ao procedimento judicial e apresentá-la ao juízo competente da comarca de localização do imóvel usucapiendo.

Assim, em caso de impugnação (pois é dela que trata o dispositivo explicitador), levanta-se a possibilidade de conciliação ou mediação, devendo, diante de sua eventual ineficácia, ser o processo remetido ao juízo competente.

Nesse sentido, teve-se recentemente o pedido de providências 1000162-42.2018.8.26.010, perante a 1ª vara de Registros Públicos de São Paulo:

USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL – IMPUGNAÇÃO FUNDAMENTADA. Ocorrendo a hipótese de impugnação fundamentada, o Oficial deverá buscar a conciliação entre as partes. No insucesso, remeterá o processo ao juízo competente que julgará a impugnação. Caso mantida, este devolverá o processo ao Oficial, que extinguirá o procedimento e a prenotação, cabendo ao interessado buscar a via judicial se entender pertinente o prosseguimento do feito deste modo (ementa não oficial).

Mas, veja-se: o dispositivo do Provimento 65/2017 explicita a possibilidade de conciliação/mediação em face da impugnação. Não será possível, contudo, adotar-se essa tentativa de solução diante de outros problemas, que não uma efetiva e formal impugnação?

Ressalte-se que a questão não fica resolvida com o provimento 67/2018, da mesma Corregedoria Nacional da Justiça, o qual “dispõe sobre os procedimentos de conciliação e de mediação nos serviços notariais e de registro do Brasil”. Neste caso, trata-se de uma atividade de conciliação e mediação em sentido estrito, de modo que, segundo o art. 6º, “Somente poderão atuar como conciliadores ou mediadores aqueles que forem formados em curso para o desempenho das funções (…)”, observadas certas diretrizes curriculares. Segundo o Provimento, é necessária uma autorização da Corregedoria Estadual para que o cartório ofereça o serviço de conciliação e mediação.

Ainda que se possa criticar o provimento 67/2018, o fato é que uma visão geral de seus dispositivos, embora indique um regramento bem diferente daquilo que se discute em relação à usucapião extrajudicial, pode ao menos revelar que os ofícios do notariado e registro podem sim oferecer os serviços de conciliação. Têm essa capacidade e podem, preenchidos alguns requisitos – ainda obscuros, é verdade – mediar conflitos.

Mas, como se disse, no específico tema aqui abordado não há como confundir as disposições. O Provimento de 2018 tem como objeto a conciliação/mediação feita nas serventias extrajudiciais, ou seja, mediação/conciliação oferecida por agentes privados (delegatários do poder público), assim de forma institucionalizada. Não se pode utilizar este último Provimento para defender a restrição ou a ampliação da atividade de conciliação no caso da usucapião administrativa. São situações diferentes, pois na usucapião extrajudicial a conciliação deve ser sempre promovida diante da impugnação, não se tratando de uma atividade institucionalizada de mediação de conflitos.

Com isso, retorne-se à questão previamente fixada. A tentativa de conciliação, na usucapião extrajudicial, vai além dos casos de efetiva impugnação, envolvendo também outros “entraves” ao procedimento?

A resposta deve ser afirmativa. Não há sentido em atribuir-se ao Oficial o mais, e não o menos. Se lhe cabe agir como conciliador diante de impugnação, também será de seu mister orientar e direcionar as partes, fazendo o máximo possível para efetivar o procedimento no âmbito administrativo. Deverá, assim, agir para evitar a própria impugnação, dirimindo as dúvidas das partes. Em outros termos, trata-se de um esclarecimento quanto ao procedimento, suas etapas e seu resultado.

Qualquer que seja a visão a respeito da conciliação pelo Oficial – ora mais ampla, ora mais restrita – o fato é que esse será, certamente, um dos passos mais importantes para a efetiva concretização da usucapião administrativa no Brasil, que ainda caminha a passos lentos: várias atas notariais já lavradas, porém com poucos registros efetivados. A conciliação e a mediação – espera-se – darão aos Oficiais do Registro uma margem mais ampla de atuação para efetivar o procedimento.

1 KÜMPEL, Vitor Frederico; ÁVILA BORGARELLI, Bruno. Usucapião administrativa: um novo impulso. Migalhas, 8/5/2018. Acesso em 4/6/2018.

2 procedimento da usucapião extrajudicial. Acesso em 4/6/2018.

Fonte: Migalhas | 12/06/2018.

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