Artigo: A atuação do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e do Tabelião de Notas na disposição do corpo morto – Por Frank Wendel Chossani


*Frank Wendel Chossani

A morte é a ocorrência que põe fim à existência da pessoa natural, justamente como o Código Civil prevê: “A existência da pessoa natural termina com a morte […]”[1].

O apóstolo Paulo, escrevendo aos Coríntios, no capítulo 15, versículo 26, argumenta que “O último inimigo a ser destruído é a morte.”[2]
O caminho, em regra, quando de tal acontecimento, é a lavratura do assento do óbito, com a expedição da respectiva certidão, e o posterior sepultamento – em consonância com o que institui a Lei dos Registros Públicos[3].

No entanto, como ensina o mestre Walter Ceneviva, a própria lei se refere a “[…] hipóteses de enterro não precedido por certidão.”[4]
Apesar de, na maioria dos casos, o enterro ou cremação ocorrer não muito tempo depois do óbito, há situações em que o cadáver não é imediatamente enterrado ou cremado, mas sim destinado a uma instituição de ensino, para ser objeto de estudos e pesquisas, contribuindo consideravelmente para o ensino e formação de profissionais da área médica.

Considerando o caráter social da medida, o Código Civil traz a seguinte disposição:

Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.
Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.

Assim, a princípio, é perfeitamente possível que alguém, disponha do próprio corpo para depois da morte, mas tal disposição deve observar critérios.
A Lei n° 8.501 de 30 de novembro 1992, dispõe sobre a utilização de cadáver não reclamado, para fins de estudos ou pesquisas científica[5].

A diferença entre as citadas leis é que, enquanto da leitura do Código Civil (Lei 10.406/2002) se pode compreender o tratamento da disposição do corpo por pessoa determinada, ou seja, pessoa identificada e qualificada, que por desejo próprio, anseia que seu corpo morto seja objeto de estudo científico, a Lei n° 8.501/1992, por sua vez, trata do cadáver não identificado, ou ainda do corpo identificado, mas que apesar da identificação, inexistem informações relativas a endereços de parentes ou responsáveis legais do falecido. Nas últimas hipóteses, não há como ter ciência se o falecido deixou ou não, algum tipo declaração a respeito da disposição do cadáver.

Considerando a simultânea necessidade de criação de uma regulamentação administrativa específica à lavratura de assentos de óbitos quando destinados cadáveres a estudos ou pesquisas científicas, a Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, aos 23 de setembro de 1997, editou o Provimento 16/1997.

Atualmente, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo (NSCGJ/SP), na subseção II do Capítulo XVII, que trata “Do Assento de Óbito de Pessoa Desconhecida e da Utilização do Cadáver para Estudos e Pesquisas”, trazem:

96. Sendo o finado desconhecido, o assento deverá conter declaração de estatura ou medida, se for possível, cor, sinais aparentes, idade presumida, vestuário e qualquer outra indicação que possa auxiliar seu futuro reconhecimento; e no caso de ter sido encontrado morto, serão mencionados essa circunstância e o lugar em que se achava e o da necropsia, se realizada.

O item apresentado trata do óbito de pessoa desconhecida, tanto que os elementos do assento visam auxiliar o futuro reconhecimento do falecido.
Os mestres Mario de Carvalho Camargo Neto e Marcelo Salaroli de Oliveira, ensinam que “Toda a lógica dos requisitos adicionais para o registro de pessoa desconhecida é possibilitar sua identificação posteriormente”.[6]

No que diz respeito a pessoa identificada, o assento de óbito será feito com base nos elementos contidos no artigo 80 da Lei dos Registros Públicos, com observância ainda, no Estado de São Paulo, do item 94 do Capítulo XVII das NSCGJ/SP.

De qualquer modo, havendo disposição por pessoa identificada ou sendo utilizado cadáver de pessoa não identificada, ou que, apesar de identificada não haja informações relativas a endereços de parentes ou responsáveis legais, a utilização do cadáver para estudos e pesquisa só ficará disponível após a lavratura do assento de óbito[7] pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, do local do óbito.

A participação do tabelião de notas nisso tudo, pode ocorrer nos casos em que o interessado procura o notário e manifesta o seu desejo no sentido de que seu corpo seja utilizado para os fins citados, requerendo então que seja lavrado documento em suas notas para que conste tal manifestação.

Diante do requerimento, pode o tabelião lavrar Escritura Pública de Diretivas Antecipadas de Vontade onde conste tal disposição, ou ainda outra escritura de declaração.

Tratando do assunto, Reinaldo Velloso dos Santos, ensina que “Nesses casos de manifestação em vida da vontade do falecido de doar seu corpo para fins de estudos e pesquisas, recomenda-se a lavratura de escritura pública de declaração.”[8]

É possível ainda que o interessado apresente ao tabelião de notas declaração de sua autoria, em que manifeste o desejo de disposição do corpo para depois da morte, com a intenção de que sejam realizados estudos e pesquisas, e que requeira na ocasião o reconhecimento de sua firma.

Apesar da possibilidade do instrumento particular, a solução mais adequada, respeitadas eventuais opiniões contrárias, é a de que o documento seja feito por instrumento público, uma vez que ficará arquivado no acervo da Serventia em que lavrado, ao passo que o instrumento particular é passivo de extravio.

Ainda quanto ao instrumento público, sugestão interessante, e que ainda carece de tratamento legal e normativo, seria a possibilidade do tabelião de notas consultar o declarante sobre a conveniência de cientificar, por escrito, a instituição de ensino favorecida (conforme manifestação do declarante), semelhante ao que ocorre quando da lavratura de escritura pública de testamento que contenha disposições favoráveis a pessoas jurídicas com objetivos altruísticos, científicos, artísticos, beneficentes, religiosos, educativos, culturais, políticos, esportivos ou recreativos[9].

Considerando que o parágrafo único do artigo 14 do Código Civil, prega que “O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo”, é perfeitamente possível a revogação lavrada por instrumento público, com anotação da revogação no ato de manifestação da disposição lavrado (embora não haja previsão a esse respeito), e ainda com a consequente informação da revogação à instituição de ensino antes beneficiada, se considerada a sugestão de outrora, arcando o interessado com as despesas do procedimento.

Quanto à atuação do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, para que lavre o assento de óbito em tais situações, ocasião em que terá entre seus elementos o destino específico do cadáver, é preciso a concessão da autorização do Juiz Corregedor Permanente.

O Juiz Corregedor Permanente, para que conceda a autorização da lavratura do assento de óbito nos termos apontados, deve verificar inicialmente a causa da morte, de modo que, se a morte resultar de causa não natural, o corpo será, obrigatoriamente, submetido à necropsia no órgão competente[10]. Da mesma forma, o magistrado deve observar ainda se há indício de que a morte tenha resultado de ação criminosa, ocasião em que será defeso o encaminhamento do cadáver para fins de estudo[11].

O assento de óbito será sempre lavrado, ainda que o Juiz competente não autorize a lavratura com a destinação do cadáver para pesquisas, ocasião em que o oficial observará somente os elementos ordinários do assento.

Embora a Lei dos Registros Públicos (art. 77) autorize a lavratura do assento de óbito com base no atestado de duas pessoas qualificadas que tiverem presenciado ou verificado a morte (nos casos em que não haja médico no local do óbito para que ateste o ocorrido), no que tange a destinação de cadáver para fins de estudos e pesquisas, é de se entender que tal possibilidade não incidirá, uma vez que o atestado de óbito por médico deverá instruir o requerimento para a lavratura do assento de óbito.

A Lei nº 9.434, de 04 de fevereiro de 1997[12], que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências, vai além, ao estabelecer em seu artigo 3º, que “A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina”.

Superada essa informação inicial, o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais verificará se o caso é de pessoa identificada e que tenha manifestado sua vontade no sentido de ter seu corpo morto utilizado em pesquisas, ou se é caso de cadáver de pessoa não identificada, ou que, apesar de identificada não haja informações relativas a endereços de parentes ou responsáveis legais.

Se a situação disser respeito a pessoa que manifestou vontade, o declarante do óbito apresentará requerimento, instruindo o mesmo com o atestado médico, declaração de anuência da Faculdade de Medicina e traslado da escritura[13].

Como o morto tratava-se de pessoa conhecida, não é demais anexar também ao requerimento, declaração assinada pelo declarante, constando os elementos ordinários do assento, com cópias dos documentos de identificação – tanto do falecido como do próprio declarante.

O requerimento será autuado e remetido ao Juiz Corregedor Permanente, para que conceda a autorização da lavratura do assento de óbito nos moldes tratados, sendo de rigor que observe as nuances verificadas, como a causa da morte, e se há indícios de que seja proveniente de ação criminosa, de modo a vedar a lavratura para fins de estudos em tais casos, ainda que tenha havido manifestação de vontade da destinação do corpo.

Após receber a necessária autorização, o oficial lavrará o assento do óbito, e então a utilização do cadáver para estudos e pesquisa estará disponível.[14]

Na situação em que o cadáver não é identificado (sem qualquer documentação) ou identificado, mas sem informações relativas a endereços de parentes ou responsáveis legais, as NSCGJ/SP, no capítulo XVII, apontam que a lavratura do assento de óbito junto ao Registro Civil das Pessoas Naturais, será requerida pela escola de medicina[15], que necessariamente apresentará os documentos que atestam a morte, bem como a remessa do cadáver. Em tal caso, é necessário a expedição de editais, como se observa:

96.3. O requerimento mencionado no subitem anterior será autuado e sua autora promoverá a expedição de editais, publicados em algum dos principais jornais da cidade, em dez dias alternados e pelo prazo de trinta dias, onde deverão constar todos os dados identificadores disponíveis do cadáver e a possibilidade de serem dirigidas reclamações de familiares ou responsáveis legais ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais.

Os editais expedidos, em caso de cadáver não identificado (sem qualquer documentação) ou identificado, mas sem informações relativas a endereços de parentes ou responsáveis, são necessários para dar ampla publicidade da ocorrência, de modo a possibilitar eventuais reclamações de interessados, e serão remetidos, juntamente com os demais documentos, ao Juiz Corregedor Permanente, que analisará tudo, antes de conceder autorização para lavratura do assento.

Insta salientar que a expedição dos editais será dispensada quando houver manifestação firmada da pessoa, ou ainda quando haja documento comprobatório da liberação do corpo morto por cônjuge, companheiro ou parente, maior de idade, até o 2º grau.[16]

A lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que trata sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências, em seu artigo 4º prevê:

Art. 4o A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte. (grifei)

A compreensão alcançada, salvo melhor juízo, é a de que o artigo não abarca a situação de disposição de cadáver com objetivo científico, mas somente casos inerentes à transplantes ou outra finalidade terapêutica. Apesar disso, como já visto no item 96.5, do capítulo XVII das NSCGJ/SP, é possível a liberação do cadáver para objetivo científico, ou altruístico, através de documento firmado por cônjuge, companheiro ou parente, maior de idade, até o 2º grau – dispensada em tal caso a expedição de editais.

Por certo, se houver manifestação de vontade, a vontade deve prevalecer. Contudo, no silêncio, abre-se caminho para a decisão do cônjuge, companheiro ou parente, maior de idade, até o 2º grau.

A esse respeito, é colacionado abaixo, o Enunciado 277, aprovado na IV Jornada de Direito Civil[17]:
277 – Art.14. O art. 14 do Código Civil, ao afirmar a validade da disposição gratuita do próprio corpo, com objetivo científico ou altruístico, para depois da morte, determinou que a manifestação expressa do doador de órgãos em vida prevalece sobre a vontade dos familiares, portanto, a aplicação do art. 4º da Lei n. 9.434/97 ficou restrita à hipótese de silêncio do potencial doador. (grifei).

Detalhe a ser observado é que, ao passo que a lei 8.501/1992 autoriza a utilização de cadáver não reclamado, sem qualquer documentação ou identificado sobre o qual inexistem informações relativas a endereços de parentes ou responsáveis legais, a lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que trata sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, em seu artigo 6º estabelece que “É vedada a remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoas não identificadas”.

Oportuno notar ainda que, apesar do artigo 14 do Código Civil, autorizar a disposição do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte, as NSCGJ/SP impedem o encaminhamento de partes do cadáver ou sua transferência a diferentes instituições de ensino ou pesquisa.[18]

Por derradeiro, quando o cadáver não possuir mais utilidade para os fins aludidos, a instituição de ensino, promoverá o sepultamento ou a cremação, devendo comunicar o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais para que averbe tal acontecimento.[19]

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 12 dez. 2016.

BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de novembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015compilada.htm>. Acesso em: 12 dez. 2016.

BRASIL. Lei nº 8.501, de 30 de novembro de 1992. Dispõe sobre a utilização de cadáver não reclamado, para fins de estudos ou pesquisas científica e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8501.htm>. Acesso em: 22 dez. 2016.

BRASIL. Lei nº 9.434, de 04 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9434.htm>. Acesso em: 22 dez. 2016.

Bíblia de Estudo de Genebra. 2ª ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil; São Paulo: Cultura Cristã, 2000.

CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e dos registradores comentada. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

Registro civil das pessoas naturais: habilitação e registro de casamento, registro de óbito e livro “E”, volume 2 / Mario de Carvalho Camargo Neto, Marcelo Salaroli de Oliveira. – São Paulo: Saraiva, 2014. – (Coleção cartórios / coordenador Christiano Cassettari).

SANTOS, Reinaldo Velloso dos. Registro civil das pessoas naturais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2006.

V Jornada de Direito Civil / Organização Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr. – Brasília: CJF, 2012.


[1] BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 12 dez. 2016. Art. 6o A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.

[2] Bíblia de Estudo de Genebra. 2ª ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil; São Paulo: Cultura Cristã, 2000. 1529 p.

[3] BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de novembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015compilada.htm>. Acesso em: 12 dez. 2016. Art. 77 – Nenhum sepultamento será feito sem certidão, do oficial de registro do lugar do falecimento, extraída após a lavratura do assento de óbito, em vista do atestado de médico, se houver no lugar, ou em caso contrário, de duas pessoas qualificadas que tiverem presenciado ou verificado a morte. (Renumerado do art. 78 com nova redação, pela Lei nº 6.216, de 1975).

[4] CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e dos registradores comentada. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. 253 p.

[5] BRASIL. Lei nº 8.501, de 30 de novembro de 1992. Dispõe sobre a utilização de cadáver não reclamado, para fins de estudos ou pesquisas científica e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8501.htm>. Acesso em: 22 dez. 2016.

[6] Registro civil das pessoas naturais: habilitação e registro de casamento, registro de óbito e livro “E”, volume 2 / Mario de Carvalho Camargo Neto, Marcelo Salaroli de Oliveira. – São Paulo: Saraiva, 2014. – (Coleção cartórios / coordenador Christiano Cassettari), p. 126.

[7] NSCGJ/SP. Capítulo XVII. Item 96.1. A utilização do cadáver para estudos e pesquisa só ficará disponível após a lavratura do assento de óbito correspondente.

[8] SANTOS, Reinaldo Velloso dos. Registro civil das pessoas naturais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2006. 131 p.

[9] NSCGJ/SP. Capítulo XIV. Item 58. O Tabelião de Notas, ao lavrar escritura pública de testamento que contenha disposições favoráveis a pessoas jurídicas com objetivos altruísticos, científicos, artísticos, beneficentes, religiosos, educativos, culturais, políticos, esportivos ou recreativos, consultará o testador sobre a conveniência de cientificar, por escrito, as favorecidas.

[10] Lei nº 8.501, de 30 de novembro de 1992 – Art. 3º § 2° – Se a morte resultar de causa não natural, o corpo será, obrigatoriamente, submetido à necropsia no órgão competente.

[11] Lei nº 8.501, de 30 de novembro de 1992 – Art. 3º § 3° – É defeso encaminhar o cadáver para fins de estudo, quando houver indício de que a morte tenha resultado de ação criminosa.

[12] BRASIL. Lei nº 9.434, de 04 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9434.htm>. Acesso em: 22 dez. 2016.

[13] Ibidem, p.131.

[14] NSCGJ/SP. Capítulo XVII. Item 96.1. A utilização do cadáver para estudos e pesquisa só ficará disponível após a lavratura do assento de óbito correspondente.

[15] NSCGJ/SP. Capítulo XVII. Item 96.2. Encaminhados cadáveres para estudos ou pesquisa científica, a escola de medicina deverá requerer a lavratura do assento de óbito junto ao Registro Civil das Pessoas Naturais, apresentando, obrigatoriamente, os documentos atestatórios da morte (DO) e da remessa do cadáver.

[16] NSCGJ/SP. Capítulo XVII. Item 96.5. Quando houver declaração firmada em vida pelo falecido ou documento que comprove a liberação do cadáver por cônjuge, companheiro ou parente, maior de idade, até o 2º grau, ficará dispensada a expedição de editais.

[17] V Jornada de Direito Civil / Organização Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr. – Brasília: CJF, 2012. 377 p.

[18] NSCGJ/SP. Capítulo XVII. Item 96.7. É proibido o encaminhamento de partes do cadáver ou sua transferência a diferentes instituições de ensino ou pesquisa.

[19] NSCGJ/SP. Capítulo XVII. Item 96.6. Após a lavratura do assento de óbito, o sepultamento ou a cremação dos restos do cadáver utilizado em atividades de ensino e pesquisa deverá ser comunicado ao Registro Civil das Pessoas Naturais, para a promoção da respectiva averbação.

Fonte: CNB/CF | 03/01/2017.

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Artigo: A constitucionalidade do artigo 1790 do Código Civil: Porque equiparar o regime sucessório do companheiro ao do cônjuge vai gerar um caos jurídico -Por José Flávio Bueno Fischer


* José Flávio Bueno Fischer

Está em julgamento no Supremo Tribunal Federal – STF o Recurso Extraordinário nº 878694-MG, em que é discutida a constitucionalidade do artigo 1790 do Código Civil e a consequente equiparação dos efeitos sucessórios da união estável aos do casamento.
Após voto do Relator, o Ministro Roberto Barroso, pela inconstitucionalidade da distinção de regimes sucessórios entre os cônjuges e companheiros prevista no artigo 1790 do Código Civil, o julgamento do Recurso encontra-se suspenso em virtude de pedido de vista do Ministro Dias Toffoli.
No caso concreto objeto do RE 878694-MG, a recorrente vivia em união estável, em regime de comunhão parcial, há cerca de 9 anos, até que seu companheiro veio a falecer, sem deixar testamento. O falecido não possuía descendentes nem ascendentes, mas apenas três irmãos. Diante desse contexto, o Tribunal de origem, com fundamento no artigo 1790, III, do Código Civil, limitou o direito sucessório da recorrente a um terço dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável.
O Ministro Barroso, em seu voto, favorável à recorrente, afirmou que “à luz do texto constitucional, casamento e união estável são, assim, organizações familiares distintas. Caso não o fossem, não haveria sentido tratá-las em trechos distintos da Constituição, nem se afirmar que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento”[1]. Entretanto, para o Ministro, as diferenças entre união estável e casamento não justificam uma disparidade de tratamento no que diz respeito ao regime sucessório de cônjuges e companheiros, eis que todas as entidades familiares merecem igual proteção do Estado. Nas palavras do Excelentíssimo Julgador, em face da interpretação conjunta de diversos dispositivos da Constituição que trazem a noção de funcionalização da família, “(…) só será legítima a diferenciação de regimes entre casamento e união estável se não implicar hierarquização de uma entidade familiar em relação à outra, desigualando o nível de proteção estatal conferido aos indivíduos.”[2] E, para ele, o artigo 1790 coloca o companheiro em posição hierarquicamente inferior ao cônjuge, sendo, portanto, inconstitucional.
Com todo respeito ao Senhor Excelentíssimo Ministro Roberto Barroso, não compartilhamos deste entendimento.
A união estável e o casamento são, sim, institutos muito diferentes, e neste ponto concordamos com Ministro Barroso. Enquanto um, o casamento, é um ato solene e extremamente formal, o outro, a união estável, decorre de uma situação de fato, que não exige qualquer documento para sua constituição.
Pois bem. Justamente em razão de serem entidades diferentes, é que o legislador optou por tratá-las de forma distintas, inclusive no plano sucessório. A exposição de motivos do artigo 1790 elucida bem esta distinção: “As diretrizes imprimidas à elaboração do Projeto, fiéis nesse ponto às regras constitucionais e legais vigorantes, aconselham ou, melhor dizendo, impõem um tratamento diversificado, no plano sucessório, das figuras do cônjuge supérstite e do companheiro sobrevivo, notadamente se ocorrer qualquer superposição ou confusão de direitos à sucessão aberta. Impossibilitado que seja um tratamento igualitário, inclusive por descaracterizar tanto a união estável – enquanto instituição-meio — quanto o casamento – enquanto instituição-fim – na conformidade do preceito constitucional.”[3]
Da exposição de motivos, denota-se, com clareza, que optou o legislador, conscientemente e baseado na tutela constitucional, a não equiparar os dois institutos. Porém, a não equiparação do casamento e da união estável não significa, e aqui discordamos do Ministro Barroso, uma inferiorização de um instituto em relação ao outro ou mesmo uma situação desvantajosa. Trata-se, apenas, de conferir proteção legal aos dois institutos com atenção às suas peculiaridades, de tratar os desiguais na medida de sua desigualdade.
Prova disso, de que o tratamento diferenciado da união estável e do casamento, especialmente, aqui, no plano sucessório, não traduz situação mais vantajosa ou hierarquicamente superior para um ou para outro instituto, é que a constitucionalidade do artigo 1790 já foi questionada anteriormente sob alegação contrária à da recorrente do RE 878694-MG, que na condição de companheira, sentiu-se prejudicada com a norma. No REsp 1.117.563-SP, a constitucionalidade do dispositivo foi questionada pela filha do falecido com sua ex-mulher, sob alegação de que a norma confere mais vantagens à companheira do que conferiria à esposa casada pelo regime da comunhão parcial. Vejamos o seguinte trecho do julgado:
“(…) não é possível dizer, aprioristicamente e com as vistas voltadas apenas para as regras da sucessão, que a união estável possa ser mais vantajosa em algumas hipóteses, porquanto o casamento comporta inúmeros outros benefícios cuja mensuração é difícil.”
Ora, se não se pode dizer que o artigo 1790 traz hipóteses de situação mais vantajosa para a união estável, também não se pode dizer o contrário.
É claro que analisando o caso dos autos do RE 878694-MG, em que a companheira, de uma relação de nove anos, pela regra do artigo 1790, terá que dividir a herança com os colaterais, irmãos do falecido, a situação pode parecer e, de fato é, menos vantajosa, pois se esposa fosse, a companheira ficaria com toda herança.
Entretanto, esta análise casual é muito superficial e não leva em consideração, digamos assim, o outro lado da moeda.
A união estável é uma entidade constituída no plano dos fatos, sem qualquer formalidade ou necessidade de qualquer documento ou providência. Justamente por isso, não raras vezes, ela é confundida com o namoro. Este é o outro lado da moeda.
Se a tese da inconstitucionalidade do artigo 1790 do Código Civil prevalecer e a sucessão do companheiro for equiparada à do cônjuge, como uma pessoa que tem um vasto patrimônio poderá namorar sem se preocupar com que a namorada ou namorado seja confundido com companheiro em caso de sua morte e herde todo seu patrimônio familiar ou grande parte dele? Sim, porque, se a sucessão do companheiro for equiparada a do cônjuge, o namorado ou namorado confundido com companheiro herdará nos bens particulares, beneficiando-se em detrimento dos verdadeiros herdeiros.
E não se diga que é fácil saber o que é união estável e o que é namoro, especialmente o namoro qualificado, que é aquela relação amorosa em que há continuidade, publicidade, durabilidade e ausência de impedimentos matrimoniais, mas não chega a ser uma união estável. Atualmente, não são poucos os casais de namorados que residem juntos, que têm longos namoros, que participam intensamente da vida social e familiar um do outro e que compartilham, inclusive, contas bancárias e cartões de crédito.
A linha entre união estável e namoro qualificado é muito tênue. O único requisito que difere um do outro é o animus de constituir família. Na união estável, este requisito está presente, mas, no namoro qualificado, não. E, justamente por ser um requisito subjetivo, sua aferição no caso concreto é bastante complicada.
A insegurança jurídica é tão grande na caracterização da união estável, na sua diferenciação em relação ao namoro, que muitos Órgãos Públicos e Bancos exigem a declaração de união estável feita por escritura pública para garantir um mínimo de segurança quanto à existência da sociedade de fato.
O próprio Ministro Barroso destaca em seu voto que “(…)seria mais seguro e conveniente para o sistema jurídico que todas as uniões fossem formalizadas pelo casamento”.[4]
Não se nega que a união estável é um importantíssimo e valioso instituto que veio para corrigir injustiças históricas, principalmente em relação às mulheres. Mas, não se pode dar a ele um peso tão exagerado a ponto de prejudicar todo um sistema jurídico e gerar um verdadeiro caos social.
Como já dissemos acima, se a sucessão da união estável for equiparada a do casamento, pessoas que têm uma simples relação de namoro ficarão extremamente desprotegidas e à margem do direito. Ficarão de mãos atadas, sem qualquer instrumento jurídico apto a protegê-las e ao seu patrimônio familiar de forma definitiva, até porque a declaração de namoro feita em Tabelionato é vista por muitos como ineficaz, pois afastaria norma de ordem pública, que é a que prevê a caracterização da união estável.
Ao contrário, as pessoas que vivem em união estável e querem resguardar seu companheiro ou companheira no caso de falecimento, podem tanto se casar, quanto elaborar um testamento. Por exemplo, no caso do RE 878694-MG, se o falecido tivesse deixado um testamento elegendo a companheira como única herdeira, os colaterais teriam sido afastados da sucessão e o problema estaria resolvido.
Salientamos que o argumento de que as uniões estáveis ocorrem com maior frequência justamente nas classes menos favorecidas e esclarecidas da população e que, por isso, não se deve distinguir os regimes sucessórios do cônjuge e do companheiro sob pena de se prejudicar aqueles que mais precisam da proteção estatal, não merece prosperar.
Primeiro porque não se pode proteger alguns em detrimento de outros, como já mencionamos. Isto não é constitucional. As pessoas que vivem em união estável têm instrumentos para se proteger ou para beneficiar seus companheiros, seja pelo casamento, seja pelo testamento. As que vivem em uma simples relação de namoro, não.
Além disso, atualmente, existem as gratuidades no Registro Civil e mesmo os casamentos comunitários, que viabilizam o matrimônio para as pessoas carentes.
O que é necessário é informar, criar uma população consciente de seus direitos, de seu patrimônio. E não criar um cenário de caos jurídico, de nítido prejuízo para inúmeras pessoas, sob a alegação de proteção estatal aos menos favorecidos.
O fundamento do direito sucessório no Brasil é a noção de continuidade patrimonial como fator de proteção, de coesão e de perpetuidade da família. Equiparar o regime sucessório do companheiro ao do cônjuge não protegerá esta continuidade patrimonial e a perpetuidade da família. Ao contrário, gerará uma insegurança jurídica tamanha capaz de desestabilizar as relações familiares.
Esperamos, sinceramente, que o julgamento no Supremo Tribunal Federal tenha uma mudança de rumo e não acompanhe o voto do Relator.


[1] STF, Recurso Extraordinário nº 878.694-MG. Voto do relator: Ministro Roberto Barroso. p. 14

[2] STF, Recurso Extraordinário nº 878.694-MG. Voto do relator: Ministro Roberto Barroso. p. 16

[3] SENADO FEDERAL. Memória Legislativa do Código Civil. Disponível emhttp://www.senado.gov.br/publicacoes/MLCC/pdf/mlcc_v4_ed1.pdf. Acesso em 24.12.2016.

[4] STF, Recurso Extraordinário nº 878.694-MG. Voto do relator: Ministro Roberto Barroso. p. 18

*José Flávio Bueno Fischer: 1º Tabelião de Novo Hamburgo/RS, Ex-presidente do CNB-CF e Membro do Conselho de Direção da UINL

 

Fonte: CNB/CF | 03/01/2017.

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