Retificação de registro e usucapião

Hoje indicamos uma decisão do STJ, publicada no DJe de 10/3, que trata de uma questão que sempre atormenta os registradores imobiliários brasileiros quando se veem diante de um pedido de retificação de registro em que se pleiteia a “adequação do registro à realidade extra-tabular” com aumento de área.

Trata-se do REsp 1.228.288-RS assim ementado:

Retificação de registro – área – aumento – aquisição da propriedade. Usucapião. Recurso especial. Retificação de registro de imóvel. Art. 213 da lei n. 6.015/73. Pretensão de aquisição de propriedade. Impossibilidade. 1. A Lei de Registros Públicos busca dar plena validade, eficácia e segurança aos registros, visando, sobretudo, proteger o interesse dos legítimos proprietários e de terceiros. 2. Não serve o procedimento de retificação constante da Lei de Registros Públicos como forma de aquisição ou aumento de propriedade imobiliária, pois destinado apenas à correção dos assentos existentes no registro de imóveis, considerando-se a situação fática do bem. 3. Recurso especial desprovido. @ REsp 1.228.288-RS, j. 3/3/2016, DJe 10/3/2016., rel. min.: João Otávio Noronha. Legislação: CC art. 1.247; LRP art. 213.

É bem certo que, neste caso concreto, o próprio interessado alegou que houve apropriação de área não titulada. A propósito, o relator asseverou:

“A área do imóvel somente poderá ser corrigida se houver descompasso em relação à aquela que constar no registro. A retificação de área não diz respeito à pretensão de incorporação de nova área de modo que sejam ultrapassados os limites do imóvel originário. Não pode servir o procedimento de retificação constante da Lei de Registros Públicos como forma de aquisição ou aumento de propriedade imobiliária, pois destinado apenas à correção dos assentos existentes no registro de imóveis, considerando-se a situação fática do bem”.

Mas nem sempre a questão é resolvida com base na alegação clara e inequívoca, do próprio interessado, de que se pretendeu agregar área não titulada. Nos casos menos evidentes, quais deverão ser os critérios objetivos para discernir entre a via retificatória extrajudicial e a dausucapião?

A questão não é nova e já empolgou a doutrina e a jurisprudência.

Narciso Orlandi, por exemplo, pontifica no festejado Retificação do Registro de Imóveis: 

A retificação intramuros, a única que, tratando-se de modificações na descrição das divisas ou na área, a lei admite, é aquela que respeita as divisas enunciadas no registro, embora dê a elas descrição técnica inconfundível (…). Se a pretensão do interessado ultrapassa as divisas verdadeiras, o que há não é pedido de retificação do registro, mas tentativa de aquisição de domínio por forma não prevista na lei. É conveniente dizer, nesse passo, que posse sem domínio não tem nenhuma expressão no processo de retificação de registro. (Retificação do registro de imóveis. São Paulo: Editora Oliveira Mendes, 1997, p. 151).

O tema parece limitar-se, pois, à mera enunciação descritiva do bem imóvel. Joga, nessa quadra, um papel importante o conceito de retificaçãointramuros.

Retificação intramuros

A expressão retificação intramuros fez fortuna no âmbito das Varas de Registros Públicos de São Paulo. Ainda recentemente admitiu-se a retificação de registro para acréscimo de área “de modo a refletir a área real do imóvel, desde que não haja impugnação dos interessados”. (Processo 0002121-07.2014.8.26.0100, São Paulo, j. 18/2/2016, DJe 3/3/2016, Dra. Tânia Mara Ahualli).

A expressão já ocorre, por exemplo, no vetusto acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, no aresto relatado pelo des. Evaristo do Santos. No caso concreto, tratava-se de retificação de registro – uma longeva transcrição que não mencionava a área exata do imóvel. Em levantamento pericial, constatou-se uma diferença de alguns alqueires a mais. Alegavam, os interessados, que o imóvel sempre foi cercado, fato comprovado por testemunhas. Diz o relator:

Se a retificação é “intramuros”, isto é, estando a diferença dentro das divisas dos autores, outra não poderia ser a sentença recorrida. Não correspondendo a transcrição à área real, ela deve ser retificada, como sempre se julgou. (Ap. Civ. 137-1, Sorocaba, j. 29/4/1980, rel. des. EVARISTO DOS SANTOS).

Narciso Orlando Neto sempre afastou a tendência de se considerar a retificação de registro uma espécie simplificada de usucapião. Diz o desembargador que nenhuma “área externa ao título pode ser acrescentada, porque o processo destina-se, exclusivamente, a adequar o registro à realidade. Se a retificação é intramuros, isto é, estando a diferença dentro das divisas dos autores, outra não poderia ser a sentença recorrida”, citando o acórdão supra referido.

Critérios objetivos

Pode-se buscar o estabelecimento de um critério objetivo para discriminar as pretensões de retificação de registro deduzidas judicial ou extrajudicialmente

Assim, não havendo qualquer (a) extrapolação dos lindes físicos do imóvel objeto de retificação, suposta a (b) não ocorrência de qualquer interferência com direitos de terceiros, (c) inexistindo impugnação de confrontantes, a retificação de registro pode ser admitida, mesmo nos casos em que ocorra aumento de área do imóvel objeto da retificação.

A vertente jurisprudencial que admite a retificação de registro para acréscimo de área, “de modo a refletir a área real do imóvel, desde que não haja impugnação dos interessados” também representa uma importante tendência que se consolidou ao longo do tempo.

Assim, o acórdão do STJ assim ementado:

  • Retificação de registro. Área – acréscimo – usucapião. 1. Na linha de precedentes da Corte, é possível a retificação do registro, para acréscimo de área, de modo a refletir a área real do imóvel, desde que não haja, como no caso, impugnação dos demais interessados. (REsp 203.205 – PARANÁ, j. 6/12/1999, DJe 28/2/2000, rel. min. Carlos Alberto Menezes Direito)

É possível indicar os seguintes precedentes da Corregedoria Geral de Justiça: 

  • Retificação intramuros. Expressão – exclusão. Descrição inalterada.Retificação de registro – Retificação prevista no art. 213, § 1º da Lei 6015/73 – Inalteradas metragem, divisas e confrontações – Retirada da expressão “mais ou menos” constante na matrícula – Negado provimento ao recurso. Processo CG 1.093/2000, Praia Grande, dec. de 29/5/2000, Dje 14/6/2000, des. Luís Macedo.
  • Retificação de área – correção da área – erro de cálculo. Via administrativa. Jurisdição voluntária. REGISTRO DE IMÓVEIS. Retificação. Ausência de alteração da área física do imóvel. Alteração que não necessita da manifestação dos confrontantes. Via administrativa cabível na espécie. Recurso provido. Processo 398/2004, Bauru, dec. de 3/6/2004, Dje 9/6/2004, des. José Mário Antonio Cardinale.
  • Retificação intramuros. Equívoco na indicação do número da matrícula. Erro material. Cerceamento de defesa inexistente. Impugnação não fundamentada. REGISTRO DE IMÓVEIS – Retificação de área deferida em 1º grau – Pedido instruído com parecer técnico que demonstra tratar-se de retificação intramuros – (…). Processo CG 39.153/2011, Jundiaí. Dec. de 4/7/2011, des. Maurício Vidigal.

Há casos em que a evidente precariedade da descrição contida no Registro Imobiliário impõe a retificação, desde que haja respeito aos limites tabulares e não ocorra ofensa aos direitos dos confrontantes.

A retificação intramuros deve respeitar a existência física das divisas tituladas em conformidade ao conteúdo do título de domínio. Nesse sentido: Processo 151.822/2011, Itaquaquecetuba, dec. de 23/2/2012, des. José Renato Nalini.

No caso de ocorrência de impugnação (§ 6º do art. 213 da LRP), constatado pelo perito – e até mesmo pelo Oficial do Registro (nos termos do § 12 do art. 213 da LRP) – que a retificação perseguida ocorreintramuros, a impugnação deve ser afastada e a retificação deferida:

  • Retificação intramuros. Impugnação infundada. Recurso Administrativo – Retificação de Registro – Impugnação infundada – Retificação que inclui área de superfície sem alterar medidas perimetrais — Recurso não provido. Processo CG 27.700/2011, São Paulo, dec. de 13/12/2012, Dje 17/1/2013, des. José Renato Nalini.
  • Retificação intramuros. Confrontante – impugnação infundada. Registro de Imóveis – Retificação de registro na forma do art. 213, II, da Lei nº 6.015/73 – Possibilidade – Laudo pericial que indica que a retificação é intramuros – Recurso não provido. Processo CG 94.256/2012, Guaíra, dec. 7/1/2015, Dje 19/1/2015, des. Elliot Akel.

Cite-se, por fim, o decidido no Processo CG  66.603/2014, São Paulo, dec. de 27/10/2014, DJe de 13/11/2014, des. Elliot Akel, cuja ementa é elucidativa:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Retificação de área – Questão decidida anteriormente, em ação que resultou na unificação de matrículas e indeferiu a retificação, com base em laudo pericial, por se tratar de área maior que não faz parte dos registros imobiliários – Pedido renovado e baseado em planta e memorial descritivo, estes limitados a apurar a área total unificada, sem confrontá-la com as transcrições e matrículas com o fim de demonstrar que a pretensão é de retificação “intramuros” – Impossibilidade de acrescer área que extrapola os limites do imóvel estabelecidos nos assentamentos imobiliários por meio de retificação – Recurso provido para indeferir a retificação.

No último dia 4/3, o des. Manoel de Queiroz Pereira Calças aprovou o excelente e sempre bem fundamentado parecer do Dr. Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani, Juiz Assessor da Corregedoria, que enfrentou o tema e sempre vale a pena conhecer o seu pensamento:

Retificação de registro administrativa extrajudicial. Impugnação infundada. REGISTRO DE IMÓVEIS – Retificação Administrativa – Precariedade dos elementos tabulares – Impugnação Infundada – Ausência de prejuízo a terceiros – Cabimento da averbação – Recurso desprovido. Processo CG 184.408/2015, Salto, dec. de 25/2/2016, DJe 4/3/2016, des. Manoel de Queiroz Pereira Calças.

Fonte: Observatório de Registro | 14/03/2016.

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TJSC aplica teoria do adimplemento substancial para garantir apartamento a comprador

Segundo os autos, o consumidor, além de já ter efetuado o pagamento de parcela considerável do imóvel, sofreu ainda com o atraso na entrega do apartamento, entre outros prejuízos

A juíza Vera Regina Bedin, titular da 1ª Vara Cível de Itajaí, concedeu tutela antecipada para garantir a imediata imissão de posse de um apartamento em benefício de comprador, cuja pretensão sofre impedimento da construtora sob argumento de inadimplência.

Ocorre, segundo os autos, que o consumidor, além de já ter efetuado o pagamento de parcela considerável do imóvel, sofreu ainda com o atraso na entrega do apartamento, teve de adiar casamento marcado e arcar com gastos de aluguel no período tanto que sua ação judicial busca também indenização por danos morais e materiais.

A magistrada, neste momento, analisou somente o direito de o demandante usufruir do apartamento e aplicou ao caso a teoria do adimplemento substancial. “O objetivo da teoria do adimplemento substancial é justamente garantir aos eventuais devedores a possibilidade de solverem suas dívidas quando já adimpliram a maior parte do valor contratado, sem que se lhes apliquem medidas mais gravosas, ficando resguardado ao credor o direito de buscar o pagamento do pequeno saldo por meio de ação de cobrança”, explicou Bedin.

O contrato entre as partes foi firmado no valor de R$ 127 mil, com o adiantamento de R$ 119 mil através de financiamento pelo programa Minha Casa, Minha Vida. A diferença está no centro da discussão. “É injusta a negativa do réu em entregar as chaves do imóvel ao autor, haja vista que (este) pagou quase 100% do seu valor”, anotou a juíza, que concedeu 48 horas para que a construtora entregue as chaves ao comprador, sob pena de multa diária de R$ 2 mil.

Autos n. 0302236-45.2016.8.24.0033

Fonte: IRIB  | 11/03/2016.

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TJGO: Bem de família não pode ser penhorado quando afronta a dignidade humana

A 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás negou ao Condomínio Edifício Ipanema a penhora da residência de idosos que deviam taxas de condomínio

Os integrantes da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) decidiram, por unanimidade, seguir o voto do relator, desembargador Kisleu Dias Maciel Filho (foto), e negar ao Condomínio Edifício Ipanema a penhora da residência de idosos que deviam taxas de condomínio.

O condomínio alegou que o princípio da dignidade humana não pode servir para a desconstituição da penhora do imóvel, além do fato de os demais condôminos terem de suportar os efeitos da inadimplência. Defendeu que as depesas condominiais são consideradas dívidas propter rem, não podendo ser oposta a exceção de impenhorabilidade e inalienabilidade, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

No entanto, o desembargador verificou que o Condomínio apresentou os mesmos argumentos já analisados em julgamento monocrática. Entendeu que nenhuma das questões apresentadas é capaz de comprometer os fundamentos da decisão. Votaram com o relator, as desembargadoras Elizabeth Maria da Silva e Nelma Branco Ferreira Perilo.

Julgamento Monocrático

Em sua decisão monocrática, Kisleu Dias indeferiu o pedido de penhora, explicando que a Lei nº 8.009/90 tem o objetivo de resguardar a entidade familiar, protegendo o devedor diante da possibilidade de despejo, uma vez que o princípio constitucional da moradia se sobrepõe a sujeição do patrimônio do devedor à execução de suas dívidas. “Assim sendo, não há como excepcionar a impenhorabilidade do bem de família sem se atentar para os princípios que regem o ordenamento jurídico e a função social inserta na Lei nº 8.009/90, que prioriza a dignidade humana quando confrontada com valores patrimoniais”, afirmou.

O magistrado observou, ainda, que os proprietários da residência são pessoas idosas, com sérios problemas de saúde. Portanto, a penhora afrontaria também o princípio da proteção do idoso, insculpido na Lei nº 10.741/03. Ademais, o imóvel possui um valor muito maior que a dívida, de R$ 14.560,94, violando o princípio da menor onerosidade do devedor.

Clique aqui e leia na íntegra a decisão.

Fonte: IRIB | 14/03/2016.

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