Processo 1102699-72.2025.8.26.0100
Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Silvana Fernandes – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências, para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: CLAUDIONOR DE MATOS (OAB 337234/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo nº: 1102699-72.2025.8.26.0100
Classe – Assunto Pedido de Providências – Registro de Imóveis
Requerente: 6º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Requerido: Silvana Fernandes
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de pedido de providências formulado pelo 6º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Silvana Fernandes, diante de negativa em se proceder à averbação de decisões proferidas nos autos do processo de inventário dos bens deixados por Reinaldo Fernandes (processo n. 1001143-09.2025.8.26.0009, da 2ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central da Capital), envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 184.537 daquela serventia.
O Oficial informa as decisões judiciais mencionadas consistem na nomeação da requerente, Silvana Fernandes, para o exercício da inventariança, bem como na autorização judicial para que esta possa prosseguir com a concretização da venda do imóvel objeto da matrícula; que o título foi devolvido, por meio de nota devolutiva, uma vez que o disposto no artigo 167, inciso II, item 12, da Lei n. 6.015/1973, prevê a averbação apenas de “decisões, recursos e seus efeitos, que tenham por objeto atos ou títulos registrados ou averbados”; que as judiciais teladas não possuem força constitutiva, modificativa ou extintiva de direito real, tampouco afetam ato ou título anteriormente registrado ou averbado e decorrem unicamente da tramitação do inventário do proprietário tabular, sem qualquer repercussão no conteúdo do fólio real; que as averbações, mesmo em rol exemplificativo, devem limitar-se às situações que impliquem alteração do registro ou que apresentem reflexos jurídicos relevantes nos direitos reais inscritos, o que não se verifica no presente caso (fls. 01/04).
Documentos vieram às fls. 05/34.
Em manifestação dirigida ao Oficial, a parte interessada aduziu que o entendimento adotado pela serventia extrajudicial não se coaduna com o disposto no artigo 167, inciso II, n. 12, da Lei n. 6.015/1973, que estabelece que a averbação no registro de imóveis pode incluir decisões, recursos e seus efeitos que tenham por objeto atos ou títulos registrados ou averbados; que se houver uma decisão judicial ou um recurso que afete um imóvel, essa decisão deve ser averbada na matrícula para que se mantenha a informação correta sobre o estado do bem; que no caso da decisão que deferiu o pedido de autorização para que a inventariante prossiga com a concretização do negócio de venda e compra do imóvel objeto da matrícula n. 184.537 do 6º RI, constou de forma expressa que a decisão servirá como alvará judicial, devendo ser cumprido (fls. 08).
Apesar de regularmente intimada, a suscitada não apresentou impugnação nos autos (fls. 35).
O Ministério Público ofertou parecer, opinando pela manutenção do óbice (fls. 40/41).
É o relatório. FUNDAMENTO e DECIDO.
De proêmio, cumpre ressaltar que o Oficial dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, o qual limita a atuação do Registrador apenas à prática dos atos registrários – matrícula, registro ou averbação – com expressa previsão legal, como também a autorizá-la somente se o ingresso do título estiver em consonância com os princípios registrais e normas do sistema jurídico.
Vale destacar, ainda, que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real. Em verdade, o título derivado de decisão judicial ou de sentença proferida por juiz togado também deve atender a requisitos formais próprios para que seja admitido como título hábil ao registro, sujeitando-se à qualificação.
Nesse sentido, o E. Conselho Superior da Magistratura já decidiu que qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Ap. Cível n. 413-6/7).
A mesma orientação foi seguida na Ap. Cível n. 464-6/9, de São José do Rio Preto:
“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.
Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao Oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.
No mérito, o pedido é procedente, para manter o óbice.
No caso concreto, a requerente pretende a averbação de decisões proferidas nos autos do processo de inventário dos bens deixados por Reinaldo Fernandes (processo n. 1001143-09.2025.8.26.0009, da 2ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central da Capital), nna matrícula n. 184.537 do 6º RI. As decisões que busca averbar consistem na nomeação da requerente, Silvana Fernandes, para o exercício da inventariança, bem como na autorização judicial para que esta possa prosseguir com a concretização da venda do imóvel objeto da matrícula.
A Lei de Registros Públicos trata dos títulos registráveis, principalmente, nos artigos 167 e 221 da Lei n. 6.015/73. A subsunção dos títulos à legalidade estrita, evidentemente, é de rigor.
Nesse sentido, os títulos são considerados sob dois diferentes aspectos:
(i) os títulos em sentido próprio estão elencados no artigo 167 da Lei 6.015/73, que cuida das causas ou fundamentos jurídicos, no sentido do direito material, de um direito ou obrigação passível de ingresso no fólio real (causa de aquisição, oneração, renúncia de direitos reais, dentre outras); (ii) os títulos em sentido impróprio estão previstos no artigo 221 da Lei n. 6.015/73, que trata do instrumento, em sentido formal, que exterioriza a causa ou fundamento do direito registrável (elencado no artigo 167 da Lei 6.015/73).[1]
O inciso II do artigo 167, da Lei de Registros Públicos, por sua vez, traz o rol exemplificativo dos atos passíveis de averbação no fólio real.
Enquanto o registro, em sentido estrito, de direitos e ônus reais sobre imóveis submete-se aos princípios da tipicidade e da legalidade, uma vez que restrito a rol taxativo (conforme tipos rígidos e exaurientes definidos em lei: artigo 167, inciso I, da LRP), os atos de averbação, por sua vez, são de natureza acessória e estão previstos em rol exemplificativo (“numerus apertus”), já que sempre disseram respeito a mutações relativas a direitos e fatos anteriormente inscritos.
Desta feita, existem duas formas de ingresso de títulos no fólio real, as quais cobrem situações jurídicas distintas, com finalidades próprias:
“Embora uma e outra cubram mutações jurídico-reais, a primeira destina-se a certas mutações e a segunda a outras diversas. A inscrição, nela absorvida a transcrição discrepante, cobre as aquisições e onerações de imóveis, que são os assentos importantes, ao passo que a averbação cobre as demais, que alteram por qualquer modo os principais. A nomenclatura binária condiz com a diferença entre a principalidade dos primeiros atos e a acessoriedade dos segundos.
Essa diferença, derivada da consideração recíproca dos atos, implica outra de natureza temporal, pois o que altera é necessariamente posterior ao alterado. Assim, pressupondo a inscrição, a averbação lhe é posterior, devendo consignar fatos subsequentes. A nova lei registral confirma esse conceito, visto como, após referência a casos expressos de averbação, a prevê para ‘as sub-rogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro’ (art. 246).
(…)
A averbação não muda nem a causa nem a natureza do título que deu origem à inscrição, não subverte o assento original, tão somente o subentende (…)” (CARVALHO, Afrânio. Registro de Imóveis. 4ª ed,, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1998, p. 117).
A registro do direito real e dos ônus reais sobre imóveis, assim como a averbação dos atos relativos à extinção, modificação, subrogação ou ocorrências que de alguma forma alteram o registro, submetem-se ao atendimento das normas e princípios que regem o registro imobiliário, pois disso decorre a presunção de que os direitos inscritos correspondem à realidade jurídica e que por esse motivo podem, mediante sua publicidade, se tornar oponíveis perante todos, ou seja, produzir efeitos erga omnes.
A averbação, como um assentamento acessório, confere publicidade à alteração do objeto da matrícula, seja em relação ao objeto ou aos direitos reais nela inscritos, seja em relação aos respectivos titulares, com vistas a proporcionar segurança jurídica à situação atual do imóvel. Assim dispõem os artigos 172 e 246 da Lei de Registros Públicos:
“Art. 172. No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, ‘inter vivos’ ou ‘mortis causa’ quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade.
“Art. 246. Além dos casos expressamente indicados no inciso II do caput do art. 167 desta Lei, serão averbadas na matrícula as sub- rogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro ou repercutam nos direitos relativos ao imóvel.”
Como fica evidente, na forma da lei, a averbação de ocorrências não previstas expressamente no rol exemplificativo do artigo 167, inciso II, da Lei n. 6.015/1973, somente é possível quando elas possam, por qualquer modo, alterar o registro ou repercutir nos direitos relativos ao imóvel, o que não se verifica na hipótese. Do artigo 172 acima transcrito, exsurge o princípio da efetividade dos atos que afasta do Registro de Imóveis os títulos e os atos (de averbação, principalmente) cujo registro não lhes acrescentaria qualquer efeito.
Importa observar, ainda, que, por se tratar o Direito Registral de ramo do Direito Público, a melhor interpretação do princípio da legalidade é aquela pela qual somente se podem admitir hipóteses de registro e de averbação autorizadas por lei.
A propósito do tema, decisão proferida pela E. Corregedoria Geral da Justiça, nos autos do processo CG n. 39.751/2015, em parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria Swarai Cervone de Oliveira, aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Des. Hamilton Elliot Akel (destaques nossos):
“Não é isso o que a recorrente deseja. Ela quer a averbação – não o registro – do bem de família legal ou involuntário, aquele previsto na Lei 8.009/90. Diz que não há vedação legal à sua pretensão. Olvidou-se a recorrente, contudo, de que o Registrador deve agir segundo o princípio da legalidade. O rol de direitos passíveis de inscrição no folio real é taxativo. Não fica a critério do interessado ou do Registrador escolher quais títulos ou direitos registrar ou averbar. Aqui, não vale a regra de que o que não é vedado por lei é permitido. Ao contrário, no direito registral, no que respeita aos atos de registro ou averbação, só são permitidos aqueles expressamente previstos por lei”.
Embora se admita certa flexibilização na hipótese de averbação, no caso concreto, a averbação na forma pretendida, junto ao fólio real, é inócua e não pode ser admitida.
Todavia, as decisões judicias apresentadas pela parte interessada, não trazem qualquer alteração do objeto da matrícula, seja em relação ao objeto ou aos direitos reais nela inscritos, seja em relação aos respectivos titulares, tratando-se de questões processuais internas que não geram nenhuma relação com os direitos pertinentes ao imóvel objeto da matrículas n. 184.537 do 6º Registro de Imóveis de São Paulo e, por isso mesmo, não se coaduna com o princípio da efetividade dos atos.
Como explica Narciso Orlandi:
“O fato de a relação do inciso II do art. 167 ser exemplificativa não implica a possibilidade de averbação de qualquer fato ou circunstância. Mesmo o tratamento aparentemente genérico dado às averbações no art. 246 não autoriza a transformação do Registro de Imóveis em Registro de Títulos e Documentos. Se não estiver prevista expressamente na lei, a averbação só terá lugar se atendido o princípio da efetividade: a averbação há de ser necessária para que o ato, decisão ou título produza algum efeito. Em princípio, se não tiver previsão legal e se não modificar um registro, não haverá lugar para a averbação.
Decididamente, a averbação não é sucedâneo de registro, embora pareça a alguns que o que não pode ser registrado pode ser averbado.” (Neto, 06/2024)Neto, Narciso Orlandi. (2024). Registro de Imóveis – 2ª Edição 2024, 2nd Edition. [[VitalSource Bookshelf version]]. Retrieved from vbk://9788530994631 <acesso em 25.08.2025>)
No mesmo sentido, destaco os seguintes precedentes do E. Conselho Superior da Magistratura e da C. Corregedoria Geral da Justiça (destaques nossos):
“(…) Seja como for, isto é, ainda que no inciso I do art. 167 da Lei de Registros Públicos se tenha um rol típico, e não taxativo, fato é que o título formal, de todo modo, tem de trazer negócio jurídico que leve à constituição de um direito real previsto em lei, o que não é o caso, visto que da cláusula “compromete-se a ceder a metade ou 50% (cinquenta por cento) de todos os benefícios decorrentes do imóvel, inclusive, mas não restritivamente, ao produto decorrente de desapropriação do citado imóvel, se e quando tal pagamento efetuado” (fls. 06) não se tira correspondência inequívoca com nenhuma das figuras previstas no art. 1.225 do Código Civil. Assim, não há sequer como cogitar da correspondência do que foi estipulado com nenhuma das hipóteses da Lei n. 6.015/1973, art. 167, I, e não pode ser deferido nenhum registro stricto sensu. Da mesma forma mencione-se ad argumentandum tantum não se pode tampouco cogitar de averbação, uma vez que da obscura cláusula não se pode depreender alguma ocorrência que, por qualquer modo, altere o registro ou repercuta nos direitos relativos ao imóvel (Lei dos Registros Públicos, arts. 167, II, 5, e art. 245, caput).” (TJSP; Apelação Cível 1000608-06.2022.8.26.0197; Relator: Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Francisco Morato – Vara do Juizado Especial Cível e Criminal; Data do Julgamento: 30/11/2023; Data de Registro: 05/12/2023).
“Registro de imóveis – As hipóteses de averbação, embora não estejam exaustivamente capituladas no artigo 167, II, da Lei de Registros Públicos, estão restritas a situações que efetivamente alterem o registro ou repercutam nos direitos inscritos Inviabilidade de averbação de uma imposição de obrigação de fazer ao futuro adquirente do imóvel – Ausente eficácia modificativa do registro com a prática do ato pretendido – Indeferimento do pedido – Recurso não provido.” (CGJSP – Recurso Administrativo: 1057614-05.2021.8.26.0100; Localidade: São Paulo; Data de Julgamento: 14/10/2022; Data DJ: 20/10/2022; Relator: Fernando Antônio Torres Garcia).
Portanto, mostra-se correto o óbice apontado pelo Oficial.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências, para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C.
São Paulo, 25 de agosto de 2025.
Renata Pinto Lima Zanetta
Juíza de Direito
Notas:
[1] BERTHE, Marcelo Martins. Títulos Judiciais e o Registro Imobiliário. In: Doutrinas Essenciais: Direito Registral, volume II, capítulo V. Ricardo Dip e Sérgio Jacomino (org.), Revista dos Tribunais, 2013.
Fonte: DJE/SP de 28.08.2025.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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