Artigo: Alienação Fiduciária de Imóvel: Garantia fomentadora do crédito amparada na eficiência dos Cartórios Extrajudiciais. – Por Rodrigo Esperança Borba

* Rodrigo Esperança Borba

A Lei n. 9.514/97 está inserida no contexto de desjudicialização que vem soltando as amarras da burocracia que sempre incomodaram os brasileiros.

Antes da alienação fiduciária de imóveis, quem quisesse tentar obter crédito para abrir novos negócios tinha muito mais dificuldades, pois a garantia que normalmente dava para o banco era a hipoteca.

O problema é que, em caso de inadimplemento, a hipoteca apenas garante o direito de a penhora em execução judicial recair sobre o imóvel. Isto é, o credor tem que ajuizar uma ação judicial de execução, onde há citação, oportunidade de impugnação e embargos por parte de devedor, depois, se tudo der certo, penhora do imóvel, e, após, leilão, arrematação, expedição de carta de arrematação, para finalmente levar ao cartório de Registro de Imóveis e registrar a carta e ter a disponibilidade do imóvel.

Isso, conhecendo-se o nosso Judiciário, sabemos que dura anos. Então este custo e tempo que fatalmente seriam despendidos pelo banco inflava os seus custos contratuais e de seus juros. A dificuldade de aprovação de concessão de crédito era inclusive maior, pois nenhum credor em sã consciência gostaria de ter que passar por todos os dissabores da espera do fim de um processo judicial.

E foi aí que, em 1997, com a Lei n. 9.514, criou-se no Brasil mais um instituto que serve para o credor ter imóveis do devedor afetados à garantia de seu crédito: a alienação fiduciária de imóvel (à semelhança do que já se via há muito tempo com veículos, nos termos do Decreto n. 911 de 1969).

Este instituto “deu um banho” de agilidade na hipoteca e acabou se transformando na ”queridinha” dos bancos, sendo todo o seu procedimento levado a efeito no cartório de Registro de Imóveis.

A partir de então, o imóvel é desde logo alienado ao credor. Alienado “fiduciariamente”, isto é, em confiança para garantir um crédito. Com o registro da alienação fiduciária o devedor virará desde logo dono do imóvel. Mas dividirá esta propriedade com o credor até a quitação da dívida. Quando quitar a dívida, basta levar o termo de quitação assinado pelo credor ao cartório de Registro de Imóveis e pronto: será proprietário pleno do imóvel.

Como se percebe, a grande diferença em relação à hipoteca é a de que o credor já é também proprietário do imóvel. Mas essa propriedade do credor só se consolidará plenamente em suas mãos se o devedor não pagar a dívida.

Como o Direito encara isso: ocorre o que se denomina de “propriedade resolúvel” para o banco. Isso significa que satisfeita uma condição (pagamento da dívida), a propriedade do banco “se resolve” e fica tudo com o devedor. Há, pois, um desdobramento da posse entre o devedor e o credor. O imóvel passa a estar afetado à função de garantir o credor.

Este desdobramento da posse terminará com um desses dois finais:

1 – o devedor paga tudo, pega o termo de quitação e averba no cartório de Registro de Imóveis e todos terminam “felizes para sempre”. Caso pague após a intimação, tudo continua como dantes; ou

2 – o devedor acaba desapontando o credor e não paga o devido, e a propriedade se consolida em nome do credor. O credor, então, leiloa o imóvel, pega o valor da dívida e repassa o que sobrar para o devedor.

Como se dá o final no qual há inadimplência do devedor?

Caso o devedor não pague a sua dívida, será adotado o seguinte procedimento, bastante célere: o credor requer ao cartório de Registro de Imóveis que intime o devedor a pagar em 15 dias. Se pagar, tudo volta ao normal e segue-se o cumprimento do contrato. Caso não pago, opera-se a consolidação da propriedade em nome do credor, o que é feito por uma averbação na matrícula do imóvel. Após, o credor leva o imóvel a leilão. Com o dinheiro recebido, paga-se a dívida e, caso ainda sobre algum valor, esse é repassado ao devedor. Isso está nos arts. 26 e 27 da Lei n. 9.514/97.

E se o cartório não encontrar o devedor para intimar?

Há casos em que o devedor não é encontrado no endereço que forneceu ao credor no momento da contratação. É seu ônus o de mantê-lo atualizado perante o credor.

Assim, caso o devedor não seja encontrado no endereço informado, após três tentativas consecutivas, basta o cartório certificar isso e, então publicar edital. Passado o prazo para pagamento, sem que esse tenha ocorrido, consolida-se a propriedade ao credor e “segue o jogo”.

O art. 26, § 4º, da Lei n. 9.514/97 aduz que caso o devedor esteja “em local ignorado, incerto ou inacessível”, deve ser feita a intimação por edital.

A legalidade da expedição de edital após a não localização do devedor não gera maiores polêmicas, sendo inclusive entendimento já sedimentado no STJ, o qual é o Tribunal responsável pela correta aplicação e uniformização da legislação federal (AgRg no AREsp n. 232.769, AgRg no REsp n. 1.051.064, AgRg no AREsp n. 543.904, etc).

Veja-se, por exemplo, a ementa deste último julgado citado, publicado em fins do ano de 2014:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. LEI N. 9.514/97. INTIMAÇÃO PESSOAL. PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL DE CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. INTIMAÇÃO POR EDITAL. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 7/STJ. RECURSO DESPROVIDO.

  1. Nos procedimentos extrajudiciais de consolidação da propriedade, intentada a intimação pessoal por três vezes consecutivas e frustradas ante a ausência do mutuário, justifica-se, posteriormente, a intimação por edital, nos termos do art. 26, § 4º, da Lei n. 9.514/97.
  2. Aplica-se a Súmula n. 7 do STJ na hipótese em que o acolhimento da tese defendida no recurso especial reclama a análise dos elementos probatórios produzidos ao longo da demanda.
  3. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp 543.904/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/11/2014, DJe 28/11/2014).

De fato, não poderia um procedimento tão importante ao desenvolvimento do setor habitacional do país ficar a mercê de atuações postergatórias do devedor. O cumprimento dos contratos é baliza fundamental para o desenvolvimento negocial de qualquer sociedade.

E deve-se lembrar que os oficiais de registro detém fé pública, o que significa que se, por exemplo, o devedor se recuse a assinar a intimação, basta certificar isso e continuar o procedimento.

Tendo em vista a fé pública do oficial de registro público, os magistrados que atuam em processos em que devedores questionam o procedimento da Lei n. 9.514/97 devem decidir sempre partindo da premissa de que o devedor tem o ônus da prova para desconstruir a presunção de veracidade e legalidade dos atos do cartório, sob pena de contribuir para a judicialização de descontentamentos infundados, em prejuízo de todo o sistema facilitador de concessão de crédito que cerca tal instituto.

* O Autor, Rodrigo Esperança Borba é Oficial registrador do 4º. Registro de Imóveis de Goiânia/Go (www.4registro.com.br). Ex-oficial registrador no Mato Grosso do Sul. Ex- juiz federal substituto. Ex- Delegado de Polícia Federal.

Fonte: Site 4Registro.

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Artigo: Testamento – lavratura por substituto – Por Eduardo P. Ribeiro de Souza

* Por Eduardo P. Ribeiro de Souza

A questão da lavratura dos testamentos pelos substitutos continua gerando muitas controvérsias. Tais controvérsias precisam ser eliminadas, para que se atinja a indispensável segurança jurídica que deve emanar dos atos praticados nos tabelionatos.

O § 4º do art. 20 da Lei 8.935/94 reza que o substituto pode praticar todos os atos próprios do tabelião “exceto… lavrar testamentos”. Contudo, o Código Civil de 2.002 revogou a disposição em apreço, ao estabelecer no inciso I do art. 1.864, como requisito essencial do testamento público, ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal.

Desde então, interpretações diversas do referido dispositivo do Código Civil fizeram com que a aplicação do mesmo tivesse seu alcance diminuído. O testamento pode ser lavrado no local que desejar o testador, mas o seu cumprimento pode se dar em unidade da federação diversa daquela em que foi lavrado. E se no local onde tiver que ser cumprido a interpretação do dispositivo legal em comento for diferente do local da lavratura do testamento? Poderá o Poder Judiciário entender que o testamento é nulo ou ineficaz, e estaremos diante de um problema insolúvel, pois o testador já terá falecido. Diante desse quadro, a interpretação da regra legal em apreço acaba sendo bastante restritiva, para que se evitem prejuízos ao testador e aos beneficiários das disposições testamentárias.

Abordei sucintamente o tema no livro que publiquei[1]: “a Lei 8.935/94 não utilizou a expressão ‘substituto legal’, referindo-se apenas a ‘substituto’. Dentre os escreventes, o titular escolherá os substitutos, ‘quantos forem necessários, a critério de cada notário ou oficial de registro’(art. 20, caput, e § 1º). Todos os substitutos, pois, escolhidos pelo delegatário na forma da lei, são substitutos legais, não se podendo distinguir onde a lei não distingue. Não obstante, no Estado do Rio de Janeiro, a Corregedoria Geral da Justiça[2] tem admitido a lavratura de testamentos apenas pelo substituto ‘designado pelo notário ou oficial de registro para responder pelo respectivo serviço nas ausências e nos impedimentos do titular’, substituto esse escolhido dentre os substitutos em obediência ao disposto no § 5º do art. 20 da Lei 8.935/94. Entendeu a Corregedoria que o referido § 5º prevê a figura do substituto legal, e que não ocorreu revogação do § 4º, ‘portanto, apenas o escrevente substituto designado para responder pelo serviço nas ausências e impedimentos do Tabelião, está apto a lavrar testamentos nos Ofícios de Notas, não se estendendo a autorização legal a todos os escreventes substitutos, na forma do art. 20, § 4º da Lei 8.935/94’”.

As divergências ora apontadas voltam nossa atenção para um velho problema: não dispomos de um Código do Notariado, de aplicação em todo o território nacional. A falta de regulamentação em escala nacional faz surgirem normas administrativas nas unidades da federação, muitas vezes conflitantes e que acabam por gerar insegurança jurídica. Urge que tenhamos essa regulamentação, para que sejam solucionadas questões como a ora ventilada.


[1] SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza. Noções Fundamentais de Direito Registral e Notarial. São Paulo: Saraiva, 2.011.
[2] Processo 2005-013549, decisão publicada em 17/09/2.007, Diário Oficial, Poder Judiciário, Seção I, Estadual, e arts. 214, §2º, e 258 da Consolidação Normativa. Leonardo Brandelli (Teoria Geral do Direito Notarial, 2ª edição, São Paulo, Saraiva, 2.007 – pág. 318) defende posição idêntica à da Corregedoria Geral da Justiça fluminense. Já Zeno Veloso (Novo Código Civil Comentado, coordenação de Ricardo Fiúza, São Paulo, Saraiva, 2.003 – págs. 1.686/1.687) sustenta a revogação de parte do § 4º do art. 20, admitindo a lavratura do testamento pelos substitutos do tabelião.
Fonte: Notariado | 29/06/2015.

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Artigo: Aquisição de veículos por menor ou incapaz: questões civis e tributárias – Por Letícia Franco Maculan Assumpção

*Letícia Franco Maculan Assumpção

Questão recorrente nos tabelionatos de notas é a possibilidade ou não de incapazes adquirirem veículos. O problema, aparentemente simples, envolve no entanto, tanto o direito civil quanto o direito tributário e merece análise mais detida.

Estabelece o Código Civil Brasileiro, art. 1.691:

Art. 1.691. Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz.

Logo, de acordo com o Código Civil, os pais não podem contrair em nome de seus filhos obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, havendo necessidade de autorização judicial nos demais casos.

Nos termos do Código de Normas do Estado de Minas Gerais, Provimento nº 260/CGJ/MG, art. 276:

Art. 276. O reconhecimento de firma de autoria de menor entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos, quando cabível, depende de assistência, no ato respectivo, de ambos os pais, ou de um deles, sendo o outro falecido ou declarado ausente, ou ainda do tutor, devendo também o cartão de autógrafos ser assinado pelos representantes legais do menor. (sem grifos no original)

O Código de Normas do Estado de Minas Gerais não está em conflito com a lei civil, expressamente constando que o reconhecimento de firma de autoria do menor, quando cabível, depende de assistência no ato respectivo, de ambos os pais. Deve, pois, ser verificado pelo tabelião se o reconhecimento de firma é cabível ou não.
A aquisição de veículo em nome do menor ou incapaz não é ato de simples administração e por vezes não tem em vista o melhor interesse do menor ou incapaz. Na praxe do Cartório do Barreiro, ao indagar o motivo para pôr o veículo em nome do menor, muitas vezes a justificativa é: para fugir das consequências das infrações de trânsito! Há, portanto, um interesse escuso por trás da prática! Nesse aspecto, é importante lembrar que, no notariado do tipo latino, incide o princípio da juridicidade, de modo que é obrigação do tabelião orientar as partes sobre a licitude dos atos, não praticando atos inexistentes ou nulos: é a polícia jurídica notarial. Deve o tabelião também zelar pela real manifestação de vontade, protegendo o hipossuficiente.
Não se pode ignorar que a aquisição de um veículo não é investimento, é custo, gera dívidas e obrigações, como pagamento do IPVA, por exemplo. Portanto, mesmo se o menor tem recursos, o genitor não pode, sem autorização judicial, utilizar esses recursos para adquirir um veículo, que desvaloriza, estando o negócio, de qualquer forma, além da “mera administração”.
Sobre os atos de mera administração, o Superior Tribunal de Justiça já esclareceu o que são, limitando-os, como se pode observar das ementas abaixo reproduzidas, com grifos nossos:

Processo
AgRg no Ag 1065953 / SP – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO2008/0138082-5
Relator(a)
Ministro SIDNEI BENETI (1137)
Órgão Julgador
T3 – TERCEIRA TURMA
Data do Julgamento
07/10/2008
Data da Publicação/Fonte
DJe 28/10/2008
Ementa

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – FAMÍLIA – PODER FAMILIAR – ADMINISTRAÇÃO DE BENS DE FILHO – CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS – HONORÁRIOS FIXADOS EM 30% DO VALOR TOTAL DA CAUSA – NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO JUDICIAL – SERVIÇO QUE BENEFICIOU MAIS O GENITOR DO QUE A PRÓPRIA MENOR, EM NOME DE QUEM O PATROCÍNIO FOI CONTRATADO.

I – O Código Civil, apesar de outorgar aos pais amplos poderes de administração sobre os bens dos filhos,não autoriza a realização de atos que extrapolem a simples gerência e conservação do patrimônio do representado.

II – Se o representante legal assume, sem prévia autorização judicial, contrato de prestação de serviços advocatícios em nome da filha, sendo o valor fixado dos honorários desproporcional (30% do valor total da causa), com o conseqüente comprometimento do patrimônio da representada, deve avocar para si a obrigação, ainda mais se considerado que, no caso concreto, os advogados contratados prestaram mais serviços ao representante do que à representada. Agravo regimental improvido.

Processo
REsp 439545 / SP – RECURSO ESPECIAL 2002/0064686-4
Relator(a)
Ministro JORGE SCARTEZZINI (1113)
Órgão Julgador
T4 – QUARTA TURMA
Data do Julgamento
03/08/2004
Data da Publicação/Fonte
DJ 06/09/2004 p. 261
Ementa

CIVIL – RECURSO ESPECIAL – INVENTÁRIO – MENORES – DEPÓSITO JUDICIAL – PÁTRIO PODER MATERNO – LEVANTAMENTO DA TOTALIDADE DOS BENS – ADMINISTRAÇÃO DOS PAIS – LIMITAÇÃO DE GASTOS – PROTEÇÃO DOS BENS – DISSÍDIO PRETORIANO COMPROVADO, PORÉM, INEXISTENTE.

1 – Divergência jurisprudencial comprovada, nos termos do art. 255 e parágrafos do RISTJ. Prequestionamento demonstrado. Conhecimento pelas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional.

2 – O pátrio poder deve ser exercido no proveito, interesse e proteção dos filhos menores. Todavia, a atuação dos pais no desempenho desse munus, não é irrestrita, além de não poderem alienar bens imóveis sem autorização judicial, também dispõe o artigo não caber aos genitores contrair obrigações que acarretem diminuição do patrimônio gerido, a menos sob hipótese de extremada necessidade da prole. Inteligência dos arts. 385 e 386, ambos do CC/1916.

3 – No caso vertente, o Tribunal a quo corretamente manteve o dinheiro herdado pelos menores em conta  judicial, garantindo, no entanto, o atendimento das necessidades da prole, mediante autorização para levantamento dos frutos e possibilidade de efetuar-se saque da quantia de R$3.000,00, a ser renovado periodicamente, aprovadas as contas a serem apresentadas pela genitora. Restou deferida, inclusive, a hipótese de se abaterem montantes maiores, desde que demonstrada a chance de emprego em investimentos de rentabilidade melhor.

4 – Precedente (REsp nº 292.974/SP).

5 – Recurso conhecido, por ambas as alíneas, porém desprovido.

Processo
REsp 292974 / SP RECURSO ESPECIAL 2000/0133409-3
Relator(a)
Ministra NANCY ANDRIGHI (1118)
Órgão Julgador
T3 – TERCEIRA TURMA
Data do Julgamento
29/05/2001
Data da Publicação/Fonte
DJ 25/06/2001 p. 173

JBCC vol. 192 p. 453

LEXSTJ vol. 147 p. 229

REVFOR vol. 365 p. 222

RJADCOAS vol. 24 p. 96

RSTJ vol. 146 p. 306

Ementa

Recurso Especial. Indenização por danos materiais e morais. Transação extrajudicial celebrada pelo pai, em nome dos filhos menores. Recebimento de direitos indenizatórios por atos ilícitos relativos. Quitação geral. Pátrio poder. Poderes de administração dos bens dos filhos. Ato que extrapola a simples gerência e conservação do patrimônio dos menores. Autorização judicial. Imprescindibilidade. Intervenção do Ministério Público. Obrigatoriedade. Art. 82, II, do CPC.

– O Código Civil outorga aos pais amplos poderes de administração sobre os bens dos filhos, mas estes não abrangem os atos que extrapolem a simples gerência e conservação do patrimônio do menor.Não podem, assim, praticar atos de disposição, a não ser nos casos especiais mencionados no art. 386 do CC, mediante as formalidades legais exigidas.

A transação, por ser negócio jurídico bilateral, que implica concessões recíprocas, não constitui ato de mera administração a autorizar o pai a praticá-la em nome dos filhos menores independentemente de autorização judicial. Realizada nestes moldes não pode a transação ser considerada válida, nem eficaz a quitação geral oferecida, ainda que pelo recebimento de direitos indenizatórios oriundos de atos ilícitos.

– O Ministério Público atua para proteger interesses indisponíveis.  No rol destes estão os relacionados à patria potestas. É de interesse do Estado assegurar a proteção da relação que envolve pais e filhos. Neste diapasão, quaisquer questões relativas aos direitos de ordem patrimonial dos filhos, assim como, aqueles que concernem ao usufruto e administração pelos pais sobre seus bens, transcendem a órbita do direito privado e justificam a atuação do Ministério Público na causa concernente, com arrimo art. 82, inciso II, do CPC.

– Com vistas a impedir atos fraudulentos ou o propiciar de perdas desvantajosas para o menor, competirá ao Ministério Público, nestes casos, coadjuvar seu representante na defesa dos interesses que estão afetos ao incapaz, bem como, fiscalizar os negócios por ele praticados que impliquem vedada disposição de bens. Tal participação é obrigatória, sob pena de nulidade.

– Recurso especial a que se nega provimento.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, não conhecer do recurso especial. Os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro, Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Assim, não é cabível, sem autorização judicial expressa, a aquisição de veículo por incapaz, mesmo que representado por ambos os pais.
Outro aspecto relevante da questão é o tributário. A legislação mineira relativa ao ITCD exige o pagamento do imposto no caso de doação, inclusive de bens móveis ou dos valores para sua aquisição, havendo presunção de incidência no caso de pessoa sem capacidade financeira, inclusive absoluta ou relativamente incapaz, praticar atos de aquisição:
Decreto Estadual de Minas Gerais nº 43.981/2005
Art. 2º O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCD incide sobre a doação ou sobre a transmissão por ocorrência do óbito, de:
II – bens móveis, inclusive semoventes, direitos, títulos e créditos, e direitos a eles relativos, quando:
a) o doador tiver domicílio no Estado;
b) o doador não tiver residência ou domicílio no País e o donatário for domiciliado no Estado;
[…]
§ 2º Para os efeitos deste artigo, considera-se doação o ato ou fato em que o doador, por liberalidade, transmite bem, vantagem ou direito de seu patrimônio ao donatário, que o aceita expressa, tácita ou presumidamente, ainda que a doação seja efetuada com encargo ou ônus.
§ 3º Consideram-se também doação de bem ou direito os seguintes atos inter vivos praticados em favor de pessoa sem capacidade financeira, inclusive quando se tratar de pessoa absoluta ou relativamente incapaz para o exercício de atos da vida civil:
I – transmissão da propriedade plena ou da nua propriedade;
II – instituição onerosa de usufruto.  (sem grifos ou negrito no original)

Assim, para que alguém sem capacidade financeira adquira um veículo, há que ser recolhido o ITCD previamente. O tabelião não é responsável por esse tributo, pois a transferência da propriedade de bens móveis se dá pela tradição, o reconhecimento de firma é apenas uma formalidade exigida pelo DETRAN, mas é importante orientar os interessados sobre a regularidade do pagamento do imposto, até mesmo para evitar futuras multas.
Por fim, há uma questão específica e que demanda análise em separado, que é a aquisição de veículo por pessoa com deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autista, sem capacidade financeira, na hipótese em que o doador seja parente em primeiro grau em linha reta ou em segundo grau em linha colateral, cônjuge ou companheiro em união estável ou representante legal do donatário. A legislação mineira concede isenção do ITCD e também do ICMS nessa hipótese, mediante processo administrativo apresentado à Secretaria do Estado da Fazenda.
Tendo em vista o reconhecimento pelo Estado do atendimento ao melhor interesse do menor, mediante o deferimento da isenção tributária para fins de ICMS e ITCD, pode-se entender desnecessária a autorização judicial prévia para que haja a aquisição, pois flagrante o benefício do menor.
Lei Estadual de Minas Gerais nº 14.941/2003, art. 3º, II, f
Art. 3º Fica isenta do imposto:
I – a transmissão causa mortis de:
[…]
II – a transmissão por doação:
[…]
f) dos recursos necessários à aquisição de veículo por pessoa com deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autista, sem capacidade financeira, ao abrigo da isenção do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS -, na hipótese em que o doador seja parente em primeiro grau em linha reta ou em segundo grau em linha colateral, cônjuge ou companheiro em união estável ou representante legal do donatário;
Decreto Estadual de Minas Gerais nº 43.981/2005, art. 4º; art. 6º, II, f, c/c art. 7º, § 1º
Art. 4º O ITCD não incide sobre a transmissão causa mortis ou por doação em que figure como sucessor, beneficiário ou donatário:
I – a União, o Estado ou o Município;
[…]
Art. 6º É isenta do ITCD:
[…]
II – a transmissão por doação:
[…]
f) dos recursos necessários à aquisição de veículo por pessoa com deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autista, sem capacidade financeira, ao abrigo da isenção do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS -, na hipótese em que o doador seja parente em primeiro grau em linha reta ou em segundo grau em linha colateral, cônjuge ou companheiro em união estável ou representante legal do donatário.
[…]
Art. 7º As hipóteses de não-incidência e de isenção do ITCD previstas neste regulamento serão reconhecidas pela repartição fazendária competente nos termos do art. 16 e homologadas pela autoridade fiscal.
§1º Na hipótese em que figure como herdeira, legatária ou donatária pessoa indicada no inciso I do caput do art. 4º, a imunidade do ITCD será reconhecida pelo responsável pela lavratura do ato que formalizar a transmissão.

Em conclusão:
1- a aquisição de veículo em nome de menor ou incapaz pelos seus genitores não é ato de simples administração e deve ser analisado pelo tabelião se tem em vista o melhor interesse do incapaz;
2- em regra, aquisição ou alienação de veículo por menor ou incapaz só é cabível com autorização judicial, não sendo suficiente a representação ou assistência de ambos os pais para o ato;
3- incide ITCD sobre a doação de recursos para aquisição de veículo por pessoa sem capacidade financeira, não sendo o tabelião responsável tributário, já que o reconhecimento de firma não transfere a propriedade, o que ocorre com a tradição do bem, mas é importante que o tabelião informe a incidência do ITCD aos interessados, inclusive para que tais interessados não sejam penalizados com multas;
4- nos casos de aquisição de veículo por pessoa menor ou incapaz com deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autista, sem capacidade financeira, na hipótese em que o doador seja parente em primeiro grau em linha reta ou em segundo grau em linha colateral, cônjuge ou companheiro em união estável ou representante legal do donatário, com deferimento de isenção pelo Estado do ITCD e do ICMS, é possível entender-se dispensável a autorização judicial, tendo em vista o flagrante benefício do menor ou incapaz.

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* Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991), pós-graduada e mestre em Direito Público. Foi Procuradora do Município de Belo Horizonte e Procuradora da Fazenda Nacional. Aprovada em concurso, desde 1º de agosto de 2007 é Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. É professora da pós-graduação da Faculdade Milton Campos e autora de diversos artigos na área de Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Civil e Direito Notarial, publicados em revistas jurídicas, e do livro Função Notarial e de Registro. É Presidente do Colégio do Registro Civil de Minas Gerais e Diretora do CNB/MG.

Fonte: Notariado | 26/06/2015.

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