Artigo – Uniões es(ins)critas – Por Jones Figueirêdo Alves

* JONES FIGUEIRÊDO ALVES

Os pares convivenciais que vivem em união livre consolidam a união de fato, quando esta resulta configurada na convivência pública, contínua e duradoura, e estabelecida com o objetivo de constituir família.

A união existente, informal e não solene, ao tempo que consolidada pelos seus caracteres de publicidade, estabilidade e o ânimo afetivo da formação familiar, torna-se, então, uma entidade familiar constitucionalizada. Assim dispõe a Constituição Federal de 1988: "Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento". (art. 226, parágrafo 3º).

Avulta, daí, a necessidade de serem regulamentadas as atividades referentes ao registro da união estável junto ao Cartório de Registro de Pessoas Naturais e aos Registros Imobiliários, a fim de uniformizar procedimentos e garantir segurança jurídica da entidade familiar, tanto aos casais formados por homem e mulher (artigo 1.723 do Código Civil), como aos formados por duas pessoas do mesmo sexo (julgados do STF, com eficácia "erga omnes" e efeito vinculante, nos autos da ADI nº 4.277-DF e da ADPF nº 123-RJ).

Neste sentido é, agora, editado o Provimento nº 10/2014, da Corregedoria Geral da Justiça de Pernambuco (de nossa iniciativa, enquanto Corregedor Geral de Justiça, em exercício), de 03.09.14 e publicado em DJPe., de 08.09.14.

Certo que faculta-se aos conviventes, plenamente capazes, lavrarem escritura pública declaratória de união estável, observado o disposto nos artigos 1.723 a 1.727 do Código Civil, o Provimento cuida de disciplinar o procedimento da lavratura do referido instrumento publico perante o Serviço de Notas, bem como o seu registro junto ao cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais e ao Registro de Imóveis competente, no tocante ao patrimônio imobiliário existente.

É certo que na aludida escritura, as partes conviventes poderão deliberar de forma clara sobre as relações patrimoniais, nos termos do art. 1.725 do Código Civil, inclusive sobre a existência de bens comuns e de bens particulares de cada um, descrevendo-os de forma detalhada, com indicação da matrícula e registro imobiliário (art. 6º, Provimento 10/2014). Em hipótese, quando for adotado o regime de bens diverso da comunhão parcial, deverá ser esclarecido que esse novo regime só terá eficácia a partir da Escritura Pública que alterou o regime patrimonial (parágrafo 1º, art. 6º, Prov. 10/2014).

No ponto, o Provimento elucida, ainda, questão de relevo, a saber que o regime da separação obrigatória de bens somente terá lugar quando na data do termo inicial da existência da união estável, um ou ambos os conviventes já contem com mais de setenta anos, ou seja, as uniões estáveis preexistentes que reúnam pessoas não septuagenárias, mesmo que declaradas, ao depois dos setenta nos, receberão o regime patrimonial de bens da comunhão parcial (artigo 1.725)  ou outro regime elegível pelos conviventes.

O normativo também indica de o Tabelião de Notas dever fazer constar no traslado a ser entregue aos conviventes declarantes, uma nota de advertência quanto à necessidade se promover o registro da Escritura Pública de União Estável no Oficio do Registro Imobiliário competente, onde se situam os imóveis em comum dos conviventes (artigo 6º, parágrafo 5º).

É que mais das vezes, a falta de tal providência, tende a permitir que um dos conviventes possa, por interesse próprio, alienar um imóvel comum, sem conhecimento da(o) companheira(o), induzida(o) a acreditar que somente a escritura da união estável protegerá o patrimônio que igualmente lhe pertença.

O novo Provimento também cuida estabelecer que a escritura pública poderá ser averbada, pelo empresário ou empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, com o respectivo regime de bens, após o registro no Livro "E" perante o Registro Civil das Pessoas Naturais (artigo 6º, parágrafo 4º), bem como no serviço do registro de títulos e documentos do domicilio dos conviventes, nos termos do artigo 127, inciso VII, da Lei 6.015/1973 .

Mas não é só. O Provimento oferece novas latitudes de garantia da união estável, em segurança de seus direitos. Sublinham-se, com efeito: (i) quando da escritura pública de compra e venda de imóvel, por pessoa solteira, o Notário/oficial deverá colher declaração de que o alienante e/ou o adquirente não convive(m) em união estável com outrem, fazendo constar referida informação no corpo da escritura (art. 15, Prov. nº 10/2014); (ii) qualquer dos conviventes, querendo, poderá acrescentar ao seu, o sobrenome do outro, na forma do artigo 1.565, parágrafo 1º, do Código Civil (art. 6º, parágrafo 3º, Prov. nº 10/2014).

Na forma do Provimento nº 37 do Conselho Nacional de Nacional, torna-se vedado que pessoa casada, em se achando separada de fato, possa reconhecer a união estável existente durante a separação conjugal, ficando, por segurança jurídica a matéria reservada à decisão judicial.

Finalmente, em admissão de direitos, o Provimento contempla que servidores do Poder Judiciário que venham escriturar e inscrever a união estável, terão direito a licenças de gala e de nojo, por reconhecimento equivalente às núpcias ou por óbito do convivente.

Em menos palavras, a escrita e a inscrição da união estável servem a dignificar a entidade familiar, como forma que consagra a família existente nesse modelo.

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* O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).

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A linha do tempo da exigibilidade das certidões negativas de débito relativas às contribuições destinadas à manutenção da seguridade social – Por Antonio Herance Filho

* Antonio Herance Filho

Bons ventos sopram na direção do fim da exigibilidade das certidões negativas de débito relativas às contribuições destinadas à manutenção da seguridade social, mas é bom ressaltar, desde logo, que o artigo 47 da Lei nº 8.212/91, apesar de tudo e da grande vontade de todos de que não tivesse existido, está em vigor.

Há muito que a comprovação da inexistência de débitos, relativos às contribuições destinadas à manutenção da seguridade social, tem representado importante entrave para os atos de alienação e de oneração de imóveis ou de direitos a eles relativos, entre outras hipóteses de exigibilidade.

Além de estorvo aos participantes das operações imobiliárias, também tabeliães de notas e oficiais de registro experimentam dificuldades que decorrem dessa legislação árida e com feições, flagrantemente, inconstitucionais.

Para explicar nosso posicionamento, que é no sentido de que as certidões referidas no art. 47 da Lei nº 8.212/91 seguem exigíveis com fulcro exatamente nesse dispositivo, exceto nas hipóteses da alínea “d”, de seu inciso I, estampamos na tabela, abaixo, a linha do tempo do tema aqui examinado.

DATA

EVENTO

26.08.1960 É editada a Lei nº 3.807/60, que dispunha sobre a Lei Orgânica da Previdência Social e que no artigo 141 tratava da emissão, entre outros documentos, do Certificado de Regularidade de Situação e Certificado de Quitação, constituindo-se, este último, condição para que o contribuinte pudesse praticar determinados atos, enumerados no dispositivo referido, e que envolviam, também, os registros públicos.
22.12.1988 É editada a Lei nº 7.711/88, que em seu artigo 1º, incisos III e IV, tratava da exigibilidade da comprovação da quitação de créditos tributários nos casos de: (i) registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social; e (ii) registro em TD ou RI de contratos cujo valor superasse o limite então fixado.
27.04.1990 É publicada a decisão Liminar na ACÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE nº 173-6, suspendendo os efeitos do artigo 1º da Lei nº 7.711/88 e do Decreto-Lei nº 97.834/89 (Decreto regulamentar).
24.07.1991 É editada a Lei nº 8.212/91, que dispõe sobre a organização da Seguridade Social e institui Plano de Custeio (vide artigos 47 e 48, que estão em vigor e que produziram seus efeitos inclusive no período de vigência da liminar concedida na ADI nº 173).
12.05.1999 É editado o Decreto nº 3.048/99, que aprova o Regulamento da Previdência Social e dá outras providências (vide artigos 257 e seguintes, revogados pelo Decreto nº 8.302, de 04.09.2014, mas que produzem efeitos até 20.10.2014).
14.12.2006 É editada a Lei Complementar nº 123/06, que institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, entre outras providências. Esse Diploma recebe suas últimas alterações por ocasião da edição da Lei Complementar nº 147/14.
02.05.2007 É editadoo Decreto nº 6.106/07, que dispunha sobre a prova de regularidade fiscal perante a Fazenda Nacional, criava as certidões “específica” e “conjunta” e revogava o Decreto nº 5.586/05 (O Decreto nº 6.106/07 foi revogado pelo Decreto nº 8.302, de 04.09.2014, mas suas normas produzem efeitos até 20.10.2014).
03.12.2007 É editada a Lei nº 11.598/07, que estabelece as diretrizes e os procedimentos para a simplificação e integração do processo de registro e legalização de empresários e de pessoas jurídicas e cria a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios – REDESIM, entre outras providências.Em seu artigo 7-A (inserido pela Lei Complementar nº 147/14), referido Diploma estabelece o fim da exigibilidade de comprovação de inexistência de débitos no registro dos atos constitutivos, de suas alterações e extinções (baixas), referentes a empresários e pessoas jurídicas em qualquer órgão dos 3 (três) âmbitos de governo. Os atos praticados pelo Registro Civil das Pessoas Jurídicas independem, então, da apresentação de certidões negativas.
20.03.2009 É declarada a inconstitucionalidade do artigo 1º, incisos I, III e IV, e §§ 1º, 2º e 3º da Lei nº 7.711/88 pelas ADI nº 173-6 e ADI nº394-1.
27.06.2012 Estado de São Paulo – Arguição de Inconstitucionalidade n° 0139256-75.2011.8.26.0000 “ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 8.212/91, ART. 47, ALÍNEA "D". EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO DA EMPRESA NO REGISTRO OU ARQUIVAMENTO, NO ÓRGÃO PRÓPRIO, DE ATO RELATIVO A EXTINÇÃO DE SOCIEDADE COMERCIAL. OFENSA AO DIREITO AO EXERCÍCIO DE ATIVIDADES ECONÔMICAS E PROFISSIONAIS LÍCITAS (CF, ART. 170, PARÁGRAFO ÚNICO), SUBSTANTIVE PROCESS OF LAWE AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ARGUIÇÃO PROCEDENTE. Exigência descabida, em se cuidando de verdadeira forma de coação à quitação de tributos. Caracterização da exigência como sanção política. Precedentes do STF”.
28.02.2013 Estadode São Paulo – É editado o Provimento CGJ SP nº 07/13, que introduz no Capítulo XIV das Normas de Serviços da Corregedoria Geral da Justiça o subitem 59.2, para facultar aos Tabeliães de Notas, por ocasião da qualificação notarial, a dispensa, nas situações tratadas nos dispositivos legais aludidos, da exibição das certidões negativas de débitos emitidas pelo INSS e pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e da certidão conjunta negativa de débitos relativos aos tributos federais e à dívida ativa da União emitida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, tendo em vista os precedentes do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo no sentido de inexistir justificativa razoável para condicionar o registro de títulos à prévia comprovação da quitação de créditostributários, contribuições sociais e outras imposições pecuniárias compulsórias.
28.11.2013 Estado de São Paulo – É editado o Provimento CGJ SP nº 37/13, que dá nova redação ao Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (Registro de Imóveis), e por meio do subitem 119.1, fica estabelecido que, verbis:

“119.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais” (Original semdestaques).

08.08.2014 É editada a Lei Complementar nº 147/14, que introduz, entre várias outras, alterações relacionadas com o tema ora em estudo.
04.09.2014 É editado o Decreto nº 8.302/14, que revoga o Decreto nº 6.106/07 e alguns dispositivos do Decreto nº 3.048/99. Entra em vigor em 20.10.2014.
05.09.2014 É editada Portaria MF nº 358/14, que dispõe sobre a prova de regularidade fiscal perante a Fazenda Nacional. Com a revogação do Decreto nº 6.106/07, pelo Decreto nº 8.302/14, a Fazenda Nacional (RFB + PGFN), ficaria, a partir de 20.10.2014, sem disciplina no tocante à expedição de certidões negativas de débito, documentos que, a teor do que dispõe o art. 205 e seguintes do Código Tributário Nacional, representam direito do contribuinte e dever do órgão fazendário, no caso da União, que se obriga a expedi-los a requerimento do interessado, que pode estar obrigado, por lei, a apresentá-los.

Por todas as razões e fundamentos acima apresentados, permitimo-nos as seguintes conclusões:

1) A Lei nº 8.212/91 não é a primeira lei federal a tratar da exigência das certidões, mas ao que parece terá sido a última e segue em vigor.

2) As decisões prolatadas pelo Pretório Excelso nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 173-6 e nº 394-1 não estendem a fulminação que afligiu a Lei nº 7.711/1988 ao artigo 47 da Lei nº 8.212/91, que continua em vigor.

3) As revogações do Decreto nº 6.106/05 e de alguns dispositivos do Decreto nº 3.048/99 (sobretudo do artigo 257), e as regras introduzidas pela Lei Complementar nº 147/14 na Lei Complementar nº 123/06 e na Lei nº 11.598/07, não promoveram (com exceção da alínea “d” de seu inciso I), a revogação, expressa ou tácita, do artigo 47 da Lei nº 8.212/91, que, bem por isso, continua em vigor.

4) A edição da Portaria MF nº 358/14 não serve como reforço de argumentação de que o artigo 47 da Lei nº 8.212/91 esteja, ou não, vigendo, já que referido ato administrativo tem por objetivo, apenas, evitar que, com a revogação do Decreto nº 6.106/07, o órgão fazendário da União passasse a não dispor de regras relativas à emissão, quando requeridas, de certidões negativas de débito.

5) A declaração de inconstitucionalidade na Arguição de Inconstitucionalidade n° 0139256-75.2011.8.26.0000 (Comarca de Bauru/SP), em 27.06.2012, afasta a exigibilidade dos comprovantes de inexistência de débitos relativos às contribuições destinadas à manutenção da seguridade social nas hipóteses de que trata a alínea “d”, do inciso I, do artigo 47 da Lei nº 8.212/91, mas seus efeitos não se equiparam aos da coisa julgada erga omnes. Trata-se de decisão com força vinculativa para o tribunal, mas que produz efeitos inter partes, tão somente. Seja como for, o importante é que a partir da edição da Lei Complementar nº 147/14, que introduz o artigo 7º-A na Lei nº 11.598/07, os Oficiais do Registro Civil das Pessoas Jurídicas se abstêm, com fulcro nesse recente dispositivo, de exigir a apresentação das certidões “no registro ou arquivamento, no órgão próprio, de ato relativo a baixa ou redução de capital de firma individual,redução de capital social, cisão total ou parcial, transformação ou extinção de entidade ou sociedade comercial ou civil e transferência de controle de cotas de sociedades de responsabilidade limitada”.

6) No Estado de São Paulo, apesar do que dispõem os subitens 59.2, do Capítulo XIV e 119.1, do Capítulo XX, ambos contidos nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, é temerário que tabeliães de notas e oficiais de registro de imóveis paulistas dispensem da apresentação das certidões as empresas na alienação ou oneração de bens imóveis ou de direitos a eles relativos, já que a Lei nº 8.212/91, como já dito alhures, segue em vigor e a proteção que lhes é assegurada pelo referido código de normas (de natureza administrativa), não retira o caráter impositivo do dispositivo legal em vigor, tampouco a aplicabilidade das punições decorrentes de sua inobservância.

7) Os tabeliães de notas e oficiais de registro de imóveis brasileiros, nas hipóteses da alínea “b”, do inciso I, do art. 47 da Lei nº 8.212/91, adstritos que estão ao princípio da legalidade estrita, devem, pena de terem que suportar o rigor da Lei, seguir exigindo o determinado na Lei Orgânica da Seguridade Social.

Por derradeiro, vale ressaltar que o artigo 47 da Lei nº 8.212/91 vive fase final de sua vigência, já que não há na doutrina, nem na jurisprudência de nossos tribunais, opinião que não a considere violadora de preceitos da Constituição da República por coagir o contribuinte ao recolhimento de tributos e pela caracterização de exigência como sanção política.

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* O autor é advogado, professor de Direito Tributário em cursos de pós-graduação, coeditor das Publicações INR – Informativo Notarial e Registrale coordenador da Consultoria INR. É, ainda, diretor do Grupo SERAC.

Fonte: Grupo Serac – Boletim Eletrônico INR nº 6608 | 22/09/2014.

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Ata notarial como prova no processo – Por Wellington Luiz Viana Junior

* Wellington Luiz Viana Junior

1 – BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ATA NOTARIAL

No Brasil, a ata notarial teve sua normatização em 1990, primeiramente, no Estado do Rio Grande do Sul, por meio de provimentos da Corregedoria Geral de Justiça; a partir de 1994, passou a integrar o capítulo II, seção II, da Lei Federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, que rege as atividades dos notários e registradores, atribuindo ao notário a exclusividade de sua lavratura.

Provavelmente o conceito mais abrangente de ata notarial seja o formulado por José Antônio Escartin Ipiens, notário de Madrid, citado por diversos autores brasileiros e estrangeiros, segundo o qual a ata notarial é o instrumento público autorizado por notário competente, a requerimento de uma pessoa com interesse legítimo e que se fundamentada nos princípios da função imparcial e independente, pública e responsável e que tem por objeto constatar a realidade ou verdade de um fato que o notário vê, ouve ou percebe por seus sentidos, cuja finalidade precípua é a de ser um instrumento de prova em processo judicial, mas que pode ter outros fins na esfera privada, administrativa, registral, e, inclusive, integradores de uma atuação jurídica não negocial ou de um processo negocial complexo, para sua preparação, constatação ou execução [01].

Do conceito supra, extrai-se a possibilidade de o referido instrumento vir a ser aplicado para diversas finalidades, dentre as quais como meio legal de prova.

Com efeito, os artigos 6º e 7º da Lei Federal nº 8.935/94, sob o manto do art. 236 da Constituição Federal, dispõem, verbis:

Art. 6º Aos notários compete:

I – formalizar juridicamente a vontade das partes;

II – intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo;

III – autenticar fatos.

Art. 7º Aos tabeliães de notas compete com exclusividade:

I – lavrar escrituras e procurações, públicas;

II – lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados;

III – lavrar atas notariais;

IV – reconhecer firmas;

V – autenticar cópias.

Outrossim, prevê o art. 212 do Código Civil, que, "salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante: I – confissão; II – documento; III – testemunha; IV – presunção; V – perícia".

Por sua vez, os artigos 332 e 364 do Código de Processo Civil estatuem, respectivamente, que "todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa" e "O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença".

Contudo, antes de adentrar na especificidade da força probante da ata notarial, impõe-se estabelecer sua diferenciação em relação à escritura pública.

2 – ATA NOTARIAL X ESCRITURA PÚBLICA

A premissa mais acertada no que tange à distinção entre ata notarial e escritura pública é a estatuída por Leonardo Brandelli: "Para ser objeto de Ata Notarial não pode ser objeto de escritura pública. A diferença básica entre ambas é a existência, ou não, de declaração de vontade, que está presente na escritura, e ausente na ata. A ausência de manifestação de vontade é justamente o que caracteriza o fato jurídico, que é o objeto da Ata Notarial" [02].

Neste sentido, também bem sintetizou Celso Rezende: "A ata caracteriza uma narração e a escritura uma redação. Nessa, o notário transcreve a vontade das partes; naquela, narra os fatos que presencia" [03].

Portanto, a matéria própria da ata é, em essência, de fatos e atos não-negociáveis, reservando-se a registrar um fato existente e constatado pela observação do tabelião, enquanto a escritura se destina a dar existência jurídica a um ato ou negócio jurídico a partir de uma manifestação de vontade. A primeira prova a existência de fatos produzidos independentes dela. A segunda faz prova de atos produzidos a partir dela.

Assim, enquanto na escritura pública o tabelião é responsável pela elaboração de um documento contendo a manifestação de vontade, constituindo um negócio jurídico, na ata notarial, o tabelião faz a narrativa dos fatos, ou a materialização de algo em forma narrativa do que tenha presenciado, visto ou ouvido com seus próprios sentidos. Saliente-se que, por ocasião da elaboração desta última, não é permitido ao tabelião emitir juízo de valor, opinar, sugerir, declarar, concluir, devendo ser imparcial e objetivo. Na escritura, em tese, isso é possível.

Da mesma forma, o solicitante da ata notarial não tem o direito de intervir na narração dos fatos, não podendo aceitá-la ou não conforme a sua conveniência. O máximo que poderá ocorrer é o solicitante utilizá-la ou não.

Lado outro, "a ata admite sua consecução de forma estendida, prolongada. O Notário não está obrigado a redigi-la no momento em que presencia o fato, pois muitas exigem uma ou mais diligências para a observação do fato; a escritura, teoricamente, é instantânea" [04].

Deste modo, a data da lavratura da ata, em regra, não será a mesma da solicitação nem tampouco a da verificação dos fatos registrados, até porque estes poderão ocorrer em dias e locais diferentes, enquanto que a data da lavratura da escritura corresponde sempre ao momento da manifestação de vontade e da coleta de assinaturas.

Logo, observa-se que a exata medida da ata notarial não é a existência de um fato, por si só, mesmo que juridicamente relevante, antes, porém, é a constatação do fato pelo tabelião, e não por interposta pessoa, alheia à atividade notarial. Isto porque a autenticação do fato pelo tabelião é decorrente da fé pública, a qual não coaduna com a interposição de pessoas no registro de fatos.

Desta feita, se o interessado quiser fazer registrar um fato do seu conhecimento particular, que considere relevante, o tabelião, usando da competência genérica que lhe confere a lei, deverá orientar-lhe no sentido de outorgar uma escritura pública, declaratória, de preferência. Nesta, sim, o interessado poderá dizer o que viu, ouviu, sentiu, sabe, enfim, o que deseja declarar, porque este será o seu testemunho, não podendo o tabelião, neste caso, interferir na declaração do interessado, salvo se a declaração for manifestamente ilegal.

3 – ATA NOTARIAL COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO X PRINCÍPIO PROCESSUAL-CONSTITUCIONAL DO CONTRADITÓRIO

Após delinear algumas diferenças mais relevantes entre ata notarial e escritura pública, infere-se que a ata notarial é um instrumento público que pode ser utilizado vastamente como meio de prova no processo judicial, visto que o notário, com sua fé pública, mediante ato unilateral declaratório, autentica um fato, descrevendo-o em seus livros, passando o ato a ser eterno, eis que ficará arquivado nos livros do Tabelionato e qualquer pessoa poderá obter uma certidão idêntica, a qualquer tempo.

É patente o poder certificante do notário, eis que, com sua intervenção, evita o perecimento de um fato antes que as partes o possam utilizar em proveito de suas expectativas. Tudo se reduz à intervenção notarial que, com sua presença e sua atuação, soleniza, formaliza e dá eficácia jurídica ao que se exterioriza no instrumento público. O notário, dentro de sua gama de faculdades, logra, com sua intervenção, estabelecer a prova pré-constituída, que há de servir de pauta legal, no momento em que seja necessário solicitá-la.

No momento em que todos os requisitos forem cumpridos, a ata notarial será de grande valia e credibilidade como prova, além é claro da celeridade e economia processual.

Frise-se que a credibilidade da prova se dá pelo fato de que a ata notarial é firmada por um agente delegado do Poder Público, dotado de fé pública, possuindo, portanto, presunção juris tantum, ou seja, os fatos narrados são considerados verdadeiros, salvo se a outra parte provar o contrário.

A propósito, cumpre registrar algumas formas de utilização da ata notarial, a título ilustrativo: substituição ao depoimento de testemunhas, perícias técnicas para dar ênfase aos procedimentos ocorridos, inspeção judicial, realização de vistorias, comprovação de abandono de trabalho, justa causa etc.

Neste sentido vale colacionar o entendimento jurisprudencial:

"Ação de reintegração de posse. Liminar requerida. Defere-se a liminar estando presente prova de pratica de esbulho, resultado de invasão (comunicação de ocorrência, ata notarial e comunicação de invasão). Deferida a liminar por ocasião do recebimento do recurso". (Agravo de Instrumento nº 70002607174. Vigésima Câmara Cível. TJRS. Rel. Rubem Duarte. Julgado em 22/08/2001).

4 – OS LIMITES E O VALOR LEGAL DA ATA NOTARIAL

No tocante aos limites da ata notarial, cumpre registrar, de início, que o "testemunho" é do tabelião, não do interessado. Vale dizer, ao contrário das escrituras públicas, na ata notarial é incabível o comparecimento de testemunhas para atestar a validade dos fatos, posto que, na medida em que o Tabelião registra fatos por ele mesmo observados, é ele a "testemunha profissional" do acontecimento que, com o manto da fé pública, prescinde de qualquer testemunha. Poderá, sim, o delegatário, fazer alusão à presença de testemunhas no momento da observação do fato.

Ademais, conforme bem observado por Kioitsi Chicuta, "Para a lavratura da Ata Notarial não se exige a capacidade da parte solicitante, a subscrição do ato por testemunhas, nem se requer a unidade do ato, nem de contexto" [05].

A assinatura do interessado na ata notarial decorre do princípio da instância, instrumentalizando a provocação do interessado que, ademais, dá sua conformidade quanto à exatidão do fato narrado.

O fato será narrado conforme visto pelo tabelião, e não segundo a ótica do interessado. Ao interessado caberá aceitar (pelo uso) ou não da ata lavrada, mas nunca moldar os termos da redação da ata ao que lhe seja conforme, ou ao que considere melhor ou mais importante constar.

Não obstante, há quem entenda que, por mais zelo que possa haver no procedimento de colher a assinatura do interessado na ata notarial, tal procedimento se revela descabido, nos moldes como seria descabido também colher a assinatura do procurador numa procuração.

A assinatura do solicitante não retira o caráter da ata notarial de ato unilateral declaratório do tabelião. Trata-se de um relato elaborado com segurança, um instrumento de registro e não de criação. É ato que registra fato e não ato que constitui fato. É ato consectário do fato, mas autônomo ao fato, não podendo ser supedâneo do fato. Ou seja: para que o ato (fato) possa ser objeto de ata, ele deve estar consumado antes da ata, ainda que alguns fatos ocorram na presença do tabelião.

Daí porque os verbos constantes das atas, geralmente, são no pretérito, nunca no presente, e muito menos no futuro – "compareceu, pediu, constatei, ouvi, vi, verifiquei, fui…".

5 – CONCLUSÃO:

Constata-se que a ata notarial, na medida em que se presta para materialização de fatos, visa a resguardar e dar credibilidade à prova processual, dotada de fé pública e com presunção juris tantum, pelo que tem se mostrado um instrumento de grande valia para o processo, proporcionando celeridade e economia processual, motivo pela qual deveria ser mais esclarecido e difundido, objetivando, assim, ampliar sua utilização no meio jurídico, visto que se trata da constituição de prova segura e eterna.

6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial. De acordo com a Lei 11.441/2007. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

Ata Notarial Coordenador Leonardo Brandelli. Porto Alegre: Instituto de Registro Imobiliário do Brasil: S.A. Fabris, 2004.

BRASIL. Lei Federal nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Novo Código Civil Brasileiro, disponível no site http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm

BRASIL. Lei Federal nº 8.935 de 18 de novembro de 1994. Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro. (Lei dos Cartórios). Disponível no site http://www.presidencia.gov.br/legislacao/

http://www.tj.rs.gov.br

Notas

01 El Acta Notarial de Presencia en el Proceso. Revista del Notariado n. 399, p. 176 apud Tratado de Derecho Notarial, Registral e Inmobiliario, Cristina Noemí Armela, p. 957.

02 BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial. De acordo com a Lei 11.441/2007. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

03 REZENDE, Afonso Celso Furtado de. Disponível em http://www.irib.org.br/biblio

04 Volpi Neto, Ângelo. Disponível em http://www.volpi.com.br

05 CHICUTA, Kioitsi. Ata notarial e sua utilização como prova judiciária de fatos no Direito Brasileiro. In Ata Notarial Coordenador Leonardo Brandelli. Porto Alegre: Instituto de Registro Imobiliário do Brasil: S.A. Fabris, 2004

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