Artigo: DA NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO DO RECONHECIMENTO DE MATERNIDADE OU PARTERNIDADE SOCIOAFETIVA: O PROVIMENTO Nº 52/CNJ NÃO DÁ SOLUÇÃO A TODOS OS CASOS – Por Letícia Franco Maculan Assumpção

*Por Letícia Franco Maculan Assumpção

INTRODUÇÃO

No dia 15 de março de 2016, foi publicado o Provimento nº 52, da Corregedoria Nacional de Justiça-CNJ, regulamentando, enfim, o registro de crianças concebidas por reprodução assistida, dispensando a necessidade de prévia ordem judicial.

Desde então, em todo o Brasil, casais homo ou heteroafetivos que tenham que recorrer à reprodução assistida ficaram livres dos transtornos que vinham sofrendo, podendo ser atendidos diretamente no Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais, mediante a apresentação dos documentos relacionados no referido Provimento nº 52-CNJ.

Foi mais uma manifestação da “desjudicialização” ou “extrajudicialização”, demonstrando a confiança depositada pela Corregedoria Nacional de Justiça nos Oficiais de Registro Civil, que passaram a atuar independentemente de qualquer autorização judicial. Tal medida, tão relevante, deveria ter sido apresentada em conjunto com a Resolução 175/CNJ, que autorizou os casamentos homoafetivos[1], mas, apesar de tardia, já representou uma facilitação para o registro de nascimento nessa situação cada vez mais comum que é a reprodução assistida.

No entanto, mesmo o Provimento nº 52-CNJ não resolve todas as situações que a realidade vem apresentando aos Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais. De fato, é preciso que haja uma regulamentação sobre o reconhecimento de maternidade ou paternidade socioafetiva, principalmente nas situações em que aquele que pretende reconhecer a paternidade ou maternidade é casado com a pessoa que gerou a criança.

Será apresentado um caso concreto de duas mulheres, casadas entre si, que recorreram à “fecundação caseira” e cuja situação não está, pois, abrangida pelo Provimento nº 52-CNJ e que tiveram que buscar o Judiciário para incluir o nome da esposa da mãe no registro da criança.

O PROVIMENTO 52 DO CNJ, O REGISTRO DE CRIANÇAS NASCIDAS POR MEIO DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA, FILHAS DE CASAIS HETEROAFETIVOS E HOMOAFETIVOS

Até a publicação do Provimento nº 52 do CNJ, não havia qualquer orientação federal sobre o registro de crianças com dupla maternidade ou paternidade.

Em Minas Gerais, portanto, nos casos em que os requerentes do registro afirmavam haver fecundação assistida,o procedimento que vinha sendo observado era o seguinte: quando o casal era composto por duas mulheres, era possível registrar em nome da mãe que concebeu a criança e suscitar dúvida para o juiz competente quanto ao nome da outra mãe a ser incluído. Assim, garantia-se que a criança tivesse a certidão de nascimento rapidamente, mesmo que incompleta. O problema é que os juízes entendiam que não era caso de suscitação de dúvida, exigindo processo judicial. Outra solução possível era uma ação judicial prévia ao nascimento da criança, para que, quando ela nascer, seja autorizado o registro em nome do casal que teve a ideia da concepção. As duas alternativas mencionadas, no entanto,vão contra a tendência de “extrajudicialização” e levam à movimentação da máquina judiciária sem que haja lide.

Quando o casal era composto por dois homens, no entanto, não era possível realizar o registro prévio e, então, era necessário mobilizar a máquina judiciária desde o início.

Na maioria dos Estados da Federação, não havia qualquer regulamentação sobre o tema, mas em alguns já havia solução, como em Mato Grosso, que, por meio do Provimento nº 54/2014–CGJ/MT, regulamentou o registro de nascimento homoparental. Em Mato Grasso, para o registro de nascimento, o casal homoafetivo deve apresentar os seguintes documentos no cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais: Declaração de Nascido Vivo, certidão de casamento ou escritura pública de união estável, termo de consentimento por instrumento público ou particular com firma reconhecida e declaração do centro de reprodução humana.

Para que se possa entender o procedimento seguido até a publicação do Provimento nº 52 do CNJ, é importante saber como funciona o registro de nascimento no Brasil.

SOBRE O REGISTRO DE NASCIMENTO NO BRASIL

O registro de nascimento é disciplinado pela Lei de Registros Públicos, Lei nº 6.015/73, tendo sua redação sido objeto de diversas alterações ao longo do tempo.

Em 2015, a Lei de Registros Públicos foi alterada pela Lei nº 13.112, que fixou em 60 (sessenta) dias o prazo legal para registro do filho, seja pelo pai ou pela mãe, sem prioridade entre eles. Dentro deste prazo, pode-se declarar o nascimento da criança tanto no cartório que serve ao local do nascimento quanto naquele que serve ao local da residência dos pais, e, posteriormente ao fim do prazo legal, apenas no cartório do local da residência. Não há, no entanto, aplicação de multa ou de qualquer sanção se o prazo de 60 (sessenta) dias não for observado, pois desde 1997 a Lei nº 9.534 estabeleceu gratuidade ao ato de registro para todas as pessoas e em qualquer tempo, não havendo mais no ordenamento jurídico brasileiro previsão de multas por registro tardio[2].

É necessário para o registro de nascimento que sejam apresentados o documento do declarante e o documento da mãe que concebeu a criança, cujo nome deve ser o mesmo a constar na Declaração de Nascido Vivo fornecida pelo hospital.

O Código de Normas de Minas Gerais, em seu art. 457, § 3º, seguindo o que determina o Provimento nº 28 do Conselho Nacional de Justiça, determina que, se os pais forem casados entre si, está dispensado o comparecimento do pai ao cartório se for apresentada a certidão de casamento expedida após o nascimento da criança e cuja validade, para esse fim, é de 90 (noventa) dias, uma vez que há presunção legal da paternidade, e a mãe pode fazer incluir o nome do marido no registro do filho.

Quando os pais não são casados, é imprescindível que o pai compareça ao cartório e reconheça o filho como seu, seja no momento da declaração do nascimento ou posteriormente, caso já não conste nome de outrem como pai da criança.

No caso de casais homoafetivos, como a situação ainda não estava devidamente regulamentada, o procedimento tradicional de registro não podia ser seguido. Os Oficiais de Registro estão vinculados ao princípio da legalidade estrita, ou seja, só podem fazer o que a lei expressamente permite, não podendo excedê-la por seu próprio entendimento.

Como bem esclarece Rodrigo da Cunha Pereira: “A demora na tramitação da ação deixava a criança em situação de vulnerabilidade”. (PEREIRA, 2016)

Ainda para ele, a edição de um provimento que regulamente o registro de crianças fruto de fertilização artificial é a forma mais adequada para assegurar às crianças a proteção integral que lhes é garantida constitucionalmente:

Todas essas tecnologias, associadas ao discurso psicanalítico, filosófico e jurídico, proporcionaram caminhos e possibilidades para a constituição de novas relações de parentesco. A partir daí surgiram as parcerias de paternidade/maternidade, isto é, pessoas que estabelecem contratos de geração de filhos, sem vínculo conjugal ou sexual, estabelecendo-se aí apenas uma família parental.

A partir do dia 15 de março de 2016, porém, está sanada essa deficiência no ordenamento brasileiro, porém sem alcançar todos os casos, como demonstraremos a seguir.

É do entendimento das autoras deste artigo que o registro de filhos de casais homoafetivos deveria ter sido regulamentado juntamente com o casamento, na Resolução nº 175 do CNJ, uma vez que a paternidade e a maternidade fazem parte da concepção de família que fundamenta toda a Resolução.

Entendem as autoras, também, que uma vez estando equiparados o casamento heteroafetivo e o homoafetivo, todos os direitos de casal devem ser aplicados a ambos, como é o caso do registro de nascimento dos filhos quando apenas um dos cônjuges comparece ao cartório portando a certidão de casamento.

OS DOCUMENTOS EXIGIDOS PARA O ATO DE REGISTRO DA CRIANÇA CONCEBIDA POR MEIO DE MÉTODOS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA

A lista de documentos a serem apresentados de acordo com o Provimento nº 52 do CNJ, é extensa e imprescindível para a realização do ato. Há de se entender que se trata de medida de segurança, uma vez que o nome que consta na DNV (Declaração de Nascido Vivo) pode vir a ser distinto do nome do ascendente a constar no registro. Trata-se, pois, de exceção à fé pública da DNV.

Importante que os pais e mães estejam cientes dos documentos exigidos para o registro de nascimento de seus filhos, os quais diferem quando da fertilização in vitro e da gestação por substituição, também conhecida como “barriga de aluguel”.

Ressalta-se que esta relação se aplica tanto para casais heteroafetivos quanto homoafetivos, sendo apenas o método de reprodução assistida o grande diferencial. Além disso, no registro homoparental não haverá distinção de ascendência paterna e materna, informação que se mantém no registro de filhos de casais heteroafetivos.

Devem comparecer ao cartório ambos os pais, ou ambas as mães, ou o pai e a mãe, podendo comparecer apenas um se forem casados entre si, caso em que será aplicado o mesmo entendimento utilizado no procedimento tradicional.
A Corregedoria Nacional de Justiça entendeu por equiparar a união estável ao casamento para fins de dispensar a necessidade de comparecimento conjunto de ambos os genitores. No entanto, agora a exigência é de união estável que tenha sido declarada por escritura pública ou reconhecida sentença. Importante ressaltar que, para comprovar a manutenção do estado de casado ou a união estável quando do registro do nascimento da criança, será exigida certidão atualizada de casamento ou da escritura de união estável, expedida após o nascimento e há não mais de 90 dias.

Aplica-se a todos os casos a exigência de apresentação dos seguintes documentos:

–     Declaração de Nascido Vivo fornecida pelo hospital;

–     Declaração, com firma reconhecida, do diretor da clínica de reprodução, indicando a técnica adotada, o nome do(a) doador(a), seus dados clínicos e características, e o nome dos beneficiários;

–     Certidão de casamento, de conversão de união estável em casamento, escritura pública de união estável ou sentença reconhecendo a união estável (se for o caso).

Se houver doação de gametas ou o uso de gestação por substituição:

–     Instrumento público de consentimento prévio do(a) doador(a) para registro de nascimento da criança a ser concebida em nome de outrem;

–     Instrumento público de aprovação prévia do cônjuge ou de quem convive em união estável com o doador ou a doadora, autorizando, expressamente, a reprodução assistida;

–     Instrumento público do cônjuge ou companheiro da beneficiária (mãe) ou receptora (“barriga de aluguel”) da reprodução assistida, autorizando expressamente a realização do procedimento.

A exigência de consentimento por escritura pública do doador do gameta dificulta a aplicação do Provimento, uma vez que essa doação costuma ser feita de forma anônima e sigilosa. No entanto, o Provimento exige não apenas a identificação do doador, mas também que ele expressamente concorde com o procedimento e que afirme que tem consciência de que a criança a ser gerada não será seu filho, pois o registro será feito em nome de outrem.

Quando houver uso de gestação por substituição, não constará no registro o nome da parturiente, ou seja, aquele informado na Declaração de Nascido Vivo, constando, apenas, o nome dos pais ou mães declarantes.

Reforça-se que, muito embora agora seja obrigatória para o ato do registro a apresentação de documentos dos ascendentes biológicos, isso em nada afetará o parentesco da criança com os doadores. O conhecimento da ascendência biológica não importará no reconhecimento de vínculo de parentesco e dos respectivos efeitos jurídicos entre doador(a) e a pessoa gerada por meio de reprodução assistida. Ou seja, o doador ou a doadora não serão reconhecidos como tendo qualquer grau de parentesco com a criança.

Nesse sentido, reconhece-se a posição já fixada pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que atualmente a paternidade/maternidade afetiva é mais relevante do que aquela biológica:

(AgRg no REsp 1413483 / RS, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 13/11/2015, Terceira Turma)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. OFENSA AO ART. 557 DO CPC. INEXISTÊNCIA. NEGATIVA DE PATERNIDADE. PRESUNÇÃO PATER IS EST. AUSÊNCIA DE ERRO OU COAÇÃO NO MOMENTO DO REGISTRO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA CONFIGURADA. ACÓRDÃO A QUO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Em relação à apontada ofensa ao art. 557 do CPC, esta Corte tem jurisprudência firmada no sentido de que “(…) é possível ao Relator negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente ou prejudicado não ofendendo, assim, o princípio da colegialidade. Ademais, com a interposição do agravo regimental, fica superada a alegação de nulidade pela violação ao referido princípio, ante a devolução da matéria à apreciação pelo Órgão Julgador.” (AgRg no REsp 1.113.982/PB, Relatora a Ministra Laurita Vaz, DJe de 29/8/2014).

2. Ao declarante, por ocasião do registro, não se impõe a prova de que é o genitor da criança a ser registrada. O assento de nascimento traz, em si, esta presunção, que somente pode vir a ser ilidida pelo declarante caso este demonstre ter incorrido, seriamente, em vício de consentimento, circunstância, como assinalado, verificada no caso dos autos. A simples ausência de convergência entre a paternidade declarada no assento de nascimento e a paternidade biológica, por si, não autoriza a invalidação do registro. Ao marido/companheiro incumbe alegar e comprovar a ocorrência de erro ou falsidade, nos termos dos arts. 1.601 c/c o 1.604 do Código Civil, o que foi afastado na presente hipótese.

3. O estabelecimento da filiação socioafetiva perpassa, necessariamente, pela vontade e, mesmo, pela voluntariedade do apontado pai, ao despender afeto, de ser reconhecido juridicamente como tal, tendo sido este o caso dos autos, pois apesar de ter mantido relação superficial e esporádica com a mãe da criança, sem qualquer compromisso de fidelidade, surgindo daí fundadas dúvidas acerca do liame biológico, ainda assim registrou a criança como seu filho. Acórdão recorrido em harmonia com a jurisprudência desta Corte. Incidência da Súmula 83/STJ.
4. Agravo regimental desprovido.

DA FORÇA ATRIBUÍDA PELO CNJ AO INSTRUMENTO PÚBLICO

No Código Civil, art. 1.597, V, não havia exigência de instrumento público para a autorização de inseminação heteróloga. No entanto, o CNJ, também aqui reconhecendo a importância do trabalho dos Notários, bem como a segurança jurídica por eles atribuída e também a facilidade de reprodução dos documentos e certidões, exigiu para todas as autorizações o instrumento público, ou seja, aquele lavrado em Notas de Tabelião.

CASO CONCRETO DE NEGATIVA DE INCLUSÃO NO REGISTRO DE NOME DE MÃE SOCIOAFETIVA, CASADA COM A MÃE BIOLÓGICA DA CRIANÇA

É do entendimento das autoras deste artigo que é possível a averbação de reconhecimento de maternidade ou paternidade homoparental quando já houver registro da criança em nome de apenas um dos genitores.

De fato, já que o CNJ expressamente reconheceu que a paternidade ou maternidade socioafetiva supera a biológica, não há motivo para movimentar a máquina judiciária se forem apresentados os documentos cabíveis dentre os relacionados no Provimento 52/CNJ, quais sejam a certidão de casamento ou a escritura de união estável atualizadas.

Seria importante que o CNJ disciplinasse também essa situação, para evitar dúvidas e uniformizar procedimentos. Não havendo orientação do CNJ, cabe ao Juiz competente para Registros Públicos decidir situações específicas que não estejam abrangidas pelo Provimento.

É o que aconteceu no caso concreto abaixo reproduzido, no qual duas mulheres, casadas entre si, tiveram a ideia da concepção, mas realizaram “fecundação caseira”[3].

Afirmaram as requerentes que são pessoas pobres e que não conseguiriam pagar pela fecundação em clínica. Assim, afirmaram que fizeram a “fecundação caseira”. Previamente ao nascimento da criança, em Cartório de Notas foram lavradas escrituras declaratórias conforme aquelas previstas no provimento nº 52/CNJ. No entanto, não foi apresentada a declaração, com firma reconhecida, do diretor da clínica de reprodução, indicando a técnica adotada, o nome do(a) doador(a), seus dados clínicos e características, e o nome dos beneficiários, uma vez que, segundo declaração prestada, o método utilizado seria inseminação caseira.

A criança nasceu, foi registrada em nome da mãe biológica, porque não havia como inserir o nome da mãe diretamente no Cartório de Registro Civil e a criança não podia ficar sem o registro. Logo em seguida, a esposa da mãe biológica procurou este Cartório para solicitar a inclusão do seu nome no registro. Assim, foi encaminhada a dúvida à Juíza da Vara de Registros Públicos, nos termos seguintes:

“Exma. Sra. Juíza de Direito da Vara de Registros Públicos da Capital

Letícia Franco Maculan Assumpção, Oficial de Registro do Cartório de Registro Civil e Notas do Distrito do Barreiro, vem, respeitosamente, à presença de V.Exa. consultar sobre como deve proceder no caso concreto ora apresentado, referente a pedido de registro de criança por DUAS MULHERES, casadas entre si, quais sejam xxxxxxxxxxxxx, vide documentos das requerentes e certidão de casamento em anexo, sendo o caso de  INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL CASEIRA, conforme abaixo se descreve:

2- No dia 15 de março de 2016 foi publicado o Provimento nº 52, da Corregedoria Nacional de Justiça-CNJ, regulamentando o registro de crianças concebidas por reprodução assistida por casais homo ou heteroafetivos, diretamente no Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais, mediante a apresentação dos documentos relacionados no referido Provimento, dispensando a necessidade de prévia ordem judicial.

3- Nesse admirável mundo novo da fecundação assistida, a doutrina tem demonstrado que poderão coexistir até três maternidades. A primeira maternidade é a genética e decorre da cessão do gameta feminino para a formação do embrião. A segunda é a maternidade gestacional, fundada na cedente do útero, que será parturiente. A terceira é a maternidade que advém da vontade de se tornar genitor, da ideia da concepção, correspondendo à pessoa que elaborou o projeto parental e buscou a técnica de reprodução assistida[4].

4- No presente caso, foram lavradas escrituras declaratórias conforme aquelas previstas no Provimento nº 52/CNJ. No entanto, não foi apresentada a declaração, com firma reconhecida, do diretor da clínica de reprodução, indicando a técnica adotada, o nome do(a) doador(a), seus dados clínicos e características, e o nome dos beneficiários, UMA VEZ QUE, SEGUNDO DECLARAÇÃO PRESTADA NESTE CARTÓRIO, POR ESCRITURA PÚBLICA, O MÉTODO UTILIZADOINSEMINAÇÃO CASEIRA, já que as mães são POBRES e não podiam arcar com os custos de uma clínica.

5- O Tribunal de Justiça de Santa Catarina noticia em seu site uma decisão favorável sobre o tema, disponível em https://portal.tjsc.jus.br/web/sala-de-imprensa/-/casal-homoafetivo-registra-em-seu-nome-filho-gerado-de-inseminacao-artificial-caseira, acesso em 14 jun. 2017:

Casal homoafetivo registra em seu nome filho gerado de inseminação artificial caseira

13/11/2015 16:49

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Um casal homoafetivo integrado por duas mulheres obteve decisão judicial favorável ao pleito de registrar, apenas em seus nomes, o filho gerado por meio de inseminação artificial caseira, com o auxílio de um homem que colaborou com a doação de material genético. A ação tramitou em comarca do sul do Estado que, ao final, julgou procedente o pedido para permitir o lavramento do assento registral da criança em nome das companheiras.

Inicialmente, o Ministério Público se opôs ao pleito, com indicação da necessidade de prévia destituição do poder familiar em relação ao “pai” da criança, visto que a inseminação artificial levada a cabo pelo casal não seguiu as regras de sua versão tradicional, baseada em resolução do Conselho Federal de Medicina, que veda a identificação dos doadores de material genético. A prova trazida aos autos, contudo, esclareceu que a pessoa que colaborou agiu por razões humanitárias, mas sem qualquer sentimento de afetividade.

“Ora, se um casal heterossexual gerasse um filho através de inseminação artificial e, por ocasião do nascimento, comparecesse a um cartório para registro da criança em nome da mãe biológica e em nome do marido, e não do doador, naturalmente que o registro seria prontamente feito com suporte legal no artigo 1.597 do Código Civil”, anotou o magistrado que prolatou a sentença.

Ele ainda deu outros exemplos de núcleos abrangidos pelo conceito mais moderno de família em diversos princípios da Constituição Federal, como a família monoparental e a paternidade/maternidade socioafetiva por adoção, já plenamente admitida para casais homoafetivos em inúmeros foros do país.

O juiz só demonstrou estranheza com o processo utilizado para gerar a criança, de inseminação artificial caseira, o qual admitiu desconhecer. “Não é cientificamente reconhecida, tampouco recomendada, ainda que seja realizada com intenção louvável e em face da falta de recursos”, anotou. Cabe recurso ao Tribunal de Justiça. O processo tramita em segredo de justiça. 

Tendo em vista que o caso não se adequa perfeitamente à previsão constante do Provimento nº 52/CNJ, este Cartório não tem autorização para registro da criança sem que V.Exa. se manifeste favoravelmente. No entanto, esta Oficial entende que o caso é de registro em nome de ambas as mães, tendo em vista que ambas são casadas entre si e que elas tiveram a IDEIA DA CONCEPÇÃO, conforme defendem a doutrina e a jurisprudência mais atuais.

Consulto, pois, V.Exa. sobre como proceder.

Belo Horizonte, 14 de junho de 2017.

Letícia Franco Maculan Assumpção

Oficial de Registro”

A r. sentença foi proferida nos termos seguintes:

“Não vejo como acolher a pretensão de retificação do registro da criança (trata-se de retificação, visto que o registro já fora lavrado), como seria se fosse um registro novo, nessa via estreita do PROJUDI.

[…]

No caso em tela, além de estar diante de um procedimento não reconhecido pela medicina (fertilização caseira), o doador do semen é pessoa identificada, de modo que a criança gerada tem um pai biológico, sendo certo que sua destituição do pátrio poder, de forma definitiva, não pode se dar por via de escritura pública, mas através de processo judicial, com contraditório, ampla defesa e participação do Ministério Público, no qual as duas mães poderão regularizar o registro da criança, com o acréscimo dos dados da segunda mãe e seus ascendentes.”

Discordamos da r. sentença, posto que inserir o nome da esposa da mãe biológica no registro da criança não importa afastar o direito do pai biológico. Se o pai da criança quiser reconhecer a paternidade, apesar de ter assinado a escritura afirmando que tem conhecimento de que a criança não será sua filha, seu pedido será apreciado pelo Poder Judiciário. O pedido que foi apresentado ao cartório foi de reconhecimento de maternidade socioafetiva, decorrente de terem as duas mulheres, que inclusive são casadas entre si, decidido conjuntamente pela concepção de uma criança.

CONCLUSÃO

Como demonstrado, no dia 15 de março de 2016 foi publicado o Provimento nº 52, da Corregedoria Nacional de Justiça-CNJ, que representou grande avanço no que tange ao registro, diretamente nos Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais, de crianças concebidas por reprodução assistida dispensando, pois, a necessidade de autorização  judicial.

A importância da medida é inequívoca, mas para os casais homoafetivos e ainda mais relevante, pois demonstra a consagração da igualdade prevista no texto constitucional e que já havia sido demonstrada pelo CNJ com a Resolução nº 175/CNJ, que autorizou os casamentos homoafetivos.

O CNJ expressamente reconheceu que a paternidade ou maternidade socioafetiva sobrepõe-se à biológica e fortaleceu ainda mais a importância do Oficial do Registro Civil, que atuará de forma independente, e do Notário, a quem caberá a lavratura dos diversos termos de autorização previstos no Provimento nº 52.

Mas há ainda diversas situações, como a do caso concreto analisado no presente artigo, que não estão abarcadas pelo Provimento. É importante que seja disciplinado o reconhecimento de paternidade ou maternidade homoparental de crianças já registradas, mediante a apresentação dos documentos cabíveis, que podem ser relacionados pelo CNJ.

Sugere-se, para pessoas do mesmo sexo que são casadas entre si ou vivam em união estável, devidamente comprovada, que seja autorizada a inclusão pelo próprio Oficial do Registro Civil do nome da pessoa que é cônjuge ou companheira da mãe ou do pai que já consta no registro, mediante pedido feito pelo casal ao Oficial para fins de reconhecimentoda paternidade ou maternidade socioafetiva.

Essa inclusão não afeta o direito do pai ou mãe que forneceu o material biológico, que poderá ser reconhecido, se for o caso, na via judicial.

REFERÊNCIAS

ASSUMPÇÃO, Letícia Franco Maculan. O Casamento Homoafetivo ainda não está garantido no Brasil: a Resolução nº 175 do CNJ não tem efeito vinculante para o Ministério Público e para os Juízes de Direito. Disponível em: www.colegioregistralmg.org.br>. Acesso em: 18 ago. 2017.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial AgRg no REsp 1413483 / RS, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, Diário de Justiça Eletrônico – DJE 13 nov. 2015.
CORREGEDORIA-NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 52. Disponível em <www.cnj.jus.br>. Acesso em 19 mar. 16.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Provimento padroniza o registro de nascimento dos filhos havidos por reprodução assistida. Disponível em: <http://www.rodrigodacunha.adv.br>. Acesso em: 20 mar. 2016.

*Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991), pós-graduada e mestre em Direito Público. Foi Procuradora do Município de Belo Horizonte e Procuradora da Fazenda Nacional. Aprovada em concurso, desde 1º de agosto de 2007 é Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. É autora de diversos artigos na área de Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Civil, bem como Direito Registral e Notarial, publicados em revistas jurídicas, e do livro Função Notarial e de Registro. É Diretora do CNB/MG, Presidente do Colégio Registral de Minas Gerais, Coordenadora da Pós-Graduação em Direito Notarial e Registral no CEDIN e representante do Brasil na União Internacional do Notariado Latino.

**Isabela Franco Maculan Assumpção é estudante de Direito na Universidade Federal de Minas Gerais.

[1] Para aprofundamento sobre a Resolução nº 175/CNJ, ver artigo de Letícia Franco Maculan Assumpção: “O Casamento Homoafetivo ainda não está garantido no Brasil: a Resolução nº 175 do CNJ não tem efeito vinculante para o Ministério Público e para os Juízes de Direito”, disponível em: www.colegioregistralmg.org.br.

[2]Para maiores informações sobre o procedimento para registro tardio de nascimento, deve-se ler o Provimento nº 28/CNJ. Disponível em:<http://www.cnj.jus.br/atos-normativos?documento=1730>.  Acesso em: 26 jun. 2017.

[3] Segundo informação das referidas pessoas, a fecundação caseira se dá com seringa e foi feita na residência das próprias pessoas.

[4]Para aprofundamento, vide artigo: Maternidade de substituição no ordenamento jurídico brasileiro e no direito  comparado. Disponível em:<http://www.ambito-juridico.com.br/>. Acesso em: 19 jan. 2017.

Fonte: CNB/SP | 25/08/2017.

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ARTIGO: UMA ESCOLA CHAMADA CARTÓRIO – POR ANDERSON NOGUEIRA GUEDES

*Anderson Nogueira Guedes

UMA ESCOLA CHAMADA CARTÓRIO

Como o tempo passa rápido!

Ainda me lembro daqueles primeiros dias em que comecei a trabalhar no cartório.

Aceitei o convite e encarei o desafio.

Eu que, até então, almejava ser juiz, acabei por me apaixonar pela profissão logo nos primeiros meses.

Apaixonei-me, sobretudo, por uma expressão muito usada em nosso dia a dia:

“O referido é verdade e dou fé”.

Quem lê, entenda!

Como sempre gostei de estudar, abracei com afinco mais uma vez os livros e me dediquei ao estudo dessa tão nobre atividade.

E, de lá para cá, passaram-se mais de treze (13) anos.

Aprendi muitas coisas no decorrer dessa trajetória, graças a Deus!

Mas, muitas delas, não encontrei nos livros.

O tempo e a experiência na atividade, aliados à bagagem que eu trazia comigo, ensinaram-me uma série de lições!

Lições para toda a vida!

Aprendi a ficar feliz ao ver a felicidade de um pai e de uma mãe ao registrarem seu filho recém-nascido.

Aprendi a respeitar a dor daqueles que comparecem à serventia para declarar o óbito de um ente querido ou de um amigo chegado.

Quantas não foram as vezes que me emocionei ao realizar um casamento comunitário, vendo a satisfação estampada nas faces daqueles que, por anos, já conviviam como marido e mulher e sonhavam em se “casar no cartório” ou “de papel passado”, como já ouvi muitos dizerem no balcão da serventia.

Assim como aprendi a respeitar “o silêncio” de um casal ao assinar uma escritura de divórcio ou de separação, depois de ratificarem os termos pré-acordados.

Entendi que, por mais decididos que demonstrem estar, e independentemente dos motivos da separação, quem nunca sonhou em ter um casamento feliz para todo o sempre, como nas histórias da Disney?

Aprendi, também, a me concentrar naquela escritura complexa ou naquele infindável estatuto social apresentado para registro, mesmo em meio aos gritos e choros de crianças. Sim, é isso mesmo. Mesmo em meio aos gritos e choros de crianças!

Já imaginou a dona Maria indo registrar o quarto ou quinto integrante da família?

Criança querendo colo, fazendo manha, batendo no irmãozinho mais novo. Já vi de tudo!

Já tivemos que segurar, inclusive, bebê de colo ou entreter as crianças para que a mãe pudesse ler e assinar o documento.

Qual foi o registrador civil, tabelião ou escrevente que nunca fez isso?

Aprendi, ainda, que, em alguns casos, ao assinar uma escritura de partilha de bens, alguns ficam tristes porque preferiam ter a pessoa amada ao seu lado, enquanto que outros só faltam pular de alegria ao receberem os bens herdados.

É!O ser humano é assim!

Entendi o significado daquele velho ditado: “quem está na chuva é para se molhar”, levando serviço para casa, estudando vários casos à noite, trabalhando em feriados, nos finais de semana e refletindo em como descascaria aquele belo “abacaxi” que levaram para eu descascar.

Aprendi, também, a identificar algumas atitudes suspeitas e a maneira de agir de alguns indivíduos que procuram ludibriar os atendentes do cartório. E como tem crescido em nosso país esse tipo de situação!

Aprendi a ter calma e a ser cauteloso quando tais virtudes são recomendadas.

Aprendi que a educação e o respeito desarmam qualquer atitude grosseira e agressiva.

Que, às vezes, é melhor se calar e prosseguir em frente, diante de palavras ásperas e jogadas ao vento.

Aprendi a ter paciência ao lidar com a impaciência e tolerância ao lidar com a intolerância.

Percebi que o nosso mundo está doente, e as pessoas cada vez mais agitadas, ansiosas, apreensivas e precisando de Deus.

Enfim compreendi, que “é melhor dar do que receber” e que “é dando que se recebe”. Afinal de contas, cordialidade gera cordialidade, e respeito gera respeito!

Entendi que, assim como eu, muitos amam a profissão e se dedicam a ela e a bem servir a população.

Que, apesar de estar sendo atacada, a atividade tem sido cada vez mais necessária, pois essencial à paz social e à segurança jurídica das relações negociais. Principalmente em tempos nebulosos e obscuros como estes em que estamos vivendo, em que parece que a corrupção e a injustiça vão prevalecer.

Já imaginou como seria se não existisse a autenticação de documentos e o reconhecimento de firmas? Já pensou na insegurança, caso não existisse o Registro Civil das Pessoas Naturais, para registrar os atos da vida civil, do nascimento ao óbito? E, se não houvesse o Registro de Imóveis para assegurar a propriedade imobiliária?

Acredito que seria um caos. Falsificações rolariam soltas e muitos seriam enganados e prejudicados.

A insegurança jurídica subiria a níveis catastróficos.

E, para quem acha que trabalhar em cartório é só lidar com computador e no ar condicionado, no “bem-bom” como dizem alguns, pergunto:

Você sabe o que é sair daquela festa legal em um final de semana, ou de um almoço com a família no domingo, ou, ainda, se levantar às duas, três ou quatro horas da manhã para lavrar um óbito, fazendo chuva, estando frio ou calor?

Sabia que muitas vezes se faz necessário fazer diligências fora da serventia, em presídios, hospitais, maternidades, e estar preparado para se deparar com as mais diversas situações, sentimentos e reações?

Sabe o que é fazer diligência para a lavratura de uma ata notarial em zona rural? Ter que abrir e fechar porteiras e realizar o seu serviço no sol e literalmente comendo poeira? Ao tabelião que nunca fez isso, aconselho que adicione à sua bagagem mais essa experiência.

Sabe o que é proceder a uma intimação de protesto ou notificação extrajudicial e ser recebido de maneira grosseira e, não poucas vezes, agressiva?

Imagina como é acabar de fazer um casamento, em meio à festa dos noivos, testemunhas e parentes e, na sequência, ter que lavrar um óbito, em meio ao choro e dor dos que aqui ficaram?

Celebrar o casamento civil, e, algum tempo depois, formalizar a separação ou o divórcio daquele mesmo casal?

Amo a minha profissão! E, hoje, compreendo que, assim como em todas as outras, nela existem desafios e dificuldades, os quais devem ser superados.

Devemos fazer do limão uma limonada e encontrar paz em meio às adversidades.

Aprendi, ainda, que além de conhecimento jurídico, devemos entender um pouco de psicologia, de aconselhamento, de mediação e de vida com Deus.

Devemos gastar um pouco mais de tempo com as pessoas, quando assim o caso exigir. Devemos ser HUMANOS!

Como é gratificante ver um sorriso no rosto de um cliente satisfeito! Como é bom ser valorizado pela qualidade dos seus serviços e do seu atendimento!

Vamos ser francos, quem tem muito tempo e paciência hoje em dia para ouvir e dar um bom conselho, jurídico ou não, a quem necessita? Isso vale para qualquer profissão. Isso vale para a vida!

Nesse novo mundo de tecnologias, de conectividade e de interação virtual, ser “humano” tem sido cada vez mais difícil e raro.

Estamos vivendo a era do virtual, do superficial, do “tudo para ontem” e das facilidades.

Como diria um velho amigo: “nesse mundo de correria, quem menos corre, voa!”

Devemos fazer do tempo o nosso aliado, e não encará-lo como um inimigo ou vilão.

Fazer cada dia valer a pena, e escrever uma história que inspire outros a também irem além!

Aprendi que é necessário ouvir o idoso e ter paciência com o infante, e, às vezes, até levantar de nossas cadeiras para abrir a porta para quem necessita.

Lembra-se? Cordialidade gera cordialidade; respeito gera respeito! Não há nada de mais nisso. É apenas HUMANIDADE!

Quantas experiências! Quanto aprendizado! Costumo dizer que o cartório é uma escola.

Tenho para mim, inclusive, que todos esses anos de atividade e todas essas experiências deveriam valer muito na prova de títulos dos concursos para o ingresso nas atividades notariais e registrais em nosso país. Como tenho sofrido com isso! E eu que achava que passar em um dos concursos mais disputados e difíceis do país era a parte mais difícil!

Comecei a entender, com relação à atividade, que não importa a especialidade, a classe é uma só. Notários e registradores devem ser valorizados e respeitados, recíproca e isonomicamente.

Devemos lutar unidos, em prol da sobrevivência e valorização das atividades, e pelo bem da sociedade. Especialmente por aqueles que laboram em serventias pequenas e deficitárias e pelos registradores civis, que, na maioria das vezes, não são suficientemente remunerados pelos seus serviços, exercendo-os muito mais por amor à profissão e ao próximo do que por qualquer outra coisa.

É preciso também, cada vez mais, valorizar o cidadão que procura os nossos serviços, prestando-lhe um atendimento mais humano e eficaz. E isso serve para todo o serviço público!

Certa vez, li uma matéria escrita por um juiz de direito, em que ele afirmava que somente às vésperas de se aposentar é que se considerava “pronto” para julgar aquele que tinha sido o seu primeiro caso, naquela sua primeira e longínqua comarca do interior.

Estou longe de me aposentar, ainda mais agora com essa tal reforma previdenciária, mas me lembro de ter refletido muito sobre aquilo e de como aquela honesta e humilde afirmação tocou o meu coração.

Nossas atitudes determinam a forma como vivemos e influenciam o ambiente no qual estamos inseridos. As nossas escolhas determinam o nosso futuro e também daqueles que estão à nossa volta!

Como um eterno aprendiz, compreendi que no teatro da vida devemos ser os atores do espetáculo, e não a plateia que apenas assiste ao show, como diria aquele escritor famoso!

Nas noites de estudo e finais de semana de trabalho, tive a convicção de que o trabalho é uma bênção, mas que a vida é uma grande dádiva de Deus! E, como diz a letra daquela canção, “É PRECISO SABER VIVER!”.

Afinal de contas, como o tempo passa rápido!

*O autor, Anderson Nogueira Guedes, é Notário e Registrador Substituto do Tabelionato Guedes – 2º Serviço Notarial e Registral de Campo Novo do Parecis-MT, Secretário-Adjunto da ARPEN-MT e conselheiro fiscal do IEPTB-MT.

Fonte: Anoreg/MT | 08/06/2017.

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ARTIGO: QUAL É O SEU ESTADO CIVIL? – POR ANDERSON NOGUEIRA GUEDES

*Anderson Nogueira Guedes

Essa é uma pergunta simples e deveria ter uma resposta simples também.

Mas, na prática, não é o que sempre acontece.

Muitas pessoas respondem tal questionamento de maneira errada. Umas, por desconhecimento; outras, de maneira proposital.

É uma pergunta corriqueira na prática notarial e registral, e geralmente é acompanhada de outras, necessárias à correta e adequada identificação e qualificação das partes.

Após identificarmos uma pessoa, com a conferência dos originais de seus documentos pessoais, normalmente a questionamos sobre seus dados básicos de qualificação: estado civil, profissão e endereço atual.

Isso é muito comum, principalmente no Tabelionato de Notas, seja na abertura de um cartão de assinaturas, seja na lavratura de um ato notarial como uma procuração, uma escritura ou um testamento.

Não precisei de muito tempo na atividade para perceber que muitas pessoas realmente desconhecem o seu próprio estado civil.

– “Sou casado!” Respondem alguns, acreditando que a união estável e/ou o casamento religioso têm o condão de alterar o estado civil de uma pessoa.

Já outros, respondem: “Sou solteiro!” Acreditando que a separação, o divórcio ou o falecimento do cônjuge o tornam novamente solteiro.

Outros, por outro lado, respondem: “Sou amasiado!”

Mas, em suma, o que é estado civil?

Podemos dizer que, em direito, estado civil é a situação de uma pessoa com relação ao matrimônio ou à sociedade conjugal. É basicamente isso.

É como nos apresentamos em nosso dia a dia, no trato social.

Em nosso ordenamento jurídico, em uma visão tradicional e clássica, os possíveis estados das pessoas com relação ao casamento são: solteiro, casado, separado (judicial ou extrajudicialmente), divorciado e viúvo.

Solteira é a pessoa que não está e nunca esteve ligada a outra pelo vínculo do casamento. Também o é aquele que teve a sociedade conjugal rompida pela nulidade ou anulação do casamento, nos termos do artigo 1.571, II, do Código Civil.

Casada é a pessoa que se encontra ligada a outra pelo vínculo do casamento, nos termos da legislação civil em vigor. O casamento civil está disciplinado pelo artigo 1.511 e seguintes do Código Civil e pelo artigo 70 e seguintes da Lei de Registros Públicos.

Separada é a pessoa que rompeu a sociedade conjugal por meio de uma ação de separação judicial ou de uma escritura pública de separação consensual.

Divorciado é aquele que rompeu o vínculo do seu casamento por meio de uma ação judicial de divórcio ou de uma escritura pública de divórcio consensual.

Mister se faz frisar que a Lei nº 11.441, de 04 de janeiro de 2007, possibilitou a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa, em tabelionatos de notas. E, de lá para cá, milhares de processos deixaram de abarrotar o Judiciário, gerando grande economia de tempo e de recursos aos cofres públicos. Atualmente, a separação e o divórcio, extrajudiciais, estão previstos no artigo 733 do novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, que assim preconiza:

Art. 733. O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731.

§ 1o A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.

§ 2o O tabelião somente lavrará a escritura se os interessados estiverem assistidos por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.”

Viúvo, por fim, é o indivíduo que teve o vínculo do seu casamento rompido pelo falecimento de seu cônjuge.

Esses são, segundo a legislação pátria, os possíveis estados das pessoas naturais com relação ao casamento. São as modalidades de estado civil existentes em nosso país.

Vale ressaltar que grandes civilistas, como Flávio Tartuce (2016, p. 150/152), defendem a criação de um novo estado civil familiar, de companheiro ou convivente, para as pessoas que convivem em união estável.

O fato é que não existe, até agora, legislação expressa nesse sentido.

Deve-se, entretanto, observar que, apesar de não haver previsão legal expressa quanto ao estado civil de companheiro ou convivente, não poderá a união estável ser omitida por qualquer dos companheiros, principalmente na realização de negócios jurídicos.

Deve-se ter zelo e muito cuidado na coleta dos dados de identificação e qualificação das partes e na conferência da documentação comprobatória das declarações por elas prestadas.

As implicações, em caso de erro ou inexatidão, são inúmeras. Tanto no campo social, quanto na esfera patrimonial.

Já imaginou um indivíduo casado se apresentando ao Oficial de Registro Civil para instruir processo de habilitação para um novo casamento, e declarando-se solteiro?

Imagine agora o “seu José”, casado com a “dona Maria”, de quem está separado de fato, vendendo sozinho um imóvel do casal, ao se declarar solteiro.

Você pode até dizer: “Ah! Isso é fácil de constatar!”

Na prática isso não é tão simples assim.

Não se esqueça que a velocidade com que as coisas acontecem na atual conjuntura social é espantosa. Todos querem tudo para ontem!

Mas não podemos falhar com a qualidade dos serviços em razão da pressa que nos é imposta. Agilidade em detrimento da qualidade do serviço nunca será uma boa opção.

As coisas têm que ser equilibradas.

O equilíbrio, a nosso ver, sempre será o melhor caminho a seguir.

A declaração inexata do estado civil, por equívoco ou má fé da parte, somada à falta de zelo ou atenção do profissional do direito ou de seus prepostos, pode acarretar grandes prejuízos a terceiros e, em consequência, levar as partes interessadas/envolvidas a infindáveis demandas judiciais, que poderiam ser evitadas no balcão da serventia.

A correta e adequada identificação das pessoas que figuram nos atos notariais e registrais garantem a almejada segurança jurídica, a nosso ver cerne das atividades notariais e registrais, e asseguram a eficácia jurídica dos atos praticados pelos notários e registradores.

Quando estou colhendo os dados de identificação de uma pessoa, a fim de saber se o que ela declarou corresponde à verdade, geralmente reforço o questionamento quanto ao estado civil:

– “Você já foi casado em cartório?”.

Isso tem um sentido. Muitos dos que se declaram solteiros são, na verdade, separados, divorciados ou viúvos.

É evidente que essa simples indagação não me dá a certeza de que o que está sendo declarado corresponde à verdade, mas me dá um indicativo de qual caminho seguir.

Caso nunca tenha se casado junto a um Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, claro está que se trata de pessoa solteira, mesmo que conviva ou tenha convivido por um longo tempo com outra em união estável.

Por outro lado, caso a pessoa responda que sim, a exigência da respectiva certidão de casamento é medida que se impõe, sobretudo em atos negociais.

As pessoas solteiras, maiores e capazes, têm, a princípio, livre administração/disposição de seus bens. Já os casados, em regra, necessitam de anuência do outro cônjuge (outorga uxória ou autorização marital) para alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis, bem como para prestar fiança ou aval, assim como nos demais casos do artigo 1.647 do Código Civil.

Em determinados casos, exige-se, inclusive, que a certidão de casamento esteja atualizada, a fim de se aferir o atual e verdadeiro estado civil da pessoa.

 Frise-se que toda e qualquer situação que altere o estado civil dos consortes deverá ser noticiada à margem do registro de casamento do casal, com fulcro no artigo 29, §1º, a, da Lei de Registros Públicos – Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e no artigo 10, I, do Código Civil.

Desta forma, serão objeto de averbação o divórcio, a separação e o restabelecimento da sociedade conjugal, bem como as sentenças que decretarem a nulidade ou anulação do casamento.

Apesar de referidos dispositivos legais não preverem a averbação da viuvez, a boa prática e as normas das corregedorias estaduais normalmente  recomendam a sua anotação à margem do registro de casamento.

Assim, em vindo o casal a se separar ou divorciar, judicial ou extrajudicialmente, a restabelecer a sociedade conjugal, ou vindo a falecer qualquer do par, tais informações deverão constar do assento de casamento e das respectivas certidões emitidas.

Em regra, uma pessoa que jamais tenha se “casado em cartório” (como costumeiramente se diz), por mais que com outra mantenha ou tenha mantido união estável, mesmo que por um longo período, não poderá ser considerada casada, separada, divorciada ou viúva. É solteira! Existem, entretanto, algumas situações em que a lei dispensa a celebração do casamento em cartório, como no caso do casamento religioso com efeitos civis, as quais serão abordadas em outra oportunidade.

Por outro lado, uma pessoa que se casou no civil, mesmo que separada de fato de seu cônjuge, não poderá ser considerada separada ou divorciada, enquanto pendente a separação ou divórcio.

Agora, o que dizer de pessoa separada, judicial ou extrajudicialmente, vindo o seu ex-cônjuge a falecer antes da conversão da separação do casal em divórcio?

Imaginemos a seguinte situação: José e Maria vieram a se separar juridicamente (judicial ou extrajudicialmente). Após a separação do casal, sem que tenha havido a conversão em divórcio, José veio a falecer. Qual é o estado civil de Maria? Pense um pouquinho aí!

Certa vez, uma senhora procurou a nossa serventia e me confessou que não sabia qual era o seu estado civil. Disse-me que havia se separado judicialmente de seu ex-marido há muitos anos, e que antes de promoverem a conversão da separação judicial em divórcio, veio ele a falecer. Confidenciou-me que não aguentava mais aquela situação, pois, segundo ela, ninguém sabia dizer ao certo qual era o seu estado civil. E, por isso, constrangida, apresentava-se sempre como separada judicialmente.

Sem hesitar, disse a ela: – “A senhora é viúva!”

Realmente, inúmeras foram as vezes que vi pessoas se equivocando quanto a essa situação específica, inclusive vários outros profissionais do direito. Muitos acham que, nesse caso, a pessoa permanece como separada judicialmente.

Não podemos nos esquecer que a separação, judicial ou extrajudicial, não tem o condão de dissolver o casamento válido. A separação extingue a sociedade conjugal, mas não dissolve o vínculo do matrimônio.  Desta forma, em vindo a falecer o ex-cônjuge separado (judicial ou extrajudicialmente), o sobrevivente deverá ser considerado viúvo, uma vez que o casamento não havia, ainda, sido dissolvido pelo divórcio.

Esse é, a nosso ver, o melhor entendimento.

Se não for assim, como poderá a pessoa, nesse caso, contrair novas núpcias, eis que o Código Civil em vigor veda o casamento de pessoas separadas?

Nunca mais poderá se casar com outra pessoa, e, assim, prosseguir com a sua vida?

O operador do direito, apesar de não lidar com uma ciência lógica como a matemática, deve procurar, no ordenamento, soluções lógicas, pertinentes e adequadas às situações que surgem em nosso dia a dia. Essa é a minha humilde opinião.

Nem todas as situações estão expressa e literalmente previstas no texto de lei. Aliás, isso seria praticamente impossível, haja vista a grande dinâmica existente em nossa sociedade.

Deve ter, desta forma, um conhecimento amplo do ordenamento jurídico, utilizando-se das regras de hermenêutica jurídica, e, muitas vezes, de interpretação sistemática, a fim de dar uma boa, adequada e justa solução aos casos que lhe são apresentados.

E não me venha com filosofia, dizendo que o que é justo para mim pode não ser justo para você! Estou falando de equilíbrio e bom-senso.

Lembro-me sempre das lições de meu primeiro professor de Direito Civil:

– “O Direito tem que fazer sentido”, dizia ele.

Confesso que a prática muitas vezes não reflete a beleza encontrada na teoria. Quer um exemplo genérico para você entender do que estou falando? Onde estão, saúde, educação, alimentação, transporte, moradia e outros tantos direitos sociais assegurados pela Constituição Federal a todos os brasileiros? Não estude bastante e consiga um bom emprego para ver o que acontece. E, depois, trabalhe bastante e continue estudando.

Desabafos à parte, voltemos ao que interessa.

O estado civil da pessoa, no caso em tela, é o de viúva.

Nesse diapasão, ensina-nos Maria Berenice Dias (2010, p. 59):

“Ocorrendo a morte de um dos cônjuges depois da separação, o sobrevivente assume a condição de viúvo. Essa conclusão tem uma justificativa lógica. Advindo a morte de um do par, não há a possibilidade de decretação do divórcio. Deste modo, é necessário reconhecer que a morte libera o separado para novo casamento. O mesmo não acontece quando ocorre o falecimento de um dos cônjuges depois do divórcio. Os divorciados continuam sendo assim identificados mesmo depois da morte do ex-cônjuge. O casamento já estava dissolvido”.

Apesar de simples, o assunto pode, por vezes, tornar-se tormentoso, como no caso daquela senhora que sempre se declarava separada judicialmente.

De suma importância, portanto, a correta identificação e qualificação das partes nos atos notariais e registrais, exigindo-se, sempre, dos notários e registradores, bem como de seus prepostos, muita atenção e zelo na realização de seu mister, a fim de que os seus atos venham a garantir as almejadas segurança e eficácia jurídicas.

Desta forma, depois de tudo devidamente esclarecido, pergunto-lhe:

Qual é mesmo o seu estado civil?

BIBLIOGRAFIA:

BRASIL. Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 09 de agosto de 2017.

BRASIL. Código de Processo Civil Brasileiro, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/L13105.htm>. Acesso em: 09 de agosto de 2017.

BRASIL. Lei de Registros Públicos, Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015consolidado.htm>. Acesso em: 09 de agosto de 2017.

BRASIL. Lei nº 11.441, de 04 de janeiro de 2007. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/L11441.htm>. Acesso em: 09 de agosto de 2017.

DIAS, Maria Berenice. Divórcio Já! Comentários à Emenda Constitucional 66, de 13 de julho de 2010. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume Único. 6 ed. São Paulo: Método, 2016.

*O autor, Anderson Nogueira Guedes, é Tabelião Substituto do Tabelionato Guedes – 2º Serviço Notarial e Registral da comarca de Campo Novo do Parecis-MT. Bacharel em Direito e Secretário-Adjunto da ARPEN/MT.

Fonte: Anoreg/MT | 11/08/2017.

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