Artigo: Cartório é nome fantasia do Tabelionato – Por Marco Antonio de Oliveira Camargo

*Marco Antonio de Oliveira Camargo

Introdução:   É aceitável que o tabelião de notas busque promover o seu tabelionato e diferenciá-lo da concorrência. Adotar uma marca própria e um nome fantasia para o cartório não deve ser considerado uma atitude irregular

Cartório é nome fantasia do Tabelionato

Um colega tabelião recentemente expressou seu inconformismo com um comando normativo existente nas Normas de Serviço do Estado onde ele é titular de uma delegação.
O comando tem o seguinte teor:   “….Fica vedada a adoção do nome de fantasia na identificação da serventia, devendo ser identificada como Tabelionato de notas, tabelionato de protesto….podendo constar em menor destaque, abaixo da identificação da serventia, o nome do agente delegado e suas atribuições.”
Em sua ácida manifestação, entretanto, o colega foi muito feliz ao enfatizar que nome fantasia para a sua delegação seria, por exemplo,  “1º Cartório da Comarca de…” A  denominação oficial/correta  do serviço não contempla o nome pelo qual todos  os usuários conhecem o serviço, ou seja, segundo a Constituição Federal e a Lei 8935/94  a denominação  do Serviço Público não contempla a denominação CARTÓRIO (1).
Informa ele que, há muito tempo, o “seu cartório” é conhecido pelo nome que tradicionalmente vem sendo usado e que identifica o serviço perante os seus usuários;  nome este que está presente em impressos e placas indicativas e que foi criado um símbolo gráfico para melhor identificá-lo (um logotipo criado por profissional da área de comunicação visual).
Com razão, ele afirma que se modificasse as placas de identificação existentes diante do imóvel onde exerce as suas funções, trocando-as pela denominação oficial (que seria, digamos: 1º Tabelião de Notas da Comarca), haveria de ocorrer  uma situação absurda. As pessoas  haveriam de perguntar:  Para onde mudou o cartório?
Está certo o colega, ao reclamar do teor do comando existente nas Normas de Serviço de seu Estado.
Proibir o uso de uma marca ou nome para melhor identificar o serviço público (um nome fantasia), parece ser mesmo um excesso.  Melhor seria se o comando se limitasse apenas a recomendar o uso do nome oficial e que tal denominação deveria receber destaque igual ou maior do que qualquer outra eventualmente adotada.
A atividade do tabelião de notas ocorre sob a forma de uma saudável concorrência com seus iguais. A escolha do tabelionato de notas, como deve ser de conhecimento de todos os usuários e também dos corregedores e demais agentes públicos, é livre.
É saudável a concorrência porque a existência da liberdade de escolha oferece um valioso incentivo para o contínuo aperfeiçoamento da prática da atividade notarial. O tabelião que oferece melhor orientação e atendimento, que de forma célere e eficaz consegue atender às necessidades de seus usuários, certamente é recompensado com a preferência destes usuários.
Se, por um lado, é inquestionável que o cliente satisfeito é o melhor garoto propaganda  que uma empresa pode desejar. Por outro lado, é igualmente verdade que em uma sociedade dinâmica e competitiva como a atual, está certo o  profissional que busca fazer o seu marketing, promoção e valorização individual. Buscar a valorização pessoal é atitude equivalente ao conceito de  promoção de uma marca e não pode ser condenada no que se refere à atitude profissional do tabelião de notas, do mesmo modo  que ocorre, por exemplo, com uma Sociedade de Advogados.
Entretanto, alguém mais legalista pode afirmar: cartório não é empresa e usuário de serviço público não é cliente.
No que se refere a registros públicos, esta afirmação é muito pertinente, mas quando se trata dos serviços de tabelionato, a situação é diferente.
Quando se considera a realidade dos tabelionatos de notas existentes nas médias e grandes cidades, nas regiões metropolitanas e áreas próximas a divisas estaduais, percebe-se muito claramente que o esforço para realizar o melhor atendimento é uma constante. Se o tabelião não conseguir atender adequadamente quem lhe procura, o usuário simplesmente irá buscar outro tabelião no distrito ou município, na cidade vizinha ou no Estado limítrofe (quando então, uma diferente tabela de custas pode representar ainda um incentivo adicional).
Sendo livre a escolha do tabelião, justo seria que igualmente livre fosse a escolha do nome pelo qual o tabelião pretende ser conhecido e identificado em sua competitiva realidade de atuação profissional.
Neste espaço, portanto, o que se defende é a possibilidade da existência de um nome ou marca para melhor identificar o cartório, entretanto sem  o abandono definitivo do nome oficial da delegação.
Entende este autor que é realmente importante que se mantenha o nome oficial para conhecimento das futuras gerações.
Os tabelionatos, regra geral, existem antes do tabelião assumir sua titularidade e,  como ninguém é eterno, o tabelionato vai continuar existindo, sob a mesma denominação oficial, quando o atual titular deixar a titularidade para outro, quando ele se aposentar  ou então quando  partir para lavrar escrituras em um plano superior.
Existe uma definição simples, mas evidentemente verdadeira sobre a identidade  dos cartórios no país: UM CARTÓRIO SÃO OS LIVROS QUE ELE TEM EM SEU ACERVO (ou, os  REGISTROS, se assim se preferir nomear). Ora, se o cartório são os livros, a pessoalidade única do tabelião (ou do registrador) não é fundamental, pois,  o tabelião passa (e o registrador também), mas o cartório continua (leia-se os livros serão repassados para outro).
Por tal motivo é que se insiste: é aceitável para um tabelionato a adoção de uma marca ou nome pessoal que venha a identificar claramente quem é seu tabelião, a pessoa responsável por sua direção e que, sob sua responsabilidade pessoal oferece bom atendimento para  quem busca os seus serviços.
Para a história e para as próxima gerações, entretanto, mais do que saber se tal ou qual escritura foi lavrada pelo Tabelião X (ou pelo Cartório Diamante, por exemplo)  importa é ter ciência de que o LIVRO onde foi lavrado aquele ato faz parte do acervo  do 1º  (2º ou 3º) Tabelionato da Comarca Z. (2)

Notas
(1) – Sobre a denominação Cartório, o autor já se manifestou em duas ocasiões diferentes. O artigo, denominado “Cartório, um nome a ser preservado”  publicado em 04 de fevereiro de 2015,  pode ser acessado em: http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=NTE5NQ==&filtro=1&Data .  O texto  “Projeto de Lei Regulamenta o uso do nome Cartório”, publicado em 06 de julho de  2016, tem acesso possível em: http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=Nzg5MA==
(2) Na atualidade  os Livros de Notas podem ser escriturados de forma eletrônica, mas o acervo é uma realidade única e pertence ao Estado Brasileiro, verdadeiro Titular da Delegação e que um dia irá cobrar a entrega de tal acervo como um todo.

* Marco Antonio de Oliveira Camargo é Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de  Sousas

Fonte: Colégio Notarial do Brasil – CF | 06/12/2016.

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Artigo – Casamento entre pessoas do mesmo sexo: qual o ponto final? – Por José Flávio Bueno Fischer

*José Flávio Bueno Fischer

Recentes notícias veiculadas na mídia, a exemplo da matéria transmitida pelo Bom Dia Brasil no dia 25 de novembro[1], demonstraram que os casamentos entre pessoas do mesmo sexo no Brasil cresceram em um ritmo maior do que as uniões entre homens e mulheres.
De acordo com dados do IBGE, trazidos pelo Bom Dia Brasil, no ano passado, as uniões entre casais de sexos diferentes cresceram 2,7% na comparação com 2014. Já as uniões entre casais do mesmo sexo aumentaram 15,7%. Foram mais de 5,6 mil casamentos entre homossexuais.
O casamento entre pessoas do mesmo sexo é permitido no Brasil desde 2013, por meio da Resolução nº 175, do Conselho Nacional de Justiça, que determinou que é vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.
Diante desta Resolução e dos dados do IBGE trazidos acima, pode parecer, à primeira vista, que a possibilidade de casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil é questão pacífica, morta e sepultada. Entretanto, não é exatamente assim. Alguns projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados, a exemplo do Estatuto da Família (PL 6583/13), que reconhece como a família apenas casais formados por um homem e uma mulher, bem como a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4966, proposta contra a Resolução nº 175 do CNJ, ameaçam esta importante conquista, podendo impedir, no futuro, que casais homoafetivos casem e adotem crianças.
Para entendermos melhor a questão, imperioso que façamos uma análise da evolução do direito no Brasil em relação às uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Com efeito, a legislação brasileira nada dispõe acerca da união homoafetiva. Não a proíbe, mas também não trata especificamente do tema. Há um vazio legislativo.
Diante disso, da inexistência de regulamentação expressa da união homoafetiva, muitos magistrados brasileiros já entenderam, no passado, ser juridicamente impossível o reconhecimento dessa relação afetiva. Entretanto, tal posição foi superada pelos Tribunais Superiores, sob o argumento de que “a possibilidade jurídica do pedido não é simplesmente a previsão, in abstracto, no ordenamento jurídico, da pretensão formulada pela parte. Portanto, não deve ser conceituada, como se tem feito, com vistas à existência de uma previsão no ordenamento jurídico, que torne o pedido viável em tese, mas, isto sim, com vistas à inexistência, no ordenamento jurídico, de previsão que o torne inviável”.[2] Em outras palavras, aquilo que não é expressamente proibido tem-se por permitido[3].
No Rio Grande do Sul, cujo Tribunal é vanguardista no reconhecimento dos direitos aos homoafetivos, esta posição foi consolidada em 14.03.2001, no julgamento da AC 598.362.665, pela 8ª Câmara Cível, cujo relator foi o Desembargador José S. Trindade. Posteriormente, em 02/09/2008, o Superior Tribunal de Justiça, determinou o prosseguimento da ação que havia sido extinta sob o fundamento de ser juridicamente impossível o pedido (REsp 820475/RJ, 4ª Turma, relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, relator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão). Mais tarde, depois da decisão do Supremo Tribunal Federal, máxima Corte do país, o Superior Tribunal de Justiça referendou a posição, no julgamento do AgRg-REsp 805.582, ocorrido em 21/06/2011, na 4ª Turma, tendo como relatora a Ministra Maria Isabel Gallotti. [4]
É evidente, portanto, face ao frescor das decisões acima, que por longos anos, no Brasil, negou-se às uniões homoafetivas os mesmo direitos e prerrogativas conferidos às uniões heteroafetivas. Boa parte da jurisprudência insistia em reconhecer a existência de mera sociedade de fato[5], repudiando a união estável quando se tratava de uma relação entre pessoas do mesmo sexo. “Visualiza-se exclusivamente um vínculo negocial, negando-se a relação afetiva que existe com as características de uma família”.[6]Esse foi o fundamento da primeira decisão do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial, no ano de 1998.[7]
Conforme Maria Berenice Dias, “a justificativa reiteradamente utilizada para não reconhecer a união homoafetiva como união estável sempre foi que a norma constitucional, as leis que regulamentaram a união estável e o Código Civil fazem referências à diversidade de sexos: homem e mulher”.[8] Em um primeiro momento, ainda segundo a autora, o meio utilizado para contornar este obstáculo legal foi a analogia. Porém, não tardou a Justiça a abandonar este argumento e a reconhecer a união homoafetiva como união estável, para todos os fins de direito, reconhecendo-a como entidade familiar, eis que fundada no mesmo alicerce das relações heteroafetivas: o afeto. E, o Tribunal do Rio Grande do Sul, através do julgamento da Apelação Cível nº 70006542377, em 2003, foi pioneiro nestas decisões.[9]
No entanto, o marco definitivo na questão da união homoafetiva no Brasil só ocorreu oito anos depois, em maio de 2011, quando o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277 e da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132, reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo[10], conferindo-a status de entidade familiar, com iguais direitos e obrigações das uniões heteroafetivas.
Para tanto, a Suprema Corte brasileira reconheceu o afeto enquanto princípio constitucional implícito[11]. Nas palavras do Ministro Celso de Mello, extraídas do voto proferido no julgamento da ADI 4277 e da ADPF 132, ficou clara a consagração do afeto como núcleo das relações familiares: “torna-se indiscutível reconhecer que o novo paradigma, no plano das relações familiares, após o advento da Constituição Federal de 1988, consolidou-se na existência e no reconhecimento do afeto”.[12]
Neste sentido, também foi o voto do Ministro Luiz Fux[13], cujas belas palavras valem a transcrição:
O que distingue, do ponto de vista ontológico, as uniões estáveis, heteroafetivas, das uniões homoafetivas? Será impossível que duas pessoas do mesmo sexo não tenham entre si relação de afeto, suporte e assistência recíprocos? Que criem para si, em comunhão, projetos de vida duradoura em comum? Que se identifiquem, para si e para terceiros, como integrantes de uma célula única, inexoravelmente ligados? A resposta a essas questões é uma só: Nada as distingue. Assim como companheiros heterossexuais, companheiros homossexuais ligam-se e apoiam-se emocional e financeiramente; vivem juntos as alegrias e dificuldades do dia-a-dia; projetam um futuro comum. Se, ontologicamente, união estável (heterossexual) e união (estável) homoafetiva são simétricas, não se pode considerar apenas a primeira como entidade familiar. Impõe-se, ao revés, entender que a união homoafetiva também se inclui no conceito constitucionalmente adequado de família, merecendo a mesma proteção do Estado de Direito que a união entre pessoas de sexos opostos. Nesse diapasão, a distinção entre as uniões heterossexuais e as uniões homossexuais não resiste ao teste da isonomia. Para tanto, recorde-se, novamente, o magistério de ROBERT ALEXY (ob. cit., p. 395 e seguintes), para quem, inexistindo razão suficiente para o tratamento jurídico diferenciado, impõe-se o tratamento idêntico. Não há qualquer argumento razoável que ampare a diferenciação ou a exclusão das uniões homoafetivas do conceito constitucional de família. Deveras, os únicos fundamentos para a distinção entre as uniões heterossexuais e as uniões homossexuais, para fins de proteção jurídica sob o signo constitucional da família, são o preconceito e a intolerância, enfaticamente rechaçados pela Constituição já em seu preâmbulo (“[…]a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, aigualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, […]”) e também no inciso IV do art. 3º (“promover o bem de todos, sem preconceitosde origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”) e, ainda, no art. 5º, caput (“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, […]”).Não se pode ceder, no caso, a considerações de ordem moral, exceto por uma, que, ao revés, é indispensável:todos os indivíduos devem ser tratados com igual consideração e respeito.” (grifos do original)

Do voto acima transcrito, percebe-se, com clareza, que além do afeto como elemento fundante da família, o Supremo Tribunal Federal baseou sua decisão nos princípios constitucionais da igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana, sob o argumento de que a Carta Constitucional confere a tais princípios status de valores supremos, de forma que ignorar a existência e a validade jurídica das uniões homoafetivas equivale as por em situação de injustificada e inconstitucional desvantagem em relação às uniões estáveis heterossexuais. Ademais, conforme entendimento da Corte Superior, o projeto de vida daqueles que têm atração pelo mesmo sexo resultaria prejudicado com a impossibilidade absoluta de formar família. Exigir-lhes a mudança na orientação sexual para que estejam aptos a alcançar tal situação jurídica demonstra menosprezo à dignidade e esbarra no óbice constitucional ao preconceito em razão da liberdade de orientação sexual.
Conforme já mencionado, a decisão proferida na ADI 4277 e na ADPF 132 foi um marco histórico para o Brasil na luta dos direitos dos homoafetivos. Isso porque, em razão de ter sido proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de ação direta de inconstitucionalidade, dispõe de eficácia erga omnes (contra todos) e efeito vinculante frente ao Poder Judiciário e à Administração Pública, no âmbito federal, estadual e municipal. Ou seja, diante de tal decisão, ninguém, nem o Poder Judiciário e nem a Administração Pública podem deixar de reconhecer a união estável para duas pessoas do mesmo sexo que atendam seus requisitos (convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituir família). A omissão da lei, assim, deixou de servir de argumento ao reconhecimento das relações entre pessoas do mesmo sexo.
Pois bem. Após o reconhecimento constitucional da união homoafetiva como entidade familiar, o grande debate passou a ser a possibilidade do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, eis que a decisão do STF identificou a união homoafetiva como entidade familiar, mas não fez referência expressa ao casamento.
A despeito da falta de referência expressa, muitos registradores civis passaram a realizar casamentos entre pessoas do mesmo sexo após o histórico julgamento. O entendimento era de que tendo sido garantidos à união homoafetiva todos os direitos da união heterossexual, não admitindo-se qualquer distinção, e em razão da Constituição recomendar a conversão da união estável em casamento, negar tal possibilidade aos homossexuais seria negar eficácia da decisão da Corte Maior, que dispõe de efeito vinculante.
Nesta linha, também seguiu a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Em outubro de 2011, no julgamento do Resp 1.183.378/RS, foi autorizado um processo de habilitação para a conversão da união homoafetiva em casamento.[14] Naquela oportunidade, a Turma entendeu que “os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil de 2002, não vedam expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar.”
Entretanto, tal entendimento não era pacífico. Enquanto alguns registradores estavam procedendo ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, inúmeros outros negavam pedidos de habilitação no mesmo sentido. Nem mesmo entre os Tribunais havia unanimidade.
Foi então que, em 14.05.2013, o Conselho Nacional de Justiça resolveu por fim a celeuma. Através da Resolução nº 175, o CNJ determinou que é vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.
Com a Resolução em comento, pode parecer que a discussão ganhou um ponto final. Mas, não foi o que ocorreu. O Partido Social Cristão (PSC), inconformado com a Resolução, ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade 4966, no Supremo Tribunal Federal, sob o argumento de que o CNJ extrapolou o princípio da reserva constitucional de competência legislativa ao expedir ato regulamentar que versa sobre matéria de atribuição constitucional do Poder Legislativo.[15] Ademais, o Partido alegou que ao se manifestar sobre a união homoafetiva no julgamento da ADI 4277 e da ADPF 132, o Supremo Tribunal Federal nada falou sobre o casamento civil, de forma que o CNJ estaria inovando e dilatando o objeto da ADPF. A ADI 4966, proposta pelo PSC, ainda não foi julgada no Supremo.
Além disso, o projeto de lei nº 6583/2013, conhecido como Estatuto da família, num verdadeiro retrocesso, ameaça futuros casamentos entre pessoas do mesmo sexo na medida em que conceitua como família exclusivamente a união entre um homem e uma mulher.
O problema envolvendo a questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo reside, portanto, na aparente precariedade deste direito adquirido através da Resolução nº 175 do CNJ, ameaçado pela ADI 4966 e pelo Estatuto da Família.
A solução para o problema parece óbvia, não é verdade? A edição de uma lei que fulmine com o preconceito e conceda aos homossexuais, definitivamente, todos os direitos conferidos aos heterossexuais, eis que o reconhecimento público da união homoafetiva trará efeitos diretos para os sujeitos dessas relações, trazendo novas perspectivas nas relações sociais, para muito além da dimensão privada.[16]
Entretanto, o problema está justamente onde se encontra sua solução: no Poder Legislativo. O Congresso Nacional Brasileiro tem sofrido grande influência religiosa, havendo enorme resistência em aprovar qualquer projeto que enlace as uniões de pessoas do mesmo sexo no sistema jurídico. Prova disso é que tramitam há anos, sem conclusão, inúmeros projetos buscando assegurar os mais variados direitos aos homossexuais. O mais antigo data de 1995, o PL 1.151/1995, apresentado pela Deputada Marta Sulicy e que busca regulamentar a “união civil entre pessoas do mesmo sexo”. Conforme Maria Berenice Dias, “apesar de estar pronto para ser incluído na ordem do dia, desde 31.05.2001, por acordo de lideranças, foi retirado várias vezes de pauta, encontrando-se arquivado. A própria autora do Projeto reconhece que o seu texto está superado e que sequer merece prosseguir em tramitação”[17]
A morosidade e omissão do Congresso Nacional, pois, têm prejudicado de forma desumana os homossexuais, negando-lhes direitos fundamentais, em franco desrespeito aos princípios da Constituição Federal.
Diante deste cenário, então, o que podemos fazer? Como garantir que os direitos conferidos pela Resolução nº 157 do CNJ se tornem perenes e estáveis?
Neste ano, no Brasil, nós acompanhamos a força que os movimentos populares têm. Independentemente de ideologia e de questões políticas, o fato é que o brasileiro percebeu que não precisa mais se calar e que pode contribuir como cidadão para a melhoria do país.
Pois assim também ocorre com a conquista de direitos. Precisamos todos, cidadãos, juristas, advogados, notários, registradores, nos unir a Institutos como o IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), que lutam pelos direitos dos casais homoafetivos, e cobrar do Congresso Nacional a tramitação e aprovação dos projetos de lei que garantem, em definitivo, o casamento e a constituição de família por pessoas do mesmo sexo. Esta providência se faz essencial para colocar um “ponto final” na discussão, para que a ausência de lei não seja mais utilizada como justificativa na negativa do reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo.
Já dizia aquele antigo ditado: “para os maus triunfarem, basta os bons silenciarem”! Sejamos os bons a construir a história do nosso país: de igualdade, de respeito, de dignidade para todos, pois  “se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os “arranjos” familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto”.[18]


[1] BOM DIA BRASIL. Casamento gay no país cresce em ritmo maior que o de heterossexuais.Disponível em http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2016/11/casamento-gay-no-pais-cresce-em-ritmo-maior-que-o-de-heterossexuais.html. Acesso em 25.11.2016.

[2] DIDIER JÚNIOR, Fredie. Apud DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça.5.ed. ver. atual. e ampl. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 141.

[3] Princípio Geral do Direito Brasileiro.

[4] DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça. 5.ed. ver. atual. e ampl. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 141.

[5] Artigo 981, do Código Civil: Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica a partilha, entre si, dos resultados.

[6] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Família – 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 200.

[7] “Sociedade de fato. Homossexuais. Partilha do bem comum. O parceiro tem o direito de receber a metade do patrimônio adquirido pelo esforço comum, reconhecida a existência de sociedade de fato com os requisitos no art. 1363 do c. Civil. Responsabilidade civil. Dano moral. Assistência ao doente com aids. Improcedência da pretensão de receber do pai do parceiro que morreu com aids a indenização pelo dano moral de ter suportado sozinho os encargos que resultaram da doença. Dano que resultou da opção de vida assumida pelo autor e não da omissão do parente, faltando o nexo de causalidade. Art. 159 do c. Civil. Ação possessoria julgada improcedente. Demais questões prejudicadas. Recurso conhecido em parte e provido.” (STJ, Resp 148897/MG, rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, quarta turma, julgado em 10/02/1998)

[8] DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça. 5.ed. ver. atual. e ampl. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 134.

[9] “APELAÇÃO. UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA. Embora reconhecida na parte dispositiva da sentença a existência de sociedade de fato, os elementos probatórios dos autos indicam a existência de união estável. PARTILHA. A união homossexual merece proteção jurídica, porquanto traz em sua essência o afeto entre dois seres humanos com o intuito relacional. Caracterizada a união estável, impõe-se a partilha igualitária dos bens adquiridos na constância da união, prescindindo da demonstração de colaboração efetiva de um dos conviventes, somente exigidos nas hipóteses de sociedade de fato. NEGARAM PROVIMENTO. (Segredo de Justiça) (Apelação Cível Nº 70006542377, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 11/09/2003) (grifo nosso)

[10] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Notícias. Disponível em:http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931. Publicado em: 05.05.2011. Acesso em: 23.07.2013.

[11] VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da homoafetividade: da possibilidade jurídica do casamento civil, da união estável e da adoção por casais homoafetivos. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012. p. 198.

[12] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Voto do Min. Celso de Mello na ADPF 132 e ADI 4.277. Julgado em: 05.05.2011. Publicado em: 14.10.2011. Disponível em:http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628635. Acesso em: 06.07.2013.

[13] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Voto do Min. Luiz Fux na ADPF 132 e ADI 4.277. Julgado em: 05.05.2011. Publicado em: 14.10.2011. Disponível em:http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628635. Acesso em: 06.07.2013.

[14] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.183.378/RS, 4ª Turma. Relator: Min. Luis Felipe Salomão. Julgado em: 25.10.2011. Publicado em: 01.02.2012. Disponível em:https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201000366638&dt_publicacao=01/02/2012. Acesso em: 23.07.2013.

[15] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Notícias. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=240588
Publ.: 07.06.2013. Acesso em: 31.08.2013.

[16] MATOS, Ana Carla Harmatiuk. Perspectiva civil-constitucional. In: DIAS, Maria Berenice (coord.). Diversidade Sexual e Direito Homoafetivo. 1. ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 136.

[17] DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito & a justiça. 5.ed. ver. atual. e ampl. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 70.

[18]SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº 1.183.378/RS, 4ª Turma. Relator: Min. Luis Felipe Salomão. Julgado em: 25.10.2011. Publicado em: 01.02.2012. Disponível em:https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201000366638&dt_publicacao=01/02/2012. Acesso em: 23.07.2013.

*José Flávio Bueno Fischer: 1º Tabelião de Novo Hamburgo/RS, Ex-presidente do CNB-CF e Membro do Conselho de Direção da UINL

Fonte: Colégio Notarial do Brasil/CF | 29/11/2016.

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Artigo: A GRATUIDADE E OS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO – Por Letícia Franco Maculan Assumpção

*Letícia Franco Maculan Assumpção

O presente artigo busca reproduzir parte dos debates ocorridos no dia 19 de agosto de 2016, no seminário “Gratuidade no Extrajudicial: Consequências de sua Política”, que aconteceu no Palácio de Convenções do Anhembi, em São Paulo. O evento foi realizado pela Academia Paulista de Direito e coordenado pelo Desembargador Ricardo Henry Marques Dip.

Foi uma grande satisfação estar presente no evento e constatar como grandes nomes da Academia estão preocupados com a preservação da atividade, que é vítima de preconceitos e mesmo ataques constantes, que chegam a ameaçar sua existência.

A gratuidade vem sendo imposta de forma desarrazoada e inconstitucional aos serviços notariais e de registros. A questão essencial é a sustentabilidade da prestação em caráter privado dos referidos serviços, por meio do sistema consagrado pela Constituição da República.

São vários os argumentos que foram utilizados para evitar essa gratuidade de potencial destruidor do sistema constitucional, mas talvez seja melhor começar pelo mais simples, pela inconstitucionalidade das leis federais que vêm tratando de isenção de emolumentos, dentre essas leis a ameaça mais recente é o novo CPC.

O doutor em Direito Processual Civil, Eduardo Arruda Alvim, falou sobre as normas isentivas. Esclareceu que, na Constituição Federal de 1967, a União podia isentar tributos estaduais, o que não existe mais na CF/88, que está fundamentada no pacto federativo, de forma que não pode lei federal criar isenção de tributos estaduais.

Eduardo Alvim destacou a inconstitucionalidade da isenção heterônoma, que consiste na proibição de ente diverso daquele ao que cabe o tributo em criar isenções para o ente tributante.

O art. 145, II, da CF/88 atribuiu a competência tributária à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para instituir as suas respectivas taxas.

Ora, no Supremo Tribunal Federal já foi uniformizado o entendimento da natureza tributária dos emolumentos, de espécie taxa estadual, precedente firmado no Rp nº 895-GB, em meados de 1973, e reproduzido em diversos outros julgados posteriores¹. Sendo assim e considerando o disposto no art. 151, III, da CR/88, é vedado à União “instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.

A Constituição proíbe a União de isentar tributos que não são da sua competência. A CF/88 efetivou a autonomia entres os entes da Federação e, eliminou, definitivamente, as ingerências da União nos temas de interesses dos Estados, DF e Municípios. Trata-se de decorrência lógica do princípio do federalismo.

A regra constitucional é simples: apenas pode isentar o ente que pode tributar. Sendo os emolumentos tributos estaduais (taxas estaduais), apenas o estado-membro respectivo pode conceder a isenção.

E sempre é importante lembrar a Lei Federal nº 10.169/2001, que veio regulamentar o art. 236 da CR/88, estabelecendo regras gerais para a fixação de emolumentos e dispondo no art. 1º, parágrafo único:

Art. 1º – Os Estados e o Distrito Federal fixarão o valor dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos respectivos serviços notariais e de registro, observadas as normas desta Lei.

Parágrafo único. O valor fixado para os emolumentos deverá corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados.

Assim, é inconstitucional e é ilegal a criação de isenções que levem à perda da sustentabilidade dos serviços notariais e de registro, não podendo a União criar isenções de emolumentos.

Mas, como se trata de inovação da CR/88, que, fundamentada no pacto federativo, vedou a isenção heterônoma, alterando o que dispunha a Constituição Federal de 1967, TALVEZ A CLARA INCONSTITUCIONALIDADE AINDA NÃO TENHA SIDO COMPREENDIDA PELA MAIORIA DOS LEGISLADORES.

Em artigo sobre o tema2 o doutrinador traz esclarecedora manifestação do Dr. Fernando Humberto dos Santos, feita enquanto o brilhante Juiz de Direto atuava na Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte:

Entendo, portanto, que há obrigação da União em pagar os emolumentos. E não se restringe ao serviço de buscas e à emissão de certidões, abrangendo todos os atos praticados pela Serventia, inclusive não podendo existir isenção com relação às taxas. Nesse sentido, encontram-se inúmeros precedentes de diversos tribunais, esclarecendo que os emolumentos cartoriais das serventias extrajudiciais não se confundem com as custas judiciais devidas aos cartórios da Justiça, não podendo terceiros como avaliadores, peritos, intérpretes, tabeliães e registradores públicos, serem compelidos a trabalhar gratuitamente, não se aplicando, ao caso, a isenção prevista na LEF, e nem aquela do art. 27 do CPC. (sem grifos no original)

Na referida manifestação, Fernando Humberto dos Santos reproduz dois acórdãos do TRF 3ª R. (AG 309886 – Proc. Nº 200703000869811 e AG 312702 – Proc. Nº 200703000914002) e prossegue afirmando que:

Os emolumentos percebidos pelos atos praticados consubstanciam a única fonte de custeio dos serviços de registro, razão pela qual deve ser exigido seu pagamento. A princípio, portanto, não há isenção de emolumentos para os órgãos ou agentes públicos, exceto através de lei estadual. Quanto aos órgãos e autarquias do Estado de Minas Gerais, há expressa previsão na Lei Estadual 15.424/04. (sem grifos no original)

O mencionado Agravo de Instrumento n. 312702 tem a seguinte ementa:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. PROCESSUAL CIVIL. UNIÃO FEDERAL. PAGAMENTO DE EMOLUMENTOS A CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. CERTIDÕES. DESPESA PROCESSUAL A CARGO DA EXEQÜENTE. AUSÊNCIA DE ISENÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. 1.Cabível a interposição do agravo por instrumento, nos termos da Lei nº 11.187/05, considerando tratar-se de decisão proferida em execução fiscal. 2.A isenção de que goza a Fazenda Pública se restringe a custas e emolumentos judiciais, que não se confundem, quanto à natureza jurídica, com as chamadas “despesas processuais”. 3. Não estão incluídos no conceito de isenção dos artigos 27 do CPC e 39 da Lei de Execuções Fiscais os atos que devem ser praticados – por terceiros – fora dos cartórios judiciais ou secretarias, tais como perícias, avaliações, publicação de editais na imprensa, emolumentos dos serviços prestados por cartórios extrajudiciais, etc., hipóteses em que devem ser adiantadas as despesas pela Fazenda. 4. Não se pode impor ao Cartório de Registro Civil a prestação de um serviço, sem pretender efetuar a sua remuneração, compelindo-o a arcar com o prejuízo. (Precedentes do STJ – Resp n. 366.005/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 10.03.2003 e Resp – 413980, Processo: 200200170549, UF: SC, Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA, Data da decisão: 04/05/2006, DJ:02/08/2006, PÁGINA:232, Rel. Min. João Otávio de Noronha). 5.Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TRF 3ª R., AG 312702; Proc. 2007.03.00.091400-2; SP; Sexta Turma; Rel. Des. Fed. Lazarano Neto; DEJF 12/05/2008)

O STJ também já se posicionou sobre o tema, destacando a diferença entre os emolumentos e as custas processuais:

Custas são o preço decorrente da prestação da atividade jurisdicional, desenvolvida pelo Estado-juiz através de suas serventias e cartórios. Emolumentos são o preço dos serviços praticados pelos serventuários de cartório ou serventias não oficializadas, remunerados pelo valor dos serviços desenvolvidos e não pelos cofres públicos. Despesas, em sentido restrito, são a remuneração de terceiras pessoas acionadas pelo aparelho jurisdicional, no desenvolvimento da atividade do Estado-juiz. (STJ, 2ª T., REsp 449.123-SC, rel. Min. Eliana Calmon, j.1l.17.01, DJU 10.03.03, p.173).

No mesmo sentido o acórdão abaixo reproduzido em parte:

“É cediço em sede doutrinária que a isenção que goza a Fazenda Pública, nos termos do art. 39, da Lei de Execuções Fiscais, está adstrita às custas efetivamente estatais, cuja natureza jurídica é de taxa judiciária, consoante posicionamento do Pretório Excelso (RE 108.845), sendo certo que os atos realizados fora desse âmbito, cujos titulares sejam pessoas estranhas ao corpo funcional do Poder Judiciário, como o leiloeiro e o depositário, são de responsabilidade do autor exeqüente, porquanto essas despesas não assumem a natureza de taxa, estando excluídas, portanto, da norma insculpida no art. 39, da LEF. (STJ, 1ª T., REsp. 720.090, Rel. Min. Luiz Fux, j.15.08.06, DJU 21.09.06).

Assim, mesmo que somente fosse examinado o primeiro argumento, qual seja a inconstitucionalidade da isenção heterônoma, em que lei federal isenta tributos estaduais, como os emolumentos, já haveria razão suficiente para proibir a insana e contínua concessão de gratuidades, mas há muitos outros argumentos que merecem ser examinados abaixo, que são apresentados por profissionais de renome.

O mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Luciano Benetti Timm, fez uma análise econômica sobre a gratuidade, lembrando que: “Sempre que se fala em gratuidade é necessário analisar quem pagará a conta, de onde sairá o recurso. A criação da gratuidade afeta diretamente a qualidade da prestação de serviços e, consequentemente, o usuário”.

O Dr. Luciano Benetti Timm comparou a gratuidade no serviços notariais e de registro à “tragédia dos baldios” e deixou a seguinte indagação: seria bom ampliar essa tragédia para os serviços notariais e de registro, que vêm funcionando muito bem?

Celso Fernandes Campilongo, professor de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade de São Paulo (USP), questionou os reflexos da gratuidade ilimitada sobre a eficiência dos serviços, pois há um custo na prestação do serviço, que deverá ser arcado por alguém.

Ele cita Claus Offe, doutrinador que identificou a desorganização nas democracias capitalistas que participam do Estado de bem-estar social: o Estado está enorme e há gratuidade em grandes setores: previdência, saúde, justiça – restringindo o mercado e levando a uma perversão inviável, pois há uma verdade inegável: alguém tem que pagar a conta. Não existe serviço sem custo.

Campilongo afirma que o Direito enfrenta três grandes  problemas: 1) dificuldade de lidar com grandes números: há limites operacionais para o Direito em um país com muitos miseráveis; 2) lidar com questões complexas que envolvem casos difíceis: equilíbrio econômico-financeiro x acesso a esses serviços; 3) dificuldade pra cuidar do futuro: efeitos das decisões judiciais ou legislativas x expectativa de direitos em relação ao futuro.

A gratuidade é um problema complexo. O principal ativo da profissão jurídica é a informação jurídica, para a qual, até recentemente, a comunicação escrita era o principal ativo. Mas hoje a informação jurídica recebe tratamento informatizado que muda muito rápido e exige investimentos pesados e constantes. A velocidade é incompatível com gratuidade ilimitada.

A natureza da tecnologia atual leva à importância crescente das instituições neutrais, autoridades independentes capazes de atender ao cidadão, por confiança e eficiência, e não seria possível a manutenção desses atributos com a gratuidade.

O professor alertou sobre o fato de que muitos juristas têm a mania ingênua de imaginar ferramentas como uma varinha de condão, que toca a realidade social e resolve todos os problemas. Os juristas mais prudentes procuram identificar os limites operacionais do Direito, pois o Direito por si só não produz riquezas.

Juristas mais sábios têm na mão o bastão do cego, o bastão que lhes permite identificar um obstáculo, sem mágica. Sem limites, o Direito não vai muito longe. Para o professor, com a imposição de gratuidade aos serviços notariais e de registro, está sendo posta em risco uma atividade essencial.

O Desembargador Ricardo Henry Marques Dip falou sobre a história da atividade notarial e registral e sobre como a gratuidade pode ser prejudicial a ela. Para ele, as atividades notarias e registrais são funções da sociedade, foram criadas pela própria sociedade. A delegação constitucional é de algo que nunca foi do Estado e tem natureza contratual, por isso a equação econômico-­financeira deve ser respeitada. O Estado é uma parte do todo, há coisas na sociedade que não são do Estado. No Brasil a CF/88 trouxe a situação chamada delegação constitucional. A delegação é um contrato sujeito a uma equação econômico­-financeira que não se sustenta com as gratuidades. O risco da insustentabilidade é do cidadão que precisa das notas e dos registros e pode se ver privado desses serviços.

Em conclusão, é preciso destacar a impossibilidade de ser mantido o sistema constitucional que delegou ao particular os serviços notariais e de registro se, ao mesmo tempo, o Poder Público conceder gratuidades.

Aplica-se ao sistema notarial e de registro o mesmo que Cândido Rangel Dinamarco já destacava no que tange ao processo judicial: “O processo custa dinheiro. Não passaria de ingênua utopia a aspiração a um sistema processual inteiramente solidário e coexistencial, realizado de modo altruísta por membros da comunidade e sem custos para quem quer fosse. A realidade é a necessidade de despender recursos financeiros, quer para o exercício da jurisdição pelo Estado, quer para a defesa dos interesses das partes. As pessoas que atuam como juízes, auxiliares ou defensores fazem dessas atividades profissão e devem ser remuneradas. Os prédios, instalações, equipamento e material consumível, indispensáveis ao exercício da jurisdição, têm também o seu custo. “

E, por sua precisão, deve ser reproduzida a conclusão do doutrinador Nilo Nogueira em artigo publicado em 20123:

Em 1988, uma nova ordem jurídica se impôs no País, com a substituição da Constituição de 1967/1969 pela então chamada Constituição cidadã. Esta Constituição fixou definitivamente o caráter privado do exercício dos serviços notariais e de registros, com o custeio da atividade exclusivamente através da percepção dos emolumentos, um modelo diametralmente oposto ao estabelecido em 1977 pela EC nº 7. Além de elevar ao nível constitucional o caráter privado do exercício dos serviços notariais e de registros, a Constituição determinou que uma lei federal regulamentasse a cobrança dos emolumentos. Cumprindo esta determinação, o legislador federal editou a Lei nº 10.169/2000, que dispôs sobre as regras gerais para a fixação dos emolumentos e transferiu aos Estados a competência para estabelecê-los. Por outro lado, no artigo 151, a Constituição procurou fortalecer o sistema federativo, impondo à União a proibição de instituir isenções de tributos de competência dos demais entes federados, ou seja, os Estados, o Distrito Federal e Municípios. Assim, eventuais isenções de emolumentos porventura existentes nas leis federais antes da CF de 1988 poderiam até persistir na ausência de lei estadual que tratasse do tema. Contudo, a edição de lei estadual sobrepor-se-ia à lei federal e aquela, a lei estadual, deveria ser observada antes de se acatar o comando da lei federal. Somente na ausência de norma estadual é que a norma federal concessora da isenção poderia subsistir.

Importante ressaltar que em Minas Gerais já há posição firmada pela Diretoria de Orientação e Legislação Tributária da Secretaria de Estado da Fazenda/MG, no sentido de que as leis federais que concedam isenção somente deverão ser observadas quando incorporadas à legislação estadual. Nesse sentido a decisão proferida em consulta realizada pelo Sinoreg-MG (Sindicato dos Notários e Registradores de Minas Gerais) no PTA n. 16.000303095-61/20094. Assim, mesmo que haja lei federal criando novas isenções, a Lei Mineira de Emolumentos, qual seja a Lei Estadual nº 15.424/2004, deverá ser observada por Notários e Registradores de Minas Gerais.

2 Consulta de Contribuinte nº 302/2009 (MG de 24/12/2009 e ref MG de 29/01/2010)

Pela sua importância, deve ser reproduzida a resposta respectiva da Secretaria do Estado da Fazenda de Minas Gerais, por meio de sua Superintendência de Tributação, Diretoria de Orientação e Legislação Tributária:

RESPOSTA:

1, 2 e 3 – As isenções previstas em lei federal relativas a custas, emolumentos e outras taxas de competência do Estado de Minas Gerais somente deverão ser observadas quando incorporadas à legislação estadual, posto que o art. 151, inciso III, da Constituição da República/88, veda a instituição de isenções de tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal ou Municípios pela União. Portanto, o Estado não reconhece o instituto da isenção heternônoma.

CONCLUSÃO

Em Minas Gerais já há posição firmada pela Secretaria do Estado da Fazenda no sentido de que as gratuidades previstas em lei federal NÃO PODERÃO ser impostas aos tributos estaduais, dentre eles os EMOLUMENTOS DOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO e respectiva Taxa de Fiscalização Judiciária.

Assim, qualquer isenção de tributos estaduais prevista em lei federal, mesmo que a lei federal seja o Código de Processo Civil, servirá apenas como intenção, como norte, para que o legislador estadual analise a matéria e publique lei estadual no mesmo sentido. Sem lei estadual, após a Constituição de 1988, NÃO É POSSÍVEL que a União crie isenção para tributos de outros entes federativos. É a vedada ISENÇÃO HETERÔNOMA.

1 A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, constituindo taxas remuneratórias de serviços públicos, obedecendo ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, principalmente aos princípios fundamentais que proclamam as garantias essenciais (a) da reserva de competência impositiva, (b) da legalidade, (c) da isonomia e (d) da anterioridade. (ADI 1.378-MC, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 30-11-1995, Plenário, DJ de 30-5-1997.) No mesmo sentido: ADI 1624/MG, Relator Min. CARLOS VELLOSO, Julgamento: 08/05/2003 Órgão Julgador: Tribunal Pleno, DJ 13-06-2003).

2 Artigo disponível em: http://www.serjus.com.br/on-line/artigo_isencao_emolumentos_nilo_22_02_2012.pdf. Acesso em: 1 nov. 2016.

Artigo disponível em: http://www.serjus.com.br/on-line/artigo_isencao_emolumentos_nilo_22_02_2012.pdf. Acesso em: 1 nov. 2016.

4 Consulta de Contribuinte nº 302/2009 (MG de 24/12/2009 e ref MG de 29/01/2010)

Fonte: Colégio Notarial do Brasil / CF | 11/11/2016.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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