Artigo:Breves apontamentos sobre a Usucapião Administrativa – Por Tânia Ahualli

* TANIA MARA AHUALLI

O Novo Código de Processo Civil Brasileiro, que entrou em vigor no dia 16 de março último, trouxe uma grande inovação no âmbito do instituto da usucapião, passando a prever a usucapião administrativa.

O seu artigo 1071 alterou o artigo 216 da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), acrescentando o artigo 216-A.

A norma seguiu uma tendência no direito brasileiro de desjudicialização, movimento que ganhou ênfase a partir da Emenda Constitucional 45/2004 e tem por finalidade tirar do judiciário as demandas sem litigiosidade. A maioria dos casos atingidos é de jurisdição voluntária, mas a usucapião, embora não seja, passou a integrar o rol, nas hipóteses em que haja concordância expressa de todos os titulares de domínio, seja do imóvel objeto do pedido ou dos confinantes.

O motivo dessa exigência decorre da tutela constitucional, que recai sobre o direito de propriedade e não é, portanto, do usucapiente, mas do proprietário tabular.

Estando comprovada a anuência de todos os envolvidos, deve-se ter muito cuidado para evitar o abuso de direito e a fraude na substituição da usucapião pelo negócio jurídico. Sempre deve ser aferida a efetiva necessidade do procedimento.

A eficácia desta via está sendo posta em dúvida, diante de vários entraves criados pelo novo dispositivo legal.

Entretanto, pondera Leonardo Brandelli, em sua obra  Usucapião Administrativa – De acordo com o Novo Código de Processo Civil ( Editora Saraiva, 2016), que o legislador não só passou a permitir o procedimento administrativo da usucapião, mas incentivou esse caminho, extinguindo o rito especial previsto para a modalidade judicial.

A esse respeito cabe fazer a observação de que o instituto da usucapião, de direito material, não foi alterado, mas sim criada uma nova possibilidade, de ordem processual e extrajudicial, para a declaração de domínio.  A natureza originária da aquisição da propriedade ficou mantida. A manifestação do Oficial, que encerra o procedimento, a exemplo da sentença, é meramente declaratória do direito previamente adquirido pelo possuidor.

É bom lembrar que a Lei 11977/09 já previa uma forma extrajudicial de usucapião, mas de âmbito reduzido, atingindo apenas o direito real de propriedade e na esfera de Programas Federais de Regularização Fundiária de Interesse Social, na modalidade constitucional urbana (art. 183, CF), para moradias populares.

O novo procedimento terá início no Registro de Imóveis da circunscrição do bem imóvel, sendo presidido pelo Registrador. Este teve seu poder de cognitude ampliado, diante na necessidade de que confira a presença dos requisitos legais da modalidade da usucapião invocada para a declaração da propriedade.

É indispensável presença de advogado para a propositura e acompanhamento do processo perante o Registro de Imóveis. No Tabelionato, responsável pela lavratura da ata que instruirá o pedido inicial, é controversa ainda a imprescindibilidade do profissional.

Como já mencionado, não se cria direito material novo, mas um caminho alternativo, processual, de alcançá-lo. Deste modo, todas as modalidades de usucapião podem ser objeto do procedimento na via administrativa, ressalvadas poucas exceções, como a da usucapião familiar.

A via administrativa, por determinação constitucional, não exclui a judicial. O contrário não é verdade. A existência de prévio processo judicial, com decisão transitada em julgado, entre as mesmas partes e objeto, obsta a revisão administrativa, salvo diante da ocorrência de fato novo.

O objeto pode ser qualquer imóvel, mesmo pertencente a loteamento irregular ou clandestino, alias casos estes em que terá a maior incidência.  Haverá, é certo, dificuldade em se aplicar o procedimento em sendo o imóvel objeto de regularização fundiária, por,  no mais das vezes, não se ter o controle da disponibilidade quantitativa e qualitativa junto ao registro imobiliário. Isso porque a identificação dos titulares de domínio, incluindo dos bens confrontantes, é complicada e depende de complexa prova pericial. Deve ser inaugurada nova matrícula nesta hipótese, com a averbação da saída do novo imóvel na do remanescente.

Consequente desmembramento da área, decorrente da nova matrícula, não precisa contar com desdobro administrativo anterior perante a Administração Pública Municipal.

Com o ingresso do pedido ocorre a prenotação da usucapião (que não é título, mas notícia de processo administrativo), que implica em direito de prioridade, em sendo o pedido deferido, o que obsta o ingresso de título posterior durante a tramitação do procedimento. Na ação de retificação, como não há modificação da propriedade, não existe suspensão dos atos registrários.

É necessária e não indispensável, no entendimento do Desembargador Ricardo Henry Marques Dip, exposto em várias palestras proferidas no âmbito da Academia Brasileira de Direito Registral Imobiliário, a lavratura de Ata Notarial, que poderia ser substituída por outro instrumento de valor similar, como peças de um processo judicial extinto sem julgamento de mérito.

A forma que deverá assumir a Ata Notarial é ainda nebulosa. Para alguns o Tabelião, para atestar o tempo de posse, deverá ir ao local do imóvel, percorrer suas divisas, ouvir os vizinhos. Para outros, trata-se de escritura meramente declaratória, dando fé dos depoimentos e elementos trazidos pelo interessado. Constituiria um instrumento legal, com a finalidade de fazer prova documental de atos e fatos que sejam passíveis de percepção e consignação pelo Notário.

Sendo o titular de domínio falecido, ou os confrontantes tabulares, devem concordar todos os herdeiros ou serem todos intimados, já que a propriedade se transmite com a morte (artigo 1784, Código Civil).

Não é possível notificação judicial no curso do processo administrativo e questiona-se a possibilidade de notificação por Cartório de Títulos e Documentos, o que me parece viável.

A apresentação de planta do imóvel é essencial para o cumprimento do princípio da especialidade objetiva. Todavia, o critério para a elaboração desse trabalho técnico depende das peculiaridades de cada caso. Se a descrição e a posse exercida forem coincidentes com a descrição feita na matrícula, poderá ser admitido laudo de menor complexidade. No condomínio edilício basta a notificação do síndico, desde que a descrição seja coincidente com a da Especificação arquivada na Serventia. O imóvel rural requer georreferenciamento, em todos os casos. A reserva legal deve constar no CAR (cadastro ambiental rural), o que se exige para todas as formas de transmissão de propriedade.

Só não podem ser usucapidos os bens públicos. Bens gravados com garantias ou bem de família podem ser alcançados pela usucapião.  Observo que o Ente Público pode figurar como usucapiente.

As construções sobre o terreno constituem acessões e integram a usucapião, sem necessidade de recolhimento de impostos, INSS, ou de habite-se.

As certidões negativas dos distribuidores cíveis, previstas em lei, só devem ser consideradas quando interferirem na apreciação da usucapião, ou seja, quando se referirem ao bem ou direitos a ele afetos.

Em sendo negado o registro, ou havendo qualquer incidente, cabe dúvida ao Juiz Corregedor Permanente.

I     O Provimento nº 58/2015, da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, alterou as Normas de Serviço do Extrajudicial para regulamentar o processo perante o Registro de Imóveis, bem como a lavratura da Ata Notarial prevista na usucapião administrativa.

Muitas arestas ainda deverão ser aparadas pelas Corregedorias Permanentes e pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça.

Questões relativas à gratuidade, à situação da Fazenda Pública Municipal, enquanto confinante em razão das vias públicas; da apreciação do fundamento de eventual impugnação; da dispensa de anuência do proprietário quando o requerente exibir prova de pagamento integral de compromisso de venda e compra e certidão negativa de ações cíveis; deverão ser resolvidas com o passar do tempo e o amadurecimento do novo direito.

____________

* A autora Tânia Mara Ahualli é Juíza Titular da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital/SP.

Fonte: iRegistradores | 25/05/2016.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


Artigo: Retificação de área e preservação da reserva legal – Por Swarai Cervone de Oliveira

*Swarai Cervone de Oliveira

Vem de algum tempo a preocupação da sociedade com a preservação do meio ambiente. Não por outra razão, o Constituinte de 1988 estabeleceu, no art. 225, da Constituição Federal, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. E foi além, ao prescrever que é dever do Poder Público, ainda, preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, além de definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.

No plano infraconstitucional, a Lei n. 11.284/2006 fez incluir, na Lei de Registros Públicos, dentre os atos passíveis de averbação na matrícula do imóvel, a chamada reserva legal. Trata-se, na dicção legal do novo Código Florestal, da área com cobertura de vegetação nativa, cuja localização, nos imóveis rurais, deve levar em conta: o plano de bacia hidrográfica; o Zoneamento Ecológico-Econômico; a formação de corredores ecológicos com outra Reserva Legal, com Área de Preservação Permanente, com Unidade de Conservação ou com outra área legalmente protegida; as áreas de maior importância para a conservação da biodiversidade; as áreas de maior fragilidade ambiental.

O novo Código Florestal, ademais, alterou a matriz onde registrada a reserva legal. Se antes a averbação era feita, necessariamente, na matrícula do imóvel, perante o Cartório de Registro de Imóveis, hoje o art. 18 determina que o registro se faça no Cadastro Ambiental Rural – CAR.

O CAR nada mais é do que um cadastro para a inscrição da reserva legal e, no Estado de São Paulo, o acesso a ele dá-se por meio do sistema SICAR-SP, cabendo ao interessado, observadas as regras do Código Florestal, especificar a área de reserva legal.

Na tentativa de harmonizar a Lei de Registros Públicos e o Código Florestal, sempre tendo em mente o mandamento constitucional de preservação do meio ambiente, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, órgão responsável por regrar e fiscalizar as atividades dos Cartórios Extrajudiciais, determinou que, instaurado o CAR, o registro da reserva legal se fizesse perante esse órgão – é o Código Florestal que o diz -, averbando-se, na matrícula do imóvel, o número de inscrição no Cadastro.

Após análise do órgão ambiental competente, a delimitação da área de reserva legal poderá ser homologada, circunstância essa que será averbada, em momento posterior, na matrícula do imóvel, em homenagem à publicidade e segurança jurídica.

No entanto, sendo a especificação da reserva legal condição necessária para a retificação dos imóveis, passou a haver certo dissenso entre os Oficiais de Registro acerca da necessidade de averbação prévia da reserva legal na matrícula.

Foi por isso que, por intermédio do Provimento 09/2016, estabeleceu-se que, nas hipóteses de retificação, cabe ao Oficial de Registro de Imóveis verificar, tão somente, se houve registro da área da reserva perante o CAR. Nesse caso, averbando o número do cadastro, o Oficial deve examinar a existência de especificação da reserva legal no CAR, abstendo-se de outras análises. A averbação da reserva legal, na matrícula, será feita somente em momento posterior, quando da homologação pelo órgão ambiental competente.

A intenção da Corregedoria Geral da Justiça, com esse provimento, foi a de destravar os procedimentos de retificação pendentes no Estado de São Paulo, sem, no entanto, descurar da proteção ao meio ambiente. Segundo estatísticas do ano de 2013, havia cerca de 640 retificações travadas no interior do Estado de São Paulo, em razão da inexata compreensão da matéria. Tal circunstância é extremamente danosa aos proprietários rurais, que, não obstante o georreferenciamento de seus imóveis, viam frustrada a expectativa de regularização das áreas.

Com a edição do Provimento 09/2016, pretende-se desburocratizar as retificações, harmonizando-se o direito de propriedade, sua função social e a imperiosa preservação do meio ambiente.

SWARAI CERVONE DE OLIVEIRA

Juiz Assessor da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo

Fonte: iRegistradores | 16/05/2016.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


Artigo: Ganho de capital – o ITBI e os gastos com escritura integram o valor do imóvel para fins de isenção de IR – solução de consulta da receita – Por Amal Nasrallah

*Amal Nasrallah

Nessa operação, a utilização apenas parcial do produto da venda implica tributação do ganho proporcionalmente ao valor da parcela não aplicada.

O ganho de capital auferido por pessoa física residente no Brasil na venda de imóveis residenciais é isento do imposto de renda, desde que o vendedor, no prazo de 180 dias contados da celebração do contrato, aplique o produto da venda na aquisição de imóveis residenciais localizados no país. Este benefício somente pode ser usufruído uma vez a cada cinco anos.

Nessa operação, a utilização apenas parcial do produto da venda implica tributação do ganho proporcionalmente ao valor da parcela não aplicada.

Pois bem, um contribuinte que realizou a alienação do imóvel para adquirir outro, fez consulta à Receita Federal do Brasil para saber se integra o valor de aquisição do novo imóvel para fins da isenção do imposto de renda, os gastos que teve com o ITBI, escrituras, e o valor gasto no registro do imóvel.

Ao responder a consulta, a Receita Federal aplicou o art. 17, incisos I e II, da instrução normativa SRF 84/01, que trata dos valores computáveis como custo de aquisição de bens imóveis. Eis o teor da norma:

“Art. 17. Podem integrar o custo de aquisição, quando comprovados com documentação hábil e idônea e discriminados na Declaração de Ajuste Anual, no caso de:

I – bens imóveis:

a) os dispêndios com a construção, ampliação e reforma, desde que os projetos tenham sido aprovados pelos órgãos municipais competentes, e com pequenas obras, tais como pintura, reparos em azulejos, encanamentos, pisos, paredes;

b) os dispêndios com a demolição de prédio construído no terreno, desde que seja
condição para se efetivar a alienação;

c) as despesas de corretagem referentes à aquisição do imóvel vendido, desde que tenha suportado o ônus;

d) os dispêndios pagos pelo proprietário do imóvel com a realização de obras públicas, tais como colocação de meio-fio, sarjetas, pavimentação de vias, instalação de redes de esgoto e de eletricidade que tenham beneficiado o imóvel;

e) o valor do imposto de transmissão pago pelo alienante na aquisição do imóvel;

f) o valor da contribuição de melhoria;

g) os juros e demais acréscimos pagos para a aquisição do imóvel;

h) o valor do laudêmio pago, etc.;

II – outros bens ou direitos: os dispêndios realizados com a conservação e reparos, a comissão ou a corretagem quando não transferido o ônus ao adquirente, os juros e demais acréscimos pagos, etc”.

Em vista desse artigo, a consultoria da Receita Federal concluiu que integra o valor de aquisição do imóvel a importância paga a título de imposto sobre ITBI (art. 17, inciso I, alínea “e”).

No que concerne às gastos com a escritura e o registro do imóvel, a consultoria concluiu que estão relacionadas com a compra e venda e, por essa razão, integram também o valor de aquisição do novo imóvel (art. 17, inciso I, alínea “h”).

A consultoria citou ainda o artigo 299, § 1º do RIR/99 que menciona que “são necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das transações ou operações…

Segue a ementa da solução de consulta 60 – Cosit – Data 20/2/14:

“ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA – IRPF ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS RESIDENCIAIS. GANHO DE CAPITAL. ISENÇÃO. ART. 39 DA LEI N.º 11.196, DE 2005.

Para fins da isenção prevista no art. 39 da Lei n.º 11.196/2005, integram o valor de aquisição do novo imóvel o valor do imposto de transmissão (ITBI) e as despesas com a escritura e o registro do imóvel, cujo ônus tenha sido do adquirente, desde que comprovados com documentação hábil e idônea.

Dispositivos Legais: Lei n.º 11.196, de 2005, art. 39; Instrução Normativa SRF n.º 84, de 2001, art. 17, I; Instrução Normativa SRF n.º 599, de 2005, art. 4º”.

___________________________

* Amal Nasrallah é sócia do escritório Pacífico, Advogados Associados. Milita na área de Direito Tributário no consultivo e contencioso judicial e administrativo.

Fonte: Migalhas| 23/05/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.