Artigo: Aquisição de imóveis rurais por estrangeiros – Atualidade – Por Felipe Leonardo Rodrigues

*Felipe Leonardo Rodrigues

  1. Introdução

A aquisição de imóvel rural por pessoa natural ou jurídica estrangeira é regulada pela Lei 5.709/71, seu Decreto regulamentador 74.965/74 e pela Instrução Normativa Incra 76/2013.

O entrave para a aplicação da Lei 5.709/71 está no § 1º, do art. 1º, que ampliou o conceito de empresa estrangeira para os fins de aquisição de imóvel rural, dispondo:

  • 1º – Fica, todavia, sujeita ao regime estabelecido por esta Lei a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior.

Assentado na redação do art. 171, inciso I, da CF/88, sobreveio o Parecer da Advocacia Geral da União, o AGU GQ-22/1994, de 07/06/1994 e deu nova leitura ao § 1º, art. 1º, da Lei 5.709/71, para manifestar que o citado § 1º não havia sido recepcionado pela CF/88. Com esta nova interpretação as pessoas jurídicas brasileiras, ainda que tivessem controle acionário de estrangeiro, não estavam adstritas aos limites, controles e limitações da Lei 5.709/71.

Pois bem. Em 1995 o art. 171 e seus incisos foram revogados pela EC 6/95. Veio novo Parecer da AGU, o CGU/AGU 01, aprovado em agosto de 2010, mudando o entendimento anterior, ressaltando que o § 1º, art. 1º, da Lei 5.709/71 havia sido regularmente recepcionado pela nova ordem constitucional. Assim, as pessoas jurídicas brasileiras que tivessem controle acionário de estrangeiro estavam novamente sob a incidência da Lei 5.709/71.

Em 2010, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo emitiu o Parecer CG 250/10-E, seguindo o disposto no Parecer CGU/AGU 01/2010.

Em 2012, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo aprovou novo Parecer, o 461/2012-E, dispensando os notários e registradores de imóveis de observarem as restrições e as determinações impostas pela Lei 5.709/71 e seu Decreto regulamentador 74.965/74, em linha de pensamento diverso do proposto no Parecer da AGU de 2010 e no Parecer CG 250/10-E.

Diante de pareceres contrários (CGJ e AGU), os notários e registradores imobiliários se veem numa situação insegura perante os usuários na aplicação da lei, gerando insegurança jurídica na lavratura do ato notarial, bem como do registro.

Cumprir as exigências da Lei 5.709/71 ou dispensá-las? A responsabilidade civil e criminal imposta ao notário e registrador – como previsto no art.15, da Lei 5.709/71 – estão afastadas? São perguntas que necessitam respostas.

  1. Base legal

A Constituição Federal, nos termos do art. 190, estabelece que caberá a legislação infra regular e limitar a aquisição de propriedade rural por pessoa natural ou jurídica estrangeira.

Nos termos do art. 4º, inciso I, da Lei 4.504/64 – Estatuto da Terra:

“Imóvel rural é “o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada”.

Coube a Lei 5.709/71 e seu Decreto 74.965/74 regular a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no país ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no brasil. A contrário senso, por evidência, os imóveis urbanos não estão abrangidos pela norma, ou seja, a sua aquisição por estrangeiros é livre.

Verifica-se que há dois requisitos para a aquisição de imóvel rural quanto a pessoa: o estrangeiro ter residência no país e a pessoa jurídica estrangeira estar autorizada a funcionar no Brasil.

Igualmente fica sujeito ao regime estabelecido por esta lei a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior (art. 1º, § 1º, Lei 5.709/71). Este é o ponto nevrálgico.

Com a vigência da CF/88 o conceito de empresa brasileira seria aquela “constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no país” (art. 171, inciso I).

Em razão da redação originária do art. 171, a AGU manifestou-se no sentido de que o disposto no art. 1º, da Lei 5.709/71, não teria sido recepcionado pela Constituição Federal. A partir desta leitura, as pessoas jurídicas brasileiras, ainda que tivessem controle acionário de estrangeiro, não estavam adstritas às limitações e restrições dessa lei (neste sentido o Parecer AGU GQ-22/1994, de 07/06/1994).

No entanto, com a vigência da Emenda Constitucional 6/95, o art. 171 e seus incisos (CF/88) foram revogados. Diante dessa nova situação jurídica, a Advocacia Geral da União emitiu novo Parecer, o CGU/AGU 01, aprovado em agosto de 2010, pelo qual interpretou-se a nova ordem jurídica e manifestou-se no sentido de que o § 1º, do art. 1º, da Lei 5.709/71, foi recepcionado pela nova ordem constitucional, revendo a posição do Parecer anterior.

Reforçando esta tese, em meados de abril de 2015, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, editou o Provimento nº 43/2015, que normatizou o arrendamento de imóvel rural por estrangeiro residente ou autorizado a funcionar no Brasil, bem como por pessoa jurídica brasileira da qual participe, a qualquer título, pessoa estrangeira física ou jurídica que resida ou tenha sede no exterior e possua a maioria do capital social, aplicando-se integralmente a Lei 5.709/71.

  1. Base normativa (Estado de São Paulo)

Como dito acima, em meados de setembro de 2010, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo emitiu o Parecer 250/10-E (oriundo do processo n° 2010/83224 – publicados no DJe de 16/09/2010), elaborado pelo então Juiz assessor, Dr. Roberto Maia Filho, aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Dr. Antônio Carlos Munhoz Soares, pelo qual seguiu a linha do disposto no Parecer 01/2010 da AGU e fixou o seguinte comando normativo:

“Os delegados dos serviços notariais e registrais passem, doravante, a aplicar o disposto nos arts. 10, 11, 12, c/c o art. 1º, § 1º, todos da Lei nº 5.709/71, também no caso das empresas brasileiras com participação majoritária estrangeira, que venham a adquirir tais áreas rurais. Observe-se que os estrangeiros poderão figurar como pessoas jurídicas ou físicas (ficando a estas equiparadas as pessoas com elas casadas ou vivendo em união estável, se mediante comunhão de bens). Em tais casos, deve o registrador imobiliário efetuar o cadastramento no Portal do Extrajudicial, encaminhando cópia da planilha cadastrada e da respectiva matrícula para conferência, a esta Corregedoria Geral da Justiça, observando-se que tal lançamento deverá sempre ser efetuado em nome do estrangeiro, seja ele pessoa física ou jurídica: esteja ele figurando na qualidade de proprietário, de cônjuge ou companheiro em comunhão de bens ou, tão somente, de sócio ou acionista majoritário da empresa proprietária do imóvel rural”.

Em 13/07/2010, o Corregedor Nacional de Justiça, no Pedido de Providências nº 0002981-80.2010.02.00.0000, formalizou a seguinte recomendação:

“Ante o exposto, considerando as razões enunciadas pela Procuradoria da República e levando em conta a manifestação do Consultor-Geral devidamente aprovado pelo Advogado-Geral no âmbito da AGU tanto como atento às recomendações do Tribunal de Constas da União, esta Corregedoria Nacional de Justiça em face dos serviços judiciários auxiliares — nomeadamente os serviços notariais e registrais — deve recomendar fortemente a imediata adoção pelas Corregedorias locais ou regionais junto aos Tribunais respectivos que determinem aos Cartórios de Registro de Imóveis e Tabelionatos de Notas que façam observar rigorosamente as disposições da Lei nº 5.709 de 1971 quando se apresentarem ou tiverem de lavrar atos de aquisição de terras rurais por empresas brasileiras com participação majoritária de estrangeiros, pessoas físicas ou jurídicas”.

Até então cumpria-se o disposto na Lei 5.709/71.

E as escrituras lavradas entre 07/06/1994[i] e 23/08/2010[ii], e não levadas a registro no ofício competente, puderam (e ainda podem) adentrar no registro imobiliário, por força da Portaria Interministerial AGU/MDA 4/2014, que estendeu às escrituras lavradas no mencionado período a situação jurídica aperfeiçoada, moderando a incidência do princípio registral tempus regitactum.

Em meados de dezembro de 2012, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo emitiu novo Parecer, o 461/2012-E (oriundo do Processo nº 2010/83224 – publicados no DJe de 11/12/2012), da lavra do Juiz assessor, Dr. Luciano Gonçalves Paes Leme, aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Dr. José Renato Nalini, pelo qual mudou a orientação até então vigente e fixou o seguinte comando normativo:

“Revejo a orientação normativa estabelecida com a aprovação do parecer n.º 250/10-E, lavrado nestes autos (fls. 77/87 e 88), e reconheço, inclusive na linha do decidido pelo Colendo Órgão Especial do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo (Mandado de Segurança n.º 0058947-33.2012.8.26.0000, relator Desembargador Guerrieri Rezende, julgado em 12.09.2012), que o § 1.º do artigo 1.º da Lei n.º 5.709/1971 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, de sorte, portanto, a dispensar os tabeliães e os oficiais de registro de observarem as restrições e as determinações impostas pela Lei n.º 5.709/1971 e pelo Decreto n.º 74.965/1974, bem como do cadastramento no Portal do Extrajudicial, em relação às pessoas jurídicas brasileiras cuja maioria do capital social se concentre em poder de estrangeiros residentes fora do Brasil ou de pessoas jurídicas com sede no exterior. Sem prejuízo, oficie-se ao Excelentíssimo Senhor Corregedor Nacional de Justiça, o eminente Ministro Francisco Falcão, dando-lhe conhecimento da presente decisão”.

Para corroborar essa nova interpretação, a mesma passou a constar expressamente das Normas de Serviço (Capítulo XIV, Tomo II, pelo Provimento CG 40/2012, publicado no DJe de 17/12/2012), mais precisamente no item 69.1, com o seguinte teor normativo:

“A pessoa jurídica brasileira – constituída sob as leis brasileiras, com sede e administração no Brasil -, não se sujeita ao regime estabelecido pela Lei n.º 5.709, de 7 de outubro de 1971, e pelo Decreto n.º 74.965, de 26 de novembro de 1974, ainda que a maioria de seu capital social e o poder de controle, em qualquer uma de suas manifestações, pertença a estrangeiros residentes fora do Brasil ou a pessoas jurídicas estrangeiras sediadas no Exterior”.

Com isso, os tabeliães de notas e os registradores de imóveis na lavratura de seus atos estavam dispensados das exigências da Lei 5.709/71[iii].

Contudo, em 15/05/2013 (DJe), a Corregedoria Geral da Justiça publicou o Comunicado CG 445/2013, comunicando “aos tabeliães de notas e aos oficiais de registro que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, nos autos do mandado de segurança nº 0008093-73.2013.4.03.0000/ SP, havia suspendido, em decisão liminar, si et in quanto, os efeitos do ato normativo veiculado no Parecer 461/12-E, até a remessa das informações”. Assim, o item 69.1 das Normas de Serviço – também – estava suspenso.

Cinco meses depois, em 23/10/2013 (DJe), a Corregedoria Geral da Justiça expediu novo comunicado, de nº 1303/2013, noticiando “aos tabeliães de notas e aos oficiais de registro que a liminar suspendendo os efeitos do ato normativo veiculado no parecer n° 461/12-E, concedida pelo E. TRF da 3.ª Região nos autos do Mandado de Segurança n° 0008093-73.2013.4.03.0000/SP, subsistiu até a remessa das informações pelo Exmo. Sr. Corregedor Geral da Justiça, prestadas no dia 22 de maio de 2013, e que, no dia 28 de agosto de 2013, o C. Órgão Especial do E. TRF da 3ª Região, reconheceu sua incompetência para o conhecimento e julgamento do processo, determinando o encaminhamento dos autos ao E. Tribunal de Justiça de São Paulo”.

Restabeleceu-se os efeitos do Parecer nº 461/12-E. E por consequência, os efeitos do referido item 69.1 das Normas de Serviço.

Os tabeliães de notas e os oficiais de registro, na lavratura de seus atos, estavam  novamente  dispensados das exigências da Lei 5.709/71. Ou seja, atualmente, no Estado de São Paulo, dispensa-se as exigências desta lei.

Vale lembrar que, em 27/05/2015, a Corregedoria Geral da Justiçaemitiu o Comunicado 670, informando “aos tabeliães e oficiais de registro de Imóveis do Estado de São Paulo que observem o Provimento nº 43/2015 da E. Corregedoria Nacional de Justiça – CNJ, mas não com relação às pessoas jurídicas brasileiras das quais participem, a qualquer título, pessoa estrangeira física ou jurídica que resida ou tenha sede no exterior e possua a maioria do capital social”.

  1. Ainda não terminou

Em 25/06/2014, o Parecer 461/12-E foi novamente questionado pela União e pelo Incra, que ajuizaram Ação Cível Originária nº 2.463 perante o STF, pela qual postulam a anulação do referido parecer. O eminente ministro relator Marco Aurélio indeferiu o pedido liminar que visava à suspensão dos efeitos do referido parecer e a ação aguarda julgamento.

  1. Decisão de lavrar o ato notarial e de registro

Pelo exposto, conclui-se que o Parecer 461/12-E está vigente, bem como o item 69.1 das Normas de Serviço. Contudo, diante da incerteza jurídica quanto ao resultado do julgamento no Supremo Tribunal Federal, o mais prudente[iv] é aguardar a decisão definitiva, uma vez que os notários e os oficiais de registro podem sofrer as consequências[v] advindas do art. 15, da Lei 5.709/71.

Ademais, é facultado ao tabelião de notas, no ato de qualificação notarial, autorizar ou não a lavratura[vi] – responsabilidade atribuída por lei ao delegado do serviço público, de conformidade com o art. 3º[vii] e II[viii] do art. 6º, da Lei 8.935/94. O fato é que, o tabelião de notas, na qualificação notarial, está adstrito ao princípio da legalidade – não lhe é lícito excepcionar[ix] norma vigente.

  1. Outros aspectos – Limitação da área

A lei adota o critério de módulo de exploração indefinida – MEI, que varia conforme o município.

O INCRA conceitua o Módulo de Exploração Indefinida como uma unidade de medida, expressa em hectares, a partir do conceito de módulo rural, para o imóvel com exploração não definida.

A dimensão do MEI varia entre 5 e 100 hectares, de acordo com a Zona Típica de Módulo (ZTM) do município de localização do imóvel rural.

Em apertada síntese, a lei impõe os seguintes controles e limites:

Pessoa natural estrangeira

  1. a) Imóvel rural até 3 MEI, a ser adquirido por pessoa natural estrangeira,não é necessária qualquer autorização(art. 7º, §1º, Decreto 74.965/74), salvo no caso de aquisição de mais de um imóvel (§3º).
  2. b) Imóvel rural entre 3 e 20 MEI, a ser adquirido por pessoa natural estrangeira,deverá haver autorização do Incra(art. 7º, §2º, Decreto 74.965/74).
  3. c) Imóvel rural entre 20 e 50 MEI, a ser adquirido por pessoa natural estrangeira,deverá haver autorizaçãodo Incra e aprovação de projeto de exploração pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (art. 7º, § 4º, Decreto 74.965/74).
  4. d) Imóvel com mais de 50 MEI, a ser adquirido por pessoa natural estrangeira, a aquisição dependerá deautorização do presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional – vinculado ao Ministério da Defesa (art. 7º, § 5º, Decreto 74.965/74)ou autorização do Congresso Nacional (art. 23, § 2º, da Lei 8.629/93).

Pessoa jurídica estrangeira, ou brasileira, com maioria de capital estrangeiro

  1. a) Imóvel rural até 100 MEI, a ser adquirido por pessoa jurídica estrangeira, o imóvel deve ser destinado à implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatutários (art. 5º, Lei 5.709/71) e deve haveraprovação de projeto de exploraçãopelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, ouvido o Órgão Federal competente responsável pelas respectivas atividades (art. 5º, §1º, Lei 5.709/71 c/c o art. 14, §1º, Incra IN 76/2013).
  2. b) Imóvel com mais de 100 MEI, a ser adquirido por pessoa jurídica estrangeira, deve haverautorização do Congresso Nacional(art. 23, § 2º, da Lei 8.629/93 e art. 6º, §1º, Incra IN 76/2013).

Observação

A soma das áreas rurais pertencentes a pessoas estrangeiras, naturais ou jurídicas, não pode ultrapassar 1/4 (um quarto) da superfície dos Municípios onde se situem, comprovada por certidão do Registro de Imóveis. Se houver mais de um oficial, solicitar certidão de todos.

As pessoas de mesma nacionalidade não podem ser proprietárias, em cada Município, de mais de 10% (dez por cento) da superfície do Município.

Nos loteamentos rurais efetuados por empresas particulares de colonização, a aquisição e ocupação de, no mínimo, 30% (trinta por cento) da área total, serão feitas obrigatoriamente por brasileiros.

Em todos os casos haverá a necessidade de prévio assentimento do Conselho de Segurança Nacional (vinculado ao Ministério da Defesa) acerca de quaisquer “transações com imóvel rural, que impliquem a obtenção, por estrangeiro, do domínio, da posse ou de qualquer direito real sobre o imóvel” na faixa de fronteira (art. 2º, V, da Lei 6.634/79).

Como encontrar o Módulo de Exploração Indefinida – MEI e a quantidade de Módulos

Ponto tormentoso no labor diário é encontrar o MEI disposto na lei e nas normas administrativas do INCRA. No CCIR nada consta.

Há dois modos de localizar o MEI: um manual outro automatizado:

No modo manual, o usuário conjuga informações em documentos distintos e localiza o MEI. No modo automatizado, o usuário instala um programa tipo Access, baixa a tabela MEI no site do INCRA e o software fornece a informação.

Passo a passo: modo manual (e simples)

Primeiro: identifique a Microrregião do Município (a sede do imóvel rural consta no CCIR):

As microrregiões que congregam os municípios são determinadas pelo IBGE, conforme dispõe o art. 1º da Instrução Especial Incra nº 50/97.

Para consultar a microrregião a que faz parte o município no qual situa-se a sede do imóvel rural, clique aqui (ou acesse http://goo.gl/39Enx7).

Segundo: identifique a Zona Típica de Módulo (ZTM) da microrregião:

A ZTM é definida pela Instrução Especial Incra nº 50, de 1997.

Para consultar a Zona Típica de Módulo (ZTM), clique aqui (ou acesse http://goo.gl/uL9R70).

Terceiro: identifique o valor em hectares do módulo de exploração indefinida (MEI):

Encontrada a ZTM, consulte a Tabela III da Instrução Especial Incra nº 5-A/73 (alterada pela Instrução Especial Incra nº 16/79) e enquadre a ZTM encontrada na referida tabela, sempre levando em consideração a classificação fundiária, que são seis: a) Hortigranjeira; b) Lavoura permanente; c) Lavoura temporária; d) Pecuária; e) Florestal e, e) Imóvel inexplorado ou com exploração.

Caso a classificação constante do CCIR não se enquadre na Tabela III da Instrução Especial Incra nº 5-A/73, o enquadramento será na classificação residual, ou seja, imóvel inexplorado ou com exploração.

Para consultar a Tabela III da Instrução Especial Incra nº 5-A/73, clique aqui (ou acesse http://goo.gl/OOZSpN).

Passo a passo: modo automatizado (e completo)

Instale um programa tipo Access[x]. Após baixe a tabela (clique aqui ou acesse http://goo.gl/afdbfU) no sítio do INCRA. Abra o programa e selecione o referido arquivo, após digite o nome do município desejado e pronto! O programa te fornece o MEI. E muito mais.

No modo automatizado, é possível ainda obter: o tamanho da área da superfície territorial, o tamanho da área atinente a 1/4 da superfície territorial e o tipo da área, se é: Amazônia legal (A), Faixa de Fronteira (F), Litoral (L), Polígono da Seca (S), Projeto de Assentamento (PA), Região Metropolitana (M), Capital (C), Pantanal (PN), Vale do Jequitinhonha (VJ), Zona da Mata (ZM) e Região Integrada de Desenvolvimento (RIDE).

Imagens ilustrativas:

Obtido o MEI em hectares (nos dois modos), basta dividir a área total em hectares constante no CCIR pelo MEI em hectares encontrado.

  1. Constituição de garantia

Verifica-se que a Lei 5.709/71 não traz em seu bojo a exigência de autorização do INCRA para a constituição de direito real de garantia sobre imóvel rural em favor de pessoa jurídica estrangeira ou brasileira equiparada a estrangeira. Contudo, será exigível para a adjudicação, consolidação ou outro meio de aquisição da propriedade pelo credor.

Assim, se o credor vir a adquirir o bem objeto da garantia, o credor fiduciário estrangeiro ou a ele equiparado deverá apresentar a autorização do Incra, lembrando que isso não constitui impedimento para a contratação e o registro da garantia.

Estão dispensadas do cumprimento desse requisito as instituições financeiras estrangeiras por força do § 4º ao artigo 2º da Lei 6.634/79, com a redação dada pela Lei 13.097/15.

  1. As pessoas estrangeiras e suas restrições
  2. a) As pessoas naturais estrangeiras não residentes no país e pessoas jurídicas estrangeiras não autorizadas a funcionar no paísnão podem adquiririmóveis rurais no Brasil;
  3. b) As pessoas naturais estrangeiras, com residência permanente no Brasil e inscritas no Registro Nacional de Estrangeiro – RNE (na condição de permanente)podem adquiririmóveis rurais no Brasil;
  4. c) As pessoas jurídicas estrangeiras, com autorização para funcionar no Brasil e com a devida aprovação do projeto de exploração agrícola, pecuário, florestal, turístico, industrial ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatutários ou contratuais, conforme o caso,podem adquiririmóveis rurais no Brasil;
  5. d) As pessoas jurídicas brasileiras da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras, natural ou jurídica, que tenham a maioria de seu capital social e residam ou tenham sede no exterior ou o poder de conduzir as deliberações da assembleia geral, de eleger a maioria dos administradores da companhia e de dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia, comprovar a inscrição na Junta Comercial do Estado de localização de sua sede e a devida aprovação do projeto de exploração agrícola, pecuário, florestal, turístico, industrial ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatutários ou contratuais, conforme o caso,estão adstritas aos limites, controles e restrições da Lei 5.709/71[xi];
  6. e) As pessoas naturais brasileiras, pessoas jurídicas brasileiras da qual brasileiros detenham a maioria ou totalidade do capital social e pessoas jurídicas brasileiras da qual participem estrangeiros residentes (ou com sede) que não detenham a maioria ou totalidade do capital social no paísnão estão sujeitas aos limites, controles e restrições da Lei 5.709/71;
  7. f) As pessoas naturais de nacionalidade portuguesa que pretenderem adquirir ou arrendar imóvel rural enão apresentar o certificado de reciprocidadenos termos do § 1º do art. 12 da Constituição Federal e dos Decretos nºs 3.927/01 e 70.391/72, se submetem às exigências da Lei 5.709/71 e do Decreto 74.965/74;
  8. g) A pessoa jurídica brasileira equiparada à pessoa jurídica estrangeira, constituída apenas por pessoas naturais não residentes no Brasil e ou por pessoas jurídicas estrangeiras com sede no exterior, deverá ser gerenciada ou dirigida por administrador residente no Brasil (art. 146 da Lei 6.404/76).
  9. h) As sociedades anônimas que se dedicarem a loteamento rural ou que explorem diretamente áreas rurais ou que sejam proprietárias de imóveis rurais não vinculados às suas atividades estatutárias adotarão, obrigatoriamente, as suas ações na forma nominativa. Esta regra não se aplica às Autarquias, Fundações Públicas, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista, mencionadas, no art. 5º do Decreto-Lei 200/67, com a redação dada pelo Decreto-Lei 900/69;
  10. i) A aquisição de imóveis urbanos por estrangeiros, pessoa natural ou jurídica,não se submetem às exigências da Lei n° 5.709/71 e do Decreto nº 74.965/74.

É de ressaltar que se aplica os limites, controles e restrições da Lei 5.709/71 e seu Decreto 74.965/74 nos casos de alienação ou arrendamento de imóvel rural para pessoa jurídica estrangeira ou a ela equiparada, em casos como o de fusão ou incorporação de empresas, de alteração do controle acionário da sociedade, ou de transformação de pessoa jurídica brasileira para pessoa jurídica estrangeira, bem como, a aquisição e arrendamento indiretos por meio de participações de quotas sociais ou ações de empresas detentoras de imóveis rurais.

  1. Normas de Serviço da CGJ do Estado de São Paulo e suas peculiaridades

Inventário, Doação e Usucapião

As restrições estabelecidas na Lei 5.709/71, e no Decreto 74.965/74, que disciplinam a aquisição de bem imóvel rural por estrangeiro, não se aplicam às transmissões causa mortisàs doações que importem adiantamento de legítima (artigo 544 do Código Civil), salvo, em ambas as situações, se o bem imóvel rural estiver localizado em área considerada indispensável à segurança do território nacional, e às aquisições por usucapião, em quaisquer de suas espécies.

É sabido que a aquisição será livre, independente de autorização ou licença, se o imóvel contiver área não superior a 3 (três) módulos (MEI), ressalvados, no entanto, os imóveis situados em área considerada indispensável à segurança nacional, cuja aquisição dependerá de assentimento prévio da Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional.

As normas inovam e fazem uma releitura do § 3º, art. 7º, do Decreto 74.965/74 e fixa o entendimento de que, a aquisição de mais de um imóvel rural com área não superior a 3 (três) módulos por pessoa física estrangeira residente no país dependerá de autorização do INCRA, apenas se a soma das áreas dos imóveis pertencentes ao estrangeiro exceder a 3 módulos.

Não residente

As normas de São Paulo preveem que a aquisição de imóvel rural por pessoa natural estrangeira não residente no país, cuja área não poderá exceder a 50 (cinquenta) módulos de exploração indefinida, em área contínua ou descontínua, dependerá, sempre, de autorização do INCRA, sem prejuízo de outras exigências determinadas em lei, ainda que sua área não exceda a 3 (três) módulos e esteja situado fora de área considerada indispensável à segurança do território nacional.

Parece-nos que este caso se aplica ao estrangeiro que pretender imigrar para o Brasil e tem a faculdade de celebrar, ainda em seu país de origem, compromisso de compra e venda do imóvel rural desde que, dentro de 3 (três) anos, contados da data do contrato, venha ter residência no Brasil e explorar o imóvel.

Se o compromissário comprador descumprir qualquer das condições estabelecidas na lei, o compromisso de compra e venda será absolutamente ineficaz, sendo-lhe proibido adquirir, por qualquer modo, a propriedade do imóvel. O prazo acima poderá ser prorrogado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, ouvido o INCRA.

Nos compromissos de compra e venda devem constar obrigatoriamente, sob pena de nulidade, as cláusulas estabelecidas no art. 8º e parágrafos, do Decreto nº 74.965/74.

Exceções – não se aplicam as restrições às aquisições de áreas rurais:

  1. a) inferiores a 3 (três) módulos;
  2. b) que tiverem sido objeto de compra e venda, de promessa de compra e venda, de cessão ou de promessa de cessão, mediante escritura pública ou instrumento particular devidamenteprotocolado no registro competente, e quetiverem sido cadastradas no INCRA, em nome do promitente comprador, antes de 10 de março de 1969;
  3. c) quando o adquirente tiverfilho brasileiroou casado com pessoa brasileira, sob o regime de comunhão de bens.

O adquirente estrangeiro tendo filho brasileiro ou casado com brasileira sob o regime de comunhão de bens será relevante apenas para excluir as restrições estabelecidas no art. 12, caput e § 1º, da Lei nº 5.709/71, e no art. 5º, caput e § 1º, do Decreto 74.965/74, ou seja, a soma das áreas rurais poderá ultrapassar a um quarto da superfície dos Municípios onde se situem, bem como ser proprietárias, em cada Município, de mais de 10% (dez por cento) da superfície do Município.

Condomínio

As restrições previstas na Lei 5.709/71 e no Decreto 74.965/74, tomam por base a fração ideal pertencente ao estrangeiro, ainda que caracterizado o condomínio pro indiviso.

Este é o resumo do cenário atual sobre a aquisição de imóveis rurais por estrangeiro.

___________

[i] Vigência do Parecer AGU GQ-22/1994.

[ii] Vigência do Parecer CGU/AGU 01/2010.

[iii] Tal dispensa não se aplica aos oficiais imobiliários de outros estados da federação – a competência de regulamentação é de âmbito estadual.

[iv] Com base no item normativo 1.1 (bem como os itens 1, 1.2, 1.3, 2 e 2.2), das Normas de Serviço da Corregedoria do Estado de São Paulo, Capítulo 14, Tomo 2.

[v] Art. 15 – A aquisição de imóvel rural, que viole as prescrições desta Lei, é nula de pleno direito. O tabelião que lavrar a escritura e o oficial de registro que a transcrever responderão civilmente pelos danos que causarem aos contratantes, sem prejuízo da responsabilidade criminal por prevaricação ou falsidade ideológica. O alienante está obrigado a restituir ao adquirente o preço do imóvel.

[vi] Semelhante ao registrador imobiliário, que também lhe é facultado, no ato de qualificação registral, fazer exigências ou não, conforme os preceitos legais.

[vii] Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.

[viii] Art. 6º Aos notários compete: II – intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo;

[ix] Por decisão judicial ou por ordem do Juiz Corregedor, a lavratura do ato deve ser feita.

[x] Sugere-se o Microsoft Access 2010 Runtime, clique aqui ou digite https://goo.gl/63uOCz para baixar.

[xi] Observar o disposto para o Estado de São Paulo.

*Felipe Leonardo Rodrigues,

tabelião substituto em S. Paulo

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


CSM/SP: Registro de imóvel – Dúvida – Carta de adjudicação – Exigência de recolhimento do ITBI – Hipótese de efetiva transferência da propriedade – Não obstante, o recolhimento foi realizado antecipadamente, na ocasião do registro da carta de arrematação dos direitos sobre o imóvel – Hipótese na qual o alienante permaneceu como dono – Inocorrência do fato gerador do tributo – Inexigível duplo recolhimento – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura, amparados em julgados do STJ e do STF – Recurso provido.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 0009528-83.2014.8.26.0223

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0009528-83.2014.8.26.0223, da Comarca de Guarujá, em que é apelante ALCINDO DOMINGUES DE MIRANDA BARRETO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE GUARUJÁ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, PARA AFASTAR A EXIGÊNCIA DO RECOLHIMENTO DO ITBI E DETERMINAR O REGISTRO DO TÍTULO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI (VICE PRESIDENTE), JOSÉ DAMIÃO PINHEIRO MACHADO COGAN (DECANO, em exercício), ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 15 de dezembro de 2015.

JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação Cível n.° 0009528-83.2014.8.26.0223

Apelante: Alcindo Domingues de Miranda Barreto

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis da Comarca do Guarujá

VOTO N.° 29.021

Registro de imóvel – Dúvida – Carta de adjudicação – Exigência de recolhimento do ITBI – Hipótese de efetiva transferência da propriedade – Não obstante, o recolhimento foi realizado antecipadamente, na ocasião do registro da carta de arrematação dos direitos sobre o imóvel – Hipótese na qual o alienante permaneceu como dono – Inocorrência do fato gerador do tributo – Inexigível duplo recolhimento – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura, amparados em julgados do STJ e do STF – Recurso provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca do Guarujá, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa de registro da carta de adjudicação apresentada referente aos imóveis matriculados sob números 69.424, 69.425 e 69.426, sob o fundamento de que dois são os fatos geradores do imposto, porque a arrematação que determinou o primeiro recolhimento do ITBI deu-se sobre os direitos sobre os imóveis, e, na adjudicação compulsória, o que se efetivará é a transferência do direito real de propriedade. Acrescenta que os polos passivos de ambas as ações ajuizadas pelo suscitado Alcindo Domingues foram diversos e a legislação tributária municipal estabelece arrematação e adjudicação como fatos geradores autônomos.

O apelante afirma, em suma, que o ITBI foi recolhido por antecipação, na ocasião do registro da arrematação dos direitos sobre os imóveis, e que não deve ser recolhido duas vezes. Diz que as partes e os imóveis envolvidos são os mesmos e que a arrematação judicial é forma originária de aquisição de propriedade.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

O recurso merece ser provido.

A r. sentença manteve a exigência do Oficial sob o fundamento de que o ITBI incide tanto na hipótese de transmissão de direitos em relação ao imóvel quanto na hipótese de transmissão da titularidade do domínio do imóvel, conforme prevê a legislação municipal.

A Oficial, por sua vez, baseia-se no artigo 84, “e”, da Lei Complementar n.° 38/1997 e sobre o dever e a responsabilidade dos notários e registradores no recolhimento dos impostos.

Não obstante, é preciso considerar que há precedentes recentes deste Conselho Superior da Magistratura, baseados em julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a despeito das legislações municipais que determinam o recolhimento do ITBI nos casos de compromisso de compra e venda e outros contratos de natureza pessoal, pelos quais se transmitem apenas os direitos relativos ao bem imóvel, de acordo com a Constituição Federal e o Código Civil, o ITBI tem incidência e é devido apenas quando a escritura pública de compra e venda (ou por instrumento particular nos casos previstos em lei) é apresentada para registro, pois, somente neste momento ocorre a efetiva transferência da titularidade do domínio ao comprador, do contrário, o alienante continua proprietário do imóvel.

Assim sendo e apesar da previsão de incidência do ITBI na legislação municipal, a inconstitucionalidade desta norma é manifesta, e, como tal, excepcionalmente, pode ser reconhecida na esfera administrativa.

É pertinente transcrever a ementa e o trecho de interesse da Apelação Cível n°. 0015683-73.2011.8.26.0590, relatada pelo Desembargador José Renato Nalini, então Corregedor Geral da Justiça, julgada no dia 12/9/2012, que se aplica por analogia ao caso em tela:

“APELAÇÃO – REGISTRO DE IMÓVEL – RECUSA – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – NÃO INCIDÊNCIA DE ITBI – PAGAMENTO ANTECIPADO DO TRIBUTO – INEXISTÊNCIA DO FATO GERADOR – LAPSO TEMPORAL DE MAIS DE 40 ANOS ENTRE O PAGAMENTO DO ITBI ANTECIPADO E A LAVRATURA DE ESCRITURA DE VENDA E COMPRA. Recurso conhecido, mas não provido.”

“Todavia, o imposto é devido somente por ocasião do registro de transmissão da propriedade de bens ou direitos, a teor do disposto no art. 1245 do Código Civil – “transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo noRegistro de Imóveis. §1°. Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”(agr. Reg. Em Agr. Inst. N° 448.245/DF, Rel. Min. Luiz Fux).

A respeito da exigência de pagamento antes do registro do título translativo da propriedade vale colacionar parte do voto proferido pelo Des. Roberto Martins de Souza na Apelação n.° 0039993-95.2009.8.26.0564, da Comarca de São Bernardo, com plena aplicação ao caso em tela:

(…) cabe aqui o ensinamento de Kiyoshi Harada: “(…) Convém ressaltar, que a transmissão da propriedade imobiliária só se opera com o registro do título de transferência no registro de imóveis competente, segundo o art. 1.245 do Código Civil, que assim prescreve: ‘Transfere-se entre vivos a propriedade mediante registro do título translativo do Registro de Imóveis.’

O §1° desse artigo dispõe enfaticamente que “enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”. Portanto, a exigência do imposto antes da lavratura da escritura da escritura de compra e venda ou do contrato particular, quando for o caso, como consta da maioria das legislações municipais, é manifestamente inconstitucional. Esse pagamento antecipado do imposto não teria amparo no §7° do art. 150 da CF, que se refere à atribuição ao ‘sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realiza o fato gerador presumido’.

“Por isso, o STJ já pacificou sua jurisprudência no sentido de que o ITBI deve incidir apenas sobre transações registradas em cartório, que impliquem efetiva transmissão da propriedade imobiliária (Resp 1.066, 253364, 12.546, 264064, 57.641; AGA 448.245; ROMS 10.650). Curvamo-nos à jurisprudência remansosa do STJ, reformulando nosso ponto de vista anterior, quer porque inaplicável o §7° do art. 150 da CF em relação ao ITBI, quer porque o fato gerador desse imposto, eleito pelo art. 35, II, do CTN, em obediência ao disposto no art. 156, II, da CF, é uma situação jurídica, qual seja, a transmissão da propriedade imobiliária.” (“Direito Tributário Municipal”, segunda edição, São Paulo: Atlas, página 100)”.

Neste mesmo sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Instrumento particular de contrato de promessa de venda e compra de unidade condominial a ser construída e outras avenças – Resignação não configurada – Dúvida conhecida – Comprovação do Recolhimento do ITBI e anuência da credora hipotecária – Exigências descabidas – Tributo não incidente – Precedentes do STF e do STJ – Inaplicabilidade do parágrafo único do art. 1º da Lei 8.004/1990 ao caso dos autos. Súmula n.° 308 do STJ – Dúvida improcedente – Recurso provido. (Apelação Cível n.° 900016-61.2011.8.26.0577 – Rel. Des. José Renato Nalini – j. 7/2/2013).

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. NÃO INCIDÊNCIA DO ITBI. 1. Controvérsia decidida à luz de normas infraconstitucionais. Ofensa indireta à constituição do Brasil. 2. A celebração de contrato de compromisso de compra e venda não gera obrigação ao pagamento do ITBI. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AI – AGR 603.309/MG, Rel. Min. Eros Grau, Julgamento: 18/12/2006).

Verifica-se, pois, que foi incorreta a exigência e o recolhimento do ITBI na ocasião em que houve registro da arrematação referente aos direitos sobre o imóvel, e que o correto seria recolher o imposto apenas em razão do registro da carta de adjudicação que efetivamente transmitiu a titularidade do domínio.

Assim sendo, e considerando que o recolhimento indevido deve ser considerado recolhimento antecipado, afasta-se a exigência e determina-se o registro do título.

Isto posto, dou provimento ao recurso, para afastar a exigência do recolhimento do ITBI e determinar o registro do título.

JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Fonte: DJE | 29/02/2016.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


Artigo: A Função Econômica do Protesto: Sua efetividade na recuperação de Crédito (Parte II: Protesto de Sentença Judicial) – Por José Flávio Bueno Fischer

* José Flávio Bueno Fischer

Nosso artigo publicado no mês de janeiro deste ano no site do Colégio Notarial do Brasil, intitulado “a função econômica do protesto: sua efetividade na recuperação de crédito”, demonstrou a relevante função econômica do protesto no Brasil, já que por ser um meio rápido e eficaz de recuperação de crédito, contribui com a instituição de um ambiente negocial de confiança e de segurança. Isso porque, os devedores, temerosos em terem seus nomes inscritos nos órgãos de proteção de crédito, acabam por pagar as dívidas levadas a protesto, o que torna o instituto um meio muito eficiente na recuperação do crédito.
O referido artigo demonstrou, ainda, que, apesar do protesto ter nascido como figura integrada exclusivamente ao universo cambiário, daquele se desvinculou e passou a ser admitido em relação a outros documentos de dívida.
Pois bem. O assunto do presente artigo, em continuidade ao desenvolvimento da ideia da função econômica do protesto, é justamente a questão envolvendo o protesto de outros documentos de dívida, notadamente a sentença judicial.
Com efeito, com o advento da Lei nº 9.492/97, houve a ampliação do objeto do protesto, eis que seu artigo 1º definiu o instituto como “o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.” Desde então, instaurou-se a controvérsia na doutrina e jurisprudência brasileira sobre a possibilidade de se levar a protesto a sentença judicial.
Analisando a questão, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 750.805-RS, firmou o entendimento segundo o qual “a sentença condenatória transitada em julgado é título representativo de dívida”, incluindo-se, assim, na previsão legal do art. 1º da Lei nº 9.492/97, sendo, desta forma, possível o protesto da sentença condenatória, transitada em julgado, que represente obrigação pecuniária líquida, certa e exigível.
Tal julgamento não foi unânime, com um placar de três votos a favor e dois contra, o que denota a divisão que existia no meio jurídico em relação à matéria.
Entretanto, o novo Código de Processo Civil, que entrará em vigor em março deste ano, espancou a controvérsia ao prever expressamente a possibilidade de protesto de sentença judicial em seu artigo 517:

Art. 517. A decisão judicial transitada em julgado poderá ser levada a protesto, nos termos da lei, depois de transcorrido o prazo para pagamento voluntário previsto no art. 523.
§ 1o Para efetivar o protesto, incumbe ao exequente apresentar certidão de teor da decisão.
§ 2o A certidão de teor da decisão deverá ser fornecida no prazo de 3 (três) dias e indicará o nome e a qualificação do exequente e do executado, o número do processo, o valor da dívida e a data de decurso do prazo para pagamento voluntário.
§ 3o O executado que tiver proposto ação rescisória para impugnar a decisão exequenda pode requerer, a suas expensas e sob sua responsabilidade, a anotação da propositura da ação à margem do título protestado.
§ 4o A requerimento do executado, o protesto será cancelado por determinação do juiz, mediante ofício a ser expedido ao cartório, no prazo de 3 (três) dias, contado da data de protocolo do requerimento, desde que comprovada a satisfação integral da obrigação.

Ou seja, do texto do artigo acima, infere-se que é permitido o protesto de decisão judicial definitiva, que preveja obrigação pecuniária, certa, líquida e exigível. Inclusive, decisão que imponha a obrigação de prestar alimentos, conforme previsão do artigo 528, §1º, do novo Código de Processo Civil.
Percebe-se, ainda, que, conforme disposição do “caput” do artigo 517, o credor só pode levar a protesto a decisão após transcorrido o prazo para pagamento voluntário da dívida, que é de 15 (quinze) dias após o devedor ser regularmente intimado para tanto. Em outras palavras, a sentença só pode ser levada a protesto se o devedor ficar inerte após intimado para pagar o débito.
Este procedimento trazido pelo novo CPC, que permite o protesto da decisão judicial transitada em julgado após o devedor deixar de fazer o pagamento voluntário no prazo concedido para tanto, concilia os interesses do credor e do devedor, pois viabiliza ao credor um meio rápido e eficiente de satisfação de seu crédito, ao mesmo tempo que protege o devedor contra constrangimentos patrimoniais desnecessários e indevidos, garantindo a observância de prazo para que este possa pagar o valor do débito voluntariamente.
De fato, a penhora de bens e valores, que seria a sequência natural do processo de execução caso não houvesse a possibilidade do protesto da sentença, há muito tem se mostrado uma medida penosa tanto para o credor, quanto para o devedor. Para o credor, porque, não raras vezes, não são encontrados bens ou valores para serem penhorados, restando a execução frustrada. Para o devedor, porque a penhora é uma restrição gravíssima ao patrimônio, que ocasiona sérias limitações, inclusive, muitas vezes, para o sustento de seus próprios negócios.
Ao contrário, o protesto da sentença judicial é uma medida justa e eficaz tanto para o credor, que, na maioria das vezes, vê seu crédito ser satisfeito com rapidez diante do medo do devedor de ter seu crédito abalado face a inscrição de seu nome em órgãos de proteção ao crédito, quanto para o devedor, que além de ter o prazo judicial de 15 (quinze) dias para pagar voluntariamente a dívida, tem mais o prazo extrajudicial de 3 (três) dias após ser intimado pelo Tabelionato de Protesto, além da segurança de não ter seu nome inscrito em órgãos de proteção ao crédito antes de ciente e intimado acerca da dívida e de seu valor.
Assim, o protesto de decisão judicial é mais uma faceta deste instituto a corroborar sua importante função econômica, de um instrumento extrajudicial de cobrança e um importante e eficaz meio de recuperação de crédito, que desafoga o Poder Judiciário e garante maior efetividade às suas decisões.
Louvável, portanto, a previsão do novo Código de Processo Civil acerca do protesto de decisão judicial, que a par de não ser propriamente uma novidade, traz mais força ao instituto dentro do ordenamento jurídico, encerrando dúvidas e controvérsias acerca de sua utilização nas sentenças judiciais transitadas em julgado.

José Flávio Bueno Fischer
1º Tabelião de Novo Hamburgo/RS
Ex-presidente do CNB-CF
Membro do Conselho de Direção da UINL

Fonte: Notariado | 26/02/2016.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.