Artigo: O estranho caso do inimputável capaz – Parte II – Por Vitor Frederico Kümpel, Thales Ferri e Bruno de Ávila Borgarelli

Podemos afirmar que o Direito é uma só ciência, cuja finalidade é disciplinar condutas por meio da elaboração de normas jurídicas. A existência de distintos ramos do Direito (Civil, Penal, Processual Civil, etc.), tanto em nível acadêmico, como no âmbito jurisdicional, não abala a unidade da ciência jurídica; como adverte Goffredo Telles Júnior, “durante cinco anos do Curso, matérias muitas e diversas são explicitadas e estudadas. Mas, reparem, todas elas se prendem umas com as outras. Relacionam-se pelos seus primeiros princípios, pelos seus fundamentos, pelos fins que almejam. Em verdade, podemos até dizer que, durante todo o Curso numa Faculdade de Direito, só cuidamos de uma única disciplina: A Disciplina da Convivência Humana”1.

Nestes termos, o Direito deve ser estudado e aplicado de maneira interdisciplinar2, de modo que suas diversas áreas interajam, rompendo o tradicional isolamento teórico e prático3, mas, para tanto, faz-se necessário um pressuposto lógico: a harmonia do sistema jurídico. Tal harmonia não impede que existam conflitos aparentes entre normas jurídicas (antinomia), os quais devem ser solucionados pelos critérios hierárquico, cronológico e da especialidade, mas excetuada tal hipótese, deve-se evitar a promulgação de normas jurídicas que se excluam, ou seja, que estejam em real conflito. Impõe-se, portanto, que o Direito seja concebido como um sistema harmônico de normas jurídicas, não produzindo conflitos reais e ao mesmo tempo evitando lacunas (anomia) – eventuais lacunas são observadas apenas na lei e não no Direito, já que ele mesmo “supre seus espaços vazios, mediante a aplicação e criação de normas”, como bem esclarece Maria Helena Diniz4.

Tratando especificamente da interdisciplinariedade entre o Direito Civil e o Direito Penal, observamos que até a promulgação da lei 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), esses dois ramos do Direito encontravam-se em plena harmonia. Com efeito, são incontáveis as relações entre os diversos institutos de Direito Civil e Penal, entre as quais podemos destacar a independência relativa entre as jurisdições civil e criminal, e os reflexos penais e processuais penais a partir do advento do Código Civil de 2002, que reduziu a maioridade civil de 21 para 18 anos. Tratemos, brevemente, de cada uma dessas questões, antes da análise do referido Estatuto.

O princípio da independência relativa entre as jurisdições civil e penal decorre da interpretação conjunta dos arts. 65, 66, 67, incisos I a III, e 386, incisos, I a VII, do Código de Processo Penal, e 935 do Código Civil, extraindo-se as seguintes regras:

a) Faz coisa julgada no juízo cível a sentença penal condenatória transitada em julgado, pois, como adverte Carlos Roberto Gonçalves, “estariam comprovados a autoria, a materialidade do fato ou dano, o nexo etiológico e a culpa (dolo ou culpa stricto sensu) do agente”5;

b) Também faz coisa julgada na esfera civil a absolvição em razão de excludente de antijuridicidade (CP, art. 123, I a III, entre outras causas legais ou supralegais), por excludente de culpabilidade, descriminante putativa, quando provada a inexistência material do fato e quando provado que o réu não concorreu para a infração penal (CPP, arts. 65, 66, e 386, I, IV e VI, CP, arts. 20, § 1º, 21, 22, 26, e 28, § 1º, e CC, art. 188, I e II); excetuam-se apenas as absolvições por legítima defesa com “aberratio ictus” (CP, art. 73) e por estado de necessidade agressivo, restando ao condenado na esfera civil propor ação regressiva, respectivamente, contra o autor da agressão e o causador da situação de perigo (CC, arts. 929 e 930)6;

c) Não fazem coisa julgada na esfera civil as absolvições criminais por não haver prova da existência do fato, em razão do fato não constituir infração penal, por não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal, por não existir prova suficiente para a condenação (CPP, arts. 66, 67, III, 386, II, III, V e VII, e CC, arts. 186, 927, “caput”, e 935), e por não ter sido caracterizada a culpa do réu em delito culposo (muitas vezes a culpa levíssima não é suficiente para o aperfeiçoamento da tipicidade, embora o seja para configurar o ato ilícito na esfera civil)7;

d) Finalmente, não fazem coisa julgada na esfera civil a decisão de arquivamento de inquérito policial ou de peças de informação, bem como a decisão que julga extinta a punibilidade (CPP, art. 67, I e II).

No que se refere à aquisição da maioridade civil aos 18 anos a partir da vigência do Código Civil de 2002 (art. 5º, “caput”), a interpretação mais coerente com a harmonia do sistema aqui defendida – e que acabou prevalecendo – foi no sentido de que todas as normas do Código de Processo Penal que exigiam curador ao réu ou ofendido menor de 21 anos e maior de 18 foram revogadas pelo diploma civil8; manteve-se, todavia, a circunstância atenuante e a redução dos prazos prescricionais pela metade em relação aos réus menores de 21 anos e maiores de 18 na data do delito (CP, arts. 65, I, e 115).

Contudo, o Estatuto da Pessoa com Deficiência rompeu a harmonia do sistema, pois a partir de sua vigência, considerará absolutamente incapazes somente os menores de 16 anos (CC, art. 3º); conforme lição de lição de Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro, “averiguando-se alguns reflexos imediatos do novo regime jurídico das incapacidades, de pronto, pode-se inferir que todas as pessoas que foram interditadas em razão de enfermidade ou deficiência mental passam, com a entrada em vigor do Estatuto, a serem consideradas, ope legis, plenamente capazes. Vale dizer, tratando-se de lei que versa sobre o estado da pessoa natural, a disposição normativa tem eficácia e aplicabilidade imediata”9.

Obviamente que as disposições do Código Penal relacionadas aos inimputáveis e semi-imputáveis permanecem intocadas (art. 26, “caput” e parágrafo único), mas a nova lei criou um conflito real em nosso sistema jurídico, como será demonstrado. Para tanto, algumas breves considerações sobre a teoria geral do crime se fazem necessárias.

Analiticamente e segundo a teoria finalista da ação bipartida, o crime pode ser definido como o fato típico e antijurídico, funcionando a culpabilidade como pressuposto de aplicação da pena10. Fato típico é aquele fato descrito em lei como crime ou contravenção penal, enquanto a antijuridicidade é a contrariedade de um fato típico ao ordenamento jurídico, ou seja, todo fato típico é, em princípio, antijurídico, salvo quando amparado por alguma causa de justificação (eximente), conforme a teoria do caráter indiciário da ilicitude (“ratio cognoscendi”), de Mayer11. Interessa-nos, aqui, tratar da culpabilidade.

Culpabilidade é o juízo de reprovação exercido sobre o autor de um fato típico e antijurídico. Claus Roxin define a culpabilidade como o “agir ilícito apesar da idoneidade para ser destinatário de normas”12, mas foi Reinhard Frank quem primeiramente cuidou do tema com distinção, ao ligá-lo à ideia de reprovabilidade13. Culpabilidade, portanto, é reprovabilidade, ou ainda, censurabilidade, isto é, o juízo de reprovação ou censura dirigido sobre o autor de um fato típico e ilícito – Damásio de Jesus cita um antigo provérbio alemão, segundo o qual “a culpabilidade não está na cabeça do réu, mas na do juiz; o dolo, pelo contrário, está na cabeça do réu”14.

São elementos da culpabilidade: potencial consciência da ilicitude, exigibilidade de conduta diversa e imputabilidade. Cada excludente de culpabilidade (dirimente) prevista no Código Penal afasta um desses elementos: o erro de proibição exclui a potencial consciência da ilicitude, a coação moral irresistível e a obediência hierárquica afastam a exigibilidade de conduta diversa, enquanto a inimputabilidade por doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, ou por embriaguez completa resultante de caso fortuito ou força maior, afasta a imputabilidade (CP, arts. 21, 22, 26, “caput”, 27 e 28, § 1º)15.

Cuidaremos, na próxima coluna, da última excludente, eis que relacionada às nefastas inovações do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Até lá!

Referencias Bibliográficas

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, v. 1.

FRANK, Reinhard. Sobre la estructura del concepto de culpabilidad. Collección Maestros del Derecho Penal. Dirigida por Gonzalo D. Fernandes. Coordinada por Gustavo Eduardo Aboso. Traducción por Gustavo Eduardo Aboso y Tea Löw. 3 Reimp. Buenos Aires: Editorial IB de F, 2011.

GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio. A teoria da “ratio cognoscendi” e a dúvida do juiz sobre as excludentes de ilicitude. Disponível em http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=200903091520177, acesso em 21.03.2012.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, v. 4.

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 1.

RIBEIRO, Moacyr Petrocelli de Ávila. Estatuto da Pessoa com Deficiência: A revisão da teoria das incapacidades e os reflexos jurídicos na ótica do notário e do registrador. Disponível em http://www.cnbsp.org.br/?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=MTA3NDQ=&filtro=1, acesso em 28.08.2015.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 20 ed. rev. e atual. 5ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 4.

ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Tradução de Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

TAVARES, Everkley Magno Freire; BEZERRA, Gilvante Correa. Interdisciplinariedade: uma concepção emergente no ensino superior do Direito, in Revista da ESMARN (Escola da Magistratura do Rio Grande do Norte), v. 3, n. 1, set. 2006.

WELZEL, Hans. Derecho Penal Alemán. 11 ed. 4 ed. en español. Traducción del alemán por los professores Juan Bustos Ramírez y Sergio Yáñez Pérez. Santiago: Editorial Jurídica de Chile, 2011.

ZIMIANI, Doroteu Trentini; HOEPPNER, Márcio Grama. Interdisciplinariedade no ensino do Direito, in Revista Unipar, v. 16, n. 2, abr./jun. 2008.

__________

1 Apud ZIMIANI, Doroteu Trentini; HOEPPNER, Márcio Grama. Interdisciplinariedade no ensino do Direito, in Revista Unipar, v. 16, n. 2, abr./jun. 2008, p. 106.

2 Zimiani e Hoeppner identificam a escassez de estudos interdisciplinares no âmbito do Direito, fazendo a seguinte advertência: “O que se observa no exercício da atividade jurídica é a existência de muitos profissionais com conhecimento fragmentado do Direito, voltados para especialidades, dissociados da realidade social, restritos a atuarem numa determinada área, por interesses estritamente particulares, sem contribuírem de maneira mais ampla para a justiça, contrariando o perfil que se espera dos operadores do Direito (op. cit., p. 104 e 105).

3 Sobre tal necessidade, confira-se: TAVARES, Everkley Magno Freire; BEZERRA, Gilvante Correa. Interdisciplinariedade: uma concepção emergente no ensino superior do Direito, in Revista da ESMARN (Escola da Magistratura do Rio Grande do Norte), v. 3, n. 1, set. 2006, p. 231-239.

4 Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, v. 1, p. 72.

5 Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, v. 4, p. 335.

6 Neste sentido: CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 212.

7 No mesmo sentido: RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 20 ed. rev. e atual. 5ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 4, p. 148.

8 Exemplos: CPP, arts. 15 e 34.

9 Estatuto da Pessoa com Deficiência: A revisão da teoria das incapacidades e os reflexos jurídicos na ótica do notário e do registrador. Acesso em 28/8/2015.

10 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 1, p. 397-397, em sentido diverso da concepção originária da teoria finalista da ação, de Hans Welzel, que é tripartida (Derecho Penal Alemán. 11 ed. 4 ed. en español. Traducción del alemán por los professores Juan Bustos Ramírez y Sergio Yáñez Pérez. Santiago: Editorial Jurídica de Chile, 2011, p. 77 e 87).

11 Apud GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio. A teoria da “ratio cognoscendi” e a dúvida do juiz sobre as excludentes de ilicitude. Acesso em 21/3/2012.

12 Estudos de Direito Penal. Tradução de Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 87.

13 Eis a lição de Reinhard Frank: “En la búsqueda de una expresión breve que contenga todos todos los mencionados componentes del concepto de culpabilidad, no encuentro otra que la reprochabilidad. Culpabilidad es reprochabilidad. Esta expresión no es linda, pero no conozco otra mejor” (Sobre la estructura del concepto de culpabilidad. Collección Maestros del Derecho Penal. Dirigida por Gonzalo D. Fernandes. Coordinada por Gustavo Eduardo Aboso. Traducción por Gustavo Eduardo Aboso y Tea Löw. 3 Reimp. Buenos Aires: Editorial IB de F, 2011, p. 39).

14 Op. cit., p. 403.

15 A Lei de Drogas (lei 11.343/06) também prevê a dependência e o efeito de droga decorrente de caso fortuito ou força maior como excludentes de imputabilidade, aplicáveis a qualquer infração penal e não apenas aos delitos relacionados a substâncias entorpecentes (art. 45, “caput”).

Fonte: Migalhas | 03/11/2015.

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Artigo – Dispensa de Averbação de Reserva Legal: Corregedoria de São Paulo edita norma em consonância com o Novo Código Florestal – Por Renata Elias El Debs Mattaraia e Elinton Wiermann

*Renata Elias El Debs Mattaraia e Elinton Wiermann

O Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12) foi aprovado precedendo grandes expectativas e discussões, contudo, prestando enfoque às novas preocupações sociais, ou seja, de conjugar a efetiva preservação do meio ambiente com o desenvolvimento econômico do país. Nesse sentido, importante modificação ao texto do código revogado, apetece os registradores, criando novas regras para a averbação da reserva legal de imóveis rurais.

O código revogado (Lei. 4.771/65), trazia em seu art. 16, §8º, com a redação que lhe deu a Medida Provisória nº 2.166-67, de 2011, que “a área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente (…)”.

Já o Novo Código Florestal, traz em seu art. 18, §4º:

“Art. 18. A área de Reserva Legal deverá ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição no CAR de que trata o art. 29, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento, com as exceções previstas nesta Lei. (…)

§ 4o O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis.”

Portanto, pelo texto acima, a averbação da reserva legal tornou-se facultativa, revogando-se, também, ainda que de forma tácita, a infração tipificada no art. 55, do Decreto Lei nº. 6.686/08, até então aplicável a quem deixava de promover a averbação da reserva legal.

Nesse sentido, muito se questionou se referida nova previsão coaduna com o espírito do Novo Código Florestal, à medida que sugere fragilização da segurança jurídica latu sensu, fragilização esta que também ocorre na seara registral, relativamente ao princípio da concentração dos atos registrais. Muito embora conste do espírito desta nova previsão a facilitação e barateamento dos procedimentos de regularização fundiária e ambiental, inegavelmente, temos uma norma que traz precariedade a tais princípios jurídicos.

Em termos práticos, ainda que o proprietário de gleba esteja desobrigado da averbação da área de reserva legal, o Novo Código Florestal o obriga a efetuar o registro perante o órgão ambiental competente, conforme mencionado na previsão acima copiada, o CAR, Cadastro Ambiental Rural. Assim sendo, suprimiu-se o ato registral por um ato administrativo.

Contudo, o Novo Código Florestal foi omisso quanto à obrigação legal do registrador, insculpida nos arts. 168, II, 22 e 169 da Lei nº 6.015/73, que mantém a obrigatoriedade da averbação da reserva legal junto ao registro de imóveis, criando-se, assim, incompatibilidade entre os diplomas.

Diante dessa omissão, a Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo adicionou às suas Normas de Serviços, através do Provimento n. 37/2015, de 21 de setembro de 2015, novos subitens. Criado em observância estrita à garantia constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput, e §1º, I e II, da Constituição Federal), o novo provimento, além de nortear a atividade do registrador, também garante a publicidade e segurança jurídica à sociedade, até então usurpada pelo Novo Código Florestal. Restou previsto, então:

“125.1.1. Cumpre aos Oficiais de Registro de Imóveis exercer o controle sobre a averbação da área de Reserva Legal nas serventias prediais, condição indispensável para a prática de atos relativos à transmissão de domínio, desmembramento e retificação da área de imóveis rurais e registro de sentenças de usucapião, entre outros.

125.1.2. A averbação da área de Reserva Legal pelo titular do domínio ou da posse do imóvel rural será dispensada caso a reserva já esteja inscrita no Cadastro Ambiental Rural, não obstante a obrigatoriedade da averbação do número de inscrição, como previsto no item 12.5.

125.1.3. No momento, porém, da realização de qualquer ato registrário, tais como transmissão de domínio, desmembramento, retificação de área de imóvel rural ou registro de sentenças de usucapião, deve ser simultaneamente exigida pelo Oficial Registrador a averbação da Reserva Legal, podendo ser utilizados para tanto dados, informações e estudos existentes no CAR, se atualizados e suficientes.” (grifo nosso)

As previsões acima são pontuais quanto às omissões legislativas trazidas pelo Novo Código Florestal. A exemplo, o Novo Código não criava vínculo entre a dispensa da averbação e o registro no CAR. Melhor dizendo, o registrador não teria sob seu controle prova de que o proprietário havia efetuado o registro.

A previsão do subitem 125.1.2 traz que a dispensa só ocorrerá mediante comprovação do registro junto ao CAR, através do número de inscrição que lhe for atribuído, observando a obrigatoriedade da averbação de mencionado número na matrícula do imóvel.

O subitem seguinte, 125.1.3, obriga, na ocasião de qualquer ato registrário junto à matrícula do imóvel, a averbação do número de inscrição do CAR.

Veja então que, não bastante a promulgação do novo provimento, os registradores devem estar atentos quanto à uniformização de atos a serem praticados, em consonância com a nova normatização.

O Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural é mecanismo independente, conquanto o registrador não pode cruzar as informações contidas nos documentos apresentados pelo requerente, face o sistema. Desse modo, no requerimento a ser redigido, há de se deixar consignado que o requerente se responsabiliza pela exatidão e veracidade das informações prestadas. Nesse sentido, no caso de imóvel sem área de reserva legal, o requerente deverá, por escrito, prestar a devida justificativa.

Ainda, observando que o subitem 125.1.3 criou um rol exemplificativo dos atos registrais onde deverá ocorrer a averbação da reserva legal, simultaneamente a averbação do número de inscrição do CAR, salienta-se que a mesma leitura se aplica nos casos de transmissão do imóvel, alteração de sua conformação física, no ingresso de procedimento de retificação de área, ou quando do ingresso de termo de reserva legal expedido pela CETESB.

Há de se concluir, portanto, que o registrador continuará tendo controle sobre as reservas legais, contudo, não mais sobre o aspecto material, e sim pelo aspecto formal. Ou seja, não compete mais ao registrador verificar as características técnicas e ambientais da área de reserva legal, mas tão somente se tal área é reconhecida e está regular perante o órgão competente.

Cabe ao registrador tornar eficaz a lei cogente, contudo, nunca olvidando a importância de se levar as prerrogativas do seu mister à máxima eficácia, em benefício da sociedade e do ordenamento jurídico brasileiro.

________________

* A autora é sócia do escritório de advocacia Roberto Guimarães & Renata Debs, Advogados Associados, graduada pela Faculdade de Direito Laudo de Camargo – UNAERP – especialista (MBA) em Gestão Ambiental pela Fundação para Pesquisa e Desenvolvimento da Administração, Contabilidade e Economia (FUNDACE-USP-Ribeirão Preto) e especialista em Direito Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica – PUC- SP.

*O autor é advogado e membro do escritório Roberto Guimarães & Renata Debs, Advogados Associados, desde 2009, graduado pela Universidade Paulista de Ribeirão Preto, especialista em Gestão Tributária pela Fundação para Pesquisa e Desenvolvimento da Administração, Contabilidade e Economia (FUNDACE/SP), e pós-graduando em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP-USP).

* Texto publicado originariamente em: Boletim Eletrônico INR nº 7217, de 30 de outubro de 2015 – ANO XIV (ISSN 1983-1226).

Fonte: INR Publicações | 30/10/2015.

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Artigo – Testamento: lavratura por substituto – Por Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza

*Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza

A questão da lavratura dos testamentos pelos substitutos continua gerando muitas controvérsias.

Tais controvérsias precisam ser eliminadas, para que se atinja a indispensável segurança jurídica que deve emanar dos atos praticados nos tabelionatos.

O § 4º do art. 20 da Lei 8.935/94 reza que o substituto pode praticar todos os atos próprios do tabelião “exceto… lavrar testamentos”. Contudo, o Código Civil de 2.002 revogou a disposição em apreço, ao estabelecer no inciso I do art. 1.864, como requisito essencial do testamento público, ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal.

Desde então, interpretações diversas do referido dispositivo do Código Civil fizeram com que a aplicação do mesmo tivesse seu alcance diminuído. O testamento pode ser lavrado no local que desejar o testador, mas o seu cumprimento pode se dar em unidade da federação diversa daquela em que foi lavrado. E se no local onde tiver que ser cumprido a interpretação do dispositivo legal em comento for diferente do local da lavratura do testamento? Poderá o Poder Judiciário entender que o testamento é nulo ou ineficaz, e estaremos diante de um problema insolúvel, pois o testador já terá falecido. Diante desse quadro, a interpretação da regra legal em apreço acaba sendo bastante restritiva, para que se evitem prejuízos ao testador e aos beneficiários das disposições testamentárias.

Abordei sucintamente o tema no livro que publiquei[1]: “a Lei 8.935/94 não utilizou a expressão ‘substituto legal’, referindo-se apenas a ‘substituto’. Dentre os escreventes o titular escolherá os substitutos, ‘quantos forem necessários, a critério de cada notário ou oficial de registro’(art. 20, caput, e § 1º). Todos os substitutos, pois, escolhidos pelo delegatário na forma da lei, são substitutos legais, não se podendo distinguir onde a lei não distingue. Não obstante, no Estado do Rio de Janeiro, a Corregedoria Geral da Justiça[2] tem admitido a lavratura de testamentos apenas pelo substituto ‘designado pelo notário ou oficial de registro para responder pelo respectivo serviço nas ausências e nos impedimentos do titular’, substituto esse escolhido dentre os substitutos em obediência ao disposto no § 5º do art. 20 da Lei 8.935/94. Entendeu a Corregedoria que o referido § 5º prevê a figura do substituto legal, e que não ocorreu revogação do § 4º, ‘portanto, apenas o escrevente substituto designado para responder pelo serviço nas ausências e impedimentos do Tabelião, está apto a lavrar testamentos nos Ofícios de Notas, não se estendendo a autorização legal a todos os escreventes substitutos, na forma do art. 20, § 4º da Lei 8.935/94’”.

As divergências ora apontadas voltam nossa atenção para um velho problema: não dispomos de um Código do Notariado, de aplicação em todo o território nacional. A falta de regulamentação em escala nacional faz surgirem normas administrativas nas unidades da federação, muitas vezes conflitantes e que acabam por gerar insegurança jurídica. Urge que tenhamos essa regulamentação, para que sejam solucionadas questões como a ora ventilada.


[1] SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza. Noções Fundamentais de Direito Registral e Notarial. São Paulo: Saraiva, 2.011.

[2] Processo 2005-013549, decisão publicada em 17/09/2.007, Diário Oficial, Poder Judiciário, Seção I, Estadual, e arts. 214, §2º, e 258 da Consolidação Normativa. Leonardo Brandelli (Teoria Geral do Direito Notarial, 2ª edição, São Paulo, Saraiva, 2.007 – pág. 318) defende posição idêntica à da Corregedoria Geral da Justiça fluminense. Já Zeno Veloso (Novo Código Civil Comentado, coordenação de Ricardo Fiúza, São Paulo, Saraiva, 2.003 – págs. 1.686/1.687) sustenta a revogação de parte do § 4º do art. 20, admitindo a lavratura do testamento pelos substitutos do tabelião.

Fonte: Notariado | 03/11/2015.

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