CGJ|SP: Serventia extrajudicial – Acervo documental – Requerimento formulado por empresa particular que busca autorização para examinar, digitalizar e divulgar via internet parte dos acervos de diversos – Tabeliães de Notas – Impossibilidade – Acesso ao acervo que dá por meio de certidões ou pedido de informações – Serviço público prestado em caráter privado – Dever de guarda e sigilo – Indeferimento.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG 2014/00002070
(88/14-E)
Serventia Extrajudicial – Acervo documental – Requerimento formulado por empresa particular que busca autorização para examinar, digitalizar e divulgar via internet parte dos acervos de diversos – Tabeliães de Notas – Impossibilidade – Acesso ao acervo que dá por meio de certidões ou pedido de informações – Serviço Público prestado em caráter privado – Dever de guarda e sigilo – Indeferimento.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:
Records Preservation, Inc. pede autorização desta Corregedoria Geral da Justiça para consultar, manusear e digitalizar os acervos notariais anteriores ao ano de 1940 das seguintes Serventias Extrajudiciais: 1º Tabelião de Notas de Jundiaí, 1º Tabelião de Notas e Protestos de Letras e Títulos de Atibaia, 1º Tabelião de Notas e Protestos de Letras e Títulos de Bragança Paulista, 1º Tabelião de Notas e Protestos de Letras e Títulos de Amparo, 1º Tabelião de Notas e Protestos de Letras e Títulos de Iguape e do Tabelião de Notas e Protestos de Letras e Títulos de São Vicente (fls. 02 e 09).
Alega que referidos documentos possuem grande interesse histórico e genealógico, sendo a digitalização a única maneira de preservá-los.
Afirma que a digitalização seria feita de forma gratuita e que forneceria, sem custo, cópias digitais às Serventias mencionadas e ao Arquivo do Estado de São Paulo. Explica, por fim, que os documentos, uma vez digitalizados, seriam disponibilizados na internet para pesquisas pelo público.
Instada a especificar os documentos a que gostaria de ter acesso, a requerente esclareceu ter interesse nos testamentos, procurações e escrituras anteriores à 1940 constantes dos livros e índices das Serventias que listou às fls. 09.
É o relatório.
Opino.
O pedido, salvo melhor juízo de V. Exa., não comporta acolhimento.
É certo que o acervo das Serventias Extrajudiciais tem natureza pública, isto é, pertencem ao Estado e não ao titular que, momentaneamente, exerce a delegação que lhe foi outorgada por meio de concurso público.
Por isso, como já teve oportunidade de acentuar o então Juiz Assessor desta Corregedoria Geral Luciano Gonçalves Paes Leme, o acesso às informações armazenadas pelas Serventias Extrajudiciais deve ser garantido a todos, independentemente de eventuais motivos apresentados ou da comprovação de interesse, ressalvados as protegidas por sigilo e restrições de acesso ao público impostas por lei1.
Mas é preciso observar que o fato de ser público não torna o acervo acessível a qualquer pessoa. São as informações – e não os livros que as contêm – que estão ao alcance de todos, excetuados os casos resguardados por sigilo.
Essa conclusão se extrai da Lei de Registros Públicos, cujo art. 16 traz as formas pelas quais o usuário dos serviços notariais e registrais pode ter acesso ao acervo: certidão ou pedido de informações².
O item 36, do Capítulo XIII, das Normas de Serviço desta Corregedoria Geral, dispõe no mesmo sentido:
Os notários e registradores lavrarão certidões do que lhes for requerido e fornecerão às partes as informações solicitadas, salvo disposição legal ou normativa expressa em sentido contrário.
Os acervos registrais contêm, além das informações disponíveis a todos, as sigilosas ou com restrição legal de acesso. Estas, portanto, não se encontram ao alcance de qualquer pessoa e dependem sempre de autorização judicial para serem reveladas.
Assim, ao emitir uma certidão, o notário ou o registrador consulta seu acervo e divulga apenas o conteúdo não protegido por sigilo, preservando as informações sensíveis para as quais a lei exige prévia autorização judicial para difusão. Exerce, pois, um verdadeiro filtro.
Se o acesso do particular ao acervo ocorresse por meio de contato direto com os livros e demais documentos arquivados nas Serventias Extrajudiciais, o conteúdo protegido por sigilo restaria comprometido, porque o titular da delegação não teria como controlar, a cada manuseio das páginas dos livros, o que o usuário está vendo.
Foi por isso que o legislador fixou como critério o acesso indireto ao acervo por meio de certidão ou informações. Só assim o titular da Serventia Extrajudicial tem condições de filtrar os dados que serão entregues aos solicitantes, preservando os sigilosos.
Além de zelar pelo conteúdo dos registros, os notários e registradores também são responsáveis pela guarda física do acervo. Devem, assim, manter em segurança os respectivos livros e documentos, sob pena de responderem pessoalmente em caso de dano ou extravio injustificados.
Trata-se de dever intransferível previsto, por mais de uma vez, na Lei n° 8.935/94:
Art. 24. Os oficiais devem manter em segurança, permanentemente, os livros e documentos e respondem pela sua ordem e conservação.  
Art. 30. São deveres dos notários e dos oficiais de registro:   I -manter em ordem os livros, papéis e documentos de sua serventia, guardando-os em locais seguros; 
Art. 46. Os livros, fichas, documentos, papéis, microfilmes e sistemas de computação deverão permanecer sempre sob a guarda e responsabilidade do titular de serviço notarial ou de registro, que zelará por sua ordem, segurança e conservação. 

O dever de guarda dos livros é replicado também no item 42, do Capítulo XIII, das NSCGJ:
Os notários e registradores respondem pela segurança, ordem e conservação dos livros e documentos sob sua guarda. 
Se de um lado a lei lhes impõe o ónus de preservar fisicamente o acervo, de outro, ao prever que o acesso ao conteúdo registrai se dá por certidão ou pedido de informações, assegura meio para que possam cumprir com essa incumbência, mantendo o usuário afastado dos livros e documentos arquivados na Serventia. E é exatamente por isso que, em caso de dano ou extravio injustificado, o titular da Serventia não pode se furtar da responsabilidade.
Há livros que, de tão antigos, se danificam pelo simples manuseio. E, muito embora alguns registradores façam manutenção deles, o manejo por pessoa não habilitada pode dar ensejo à perda da informação neles contidas.
Observe-se, ainda, que o acesso indiscriminado ao acervo, como pretende a requerente, obrigaria o titular da delegação a admitir o ingresso na Serventia de pessoas de fora de seus quadros, portanto fora do seu círculo de confiança, o que lhe traria dificuldades para zelar pela integridade do acervo e pelo sigilo das informações nele contidas.
Exigir, de outro lado, que destaque um preposto de suas atribuições ordinárias, pelas quais paga, para auxiliar o particular que deseja ter acesso direto ao acervo parece ser demasiadamente oneroso, mormente para as Serventias de pequeno porte que, por vezes, contam apenas com uma pessoa trabalhando.
Não seria justo, por isso, cobrar dos notários e registradores o dever de guarda e, ao mesmo tempo, impor-lhes a obrigação de permitir que uma pessoa de fora de seus quadros, não desejada, manuseie e coloque em risco o acervo sob sua guarda.
Mas não é só.
Os notários e registradores exercem a delegação que lhes foi outorgada em caráter privado e com o propósito de lucro.
A atividade notarial e registrai é remunerada por meio de emolumentos fixados por lei3. E o direito à percepção desses emolumentos está expresso no art. 28, da Lei n° 8.935/94:
Os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei. 
Assim, têm direito a receber emolumentos pelas certidões que emitem e, quando autorizados por lei, também pelas informações prestadas “em balcão”.
Dentro desse cenário, verifica-se que franquear ao particular o ingresso na Serventia para digitalizar parte do acervo implica forçar o delegatário a prestar os serviços de forma gratuita fora das hipóteses legais4, pois os dados solicitados pela requerente devem ser obtidos por certidões ou pedidos de informações.
Observe-se, ainda, que a requerente não pretende digitalizar um ou alguns poucos registros específicos, mas todos os constantes das Serventias indicadas anteriores a 1940, conforme explicou à fls. 09.
Por fim, há que se falar da publicidade. Pretende a requerente digitalizar parte dos acervos das Serventias Extrajudiciais discriminadas no início deste parecer e disponibilizar o conteúdo obtido na internet para consulta por qualquer interessado.
Ora, se o acesso em si às informações sigilosas já é, como visto, vedada, não há como autorizar qualquer tipo de divulgação dessa parte do acervo na internet.
Mesmo em relação às informações não protegidas por sigilo, o pedido não pode ser acolhido, sob pena de se autorizar a criação de um acervo particular paralelo que, além de expor a intimidade e a privacidade de todos aqueles que constam dos registros públicos, colocaria em risco a segurança jurídica das informações registrais, as quais a Constituição Federal reservou às Serventias Extrajudiciais.
O princípio da publicidade dos registros deve estar em harmonia com as garantias constitucionais à intimidade e à privacidade5.
Foi com base nessa premissa que o recente Provimento n° 18, do CNJ, ao disciplinar a instituição e funcionamento da Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (CENSEC), restringiu o acesso aos testamentos e escrituras e procurações públicas em seus arts. 5º e 106.
Todas as informações constantes nos acervos das Serventias Extrajudiciais, por mais singelas que possam parecer, são dotadas de valor e relevância. Mesmo os dados isolados que, aparentemente, são desprovidos de importância, podem, uma vez contextualizados, causar dano à privacidade e intimidade das pessoas, mormente se disponibilizadas na internet, onde uma simples ferramenta de busca pode cruzar diversos registros de forma a criar o perfil de um indivíduo.
Poder-se-ia pensar que a Lei de Acesso à Informação dá suporte jurídico ao pedido da interessada. Contudo, como já se decidiu nos autos do Processo n° 24481/2012, ela não se aplica aos notários e registradores.
Cabe aqui, uma vez mais, mencionar parte do parecer lançado nos autos do Processo CG n° 24481/2012, que elucida a questão:
A Lei n.° 12.527, de 18 de novembro de 2011, não se aplica aos notários e aos registradores: eles não integram o aparelho estatal, a sua organização administrativa. Não compõem a Administração direta nem a indireta. Ademais, são necessariamente pessoas físicas, a quem -mediante delegação, precedida de concurso público de provas e títulos -, confiados o serviços notariais e de registro, exercidos em caráter privado, com propósito lucrativo, tanto que remunerados por meio de emolumentos.  
Vale dizer: não se encaixam em qualquer uma das hipóteses ventiladas nos artigos 1.° e 2.° da Lei n.° 12.527/2011 e, portanto, não se sujeitam ao regime por ela introduzido. Ora, não se confundem com os entes da federação, não integram a Administração indireta e tampouco são entidades privadas (pessoas jurídicas) sem fins lucrativos providas de recursos públicos, advindos de dotações orçamentárias ou de subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria, convénios, acordo, ajustes ou de outros instrumentos congéneres. 
 
No mais, a Lei n.° 12.527/2011 regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do artigo 5.° da Constituição Federal de 1988²-que cuida do direito a receber informações dos órgãos públicos, em cujo conceito não se enquadram as serventias extrajudiciais -, no inciso II do § 3.° do artigo 37 e no § 2.° do artigo 216, todos da CF/1988³, que se reportam à Administração Pública – não integrada, repita-se, pelos notários e oficiais de registro -, a registros administrativos, informações sobre atos de governo e documentação governamental, estranhos aos atos notariais e de registro.
Por todas essas razões, e diante de ausência de dispositivo legal ou normativo que dê lastro ao acesso, à digitalização e à divulgação pretendidos, o pedido da requerente, se deferido, implicaria, de um lado, lesão aos direitos constitucionais à intimidade, à privacidade e à segurança jurídica daqueles cujos dados encontram-se arquivados nas Serventias; de outro, supressão do direito dos notários e registradores de receberem os emolumentos pelos serviços que prestam nas Serventias das quais são delegatários.
Diante do exposto, o parecer que respeitosamente submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de que seja indeferido o requerimento da requerente.
Sub censura.
São Paulo, 21 de março de 2014.
Gustavo Henrique Bretas Marzagão
Juiz Assessor da Corregedoria
CONCLUSÃO
Em 25 de março de 2014, faço estes autos conclusos ao Desembargador HAMILTON ELLIOT AKEL, Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo. EU, (Rosa Maia), subscrevi.
Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, indefiro o requerimento formulado por Records Preservation, Inc..
Publique-se
São Paulo, 25 de março de 2014.
HÁMILTON ELLIOT AKE L
Corregedor Geral da Justiça

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1. Processo CG n° 24481/2012
2. Art. 16. Os oficiais e os encarregados das repartições em que se façam os registros são obrigados: 1º a lavrar certidão do que lhes for requerido; 2º a fornecer às partes as informações solicitadas.
3. No Estado de São Paulo, pela Lei Estadual n. 11.331/02.
4. Artigo 9º – São gratuitos: I – os atos previstos em lei; II – os atos praticados em cumprimento de mandados judiciais expedidos em favor da parte beneficiária da justiça gratuita, sempre que assim for expressamente determinado pelo Juízo.
5. Art. 5º, X, da CF: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”
6. Art. 5º. A informação sobre a existência ou não de testamento somente será fornecida pelo CNB/CF nos seguintes casos:
a) mediante requisição judicial ou do Ministério Público, gratuitamente;
b) de pessoa viva, a pedido do próprio testador, mediante apresentação da cópia do documento de identidade, observado o parágrafo único deste artigo;
c) de pessoa falecida, a pedido de interessado, mediante apresentação da certidão de óbito expedida pelo Registro Civil de Pessoas Naturais, observado o parágrafo único deste artigo;
Parágrafo único. O recolhimento de quantia correspondente ao fornecimento da informação será devido na forma e pelo valor que for previsto na legislação da unidade da federação em que tenha ocorrido o óbito, se existir tal previsão.
Art. 10. As informações constantes da CEP poderão ser acessadas, diretamente, por meio de certificado digital, pelos Tabeliães de Notas e Oficiais de Registro que detenham atribuição notarial e serão disponibilizadas, mediante solicitação, aos órgãos públicos, autoridades e outras pessoas indicadas no artigo 19 deste Provimento.

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Publicado PROVIMENTO CSM N° 2.168/2014 que dispõe sobre o expediente forense nos dias em que ocorrerem os jogos da Seleção Brasileira de Futebol no Campeonato Mundial de Futebol de 2014.

PROVIMENTO CSM N° 2.168/2014

Dispõe sobre o expediente forense nos dias em que ocorrerem os jogos da Seleção Brasileira de Futebol no Campeonato Mundial de Futebol de 2014.

O CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA, no uso de suas atribuições legais,

CONSIDERANDO a participação da Seleção de Futebol do Brasil no Campeonato Mundial de Futebol de 2014, que realizarse- á no Brasil,

RESOLVE:

Artigo 1º – No dia 12.06.2014, abertura do Campeonato Mundial de Futebol que ocorrerá na cidade de São Paulo e primeiro jogo da Seleção Brasileira, não haverá expediente no Foro Judicial de Primeira e Segunda Instâncias do Estado e na Secretaria do Tribunal de Justiça, devendo funcionar o Plantão Judiciário.

Artigo 2º – Nos demais dias em que a Seleção Brasileira de Futebol jogar nos meses de junho e julho de 2014, o horário de expediente no Foro Judicial de Primeira e Segunda Instâncias do Estado e na Secretaria do Tribunal de Justiça será das 8h às 12h.

§ 1º – As horas não trabalhadas deverão ser repostas, após o respectivo evento e até 30/9/2014, facultando-se ao servidor o uso de horas de compensação, cujo controle ficará a cargo do dirigente que deverá mencionar se houve ou não a devida compensação no prazo, utilizando-se os códigos disponíveis no Módulo de Frequência.

§ 2º – Nas unidades em que houver necessidade dos servidores iniciarem as atividades antes do horário previsto no “caput” deste artigo, dada a especificidade do serviço, caberá ao responsável adequar o horário de trabalho de maneira a cumprir a mesma jornada mencionada no “caput”.

§ 3º – Aos servidores que são beneficiados pelo horário especial de estudante no período da manhã, as horas não trabalhadas deverão ser repostas no período de férias escolares, sob o controle do superior de cada unidade.

Artigo 3º – Este Provimento entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

REGISTRE-SE. PUBLIQUE-SE. CUMPRA-SE.

São Paulo, 15 de abril de 2014.

(aa) JOSÉ RENATO NALINI,Presidente do Tribunal de Justiça, EROS PICELI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça,

HAMILTON ELLIOT AKEL, Corregedor Geral da Justiça, SÉRGIO JACINTHO GUERRIERI REZENDE, Decano, ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO, Presidente da Seção de Direito Privado, GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Presidente da Seção de Direito Criminal, RICARDO MAIR ANAFE, Presidente da Seção de Direito Público – SP (D.J.E. de 16.04.2014 – SP).

Fonte: DJE/SP | 16/04/2014.

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2ª VRP|SP: Consulta – Tabelionato de Notas – Lavratura de inventário notarial em existindo testamento válido – Herdeiros maiores e capazes – Ordenamento jurídico – Necessidade de processamento em unidade judicial – Em resposta a consulta formulada, é no sentido da impossibilidade da realização de inventário extrajudicial em existindo testamento válido.

Processo 0006385-67-2014 Pedido de Providências 7º Tabelionato de Notas da Capital – VISTOS. Trata-se de expediente instaurado a partir de consulta realizada pelo Sr. 7º Tabelião de Notas da Comarca da Capital acerca da possibilidade de proceder ao inventário extrajudicial nas hipóteses em que existe testamento e todos os herdeiros são maiores e capazes consoante decisões prolatadas pelas 7a e 10a Varas da Família e das Sucessões do Foro Central da Comarca da Capital. A representante do Ministério Público e o Colégio Notarial do Brasil Seção São Paulo apresentaram entendimentos acerca da possibilidade da realização de inventário extrajudicial, este último inclusive com apoio em entendimento do Instituto Brasileiro de Direito de Família (a fls. 09/12 e 14/29). É o breve relatório. DECIDO. A situação em exame refere-se à possibilidade da realização de inventário (em verdade arrolamento) extrajudicial na hipótese da existência de testamento válido após sua abertura ou apresentação, arquivamento, registro e cumprimento em processo jurisdicional (CPC, art. 1.125 e ss.). O Ministério Público,o Colégio Notarial do Brasil Seção de São Paulo, o Instituto Brasileiro de Direito de Família, Juízos da Vara da Família e das Sucessões do Foro Central da Comarca de São Paulo, e mesmo precedente administrativo desta 2ª Vara de Registros Públicos do Foro Central da Comarca de São Paulo (processo n. 0072828-34.2013.8.26.0100, decisão proferida em 14.02.2014) alicerçados em interpretação teleológica do disposto no art. 982 do Código de Processo Civil tem entendimento firme acerca da possibilidade do inventário extrajudicial na sucessão testamentaria diante no caso de concordância dos herdeiros e legatários capazes. São entendimentos respeitáveis voltados à eficiente prestação do imprescindível serviço público destinado à atribuição do patrimônio do falecido aos herdeiros e legatários. Ideologicamente não poderíamos deixar de ser favoráveis à essa construção na crença da necessidade da renovação do Direito no sentido de facilitar sua aplicação e produção de efeitos na realidade social, econômica e jurídica. Não obstante, é necessário adequar a compreensão ao ordenamento jurídico conforme nossos estudos e ditames da ciência jurídica, pena da ausência de legitimidade de sua concreção no meio social. Não estamos aqui a defender um retorno ao positivismo e tampouco uma interpretação limitada em conformidade à célebre assertiva de Montesquieu o juiz é a boca que pronuncia as sentenças da lei. Impende considerar o contexto social na aplicação do Direito, assim, acompanhamos o pensamento de António Pedro Barbas Homem, conforme segue: A época contemporânea produziu um direito impecável na sua apresentação formal, mas despojado de alma. O estilo seco e sem adjectivos e a linguagem fria e impessoal das leis denuncia uma ciência do direito que procura a perfeição dogmática, mas tantas vezes esquecendo que o direito existe para disciplinar a economia e a sociedade de modo justo, organizando direitos e interesses e não para responder a problemas teóricos (O justo e o injusto. Lisboa: AAFDL, 2005, p. 44). Também interessante é lição de Eduardo Vera-Cruz Pinto ao tratar da diversidade entre lei e Direito nos seguintes termos: Não se pode dar o nome de Direito a qualquer normação da sociedade através da lei do Estado. Mesmo em democracia política e em Estado regido pela Constituição, os discursos políticos das maiorias que se constituem circunstancialmente nos parlamentos, enunciados sob a forma de normas legais publicadas no Diário da República, não são por si só, regras de Direito. O Direito inicia o seu percurso histórico em Roma: através de modos específicos (jurídicos) de criar regras de Direito assentes no labor criativo de pessoas com auctoritas, saber assente na experiência e socialmente reconhecido, que eram adoptadas pela comunidade; regras que eram praticadas em ambiente de separação e equilíbrio de poderes, efectivada pelas magistraturas, e aplicadas por um processo que envolvia o pretor; o iudex e o advocatus visando a justiça do caso concreto (Curso livre de ética e filosofia do direito. Cascais: Principia, 2010, p. 185/186).Conforme Gustavo Zagrebelsky (Il diritto mite. Torino: Eunadi, 1992, p. 181), o juiz deve considerar a lei e a realidade na aplicação do Direito, a consideração única do caso conduziria a uma casuística incompatível com o a existência do Direito como ordenamento, de outra parte, a consideração exclusiva do ordenamento levaria a uma ciência teorética inútil às finalidade do Direito. Diante disso, a construção e interpretação dos fundamentos da presente decisão administrativa passará pelo equilíbrio e comunicação do Direito com suas finalidades, todavia, sempre preso ao dado legislativo como emanação das opções estatais pelo fio condutor da soberania estatal. O art. 982, caput, do Código de Processo Civil estabelece: Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário (grifos nossos). De outra parte, os itens 117, alínea “j”, 129 e 129.1 do Capítulo XIV, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça têm a seguinte redação: 117. Na lavratura da escritura deverão ser apresentados os seguintes documentos: j) certidão comprobatória da inexistência de testamento (Registro Central de Testamentos). 129. É possível a lavratura de escritura de inventário e partilha nos casos de testamento revogado ou caduco ou quando houver decisão judicial, com trânsito em julgado, declarando a invalidade do testamento. 129.1. Nessas hipóteses, o Tabelião de Notas solicitará, previamente, a certidão do testamento e, constatada a existência de disposição reconhecendo filho ou qualquer outra declaração irrevogável, a lavratura de escritura pública de inventário e partilha ficará vedada e o inventário far-se-á judicialmente. Diante disso, as NSCGJ são claras ao permitir a lavratura de inventário extrajudicial diante de dois requisitos: (i) testamento revogado, caduco ou com invalidade reconhecida por decisão judicial com trânsito em julgado e, (ii) ausência de conteúdo não patrimonial nas disposições testamentárias (CC, art. 1.857, p. 2º). Nessa perspectiva a situação ora pretendida é expressamente proibida pela redação atual das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça ante a existência de testamento válido conforme decisão judicial proferida em procedimento de jurisdição voluntária. Não obstante, a compreensão elaborada não tratou da prescrição administrativa da E. Corregedoria Geral da Justiça e sim das leis incidentes, sabidamente o fundamento último daquela. Mesmo assim, modestamente, no momento, pensamos não ser possível a lavratura de inventario extrajudicial diante da presença de testamento válido. Há diversidade entre a sucessão legítima e testamentária no campo da estrutura e função de cada qual, para tanto, conforme Norberto Bobbio (Da estrutura à função. Barueri: Manole, 2007, p. 53), devemos indagar não apenas a estrutura (“como o direito é feito”) mas também a função (“para que o direito serve”) e, nesse pensamento, vamos concluir pela diversidade estrutural e funcional das espécies de sucessão. Somente na sucessão testamentária existe um negócio jurídico a ser cumprido, o que, por si só, implica na diversidade dos procedimentos previstos em lei para atribuição dos bens do falecido. Paulo Nader comenta essa distinção da seguinte forma: (…) Quem não faz testamento revela a sua concordância tácita com as medidas da lei. Dispor em testamento significa adotar fórmulas sucessórias distintas das previstas no ordenamento. De nenhum sentido ou eficácia o testamento que se limita a induzir à partilha de modo coincidente com o plano da lei. Justifica-se, na medida em que desvia o destino de seu patrimônio, ou de parte dele, do rumo fixado em lei. Se irmãos são os herdeiros mais próximos, pode o hereditando excluí-los da sucessão, beneficiando parentes mais distantes ou estranhos. Se todos são filhos, poderá beneficiar a um ou vários deles, destinando-lhes a sua quota disponível, ou seja, metade de seu patrimônio (Curso de direito civil. v. 6. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 206). Na sucessão testamentária há necessidade de se assegurar a execução da vontade do falecido testador e a proteção de interesses de familiares próximos, daí seu processamento sob a presidência de Juiz de Direito e, respeitosamente, em nosso pensamento, sem a possibilidade normativa do processamento em atividade extrajudicial delegada. As questões de conteúdo não patrimonial, a fiscalização à efetivação da vontade do testador, a eventual figura do testamenteiro e presença de institutos a exemplo da redução das disposições testamentárias e da deserdação nos conduzem a conclusão da inadequação jurídica, senão impossibilidade, do processamento em atividade de serviço extrajudicial delegado. Além disso, a interpretação do testamento, o que não ocorre no procedimento de jurisdição voluntária de apresentação ou abertura de testamento, compete ao juiz. Conforme Maria Berenice Dias A função interpretativa cabe ao juiz, que precisa cercar-se de elementos de convicção, buscando conhecer o perfil do testador no momento em que elaborou o testamento. Tem que procurar conhecer o que quis o testador (Manual das sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 428). Enfim, o ordenamento jurídico aproxima, determina e impõe o processamento da sucessão testamentária em unidade judicial como se depreende dos regramentos atualmente incidentes e dos institutos que cercam a sucessão testamentária; daí a razão da parte inicial do art. 982 caput, do Código de Processo Civil iniciar excepcionado expressamente a possibilidade de inventario extrajudicial no caso da existência de testamento independentemente da existência de capacidade e concordância de todos interessados na sucessão; porquanto há necessidade de se aferir e cumprir (conforme os limites impostos à autonomia privada na espécie) a vontade do testador o que não pode ser afastado mesmo concordes os herdeiros e legatários. A interpretação pretendida, com o devido respeito, envolve tantas exceções que em nosso sentir não permite uma compreensão científica em conformidade com os mandamentos legais incidentes pelo fio condutor da Constituição da República. Noutra quadra, a presente decisão administrativa não trata de qualquer juízo e nem poderia, de decisões e interpretações de natureza jurisdicional, nosso papel é limitado ao cumprimento das determinações judiciais sem qualquer consideração. Nada obstante, sem ingressar no exame das particularidades da formação da coisa julgada em processos de jurisdição voluntária, o certo é a não inclusão dos Srs. Tabeliães da Comarca da Capital e desta Corregedoria Permanente nos limites subjetivos da coisa julgada atinente a processo de jurisdição voluntária de abertura, registro e cumprimento de testamento. A esta altura podemos afirmar nosso pensamento no sentido da impossibilidade da realização de inventário extrajudicial no caso da existência de testamento válido. Apesar de cientes da responsabilidade e da repercussão de nossa decisão enquanto precedente administrativo emanado de Autoridade Administrativa, também sabemos que a ciência só evolui pela crítica e pela tentativa de solução de problemas concretos e que as teorias, a exemplo da ora desenvolvida, estão sempre abertas à crítica. Karl Popper (O mito do contexto. Lisboa: Edições 70, p. 256) comenta esse aspecto nos seguintes termos: O que chamamos de objetividade científica nada mais é do que o facto de que nenhuma teoria científica é aceite como um dogma, e que todas as teorias são provisórias e sempre passíveis de críticas severas de uma discussão crítica racional que visa eliminar erros. Quanto à racionalidade da ciência, ela consiste simplesmente na racionalidade da discussão crítica. Nestes termos, a ampla discussão do ora decidido em conformidade à pluralidade de valores e princípios incidentes e mesmo o encontro de soluções díspares só nos aproxima no sentido da evolução da aplicação concreta que prevalecerá, donde se reconhece a legitimidade recursal de quaisquer Titulares de Delegação com atribuição bastante para a presidência de inventário extrajudicial para além dos diretamente envolvidos neste processo administrativo ante sua natureza consultiva, permitindo a exposição de todos os pensamentos e seu exame em conformidade a garantia constitucional do devido processo legal. Por fim, esta Corregedoria Permanente por decorrência do Poder Hierárquico está submetida à E. Corregedoria Geral da Justiça, assim, independentemente de eventuais recursos administrativos, remeta-se cópia desta decisão àquela para conhecimento e eventuais providências tidas por pertinentes. Ante o exposto, na esfera unicamente administrativa, respondemos a consulta no sentido da impossibilidade da realização de inventário extrajudicial em existindo testamento válido a par da capacidade de todos e concordância. Ciência ao Ministério Público. P.R.I (D.J.E. de 11.04.2014 – SP)

Fonte: DJE/SP | 11/04/2014.

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