Agravo de Instrumento – ITCMD – Herança – Bens localizados no exterior – Insurgência contra decisão que deferiu a liminar pleiteada para suspender a cobrança decorrente de Auto de Infração – Possibilidade – Herança de bens localizados no exterior – Tema nº 825 do STF – Tese firmada com modulação dos efeitos – Inexistência de lei complementar federal a tratar da competência tributária dos Estados em relação ao imposto – Inexigibilidade do ITCMD sobre herança de pessoa domiciliada no exterior – Lei Estadual nº 10.705/00, por seu art. 4º, II, “b”, que determina a incidência do imposto nesses casos – Declaração de inconstitucionalidade do art. 4º, II, “b”, da Lei Estadual nº 10.705/00, proferida pelo C. Órgão Especial deste E. Tribunal – Precedentes desta C. Câmara de Direito Público – Decisão mantida – Agravo de instrumento improvido.


ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 3007487-04.2022.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é agravante ESTADO DE SÃO PAULO, é agravado CRISTIAN ANGEL LEON WELSH MIGUENS.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores CLAUDIO AUGUSTO PEDRASSI (Presidente) E LUCIANA BRESCIANI.

São Paulo, 13 de janeiro de 2023.

MARIA FERNANDA DE TOLEDO RODOVALHO

Relator(a)

Assinatura Eletrônica

Voto nº 4.524

Agravo de Instrumento nº 3007487-04.2022.8.26.0000

Comarca: São Paulo 16ª Vara da Fazenda Pública

Agravante: Fazenda Pública do Estado de São Paulo

Agravado: Cristian Angel Leon Welsh Miguens

AGRAVO DE INSTRUMENTO – ITCMD – HERANÇA – BENS LOCALIZADOS NO EXTERIOR – Insurgência contra decisão que deferiu a liminar pleiteada para suspender a cobrança decorrente de Auto de Infração – Possibilidade – Herança de bens localizados no exterior – Tema nº 825 do STF – Tese firmada com modulação dos efeitos – Inexistência de lei complementar federal a tratar da competência tributária dos Estados em relação ao imposto – Inexigibilidade do ITCMD sobre herança de pessoa domiciliada no exterior – Lei Estadual nº 10.705/00, por seu art. 4º, II, “b”, que determina a incidência do imposto nesses casos – Declaração de inconstitucionalidade do art. 4º, II, “b”, da Lei Estadual nº 10.705/00, proferida pelo C. Órgão Especial deste E. Tribunal – Precedentes desta C. Câmara de Direito Público – Decisão mantida.

AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO.

Vistos.

Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto pela FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO contra r. decisão de fls. 213 a 214, dos autos de origem, que, na ação ajuizada por CRISTIAN ANGEL LEON WELSH MIGUENS, deferiu a liminar requerida para suspender a cobrança decorrente do Auto de Infração 4.143.215-0.

Sustenta a agravante que o Supremo Tribunal Federal (STF) modulou os efeitos do julgamento do Recurso Extraordinário n° 851.108, com repercussão geral (Tema 825), atribuindo eficácia ex nunc à decisão proferida. O acórdão paradigma do Recurso Extraordinário n° 851.108 provém exatamente de processo em que o Estado de São Paulo foi parte, concluindo-se que a tese jurídica do Tema 825 da Repercussão Geral se aplica específica e diretamente ao Estado de São Paulo, de modo que o Supremo Tribunal Federal superou o quanto decidido pelo TJSP no incidente de arguição de inconstitucionalidade nº 0004604-24.2011.8.26.0000. Isso porque no julgamento do Tema 825, o STF declarou que o dispositivo é constitucional, mas de eficácia contida. Dessa forma, a decisão proferida pelo TJSP em sede de Arguição de Inconstitucionalidade nº 0004604-24.2011.8.26.0000 não se qualifica como precedente vinculante erga omnes, devendo o presente caso ser julgado à luz da tese jurídica firmada pelo STF no julgamento do RE 851.108/SP (Tema 825 da Repercussão Geral), observadas as exigências contidas na modulação de efeitos desse julgamento.

Afirma que no item 9 do acórdão do RE 851.108/SP (Tema 825 da Repercussão Geral), o STF modulou os efeitos da pronúncia de inconstitucionalidade da cobrança de ITCMD sobre fatos geradores com elemento de conexão no exterior.

Aduz que, o caso em questão, trata de fato que ocorreu em 24.07.2017 (data do óbito do de cujus ocorrido no exterior e, portanto, da transmissão causa mortis); o mérito da demanda não versa sobre bitributação, mas sobre a necessidade de edição de lei complementar nacional para a validade da incidência de ITCMD sobre sucessão causa mortis com elemento de conexão no exterior e, embora não trate de repetição de indébito, a ação foi distribuída em 20.09.2022, portanto, após o marco temporal (20.04.2021) estabelecido pelo STF para permitir a invalidação da exação do ITCMD.

Assim, se a pretensão declaratória deduzida pelo agravado não atende aos requisitos previstos no item 9 do acórdão do RE 851.108/SP (Tema 825 da Repercussão Geral) e o fato gerador é anterior à data da modulação dos efeitos dessa decisão, conclui-se que o precedente vinculante e erga omnes do STF considera válida a tributação e a consequente cobrança de ITCMD pelo Fisco Paulista para o caso em questão.

Requer a concessão de efeito suspensivo ao presente recurso para que, até o seu julgamento final, sejam restabelecidas a validade e a eficácia do AIIM nº 143.215-0. No mérito, o provimento com a confirmação do efeito suspensivo deferido e a reforma da decisão recorrida.

A tutela recursal foi indeferida às fls. 13 a 20.

Contraminuta foi apresentada às fls. 27 a 31.

Não há oposição ao julgamento virtual.

É o relatório.

Na origem, o autor questiona a regularidade do ato por meio do qual a autoridade exige o recolhimento de ITCMD sobre bens situados no exterior.

No caso, o autor, em razão do falecimento de seu pai, Alfredo Julián Enrique Welsh Miguens, residente no Uruguai, recebeu em sucessão bens localizados no exterior, onde também se processou o inventário. Segundo o autor, o montante a ser recebido a título de herança de bens localizados fora do território nacional não deve estar sujeito à cobrança do ITCMD pelo Estado de São Paulo, o que ensejou a impetração de Mandado de Segurança para discutir o tema (processo nº 1025704-09.2018.8.26.0053). Ao final, porém, o mandado de segurança foi extinto sem resolução de mérito e, em seguida, a Secretaria da Fazenda realizou o lançamento do Auto de Infração 4.143.215-0 pleiteando exatamente o imposto que o Mandado de Segurança buscava afastar. Daí porque o autor propôs a presente ação.

O C. Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento, no Recurso Extraordinário nº 851.108/SP, com repercussão geral reconhecida (Tema 825), de que é necessária a edição de lei complementar federal para validade da exação:

Recurso extraordinário. Repercussão geral. Tributário. Competência suplementar dos estados e do Distrito Federal. Artigo 146, III, a, CF. Normas gerais em matéria de legislação tributária. Artigo 155, I, CF. ITCMD. Transmissão causa mortis. Doação. Artigo 155, § 1º, III, CF. Definição de competência. Elemento relevante de conexão com o exterior. Necessidade de edição de lei complementar. Impossibilidade de os estados e o Distrito Federal legislarem supletivamente na ausência da lei complementar definidora da competência tributária das unidades federativas. 1. Como regra, no campo da competência concorrente para legislar, inclusive sobre direito tributário, o art. 24 da Constituição Federal dispõe caber à União editar normas gerais, podendo os estados e o Distrito Federal suplementar aquelas, ou, inexistindo normas gerais, exercer a competência plena para editar tanto normas de caráter geral quanto normas específicas. Sobrevindo norma geral federal, fica suspensa a eficácia da lei do estado ou do Distrito Federal. Precedentes. 2. Ao tratar do Imposto sobre transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), o texto constitucional já fornece certas regras para a definição da competência tributária das unidades federadas (estados e Distrito Federal), determinando basicamente duas regras de competência, de acordo com a natureza dos bens e direitos: é competente a unidade federada em que está situado o bem, se imóvel; é competente a unidade federada onde se processar o inventário ou arrolamento ou onde tiver domicílio o doador, relativamente a bens móveis, títulos e créditos. 3. A combinação do art. 24, I, § 3º, da CF, com o art. 34, § 3º, do ADCT dá amparo constitucional à legislação supletiva dos estados na edição de lei complementar que discipline o ITCMD, até que sobrevenham as normas gerais da União a que se refere o art. 146, III, a, da Constituição Federal. De igual modo, no uso da competência privativa, poderão os estados e o Distrito Federal, por meio de lei ordinária, instituir o ITCMD no âmbito local, dando ensejo à cobrança válida do tributo, nas hipóteses do § 1º, incisos I e II, do art. 155. 4. Sobre a regra especial do art. 155, § 1º, III, da Constituição, é importante atentar para a diferença entre as múltiplas funções da lei complementar e seus reflexos sobre eventual competência supletiva dos estados. Embora a Constituição de 1988 atribua aos estados a competência para a instituição do ITCMD (art. 155, I), também a limita ao estabelecer que cabe a lei complementar e não a leis estaduais regular tal competência em relação aos casos em que o “de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve seu inventário processado no exterior” (art. 155, § 1º, III, b). 5. Prescinde de lei complementar a instituição do imposto sobre transmissão causa mortis e doação de bens imóveis e respectivos direitos -, móveis, títulos e créditos no contexto nacional. Já nas hipóteses em que há um elemento relevante de conexão com o exterior, a Constituição exige lei complementar para se estabelecerem os elementos de conexão e fixar a qual unidade federada caberá o imposto. 6. O art. 4º da Lei paulista nº 10.705/00 deve ser entendido, em particular, como de eficácia contida, pois ele depende de lei complementar para operar seus efeitos. Antes da edição da referida lei complementar, descabe a exigência do ITCMD a que se refere aquele artigo, visto que os estados não dispõem de competência legislativa em matéria tributária para suprir a ausência de lei complementar nacional exigida pelo art. 155, § 1º, inciso III, CF. A lei complementar referida não tem o sentido único de norma geral ou diretriz, mas de diploma necessário à fixação nacional da exata competência dos estados. 7. Recurso extraordinário não provido. 8. Tese de repercussão geral: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a edição da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”. 9. Modulam-se os efeitos da decisão, atribuindo a eles eficácia ex nunc, a contar da publicação do acórdão em questão, ressalvando as ações judiciais pendentes de conclusão até o mesmo momento, nas quais se discuta: (1) a qual estado o contribuinte deve efetuar o pagamento do ITCMD, considerando a ocorrência de bitributação; e (2) a validade da cobrança desse imposto, não tendo sido pago anteriormente.

(RE 851108, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 01/03/2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-074 DIVULG 19-04-2021 PUBLIC 20-04-2021).

Embora os efeitos tenham sido modulados no sentido de que a decisão tem eficácia prospectiva, no âmbito estadual, tal modulação já não seria aplicável, porquanto, o C. Órgão Especial reconheceu a inconstitucionalidade da lei desde 2011.

Com isso, cai por terra a tese da Fazenda de que a eficácia prospectiva da decisão do Supremo tornaria legítima a cobrança neste caso.

Neste sentido, o Órgão Especial deste E. Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos da Ação de Arguição de Inconstitucionalidade nº 0004604-24.2011.8.26.0000, pacificou o entendimento de que é necessária a edição de lei complementar federal, nos termos do artigo 155, § 1º, III, alínea “b”, da Constituição Federal, com o fim de se instituir o Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e Doação sobre bens localizados no exterior.

Não há, ainda, a lei complementar.

Cabe transcrever a ementa da decisão do Órgão Especial:

I. Arguição de inconstitucionalidade. A instituição de imposto sobre transmissão ‘causa mortis’ e doação de bens localizados no exterior deve ser feita por meio de Lei Complementar. Inteligência do art. 155, §1º, inciso III, alínea b, da Constituição Federal.

II. O Legislador Constituinte atribuiu ao Congresso Nacional um maior debate político sobre os critérios de fixação de normas gerais de competência tributária para instituição do imposto sobre transmissão de bens móveis/imóveis, corpóreos/incorpóreos localizados no exterior, justamente com o intuito de evitar conflitos de competência, geradores de bitributação, entre os Estados da Federação, mantendo uniforme o sistema de tributos.

III. Inconstitucionalidade da alínea ‘b’ do inciso II do art. 4º da Lei paulista nº 10.705, de 28 de dezembro de 2000 reconhecida. Incidente de inconstitucionalidade procedente.

(Incidente De Arguição de Inconstitucionalidade Cível 0004604-24.2011.8.26.0000, Relator Desembargador Guerrieri Rezende, Órgão Julgador: Órgão Especial, j. em 30.03.2011).

Diante disso, infere-se que a previsão de incidência de ITCMD sobre fatos ocorridos no exterior é inconstitucional. Sem a lei complementar, falta à legislação do Estado requisito de validade.

Nesse sentido, afirma Roque Antonio Carrazza que:

“… é a lei complementar que desempenhando a função que lhe foi atribuída pelo art. 146, I, da Carta Magna (“dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária”, entre as pessoas políticas), vai disciplinar o assunto dando critérios para que se saiba, com exatidão, a qual unidade federativa competem os impostos em tela.” (CARRAZZA, ROQUE A. Curso de direito constitucional tributário, 26ª ed, São Paulo, Malheiros, 2010, p. 1.013).

E nem se diga que a regra geral, a ser objeto da legislação complementar, pode ser suprida por normas estaduais.

A Constituição Federal trata, em seu art. 155, § 1º, da competência para legislar sobre a tributação do ITCMD sobre bens localizados no exterior, em caso de transmissão pela morte:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

(…)

§ 1º O imposto previsto no inciso I:

I – relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal;

II – relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal;

III – terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:

a) se o doador tiver domicílio ou residência no exterior;

b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior;

O ITCMD, portanto, não pode ser lançado pelo Estado Paulista sobre bens localizados no exterior e recebidos por herança por quem tem domicílio neste Estado.

Em harmonia, os precedentes desta C. Câmara:

Apelação e Remessa necessária – Mandado de Segurança – Incidência de ITCMD sobre transmissão causa mortis relativa a bem localizado no exterior – Cobrança com fulcro no art. 4.º da Lei Estadual n.º 10.705/00 – Inadmissibilidade – Instituição do imposto que necessita de edição de lei complementar federal ainda não editada – Dispositivo da lei estadual declarado inconstitucional pelo Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Questão decidida pelo C. Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do Tema de Repercussão Geral n.º 825, cuja modulação de efeitos não se aplica a este caso – Concessão da ordem que se impõe – Sentença mantida – Recursos desprovidos. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1012992-79.2021.8.26.0053; Relator (a): Renato Delbianco; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 14ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 09/10/2021; Data de Registro: 09/10/2021).

MANDADO DE SEGURANÇA. ITCMD incidente sobre bens situados no exterior. Preliminares afastadas. Necessidade de lei complementar para instituição do ITCMD: (I) incidente sobre bens situados no exterior; (II) provenientes de inventário processado no exterior; ou (III) se o doador ou o de cujus tiver domicílio ou residência no exterior. Inteligência do art. 155, inciso I, §1º, inciso III, da CF. Disposição do artigo 4º, inciso II, alínea “b”, da Lei Estadual nº 10.705/2000, declarada inconstitucional pelo C. Órgão Especial do TJ/SP, na Arguição de Inconstitucionalidade nº 0004604-24.2011.8.26.0000. Herdeiros que pretendem ver afastada a responsabilidade pelo recolhimento de ITCMD sobre bens situados no exterior. Não incidência do ITCMD, por ausência de lei complementar. Sentença mantida. Remessa necessária e recurso voluntário da Fazenda Estadual conhecidos e não providos. (TJSP; Remessa Necessária Cível 1002921-52.2020.8.26.0053; Relator (a): Vera Angrisani; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 11ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 17/08/2020; Data de Registro: 17/08/2020).

Mandado de Segurança – ITCMD – Inexigibilidade sobre transmissão sucessória de bens localizados no exterior – Inexistência de lei complementar nacional que discipline a amplitude da competência tributária dos estados – Repercussão geral reconhecida – Pendência de definição de tese sobre o Tema 825 – Inconstitucionalidade do art. 4º, II, ‘b’ da Lei Estadual nº 10.705/2000 reconhecida pelo C. Órgão Especial deste E. Tribunal – Recursos desprovidos. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1046991-28.2018.8.26.0053; Relator (a): Luciana Bresciani; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 14ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 18/03/2019; Data de Registro: 18/03/2019).

Dessa forma, de rigor a manutenção da decisão agravada.

Ante o exposto, nega-se provimento ao agravo de instrumento.

Recursos que sejam interpostos contra este julgado, salvo expressa e oportuna oposição, estarão sujeitos ao julgamento virtual.

MARIA FERNANDA DE TOLEDO RODOVALHO

RELATORA – – /

Dados do processo:

TJSP – Agravo de Instrumento nº 3007487-04.2022.8.26.0000 – São Paulo – 2ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Maria Fernanda de Toledo Rodovalho – DJ 02.02.2023

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Escritura pública de sobrepartilha – Renúncia dos herdeiros ascendentes realizada por termo nos autos do arrolamento de bens judicial – Renúncia que não se aproveita aos bens desconhecidos e posteriormente sobrepartilhados – Apelo improvido.


Apelação Cível nº 1006686-02.2021.8.26.0019

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1006686-02.2021.8.26.0019
Comarca: AMERICANA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1006686-02.2021.8.26.0019

Registro: 2023.0000004090

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006686-02.2021.8.26.0019, da Comarca de Americana, em que é apelante FATIMA PAPAROTI LEONARDO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE AMERICANA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 15 de dezembro de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1006686-02.2021.8.26.0019

APELANTE: FATIMA PAPAROTI LEONARDO

APELADO: OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE AMERICANA

VOTO Nº 38.868

Registro de imóveis – Dúvida – Escritura pública de sobrepartilha – Renúncia dos herdeiros ascendentes realizada por termo nos autos do arrolamento de bens judicial – Renúncia que não se aproveita aos bens desconhecidos e posteriormente sobrepartilhados – Apelo improvido.

Trata-se de apelação interposta por FÁTIMA PAPAROTI LEONARDO contra a r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Americana, que julgou procedente a dúvida e manteve a recusa de registro de escritura pública de sobrepartilha, tendo por objeto o imóvel matriculado sob o n.º 71.176 da referida serventia extrajudicial.

A nota devolutiva de fls. 69/70 contém, em suma, a seguinte motivação para a recusa de ingresso do título:

“Em análise a Carta de Adjudicação e o Termo de Renúncia que fazem parte integrante deste Instrumento Público de Sobrepartilha Cumulada com Adjudicação, verifica-se que houve renúncia da herança por parte dos herdeiros ascendentes Francisco Leonardo e sua esposa Maria Angela Leonardo em favor da viúva Fátima Paparotti Leonardo, porém somente com relação ao prédio residencial situado a Rua Aurélio Cibin, nº 552 do loteamento “Morada do Sol” e ao veículo Car/Caminhoneta/Car Aberta, GM Chevrolet. Considerando que o termo de renúncia era em favor da viúva Fátima Paparotti Leonardo (tratando-se, portanto, de renúncia translativa, e não abdicativa) e referia-se somente aos bens mencionados acima, o comparecimento do casal renunciamente se faz necessário também na presente escritura.”

Alega a apelante, em síntese, que houve, à época do arrolamento de bens, a renúncia sobre a totalidade da herança, a qual não pode ser parcial e, portanto, abrange o bem objeto da sobrepartilha.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 140/142).

É o relatório.

Cuida-se de registro de escritura pública de sobrepartilha lavrada em 31 de agosto de 2012, no Livro nº 656, fls. 283/288, perante o 1º Tabelião de Notas da Comarca de Americana, tendo por objeto o imóvel matriculado sob o n.º 71.176 no Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da mesma Comarca.

O pedido foi indeferido nos moldes da nota devolutiva (fls. 69). A dúvida suscitada foi julgada procedente, mantido o óbice ao registro da escritura pública (fls. 101/105).

A despeito dos argumentos da apelante, o recurso não comporta provimento. Respeitado o entendimento do I. Oficial Registrador tem-se, a partir do que consta da carta de adjudicação e do termo de renúncia (fls. 41/68) constantes dos autos da ação de arrolamento de bens n.º 1057/06, que a hipótese mais se aproxima da renúncia pura e simples ou abdicativa.

Consta das primeiras declarações da carta de adjudicação extraída dos autos do arrolamento de bens deixados por Valdemir Aparecido Leonardo, que o de cujus deixou a viúva, ora recorrente, e os herdeiros ascendentes Francisco Leonardo e Maria Angela Leonardo, não havendo herdeiros descendentes. Por sua vez, da descrição dos bens consta: a) um prédio residencial, cadastrado na Prefeitura Municipal sob n.º 16-0084-0076-000-4; b) um veículo Car/Caminhoneta/Car Aberta, GM/Chevrolet.

Do termo de fls. 57/58, lavrado nos autos do mencionado arrolamento de bens, constou que os herdeiros ascendentes Francisco Leonardo e Maria Angela Leonardo renunciaram integralmente aos seus direitos à herança deixada pelo de cujus Valdemir Aparecido Leonardo, falecido em 14/01/2006, “direitos esses constantes dos bens que seguem descritos: “1) Prédio Residencial, situado à Rua Aurélio Cibin, nº 552, Bairro Morada do Sol, em Americana/SP, e seu respectivo lote nº 4-A da quadra 25, medindo 6,00m de frente para a Rua Aurélio Cibin; mesma medida nos fundos confrontando com parte do lote 09; 39,00m de ambos os lados da frente aos fundos, confrontando com os lotes 05 e 4-B, perfazendo uma área superficial de 234,00m2, cadastrado na Prefeitura Municipal sob nº 16-0084-0076-000-4; e, 2) Um veículo Car/Camioneta/Car Aberta, GM Chevrolet, placa DGW 8973, cor azul, chassi C144DBR04630B, ano/modelo 1974″, mencionado nos autos de Arrolamento, nº 1057/06, requerido por Fátima Paparoti Leonardo, face ao falecimento de Valdemir Aparecido Leonardo, em curso por este Juízo de Direito da Vara da Família e das Sucessões de Americana/SP, em favor de FÁTIMA PAPAROTI LEONARDO, brasileira, viúva, do lar, RG 25.395.092-2 e CPF 154.824.778-27, residente à Rua Aurélio Cibin, nº 552, Morada do Sol, em Americana/SP, como de fato e na verdade renunciados tem.”

Como se sabe, no direito sucessório, consideram-se existentes duas modalidades de renúncia: a abdicativa e a translativa. Na primeira, é feita uma renúncia em favor do monte partível, sem indicação de um beneficiário específico. Na outra, há uma renúncia em favor de determinado beneficiário, no caso, de um ou mais herdeiros.

In casu, consta expressamente que os herdeiros ascendentes renunciaram integralmente aos seus direitos à herança.

No caso telado, a indicação da destinatária (única herdeira remanescente) e os bens renunciados (integralidade do patrimônio) apresentou-se com caráter explicativo, sem importar em renúncia translativa.

Não se verificou a escolha de beneficiário específico em detrimento de outro e sim ao monte (no caso a única herdeira remanescente).

A corroborar, observa-se nos autos do arrolamento de bens o recolhimento exclusivo do ITCMD, incompatível com a renúncia translativa.

Contudo, o alcance do art. 1.808, do Código Civil não é o pretendido pela recorrente.

Conforme dispõe o mencionado dispositivo legal:

“Art. 1.808. Não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte, sob condição ou a termo.

§ 1º – O herdeiro, a quem se testarem legados, pode aceitá-los, renunciando a herança; ou, aceitando-a, repudiá-los.

§ 2º – O herdeiro, chamado, na mesma sucessão, a mais de um quinhão hereditário, sob títulos sucessórios diversos, pode livremente deliberar quanto aos quinhões que aceita e aos que renuncia.”

Na lição de Mauro Antonini[1]:

“O artigo principia por estabelecer não ser possível parcial aceitação ou renúncia à herança. Do contrário, o herdeiro só aceitaria o ativo ou, então, renunciaria ao passivo, subvertendo o princípio de que herda o patrimônio do de cujus, incluindo o ativo e o passivo.”

Sob o argumento de que o herdeiro não pode renunciar em parte a herança, pretende a recorrente aproveitar o mencionado termo de renúncia para que o mesmo passe a incidir também sobre o bem sobrepartilhado posteriormente.

Foi o que constou do ato notarial levado a registro:

“Os herdeiros ascendentes, Francisco Leonardo e Maria Ângela Leonardo, RENUNCIARAM à herança de seu filho, o falecido Valdemir Aparecido Leonardo, cf. termo de renúncia que integra à carta de adjudicação extraída do processo nº 1057/06 que tramitou pelo Juízo de Direito da Vara da Família e das Sucessões desta comarca. Sendo a renúncia à herança irrevogável, desnecessária o comparecimento desses herdeiros neste instrumento de sobrepartilha” (fls. 15/21).

Ocorre que, por lógica, o alcance do referido art. 1.808, do Código Civil, destina-se apenas ao herdeiro que conhece o que está aceitando/recusando.

Não se pode admitir, à evidência, que o herdeiro renuncie a patrimônio do qual sequer tinha notícia no momento da renúncia.

Essa é a conclusão a que se chega, também, a partir do art. 1.793, §1º, do Código Civil, que estabelece que a cessão feita pelo herdeiro não alcança os direitos que eventualmente lhe sejam atribuídos, no futuro, em virtude de substituição ou de direito de acrescer.

Em suma, descobrindo-se após o encerramento do arrolamento de bens a existência de novo bem do falecido, não se pode estender a renúncia antecedente a este bem sobre o qual os renunciantes não tinham conhecimento.

Nesta ordem de ideias, não há como se ultrapassar o óbice registral que negou o acesso ao fólio real da escritura pública de sobrepartilha, exigindo-se renúncia expressa sobre o imóvel matriculado sob o n.º n.º 71.176.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

[1] Código Civil Comentado, Coordenador Ministro Cezar Peluso, 11º edição, 2017, pág. 2102. (DJe de 13.03.2023 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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