CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Alienação fiduciária em garantia – Fundo de Investimento em Direitos Creditórios – Contrato aditado em conformidade com as exigências formuladas pelo registrador – Modificação da pretensão de registro no recurso de apelação – No procedimento de dúvida, a análise da dissensão entre o apresentante e o registrador deve ser decidida a partir da conformação do título no momento da suscitação – Impossibilidade de alteração do conteúdo do título prenotado no curso do processo da dúvida – Dúvida prejudicada – Apelação não conhecida, com determinação.


Apelação nº 1071967-84.2020.8.26.0100

Espécie: Apelação

Número: 1071967-84.2020.8.26.0100

Comarca: Capital

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1071967-84.2020.8.26.0100

Registro: 2021.0000475855

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1071967-84.2020.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante HERCULES FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITORIOS MULTISSETORIAL, é apelado OFICIAL DO 17º REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Julgaram prejudicada a dúvida e não conheceram da apelação, com determinação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 16 de junho de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1071967-84.2020.8.26.0100

Apelante: Hercules Fundo de Investimento em Direitos Creditorios Multissetorial

Apelado: Oficial do 17º Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 31.521

Registro de Imóveis – Dúvida – Alienação fiduciária em garantia – Fundo de Investimento em Direitos Creditórios – Contrato aditado em conformidade com as exigências formuladas pelo registrador – Modificação da pretensão de registro no recurso de apelação – No procedimento de dúvida, a análise da dissensão entre o apresentante e o registrador deve ser decidida a partir da conformação do título no momento da suscitação – Impossibilidade de alteração do conteúdo do título prenotado no curso do processo da dúvida – Dúvida prejudicada – Apelação não conhecida, com determinação.

1. Trata-se de apelação (fl. 342/356) interposta por Hércules Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Multissetorial, representado por Socopa Sociedade Corretora Paulista S. A., contra a r. sentença (fl. 333/336) proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 17º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo, que julgou procedente a dúvida (fl. 01/04) e manteve óbice a registro de alienação fiduciária de imóvel em garantia (fl. 05/06; prenotação nº 233.385).

Segundo as razões de dúvida (fl. 01/04), em 29 de junho de 2020 foi apresentado e protocolizado um contrato de alienação fiduciária de bem imóvel em garantia, celebrado em 15 de outubro de 2019, acompanhado de dois aditivos, um de 21 de janeiro de 2020, outro de 4 de março de 2020. Esse negócio jurídico tem por objeto o imóvel da matrícula nº 59.939 (ou 57.935: a fl. 01 e 02 o termo de dúvida não é claro, como se vê, ainda, a fl. 21/29). Essa alienação fiduciária foi estipulada para garantir uma dívida de R$ 700.000,00, constituída no contrato que regula as cessões de crédito feitas por Sagittarius Serviços Ferroviários EIRELI EPP em favor de Hércules Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios Multissetorial. A qualificação foi negativa, porque: (a) no primeiro aditivo (= de 21 de janeiro de 2020) estipulou-se que a credora fiduciária é Socopa Sociedade Corretora Paulista S. A., e foi inserida a disposição constante do art. 7º da Lei nº 8.668, de 25 de junho de 1993; todavia, essa regra só pode ser aplicada a fundos de investimento imobiliário, e não, como acontece in casu, a fundo de direitos creditórios; (b) no segundo aditivo (= de 4 de março de 2020), reiterada a estipulação de Socopa como credora fiduciária, foi entretanto referido que “as demais cláusulas permanecem inalteradas”, do que se conclui que os figurantes insistem em fazer constar as disposições do dito art. 7º da Lei nº 8.668/1993, inaplicável à hipótese. Dessa maneira conclui a nota devolutiva (cf. fl. 02), o contrato tem de ser retificado ou aditado para que se exclua essa referência. Sustenta o Oficial que a Resolução nº 2.907, de 29 de novembro de 2001, do Conselho Monetário Nacional, e a Instrução nº 356, de 17 de dezembro de 2001, da Comissão de Valores Mobiliários, não trazem previsões correspondentes às do art. 7º da Lei nº 8.668/1993, de modo que a separação patrimonial aí prevista não pode ser aplicada nos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs).

A r. sentença (fl. 333/336) entendeu que o regime previsto no art. 7º da Lei nº 8.668/1993 é norma específica dos fundos de investimento imobiliário (FIIs), por não constar da Res. CMN nº 2.907/2001 nem da Inst. CVM nº 356/2001, e, por conseguinte, não pode ser aplicada por analogia aos FIDCs. Desse modo, em respeito ao princípio da legalidade estrita, que governa os atos registrários, a recusa foi correta.

Ao apelar (fl. 342/356), o recorrente descreve as características dos diversos fundos de investimento, apontando suas similaridades e diferenças, e alega que a legislação aplicável aos FIDCs realmente não contém disposição semelhante àquela que se encontra no art. 7º da Lei nº 8.668/1993, mas isso não significa que esses fundos não possam ser titulares de direitos reais imobiliários, segundo tal regime. Ressalta que, a despeito de não haver previsão legal específica que trate da aquisição de bens imóveis pelos Fundos de Investimento de Direitos Creditórios, não há nada que impeça que seja aplicado o regramento trazido pelo art. 7º da Lei nº 8.668/1993: a aquisição, no caso dos FIDCs, faz-se por meio do administrador, em cujo nome o direito real será inscrito com as ressalvas desse dispositivo; embora não se trate, em tal hipótese, de fundo de investimento imobiliário, essa regra é aplicável por analogia. Ao Oficial de Registro de Imóveis, logo, cabe apenas analisar se o direito real imobiliário é compatível com o tipo de fundo de investimento a que se destina; se o regulamento do fundo permite essa aquisição; e se o administrador está identificado no regulamento, com poderes para figurar como titular do direito real.

Ressalta ainda o apelante, que o art. 114 do Código Civil não se aplica, pois a avença em exame não é negócio benéfico nem renúncia, e que a analogia não fere o princípio da legalidade, pois a omissão legislativa não pode prejudicar as partes interessadas. Conclui afirmando que o contrato é ato jurídico perfeito e que a aquisição de direitos reais imobiliários por FIDCs é indispensável para que estejam protegidos e seja estimulada a concessão de crédito por meio deles. Por tudo isso, sustenta que o pretendido registro stricto sensu tem de ser feito segundo o disposto no art. 7º da Lei nº 8.668/1993.

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não conhecimento do recurso, por intempestivo, ou, subsidiariamente, pelo seu não provimento (fl. 374/377).

É o relatório.

2. Desde logo, há que ser afastada a alegada intempestividade da apelação arguida pela douta Procuradoria de Justiça. O prazo para apelação tem início com a publicação da sentença (Código de Processo Civil, art. 231, inciso VII), e considera-se como data de publicação o primeiro dia útil subsequente ao da disponibilização da intimação no DJe (Código de Processo Civil, art. 224, § 2º). Nestes autos a r. sentença recorrida foi disponibilizada no DJe de 7 de outubro de 2020 (fl. 337/338), com data da publicação no dia 8 imediatamente sucessivo.

Embora o processo da dúvida tenha natureza administrativa, contra a sentença nele prolatada é cabível apelação (art. 202 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973), inteiramente regulada pelo Código de Processo Civil, o que enseja a contagem do prazo recursal em dias úteis.

O prazo de recurso, de quinze dias úteis (art. 219 do Código de Processo Civil), teve início em 9 de outubro de 2020. Ocorre que os dias 12 e 30 de outubro [1] e 2 de novembro de 2020 [2] foram feriados, o que torna tempestiva a apelação interposta em 3 de novembro de 2020.

Nem por isso, contudo, a apelação pode ser conhecida, pois a dúvida, a bem ver, está prejudicada.

Com efeito, na nota de devolução, consignou o Oficial que, no aditivo apresentado ao contrato de alienação fiduciária de bem imóvel em garantia e outras avenças, foi confirmada a modificação quanto à credora fiduciária, permanecendo inalteradas, porém, as demais cláusulas, inclusive aquela referente à disposição trazida pelo § 2º do art. 7º da Lei nº 8.668/1993, que, no entanto, não se aplicaria aos Fundos de Direitos Creditórios por falta de previsão legal nesse sentido.

Então, exigiu o Registrador que o contrato fosse “retificado/aditado, para excluir a referência acima mencionada” (fl. 05/06).

Ora, da análise do título protocolado, é possível verificar que o contrato de alienação fiduciária de bem imóvel em garantia e outras avenças, celebrado originalmente em 15 de outubro de 2019 (fl. 31/40), depois de apresentado uma primeira vez, veio a ser aditado em 21 de janeiro de 2020 (fl. 41/44) e, novamente, em 4 de março de 2020 (fl. 45/49), sempre por força de exigências formuladas pelo Registrador.

No primeiro aditivo contratual, constou que:

“A CREDORA FIDUCIÁRIA, que terá a garantia registrada em seu nome, a partir deste aditivo, passa a ser a SOCOPA SOCIEDADE CORRETORA PAULISTA S/A. (…), na qualidade de administradora de HERCULES FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS MULTISSETORIAL (…), Fundo de Investimento em direitos creditórios constituído sob a forma de condomínio fechado. De acordo ao regime de propriedade fiduciária de que trata a lei 8.668 de 25.07.1993, com as seguintes restrições:

I – não integrem o ativo da administradora;

II – não respondam direta ou indiretamente por qualquer obrigação da instituição administradora;

III – não componham a lista de bens e direitos da administradora, para efeito de liquidação judicial ou extrajudicial;

IV – não possam ser dados em garantia de débito de operação da instituição administradora;

V – não sejam passíveis de execução por quaisquer credores da administradora, por mais privilegiados que possam ser;

VI – não possam ser constituídos quaisquer ônus reais sobre os imóveis.

As demais cláusulas permanecem inalteradas”.

No segundo aditivo contratual, constou que:

“A CREDORA FIDUCIÁRIA, que terá a garantia registrada em seu nome, a partir deste aditivo, passa a ser a SOCOPA SOCIEDADE CORRETORA PAULISTA S/A. (…), na qualidade de administradora de HERCULES FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS MULTISSETORIAL (…), Fundo de Investimento em direitos creditórios constituído sob a forma de condomínio fechado.

As demais cláusulas permanecem inalteradas”.

Explicando melhor: o contrato, em sua versão original, previa a alienação fiduciária do imóvel ao Fundo apelante. A fim de afastar a recusa disso decorrente, foi celebrado o primeiro aditivo contratual para constar a constituição da garantia em favor da instituição financeira administradora do Fundo, com o que ficou superada essa questão.

E, diferentemente do que entendeu o registrador, no segundo aditivo – apresentado para suprir as novas exigências formuladas – foram excluídas as referências à Lei nº 8.668/1993 e às restrições trazidas em seu art. 7º, constantes do anterior aditivo. Nem se alegue que, ao ficar consignado, no segundo aditivo, que as demais cláusulas permaneceriam inalteradas, pretendiam os contratantes validar o primeiro aditivo e não, o contrato inicialmente celebrado. Se assim fosse, não haveria razão para o último aditivo, que então seria, obviamente, mera repetição do anterior.

Nesse cenário, é possível concluir que as cláusulas que permaneceram inalteradas são aquelas do contrato inicialmente celebrado, exceto no que diz respeito à alteração da pessoa jurídica que passou a figurar como credora fiduciária, tudo conforme o último aditivo contratual apresentado.

Não obstante o atendimento das exigências, o Oficial insistiu em negar o registro pretendido, o que levou à suscitação da dúvida, na qual, como se viu, o interessado não obteve bom sucesso em primeiro grau de jurisdição (fl. 333/336).

Porém, ao apelar, o interessado que, repita-se, apresentou título sem a restrição posta no art. 7º da Lei nº 8.668/1993, como consta do segundo aditivo subitamente mudou o seu pedido, tornando a insistir na lavratura do registro com a aplicação do regime próprio dos fundos de crédito imobiliário. É o que se vê, claramente, a fl. 352 initio, quando o apelante diz, expressis verbis (grifou-se):

“Ao oficial de registro de imóveis caberá efetuar o registro do direito real em nome do administrador, na qualidade de representante do fundo de investimento, incluindo as ressalvas constantes do artigo 7º da Lei 8.668/93, mencionadas anteriormente, ainda que o beneficiário da garantia seja um fundo de investimento distinto do FII”.

Ou seja: longe de pugnar pelo registro do título que ao fim e ao cabo apresentou, o interessado mudou a sua rogação, solicitando uma inscrição que não corresponde, de nenhuma forma, ao que viera solicitando desde o requerimento de suscitação, razão pela qual o recurso de apelação não pode ser conhecido: ao modificar o que rogara, o recorrente abandonou a pretensão ao registro do título prenotado (que, portanto, não pode mais ser lavrado, pois o Oficial não deve agir ex officio) e deduziu pedido que não é viável acolher-se (já que o novo requerimento, afastando-se do contrato e aditivo dados a protocolo, não tem apoio em nenhuma prenotação válida).

O processo da dúvida é reservado à análise da discordância do apresentante com os motivos que levaram à recusa do registro do título e de seu julgamento decorrerá a manutenção da qualificação negativa, com o cancelamento da prenotação, ou a improcedência da objeção do Oficial, o que terá como consequência a realização do ato solicitado (inciso II do art. 203 da Lei nº 6.015/1973).

Ressalte-se que, com a suscitação da dúvida, o prazo de validade da prenotação é prorrogado para possibilitar a análise da dissensão entre o apresentante e o Oficial Registrador sobre as exigências formuladas para a inscrição do título, controvérsia que há de ser decidida a partir de sua conformação no momento da suscitação.

Assim, como ficou dito, não pode o apelante pretender, no curso do processo, alterar o conteúdo do título prenotado para incluir, no fólio real, restrições ao direito que pretende registrar e que, no entanto, não se encontram pactuadas no contrato celebrado entre as partes (fl. 31/40) e tampouco no último aditivo apresentado (fl. 45/49).

Por fim, anote-se que a nota de exigência e devolução expedida pelo registrador (fl. 05/06), referente à prenotação nº 233.385, ocorrida em 29.06.2020, menciona o imóvel matriculado sob nº 59.939, o qual, no entanto, não guarda nenhuma relação com as partes ou com o contrato por elas celebrado e respectivo aditivo, consoante se depreende da cópia da matrícula a fl. 21/29 e da certidão a fl. 30. De seu turno, na cópia da matrícula nº 57.935, referente ao imóvel objeto do contrato de alienação fiduciária em análise, não consta certidão referente a nenhuma prenotação ou suscitação de dúvida.

Conveniente, pois, a extração de cópias das principais peças dos autos para remessa à MM.ª Juíza Corregedora Permanente para apuração dos fatos e melhor esclarecimento sobre o ocorrido, com eventuais providências que se fizerem cabíveis na esfera disciplinar inclusive.

3. Diante do exposto, pelo meu voto, julgo prejudicada a dúvida não conheço da apelação, com determinação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator.

Notas:

[1] https://api.tjsp.jus.br/Handlers/Handler/FileFetch.ashx?codigo=120940

[2] https://www.tjsp.jus.br/CanaisComunicacao/Feriados/Comunicado?codigoComunicado=18913&pagina=1. (DJe de 13.09.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Escritura pública de divórcio e partilha de bens – Excesso de meação na partilha – Transmissão não onerosa de bem imóvel – Doação configurada – ITCMD recolhido – Inexistência de fato gerador do ITBI – Exigência de comprovação do recolhimento do imposto municipal afastada – Recurso provido para julgar improcedente a dúvida determinando o registro do título.


Apelação nº 1112232-31.2020.8.26.0100

Espécie: Apelação

Número: 1112232-31.2020.8.26.0100

Comarca: Capital

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1112232-31.2020.8.26.0100

Registro: 2021.0000475856

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1112232-31.2020.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante SIGRID SIQUEIRA PESSANHA, é apelado 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 16 de junho de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1112232-31.2020.8.26.0100

Apelante: Sigrid Siqueira Pessanha

Apelado: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 31.523

Registro de Imóveis – Escritura pública de divórcio e partilha de bens – Excesso de meação na partilha – Transmissão não onerosa de bem imóvel – Doação configurada – ITCMD recolhido – Inexistência de fato gerador do ITBI – Exigência de comprovação do recolhimento do imposto municipal afastada – Recurso provido para julgar improcedente a dúvida determinando o registro do título.

Trata-se de recurso de apelação interposto por SIGRID SIQUEIRA PESSANHA contra a sentença proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do Décimo Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, que julgou prejudicada a dúvida suscitada diante da recusa ao registro da escritura pública de divórcio consensual, seu aditamento e partilha de Sigrid Siqueira Pessanha e Diego Nascimento Correia (fl. 46/50).

Alega a apelante, em síntese, que a dúvida não está prejudicada, pois os óbices ao registro da escritura pública admitidos como corretos (itens 1, 2 e 4 da nota de devolução) foram cumpridos antes de desencadeado o procedimento de dúvida, deixando para o debate exclusivamente o atinente ao imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis ITBI (item 3 da nota de devolução). A exigência de pagamento do imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis ITBI é indevida, porquanto não constitui fato gerador do tributo o excedente da meação, sem compensação pecuniária, em partilha do patrimônio de cônjuges, sendo exigido apenas o imposto de transmissão “causa mortis” e doação de quaisquer bens e direitos ITCMD, o que foi recolhido. Por isso, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso para julgar improcedente a dúvida, determinando o registro do título independentemente do recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis ITBI (fl. 56/67).

A douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo provimento parcial do recurso (fl. 85/87).

É o relatório.

O registro da escritura pública de divórcio consensual e respectivo aditamento e partilha foi negado pelo Oficial, que expediu nota de devolução com o seguinte teor (fl. 30/32):

“1. Conforme se verifica do R.4/133.267, o imóvel foi adquirido por SIGRID SIQUEIRA PESSANHA e DIEGO NASCIMENTO CORREIA qualificado com o RG nº 43.510.613-4 SSP-SP, tal como constou do título aquisitivo e diversamente do que consta da escritura de divórcio e partilha ora apresentada, na qual está qualificado como portador da cédula de identidade RG nº 43.510.631-4 SSP/SP. (…)

2. Conforme ainda se verifica, o imóvel acha-se alienado fiduciariamente ao ITÁU UNIBANCO S/A (R.5/133.267). Portanto, o credor fiduciário deverá figurar como anuente. (Art. 29 da Lei 9.514/97).

3. A Lei Municipal nº 11.154/1991 e o anexo único do Decreto Municipal nº 55.196/2014) dispõem que:

“Art. 2 Estão compreendidos na incidência do Imposto:

VI o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerados, em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou monte-mor”. (Grifo nosso).

No caso concreto, considerando apenas o bem imóvel do casal avaliado em R$250.989,00, o valor da meação cabente a cada ex-cônjuge é de R$125.494,50.

Portanto, conforme já decidido pela 1 Vara de Registros Públicos da Comarca de São Paulo-SP, nos autos de Suscitação de Dúvida, processo nº 1043473-49.2019.8.26.0100 (sentença anexa), há necessidade de apresentação de guia e comprovante de recolhimento do ITBI-IV decorrente da partilha do imóvel objeto da matrícula nº 133.267, calculado sobre o valor do imóvel, mediante aplicação do percentual de 50%.

4. Apresentar certidão de casamento atualizada (se cópia, autenticada) de DIEGO NASCIMENTO CORREIA e VÂNIA MARIA FERREIRA CORREIA, para que possa ser efetuada a necessária averbação do casamento na matrícula nº 133.267, em respeito ao princípio da continuidade subjetiva, nos termos do art. 246, 1, da Lei n. 6.015/73”.

Cumpridas as exigências elencadas nos itens 1, 2 e 4 da nota devolutiva, tal como consignado pelo Registrador ao suscitar a dúvida, o único óbice impugnado é o descrito no item 3 relativo ao imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis ITBI.

Logo, a dúvida não está prejudicada, pois, eventualmente afastada a exigência questionada, o título ingressará no fólio real.

A controvérsia cinge-se à possibilidade ou não de ser exigido o comprovante de recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis – ITBI para o acesso do título no ofício de registro de imóveis.

Segundo os termos do art. 156, II, da Constituição Federal, o fato gerador do ITBI é a “transmissão ‘inter vivos’, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição”.

Analisada a escritura pública de divórcio consensual e seu aditamento e partilha (fl.15/24), verifica-se que o patrimônio imobiliário partilhado era composto apenas pelos direitos de fiduciante sobre o imóvel objeto da matrícula nº 133.267 avaliados em R$ 250.989,00, os quais foram atribuídos com exclusividade à mulher, ao passo que o único bem móvel (veículo) estimado em R$ 51.695,00 ficou pertencendo ao homem.

Somados os referidos valores, o patrimônio total partilhado atingiu a cifra de R$ 302.684,00, constatando-se o excesso de meação em prol da mulher no importe de R$ 99.647,00.

Sobre o excesso de meação, a escritura pública dispõe que “é transmitido do Primeiro Divorciado à Segunda Divorciada a título gratuito em caráter puro e simples, sem cláusulas ou restrições” (fl. 21).

Na hipótese, a atribuição de valor superior à meação a um dos cônjuges, ainda que considerado tão somente o valor dos direitos de fiduciante, não configurou ato oneroso, mas sim doação.

A entrega de valor superior à meação, sem a respectiva torna ou contraprestação, não tem o condão de ensejar o recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis – ITBI, pois caracteriza doação, sendo devido apenas o imposto de transmissão “causa mortis” e doação de quaisquer bens e direitos –  ITCMD, o que foi recolhido (fl. 25 e 27).

Portanto, não realizado o fato gerador a justificar a incidência do imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis – ITBI, não há como condicionar a inscrição do título ao recolhimento deste tributo.

O dever de fiscalização do Oficial de Registro pressupõe o recolhimento de impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados, em razão do seu ofício, nos termos do art. 289 da Lei de Registros Públicos.

Por todo o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida, determinado o ingresso do título no fólio real.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 13.09.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

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