TJ/SP – Tributário – ITBI – Imóvel adquirido por usucapião – Legitimidade do coerdeiro para impetrar segurança destinada ao afastamento da exigência de recolhimento do imposto – Coerdeiro tem legitimidade ativa para promover demanda judicial tendente à salvaguarda da herança, mormente quando, na posse de imóvel deixado pela de cujus, é administrador provisório – Usucapião é forma originária de aquisição da propriedade, afastando a incidência de ITBI e o pagamento do imposto como requisito para inscrição da sentença no Cartório de Imóveis. (Nota da Redação INR: ementa oficial)


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1008847-30.2020.8.26.0565, da Comarca de São Caetano do Sul, em que são apelantes PAULO MARIO DA SILVA e MARGARIDA FERREIRA DA SILVA (ESPÓLIO), é apelado PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO SUL.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI (Presidente sem voto), ROBERTO MARTINS DE SOUZA E BEATRIZ BRAGA.

São Paulo, 17 de maio de 2021.

BOTTO MUSCARI

Relator(a)

Assinatura Eletrônica

Apelação Cível:1008847-30.2020.8.26.0565

Apelante:Paulo Mario da Silva

Apelado:Prefeitura Municipal de São Caetano do Sul

Comarca:São Caetano do Sul

Voto nº 32

TRIBUTÁRIO. ITBI. IMÓVEL ADQUIRIDO POR USUCAPIÃO. LEGITIMIDADE DO COERDEIRO PARA IMPETRAR SEGURANÇA DESTINADA AO AFASTAMENTO DA EXIGÊNCIA DE RECOLHIMENTO DO IMPOSTO.

Coerdeiro tem legitimidade ativa para promover demanda judicial tendente à salvaguarda da herança, mormente quando, na posse de imóvel deixado pela de cujus, é administrador provisório.

Usucapião é forma originária de aquisição da propriedade, afastando a incidência de ITBI e o pagamento do imposto como requisito para inscrição da sentença no Cartório de Imóveis.

Trata-se de apelação interposta por Paulo Mario da Silva contra a r. sentença de fls. 83/84, que reconheceu a ilegitimidade ativa do apelante e declarou inepta a petição inicial, julgando extinto o mandado de segurança impetrado por ele.

Sustenta o recorrente que: a) coerdeiro é parte legítima para impugnar a cobrança de impostos, à luz dos arts. 1.791 e 1.314 do Código Civil, b) a herança se transmite desde logo, garantida a qualquer dos herdeiros legitimidade ativa para propor demanda em defesa de bens ou direitos integrantes do monte, c) não é devida a cobrança de ITBI, pois o imóvel foi adquirido por usucapião, d) estamos a braços com forma originária de aquisição da propriedade, de modo que não configurado fato gerador de incidência de ITBI, e) a Lei Municipal n. 3.685/98 destoa do Sistema Tributário Nacional quanto à incidência do referido imposto.

Nas contrarrazões afirmou-se que: a) o apelante não tem legitimidade, por não aberto inventário, tornando impossível verificar se o imóvel será destinado a Paulo na futura partilha, b) não há lei municipal tratando de isenção, como pretende seu adversário, c) na hipótese sub judice, a usucapião possui natureza híbrida e tem por finalidade a consolidação da transmissão da propriedade imobiliária decorrente de justo título, d) existe lei municipal prevendo a incidência de ITBI na aquisição por usucapião (fls. 98/105).

Não houve oposição ao julgamento virtual.

É o relatório.

Margarida Ferreira da Silva propôs, no ano de 2015, ação de usucapião do imóvel situado na Alameda São Caetano, 1.332, São Caetano do Sul.

A usucapiente faleceu em 30/03/2018 (fls. 21) e a demanda vingou no dia 08/08/2019 (fls. 23/25), com trânsito em julgado aos 04/09/2019 (fls. 30).

Incontroverso que, não obstante o passamento de Margarida, seu bens ainda não foram inventariados/partilhados. Desse modo, na qualidade de herdeiro, Paulo Mario da Silva (aqui impetrante) deu sequência aos trâmites extrajudiciais para abertura de matrícula no 1º Ofício de Registro de Imóveis de São Caetano do Sul e ulterior registro da sentença de usucapião (fls. 41 e 52/55).

Determinado o recolhimento de R$ 16.587,39 à guisa de ITBI (fls. 56), Paulo Mario impetrou mandamus em busca da invalidação do lançamento respectivo.

Respeitado o entendimento do MM. Juízo a quo, tenho como presente a legitimidade ad causam do apelante, na condição de herdeiro de sua ascendente, o que se comprova pelos documentos de fls. 14 e 26.

Havida a morte, abre-se prontamente a sucessão, transmitindo-se aos herdeiros, por força do art. 1.784 do Código Civil, todos os direitos, pretensões, propriedade, posse e deveres decorrentes do óbito do de cujus.

Nesses termos, a ausência de inventário não afasta a legitimidade dos herdeiros para, em juízo ou fora dele, salvaguardar direitos e interesses do finado, não sendo o espólio o único legitimado para tanto.

Lição do Superior Tribunal de Justiça: “enquanto não realizada a partilha, o coerdeiro possui legitimidade ativa para a propositura de ação que visa à defesa do patrimônio comum deixado pelo de cujus” (REsp. n. 1.505.428/RS, 3ª Turma, j. 21/06/2016, rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA ênfase minha).

Mesmo que assim não fosse, estaríamos diante de típico caso de administração provisória do bem (art. 1.797 do Código Civil), visto que o apelante reside no imóvel (fls. 16) e portanto está na sua posse, razão pela qual ostenta legitimidade para impetrar o writ. A respeito do tema, confira-se:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOCAÇÃO DE IMÓVEL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EXCEÇÃO DE PREEXECUTIVIDADE. ILEGITIMIDADE ATIVA DE HERDEIRO. Não reconhecimento. Enquanto não promovido inventário judicial ou realizada partilha extrajudicial, o herdeiro do falecido locador, que estiver na posse e administração da herança, tem legitimidade ativa para promover a execução do título extrajudicial (CPC/2015, art. 784, caput, VIII). Inteligência do art. 1797, II, do CCiv/2002. RECURSO DO EXECUTADO NÃO PROVIDO” (TJSP – Agravo de Instrumento n. 2051130- 97.2020.8.26.0000, 28ª Câmara de Direito Privado, j. 27/10/2020, rel. Desembargadora BERENICE MARCONDES CESAR);

“SERVIDOR MUNICIPAL FALECIDO. Retenção, pelo Município, de bem da herança (automóvel), por conta de dívida específica do espólio. Legitimidade ativa de uma filha e herdeira do falecido para, sem a presença ou o consentimento dos demais herdeiros, demandar pela entrega do veículo, que decorre dos artigos 1791, parágrafo único e 1314 do Código Civil de 2002, podendo fazê-lo por meio de mandado de segurança por se tratar de ato de autoridade, abusivo e sem respaldo legal, por isso violador de direito líquido e certo dos herdeiros. Segurança concedida. Recursos voluntários e reexame necessário não providos” (TJSP – Apelação n. 0086156-21.2005.8.26.0000, 12ª Câmara de Direito Público, j. 03/04/2009, rel. Desembargador EDSON FERREIRA).

Extinção de processos sem resolução do mérito é solução patológica, a ser evitada e lamentada. Sempre que possível, toca ao Judiciário dar resposta útil às partes (rectius: sentença de mérito).

No intuito de mais prontamente solucionar as controvérsias que lhe são submetidas, esta Câmara tem incursionado pelo meritum causae mesmo quando proferida sentença terminativa na origem. Estamos diante de um caso que comporta igual solução, pois todos os elementos necessários ao julgamento do mandamus estão presentes.

Cinge-se a controvérsia à possibilidade (ou não) de cobrar-se ITBI na aquisição de imóvel por usucapião.

A Constituição Federal dispõe que o ITBI incide sobre a transmissão inter vivos “a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição” (art. 156, inc. II – destaquei).

Meio originário de aquisição da propriedade, a usucapião não dá azo ao tributo em questão, como se vê dos seguintes precedentes:

“Reexame necessário – Mandado de segurança – ITBI – Cobrança indevida – A usucapião é modo originário de aquisição de propriedade e, dessa forma, intransmissível – Inocorrência de fato gerador do tributo vez que o imposto mencionado é incidente apenas em caso de transmissão por ato oneroso, o que não ocorreu – Nega-se provimento ao reexame necessário” (TJSP – Remessa Necessária n. 1006071-62.2017.8.26.0565, 3ª Câmara de Direito Público, j. 30/03/2020, rel. Desembargador JOSÉ LUIZ GAVIÃO DE ALMEIDA);

“Apelação. Mandado de Segurança. ITBI. Município de Piracicaba. Ação de usucapião julgada procedente. Exigência do imposto por ocasião do registro. Sentença que julgou improcedente a pretensão e denegou a segurança sob o fundamento de que houve ato oneroso de cessão de direitos hereditários. Pretensão à reforma. Acolhimento. Usucapião é modo de aquisição originária da propriedade, não havendo que se falar em ocorrência do fato gerador. Município que adotou como motivo determinante da incidência do ITBI a aquisição decorrente da usucapião, e não negócios subjacentes, a exemplo da cessão de direitos possessórios e hereditários. Cobrança indevida. Sentença reformada. Recurso provido” (TJSP – Apelação Cível n. 1003700-11.2019.8.26.0451, 18ª Câmara de Direito Público, j. 09/10/2019, rel. Desembargador RICARDO CHIMENTI);

“REEXAME NECESSÁRIO – Mandado de Segurança – ITBI – Município de Ilhabela – Pretendida incidência de ITBI sobre imóvel adquirido por meio de usucapião – Não cabimento – Usucapião que configura modo originário de aquisição da propriedade – Sentença mantida – REEXAME NECESSÁRIO IMPROVIDO” (TJSP – Remessa Necessária n. 1001670-49.2019.8.26.0565, 15ª Câmara de Direito Público, j. 19/08/2019, rel. Desembargador RODRIGUES DE AGUIAR);

“REEXAME NECESSÁRIO – Mandado de Segurança – ITBI – Sentença que confirmou liminar concedida para determinar à autoridade impetrada que se abstenha de exigir ITBI sobre imóvel adquirido por meio de usucapião – Cabimento – Competência do Município para instituir imposto sobre transmissão de bens imóveis por ato oneroso – Usucapião que configura modo originário de aquisição da propriedade – Sentença mantida – Recurso de ofício improvido” (TJSP – Remessa Necessária n. 1003373-49.2018.8.26.0565, 15ª Câmara de Direito Público, j. 28/05/2019, rel. Desembargador EUTÁLIO PORTO).

Como legislação municipal não pode alterar a natureza do instituto “usucapião”, importa nada a sua existência.

Em face do exposto, meu voto dá provimento à apelação para, concedida a segurança, afastar a incidência de ITBI e pronunciar a admissibilidade do registro da sentença de usucapião independentemente do recolhimento desse imposto.

BOTTO MUSCARI

Relator – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1008847-30.2020.8.26.0565 – São Caetano do Sul – 18ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Botto Muscari – DJ 19.05.2021

Fonte: INR Publicações.

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TJ/SP – Registro Imobiliário – Resgate de enfiteuse – Recusa da averbação – Resgate formalizado por instrumento particular – Resgate da enfiteuse que gera a transmissão da propriedade direta em favor do enfiteuta – Escritura pública obrigatória – ITBI – Transmissão do domínio direto que se dá no momento do registro do ato de extinção da enfiteuse – Incidência do tributo em momento posterior ao pagamento do resgate – Previsão legal da transmissão do domínio direto na legislação municipal – Exigência do recolhimento mantida – Recurso não provido.


Número do processo: 1030652-90.2018.8.26.0506

Ano do processo: 2018

Número do parecer: 21

Ano do parecer: 2020

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1030652-90.2018.8.26.0506

(21/2020-E)

Registro Imobiliário – Resgate de enfiteuse – Recusa da averbação – Resgate formalizado por instrumento particular – Resgate da enfiteuse que gera a transmissão da propriedade direta em favor do enfiteuta – Escritura pública obrigatória – ITBI – Transmissão do domínio direto que se dá no momento do registro do ato de extinção da enfiteuse – Incidência do tributo em momento posterior ao pagamento do resgate – Previsão legal da transmissão do domínio direto na legislação municipal – Exigência do recolhimento mantida – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

1. Trata-se de recurso administrativo interposto por Caram Miguel Jacob contra a decisão que julgou procedente pedido de providências suscitada pela Oficiala do 2° Registro de Imóveis de Ribeirão Preto, mantendo a recusa do acesso ao registro na matrícula nº 19.228 de instrumento particular de resgate de enfiteuse, entendendo pela necessidade de escritura pública e recolhimento de ITBI no momento da inscrição (fls. 112/124).

2. O recorrente sustenta, em resumo, que o resgate deu-se há quarenta anos, antes da atual Constituição, da Lei Municipal que instituiu o ITBI, do Código Tributário Nacional e da Lei dos Registros Públicos, sendo impedida a aplicação retroativa de tais normas para a exigência do tributo; que não há necessidade de realização de escritura pública para o resgate da enfiteuse. Pretende o afastamento da dúvida, determinandose o cancelamento do aforamento sem a formalização por escritura pública e o recolhimento do ITBI (fls. 130/135).

A Procuradoria Geral de Justiça manifesta-se pelo não provimento do recurso (fls. 152/154).

É o relatório.

3. Embora nominado pela Oficiala como suscitação de dúvida, o processamento deu-se como pedido de providências, por se tratar de pretensão de averbação de ato na matrícula imobiliária, com interposição de recurso administrativo, nos termos do art. 246, do Decreto-Lei Complementar Estadual nº 3/1969.

O presente recurso é apresentado em pedido de providências suscitado pela Oficiala do 2° Registro de Imóveis de Ribeirão Preto, entendendo pela impossibilidade de ingresso no fólio de instrumento de resgate de enfiteuse efetuado por Caram Miguel Jacob, ora recorrente, por instrumento particular datado de 20.07.1982 (fls. 18/19), sem formalização do ato por escritura pública e sem recolhimento do ITBI.

Pretende o recorrente que se proceda a averbação da extinção da enfiteuse, fundada no art. 167, II, 2, da Lei nº 6.015/1973, com base tão somente em guia de recolhimento de resgate de aforamento, formalizado em instrumento particular.

Dois são os fundamentos da irresignação. O primeiro, quanto à forma, é de que para a averbação do resgate da enfiteuse não há necessidade de formalização de escritura pública, por se tratar de ato extintivo de direito real sobre coisa alheia sujeito a averbação. O segundo, vinculado ao princípio da legalidade, afirma a não incidência do ITBI sobre o ato, impedida a aplicação retroativa de normas de natureza tributária, criadas a partir da Constituição Federal de 1988, de forma retroativa ao ato de resgate.

O primeiro fundamento não pode ser acolhido, eis que a escritura pública é da essência do ato jurídico de resgate da enfiteuse.

A enfiteuse era prevista como direito real no art. 674, I, do Código Civil de 1916, caracterizando-se pela transmissão do domínio útil da propriedade pelo proprietário ou senhorio ao enfiteuta, mediante pagamento de uma pensão ou foro (art. 678, CC/16). E, por força de sua perpetuidade até o resgate ou extinção, mantidas pela regra transitória do art. 2.038, do Código Civil, permanece eficaz como instrumento de transferência do domínio útil sobre o bem, sem que isto signifique alienação da propriedade de forma absoluta.

E, por isto, há de se entender a enfiteuse como direito real na coisa alheia que, por sua estrutura, determina que a propriedade continue sob o domínio do senhorio direto, havendo em favor do enfiteuta apenas direito de uso e gozo sobre o domínio útil. No dizer de Orlando Gomes (Direitos reais, 19ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 305):

“Outros argumentos poderiam ser aduzidos em demonstração da falsidade da tese de que o enfiteuta é proprietário. Mas não é necessário invoca-los porque, em verdade, a doutrina está superada. O debate carece, aliás, de maior significação prática, porque o Código Civil inclui a enfiteuse entre os direitos reais na coisa alheia, e como tal o define e regula, embora se refira impropriamente ao domínio útil que teria o enfiteuta. Declarando que se dá a enfiteuse quando o proprietário atribui a outrem o domínio útil do imóvel, o Código Civil deixa claro que o proprietário é o senhorio direto. Ora, se proprietário é, proprietário não pode ser o enfiteuta, porque a propriedade é um direito exclusivo.”

Bem por isto, prevê-se o direito do foreiro alienar o direito de exercício do domínio útil, mediante pagamento ao senhorio direto do laudêmio, conforme o art. 686, do Código Civil de 1916.

Ou seja, o direito de propriedade imobiliária, no caso da enfiteuse, permanece, de forma limitada, sob a titularidade do senhorio, somente se transmitindo ao enfiteuta por conta do resgate. Daí porque o resgate da enfiteuse tem característica de ato translativo da propriedade imobiliária.

O resgate da enfiteuse era previsto no art. 693, do Código Civil de 1916, ainda vigente por conta da regra transitória do art. 2.038, do Código Civil, exigindo-se o pagamento de um laudêmio específico:

Art. 693. Todos os aforamentos, inclusive os constituídos anteriormente a este Código, salvo acordo entre as partes, são resgatáveis dez anos depois de constituídos, mediante pagamento de um laudêmio, que será de dois e meio por cento sobre o valor atual da propriedade plena, e de dez pensões anuais pelo foreiro, que não poderá no seu contrato renunciar ao direito de resgate, nem contrariar as disposições imperativas deste capítulo.”

Serpa Lopes (Tratado dos registros públicos; v. III. 3ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, pp. 280/281), após analisar doutrina estrangeira a respeito da necessidade da transcrição do direito de resgate para sua eficácia, bem como o modo para se realizar tal ato, conclui:

“Ato unilateral ou bilateral, compra e venda ou desapropriação forçada, o que há de persistente e claro é tratar-se de um direito que produz, incontestavelmente, a transferência do domínio direto para o enfiteuta, dando-se, precisamente, o fenômeno assinalado por De Pirro, ou seja a sucessão e a confusão.

É uma transferência coativa, precisa Pietro Germani, que tem a sua fonte mediata no próprio senhorio, ao estabelecer a enfiteuse.

(…)

Assim sendo, deverá ser transcrita a escritura por força da qual o ex-titular do domínio direto declare haver recebido a importância do resgate e passar ao enfiteuta o domínio direto.

Na falta de uma convenção dessa natureza, só por meio de sentença do juiz reconhecendo o direito do enfiteuta e o pagamento realizado por meio de depósito judicial da quantia apurada, de acordo com o critério legal ou mesmo do contrato originário, se este houver previsto e regulado o seu exercício.” (grifei)

Em conclusão, se a extinção da enfiteuse tem características de ato translativo da propriedade imobiliária, sujeito necessariamente à inscrição no registro, há de respeitar a forma prescrita em lei imposta pelos arts. 82 e 134, II, do Código Civil de 1916, vigentes à época da formalização do resgate, e art. 108, do Código Civil de 2002.

Desta forma, a escritura pública é da essência do resgate da enfiteuse, assim como o pagamento do preço fixado pela lei, não se admitindo a averbação da extinção sem que haja formalização que atenda aos requisitos legais.

Sendo necessária a escritura pública constando o resgate da enfiteuse, mantém-se a recusa apresentada pelo registrador.

O segundo fundamento do recurso, de que não é possível a exigência do ITBI por tal fato significar aplicação retroativa de normas tributárias, também não pode ser acolhido.

Como afirmado, o resgate da enfiteuse constitui ato jurídico com a finalidade de extinção de um direito real sobre coisa alheia e, ao mesmo tempo, de transmissão desta mesma propriedade.

Se o ato extintivo da enfiteuse resulta na transmissão da propriedade em favor do enfiteuta, que até então exercia somente o domínio útil sobre o bem, sua eficácia jurídica real decorre da inscrição no registro imobiliário, conforme previsto no art. 676, do Código Civil de 1916 e no art. 1.245, do Código Civil em vigor. Não há que se falar, portanto, em eficácia translativa da propriedade ou do domínio direto por conta do ato particular firmado entre as partes que, em termos finais, apenas comprova o pagamento do laudêmio necessário ao resgate.

Se há transmissão da propriedade direta no momento da inscrição do resgate, conclui-se que há transmissão de bem imóvel como fato gerador do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis e que tal transmissão se dá no momento do registro do ato, sujeitando-se o adquirente ao recolhimento do tributo neste momento.

A Lei Municipal nº 5.430/1989, do Município de Ribeirão Preto, previu a incidência do imposto na transmissão do domínio direto pelo senhorio, fixando sua base de cálculo em 1/5 (um quinto) do valor venal da propriedade (art. 15, IV). Respeita-se, assim, o princípio da legalidade tributária.

Assim, caracterizando o resgate da enfiteuse verdadeira transmissão do domínio direto em favor do enfiteuta, com efeitos reais, haverá incidência do imposto por conta da transmissão, a ser recolhido no momento da lavratura da escritura pública de resgate ou do registro do ato junto ao registro imobiliário. Não importa, assim, que o resgate tenha sido pago no ano de 1981 para fins de incidência tributária, eis que os efeitos translativos do ato somente se conformarão com a lavratura da escritura pública e seu registro.

Não caracteriza o fato, portanto, aplicação retroativa de norma tributária.

Desta forma, não havendo comprovação do recolhimento do ITBI no momento da realização da escritura pública necessária, que aqui não há, deverá o tributo ser recolhido por conta do registro da transmissão, não havendo o que se alterar na exigência formulada pelo oficial.

4. Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submete-se à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido do não provimento do recurso.

Sub censura.

São Paulo, 17 de janeiro de 2020.

PAULO ROGÉRIO BONINI

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria, por seus fundamentos que adoto, e nego provimento ao recurso. Oportunamente, remetam-se os autos à Vara de origem. Intimem-se. São Paulo, 23 de janeiro de 2020. (a) RICARDO ANAFE, Corregedor Geral da Justiça – Advogados: ARMANDO ALVES, OAB/SP 30.623, NINA VALÉRIA CARLUCCI, OAB/ SP 97.455, OVÍDIO ROCHA BARROS SANDOVAL, OAB/SP 15.542, OVIDIO ROCHA BARROS SANDOVAL JÚNIOR, OAB/SP 111.280 e FABIANO DE ARAÚJO THOMAZINHO, OAB/SP 202.425.

Diário da Justiça Eletrônico de 31.01.2020

Decisão reproduzida na página 013 do Classificador II – 2020

Fonte: DJE/SP.

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