Registro imobiliário – Bloqueio de matrícula – Indícios concretos de alienação anterior do imóvel com a utilização de documentos falsos – Aquisição derivada da propriedade – Transmissão de eventuais vícios – Cabimento do bloqueio administrativo da matrícula em caráter preventivo pela MM. Juíza Corregedora Permanente – Obediência do devido processo legal – Recurso não provido.


Número do processo: 0044154-07.2017.8.26.0100

Ano do processo: 2017

Número do parecer: 250

Ano do parecer: 2018

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 0044154-07.2017.8.26.0100

(250/2018-E)

Registro imobiliário – Bloqueio de matrícula – Indícios concretos de alienação anterior do imóvel com a utilização de documentos falsos – Aquisição derivada da propriedade – Transmissão de eventuais vícios – Cabimento do bloqueio administrativo da matrícula em caráter preventivo pela MM. Juíza Corregedora Permanente – Obediência do devido processo legal – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso administrativo interposto contra r. sentença que determinou o bloqueio administrativo de matrícula em razão da informação pela Autoridade Policial da suposta alienação anterior do imóvel mediante a utilização de documento falso.

Sustenta a recorrente a reforma da decisão recorrida por ser indevido o bloqueio da matrícula (a fls. 228/234).

A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (a fls. 247/248).

É o breve relatório.

Opino.

Como consta dos autos, há indícios concretos, consoante apuração em sede de Inquérito Policial, do emprego de documentos falsos no contrato de compra e venda realizado com a pessoa que transmitiu a propriedade do imóvel à recorrente.

O artigo 214 da Lei de Registros Públicos prevê as situações de nulidade do registro e o bloqueio preventivo da matrícula.

No caso em julgamento, os indícios de vício são do título (contrato de compra e venda) face ao emprego de documentos falsos no contrato realizado com a transmitente da propriedade à recorrente (a fls. 46/47).

Como constou da r. sentença, não se cogita de nulidade do registro (modo) e sim do título.

Narciso Orlandi Neto, em precisa diferenciação dessas situações jurídicas, afirma:

É preciso distinguir nulidade direta do registro e nulidade do título, com reflexo no registro. O registro não pode ser cancelado por nulidade do título, salvo em processo contencioso de que participe o titular do direito inscrito. Em outras palavras, o art. 214 da Lei n. 6.015/73 é exceção. E como se sabe se o registro é ou não nulo de pleno direito? Sabe-se que o registro é ou não nulo de pleno direito examinando-o separadamente do título que lhe deu causa, apenas à luz dos princípios que regem o registro, a saber se foram cumpridos os requisitos formais. A indagação da nulidade do registro deve ficar restrita aos “defeitos formais do assento, ligados à inobservância de formalidades essenciais da inscrição (Código Civil, arts. 130 e 145, III)” (Afrânio de Carvalho, Retificação do Registro, in RDI 13, p. 17). … A nulidade a que se refere o art. 214 da Lei de Registros Públicos é exclusiva do registro, absolutamente independente do título, tanto que, uma vez declarada, permite que o mesmo título seja novamente registrado. …A nulidade que pode ser declarada diretamente independentemente de ação, é de direito formal, extrínseca. Ela não pode alcançar o título , que subsiste íntegro e, em muitos casos, apto a, novamente, ingressar no registro. …Problemas relativos ao consentimento das partes, dizem respeito ao título, tanto quanto sua representação e a elaboração material do instrumento. Assim, se houve fraude, se a assinatura do transmitente foi falsificada, se o instrumento público não consta dos livros de nenhum notário, se a procuração que serviu na representação de uma das partes é falsa, se o consentimento do alienante foi obtido com violência, são todos problemas atinentes ao título. Podem afetar o registro, mas obliquamente. Só podem determinar o cancelamento do registro, em cumprimento de sentença que declare a nulidade do título e, em consequência, do registro… (Retificação do registro de imóveis. São Paulo: Oliveira Mendes, p. 183/192).

Portanto, não há dúvidas quanto à regularidade do registro em seu aspecto extrínseco.

Não obstante, nos termos do artigo 1.245, parágrafo 2º, do Código Civil, a presunção de validade do registro é relativa, porquanto é possível o reconhecimento de sua nulidade em razão de vícios do título objeto da inscrição.

Eventual reconhecimento da nulidade do registro da proprietária anterior à recorrente poderá redundar em efeitos a esta, uma vez que a aquisição foi derivada (compra e venda) ocorrendo transmissão das situações jurídicas anteriores (com seus possíveis vícios).

O exame da validade do título, em verdade, inexistência do negócio jurídico, tem lugar na via jurisdicional.

Não obstante, consoante previsão contida no artigo 214, parágrafo 3º, da Lei de Registros Públicos, é possível a medida excepcional do bloqueio administrativo da matrícula em caráter preventivo ante a real possibilidade da realização de novos registros implicarem em danos de difícil reparação, justamente, pela transmissão das situações jurídicas anteriores.

No caso em julgamento, compete o bloqueio da matrícula em virtude da possibilidade da anterior transmissão da propriedade ter sido efetuada por pessoa diversa do proprietário mediante emprego de documentos falsos, evitando novas transmissões até a regularização dessa situação.

A norma jurídica em comento, por seu caráter preventivo, não determina a ouvida prévia dos interessados, como ocorre na hipótese de nulidade do registro, destarte, correta a decisão recorrida também nesse aspecto.

Portanto, não se cogita de violação da garantia constitucional do devido processo legal pela ausência de intimação prévia para essa finalidade. Além disso, neste recurso administrativo há exame dessa questão.

Ilegalidade não houve no bloqueio determinado em virtude da presença dos pressupostos legais até o esclarecimento do ocorrido, considerada o grau de certeza dos indícios existentes até o momento.

Cabe acrescentar a ausência de modificação da condição de proprietária da recorrente por força da decisão administrativa, apesar do bloqueio (temporário) da realização de novos registros.

Finalmente, há diversos precedentes administrativos no sentido do ora decidido, a exemplo dos seguintes:

Bloqueio de matrícula – Bem que teria sido alienado por quem já estava falecida, ao tempo em que outorgada a procuração utilizada na escritura pública de compra e venda – Óbice que se impõe, para obstar prejuízos a terceiros de boa-fé – Preservação de direitos de terceiros – Recurso desprovido (CGJSP-Rec. n. 130.310/2017, j. 30/10/2017).

REGISTRO DE IMÓVEIS – Bloqueio de matrícula determinado em primeiro grau com fundamento em notícia de utilização de alvará falso para a lavratura de escritura de venda e compra que foi objeto de registro – Medida de natureza acautelatória que se apresenta adequada ‘in casu’ para a proteção do interesse de eventuais futuros adquirentes terceiros de boa-fé – Recurso improvido (CGJSP – Rec. n. 2008/114810, j. 09/12/2009).

Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submete-se à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de que seja negado provimento ao recurso administrativo.

Sub censura.

São Paulo, 20 de junho de 2018.

Marcelo Benacchio

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso administrativo. Publique-se. São Paulo, 25 de junho de 2018. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça Advogado: LUIZ CARLOS PACHECO E SILVA, OAB/SP 82.340.

Diário da Justiça Eletrônico de 02.07.2018

Decisão reproduzida na página 119 do Classificador II – 2018

Fonte: INR Publicações

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1VRP/SP: Registro de Imóveis. Usucapião administrativa. Necessidade de apresentação de título que demonstre a doação do imóvel, de modo a afastar a exigência de notificação dos proprietários tabulares.


Processo 1074288-29.2019.8.26.0100

Espécie: PROCESSO

Número: 1074288-29.2019.8.26.0100

Processo 1074288-29.2019.8.26.0100  –

Dúvida – Registro de Imóveis – Paulo Waldemar da Silva – Vistos. Trata-se de dúvida suscitada em procedimento extrajudicial de usucapião pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Paulo Waldemar da Silva, cujo objeto é o imóvel de matrícula nº 84.428. Foram apresentados diversos óbices quanto ao pedido (fls. 222/225), tendo restado os seguintes após cumprimentos e concordância pelo suscitado: 1) Apresentação de título que demonstre a doação do imóvel, de modo a afastar a exigência de notificação dos proprietários tabulares; 2) Requerimento de notificação do promitente vendedor; 5) Certidões negativas do proprietário e cônjuge; 8) Complementação dos documentos comprobatórios da posse. O Oficial justifica os óbices com base nas exigências legais relativas a necessidade de realização de notificações dos titulares de direitos sobre o bem, cuja dispensa é excepcional e demanda comprovação por documentos, além de outras exigências expressas no Art. 216-A da Lei 6.015/73 e no Prov. 65/17 do CNJ. Juntou documentos às fls. 08/284. O suscitado não se manifestou nestes autos (fl. 285), mas em sede administrativa (fls. 227/235) aduziu que juntou o documento de doação requisitado, que não há necessidade de notificação do promitente vendedor, que não pode obter a certidão negativa em nome de Lydia, cônjuge do proprietário, e que juntou documentos comprovatórios da posse. O Ministério Público opinou por estar a dúvida prejudicada (fls. 289/291). É o relatório. Decido. O §7º do Art. 216-A da Lei de Registros Públicos previu a suscitação de dúvida como procedimento a ser adotado para soluções de controvérsias entre registrador e requerente no pedido extrajudicial de usucapião. Ocorre que as peculiaridades do processo de usucapião exige menor rigor quanto a aplicação do Art. 203 da LRP: uma vez que a improcedência representa tão somente o afastamento dos óbices para que se dê prosseguimento ao pedido extrajudicial, e não necessariamente o registro da usucapião, a concordância parcial não prejudica o pedido, já que o prazo da prenotação é flexível e há possibilidade de cumprir com as exigências em qualquer fase do pedido, enquanto vigente a prenotação. Por tais razões, entendo que a presente dúvida não está prejudicada com a concordância do suscitado com relação a alguns óbices, sendo assim possível seu julgamento. Passo a análise dos óbices controversos. Conforme recentemente decidi no Proc. 1071425-03.2019.8.26.0100, ainda que a usucapião administrativa busque a simplificação do procedimento de reconhecimento da prescrição aquisitiva, não se pode ignorar que, em sendo procedente o pedido, está se declarando a perda de propriedade dos titulares de domínio. Por tal razão, em obediência ao contraditório e, especialmente evitando que determinada pessoa perca sua propriedade sem conhecimento, a notificação do proprietário tabular ou de seus herdeiros é essencial, exceto quando a hipótese prevista no caput do Art. 13 do Prov. 65/17 do CNJ esteja plenamente caracterizada. Deste modo, conforme a matrícula nº 84.428 (fls. 55/56), o proprietário tabular do imóvel usucapiendo é José Bonazza, casado com Lydia Mammini Bonazza, de modo que sua notificação (ou de seus herdeiros) é imprescindível, a menos que se demonstre a existência de justo título ou instrumento que demonstre a existência de relação jurídica com o titular registral, bem como prova de quitação das obrigações. Além disso, poderia ser dispensada a citação dos titulares se apresentado título que demonstre que houve alienação da propriedade, de modo que haja inequívoca prova de que os titulares não mais têm interesse no imóvel. Em tal situação, contudo, os adquirentes hão de ser notificados para ciência. O que não se pode aceitar é que, sem que haja prova da quitação e da existência de relação jurídica, o requerente pretenda dispensar qualquer notificação, sob pena de aceitar-se a prescrição aquisitiva sem qualquer participação ou manifestação de vontade, ainda que presumida, dos titulares do direito. Pela mesma razão, também é irrelevante a modalidade de usucapião para que se decida sobre a necessidade, ou não, de tais notificações. Assim, corretas as exigências 1 e 2 da nota devolutiva: deve o interessado requerer a notificação dos proprietários (ou herdeiros) ou, alternativamente, de eventuais adquirentes do imóvel por instrumento apto a tanto, devidamente comprovado. Com isso, não havendo qualquer documento que comprove a doação direta entre proprietários e Rodrigo Andrade Bonazza, a notificação somente deste último não é suficiente para suprir a exigência. Já quanto a exigência de certidões, esta existe para que se comprove a posse mansa e pacífica, sem existência de qualquer ação judicial cujo objeto seja o imóvel, o que inviabilizaria a usucapião. Deste modo, sendo Lydia esposa do proprietário tabular, certidão negativa em seu nome é necessária ao pedido, nos termos do Art. 4º, IV, b, do Prov. 65/17 do CNJ. Não se ignora a afirmação de que a certidão não pode ser obtida, pois inexistente CPF de Lydia. Ocorre que há outros meios de busca, com base no nome e filiação, disponibilizado pelos Tribunais para tais situações excepcionais. Caberá ao requerente, portanto, demonstrar que buscou outros meios para obtenção das certidões exigidas no provimento, não sendo suficiente a mera alegação de impossibilidade por desconhecer os número de seu CPF. Destarte, somente se efetivamente demonstrada a impossibilidade de obtenção das certidões, poderá o Oficial, em seu juízo de qualificação, dispensá-la, exigindo outros documentos que demonstrem “inexistência de ações que caracterizem oposição à posse do imóvel”, ou mesmo entender por tal inexistência com base, por exemplo, no tempo em que os titulares faleceram. De qualquer forma, não havendo efetiva comprovação da impossibilidade de obtenção das certidões, fica mantido o óbice, ressalvada a hipótese de novo pedido de dispensa, devidamente justificado com documentos, a ser oportunamente analisada pelo oficial com possibilidade de dúvida a esta Corregedoria, em caso de discordância com a decisão. Finalmente, o Oficial exigiu a apresentação de documentos que comprovem a posse por todo o período prescritivo, entendendo não ser suficientes os documentos apresentados. Ocorre que a comprovação da posse diz respeito ao próprio mérito do pedido e o Art. 4º, III, do Prov. 65/17 tem claro caráter exemplificativo: sendo requisito da usucapião a demonstração de posse contínua, cumpre ao requerente suprir o ônus de demonstrar a existência de tal fato, através dos documentos que entender aptos para tanto, incluindo declarações de testemunhas tomadas por tabelião de notas, dados constantes da ata notarial e outros documentos, como comprovantes de pagamento de impostos ou contas relativas ao imóvel. Em outras palavras, cumpre ao requerente fazer tal demonstração, cabendo ao Oficial, se entender necessário e no interesse de garantir a eficácia e utilidade do procedimento, exigir mais documentos ou realizar diligências, conforme autorizado no Art. 17 do Prov. 65/17. Tal exigência, contudo, não pode ser entendida como óbice intransponível ao seguimento do procedimento. É dizer que, informado pelo Oficial de que talvez não haja suficiência dos documentos comprobatórios da posse, pode o requerente optar por apresentar novas provas ou requerer diligências ou, se entender que os documentos são suficientes para o pedido, informar expressamente ao Oficial que dispensa a produção de novas provas, cabendo ao registrador, nesta hipótese, dar seguimento ao procedimento, com as respectivas notificações e outras etapas essenciais, se ainda não realizadas, julgando ao final o mérito do pedido com base nos documentos apresentados. Somente neste momento, ou seja, quando o Oficial der sua manifestação definitiva sobre o pedido, podendo entender inclusive pela insuficiência de documentos (Art. 17, §2º, Prov. 65/17), é que caberá manifestação desta Corregedoria se houver requerimento do interessado, nos termos do Art. 17, §5º, do citado provimento. Em suma, quanto ao último óbice relativo a nota devolutiva em análise nestes autos, manifesto-me apenas no sentido de que caberá ao requerente apresentar os documentos solicitados, requerer a realização de diligências (ou justificação administrativa) ou expressamente consignar que entende comprovada a posse, dispensando qualquer providência adicional para tal fim e requerendo o prosseguimento do pedido. Somente ao final, com a manifestação de mérito do Oficial, em caso de improcedência poderá ser suscitada dúvida para que esta Corregedoria analise se houve efetiva comprovação da posse e preenchimento de todos os requisitos necessários para a procedência do pedido. Do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Paulo Waldemar da Silva, mantendo os óbices apresentados, com observação quanto a forma de cumprimento do óbice relativo à comprovação da posse, nos termos acima Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C.. – ADV: VANDER JOSE DE MELO (OAB 102700/SP)

Fonte: INR Publicações

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