A atividade notarial e registral na perspectiva do usucapião administrativo – Por: Vitor Frederico Kümpel

* Vitor Frederico Kümpel

Na coluna de hoje trabalharemos a modalidade de Usucapião Administrativa instituída pela lei 11.977/2009, que adotou o Programa Minha Casa Minha Vida, em benefício da regularização fundiária no Brasil. O intuito é desenvolver a potencialidade das atividades notarial e registral na perspectiva do fenômeno da desjudicialização, em atendimento à EC 45 de 2004 com a reforma do Judiciário.

Somente na Justiça estadual paulista existem mais de 20 milhões de processos em andamento, em uma cultura de litigiosidade descontida e difusa. Frente a tal situação, as atividades Notarial e Registral surgem sob o viés da desjudicialização, bem como da jurisdição voluntária, na linha da prevenção de litígios e da administração pública dos interesses privados.

Nesse sentido, o Programa Minha Casa Minha Vida, em busca da celeridade prometida pelos métodos adequados de resolução de conflitos (sistema multiportas – o melhor método em cada caso), instituiu o usucapião administrativo a fim de desafogar as prateleiras do Judiciário de milhares de ações de usucapião, consequência do histórico nacional de ocupação irregular de terras. Trata-se de modalidade única no ordenamento brasileiro, instituída exclusivamente pela referida lei (PMCMV).

O programa estabeleceu, então, que o detentor do título de legitimação de posse, pode requerer ao oficial registrador de imóveis a conversão deste título em registro de propriedade por usucapião (usucapião especial), após a decorrência de cinco anos do registro da legitimação (art. 60). O propósito é regularizar a posse em assentamentos e facilitar a aquisição de unidades habitacionais pela população de baixa renda. Nesse sentido, a legitimação de posse e a usucapião atuam como instrumentos da concretização do direito social à moradia e do pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana, além do direito ao ambiente ecologicamente equilibrado (art. 46).

A legitimação de posse funda-se no princípio social da propriedade, bem como nas diretrizes gerais de política urbana (arts. 182 a 191 CF). Trata-se de questão extremamente complexa, que paira no cenário brasileiro desde a famosa Lei de Terras de D. Pedro II, lei 601 de 1850. Temos, portanto, na Legitimação de Posse um instituto verdadeiramente nacional, assim determinado no art. 5º da Lei de Terras "serão legitimadas as posses mansas e pacíficas adquiridas por ocupação primária, ou havidas de primeiro ocupante, que se acharem cultivadas ou com princípio de culturas, e moradia habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente (…)". Nesse sentido, podemos definir a legitimação de posse como a "exacração de ato administrativo, através do qual o poder público reconhece ao particular que trabalha na terra a sua condição de legitimidade; outorgando, ipso facto, o formal domínio pleno"1.

Ainda antes da vigência da lei 601/50, a lei 514 de 28 outubro de 1948, reportava-se a legitimações sem mencionar a espécie ou forma, autorizando a cobrança tributária sobre imóveis então legitimados. A lei imperial de terras foi efetivamente a primeira que se preocupou com a regularização fundiária e com a invasão de terras e autorizou a permanência nos imóveis decorrentes de concessões sesmariais. A circular 260 de 1863 mandou dar preferência aos posseiros cujas posses tivessem sido anuladas para adquirirem por compra as terras correspondentes, sendo esta a pedra basilar da estrutura jurídico-agrária implantada no Brasil. O tempo de posse necessário para a referida regularização era de cincos anos antes da medição, e, depois da mesma, pelo prazo de dez anos. Já na época, era indispensável a posse mansa e pacífica, a ocupação primária cultivada e a moradia habitual do posseiro ou preposto e, por fim, o não incurso em comisso. Essas mesmas bases foram mantidas pela lei 6383/76 e pela Lei do PMCMV, todas mantendo a mesma base relacional.

Assim, na atualidade, uma das grandes novidades da lei PMCMV foi a introdução da legitimação de posse no Sistema Registral brasileiro. O instituto foi introduzido no artigo 167, inciso I, itens 41 e 42, da Lei de Registros Públicos.

Nessa linha, a lei 11.977/2009, é a primeira a regulamentar especificamente o assunto em âmbito extrajudicial. Em termos procedimentais, atribuiu ao registrador a capacidade para emissão do documento de Legitimação da Posse, por meio do qual o Poder Público confere ao cidadão um justo título, que constitui direito ao possuidor (art. 59), em benefício da segurança jurídica de milhares de pessoas. Para tanto, temos os requisitos da usucapião especial (art. 183 CF), além da necessidade do imóvel fazer parte do procedimento de regularização fundiária de interesse social e de que o título de legitimação de posse seja registrado a mais de cinco anos.

Em 2011, a lei 12.424 alterou a lei 11.977 de 2009, estendendo a usucapião administrativa às áreas com mais de 250 m2 e facultando a conversão dos títulos em usucapião. Por conseguinte, os registros dos primeiro títulos de legitimação de posse são datados de 2011, logo, computado o prazo de cinco anos, os títulos poderão ser convertidos em domínio apenas em 2016.

Entendemos, dessa forma, que o usucapião via extrajudicial já via plenamente existente no Brasil e se mostra ainda viável, devido à menor complexidade da prova documental. As circunstâncias fáticas quanto à existência ou inexistência da situação possessória podem ser verificadas e demonstradas amplamente, pois se trata de uma prova predominantemente objetiva. Na verdade, o que ocorre é umajustificação material que gera a conversibilidade da posse em uma relação dominial, por meio do usucapião em decorrência da prévia legitimação de posse.

Temos, portanto, um procedimento menos complexo, que não exige a apreciação pelo magistrado. Contudo, o Judiciário não deixa de controlar, orientar e fiscalizar o procedimento do usucapião administrativo, tal como ocorre com a lei 11.441/2007.

Contudo, embora a lei PMCMV tenha privilegiado a via extrajudicial de resolução de conflitos, em momento algum mencionou a participação da figura do Tabelião de Notas na regularização fundiária. As tarefas de notificação dos proprietários e confrontantes e de promoção da tentativa de acordo entre impugnante e o Poder Público, foram atribuídas apenas ao Registrador Imobiliário. No mesmo sentido, o novo Código de Processo Civil, prevê o pedido de reconhecimento extrajudicial do usucapião diretamente ao Ofício de Registro de Imóveis, bastando, para tanto, o requerimento do interessado, representado por advogado e instruído apenas de ata notarial que ateste o tempo de posse do requerente.

No entanto, sob influência do exemplo português foi proposto no Brasil projeto de lei em que o procedimento é desenvolvido fundamentalmente pelo Tabelião de Notas. Em Portugal, o notário atua diretamente no usucapião administrativo por meio da lavratura da Escritura Pública de Justificação Notarial (embora o procedimento como um todo lá também seja gerido na Conservatória Imobiliária pelo registrador). A opção é justificada em torno da competência do tabelião para recepcionar a vontade das partes, expressando-as em termos jurídicos para o aperfeiçoamento e a segurança do ato pretendido. Ademais, como profissional do direito, o tabelião já é especializado na condução de atos de espécies semelhantes, como no caso, já exemplificado, dos inventários, partilhas, separações e divórcios consensuais.

Sob tal projeto, caberia ao tabelião dar início à legitimação de Posse, tutelando as primeiras declarações, bem como a justificação da posse e a lavratura da escritura declaratória de usucapião, a qual seria apresentada posteriormente ao Registrador Imobiliário. Assim, o Tabelião de Notas lavra a escritura declaratória em nome dos requerentes do usucapião, após a conferência da inexistência de matrícula ou transcrição anterior no Registro de Imóveis, da documentação completa para o exame preliminar e da ausência de manifestação de oposição. Caso haja impugnação, também caberia ao Tabelião a audiência de conciliação entre os interessados, e, em caso de acordo, faculta-se a lavratura da Escritura Pública Declaratória em nome dos requerentes. Temos, portanto, uma liturgia notarial que instrumentalizaria a mediação entre os interesses jurídicos, finalizando com a lavratura do acordo, mediante escritura pública.

Contudo, o projeto permaneceu estagnado, ganhando prestígio apenas a atuação registral para o procedimento do usucapião administrativo. Argumenta-se que o procedimento notarial atravancaria o processo.

Todavia, dentre as inúmeras possibilidades e maneiras de intervenção extrajudicial na questão, a ideia saudável é retirar da esfera exclusiva do Judiciário a questão da regularização de posse e usucapião. O que ocorre é um processo de desjudicialização, que, de modo algum, reduz o prestígio do judiciário, muito pelo contrário, é ganho mútuo a operadores e usuários da Justiça, pois confere seletividade à atuação do magistrado dentro de suas funções típicas.

Na verdade, em vista do sucesso do instituto, os esforços devem se deslocar ao aparelhamento das serventias extrajudiciais, com pessoal qualificado, tanto por meio do concurso de seleção dos oficiais, quanto pelo treinamento e capacitação dos profissionais. Nessa linha, reduziríamos ainda o subaproveitamento das atividades extrajudiciais, que são completamente aptas a atuar lado a lado do Judiciário, sob a hipótese da jurisdição voluntária.

O usucapião administrativo, muito embora sem a vertente notarial, é, hoje, fato consolidado no ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que a legislação de posse é conversível em propriedade em cumprimento à função socioeconômica ambiental. Ademais, o legislador foi arrojado ao autorizar à posse e à sua conversão o assento na tábula registral. É uma adaptação histórica antropológica da realidade social no sistema jurídico formal, em consonância com o fenômeno da inclusão social.

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1. Luiz de Lima Stefanini, A propriedade do Direito AgrárioSão Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.

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Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo, doutor em Direito pela USP e coordenador da pós-graduação em Direito Notarial e Registral Imobiliário na EPD – Escola Paulista de Direito.

Fonte: Migalhas | 27/05/2014.

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CNJ fará levantamento sobre 113 cartórios citados em investigação de fraudes contra a Previdência

As fraudes contra a Previdência Social causaram, desde 2003, prejuízos de cerca de R$ 4,5 bilhões, sendo R$ 118 milhões no ano passado. Em 90% dos casos, houve a utilização de documentos falsificados, entre eles certidões de registro civil. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com o Ministério da Previdência Social (MPS), fará levantamento sobre a atuação de 113 cartórios de nove estados, citados em investigação de uma força-tarefa federal. O assunto foi discutido na quarta-feira (28/5), em Brasília/DF, durante reunião da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), em que estiveram presentes diversas instituições.

A reunião teve a participação de entidades representativas dos cartórios, entre elas a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen/Brasil). Foram discutidas estratégias de prevenção de fraudes com documentos falsos, como, por exemplo, o compartilhamento de informações, a realização de campanhas educativas na mídia e a elaboração de cartilha com orientações sobre o combate a esse tipo de crime.

O encontro também definiu que o Ministério da Previdência vai encaminhar ao CNJ a relação de 113 cartórios situados nos estados de Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Piauí, Rio Grande do Norte e Tocantins. Eles são citados em investigações realizadas pela Força-Tarefa Previdenciária (FTP), que reúne o Ministério da Previdência Social (MPS), a Polícia Federal e o Ministério Público Federal. No CNJ, as informações sobre os cartórios serão analisadas pela Corregedoria Nacional de Justiça, responsável pelo controle administrativo dos serviços extrajudiciais.

Coordenação – O CNJ e o MPS respondem pela coordenação da Ação 12 da Enccla para este ano. Ela acompanha a implantação do Sistema Integrado de Informações de Registro Civil (SIRC) e discute o reforço da segurança do registro civil de pessoas naturais, inclusive o tardio. O Conselho é representado pela conselheira Luiza Cristina Frischeisen.

“O Ministério da Previdência vai trazer para o CNJ informações mais depuradas sobre fraudes para que, quando for o caso, sejam tomadas medidas do ponto de vista correcional”, afirmou a conselheira, ao lado do representante da pasta federal na Enccla, Marcelo Henrique de Ávila. 

Ele falou sobre a investigação da FTP. “Em um levantamento preliminar, ainda não foi possível identificar os casos em que restou comprovada a participação efetiva de membros desses cartórios, pois isso depende de um levantamento mais detalhado pela Polícia Federal, que tem acesso aos inquéritos policiais. No entanto, a título de exemplo, há casos em que, apesar de não ter havido a participação do cartório, foram utilizadas matrizes de documentos desse cartório, nos quais os fraudadores alteravam o nome da cidade e usaram essas certidões para cometer fraudes”, relatou o representante do MPS.

“No Ceará, em 2005, certidões de nascimento e de casamento foram apreendidas na residência de um dos alvos da Operação da FTP. As certidões estavam em branco, já assinadas, inclusive com o selo de autenticidade aposto. No Espírito Santo, especificamente, foram duas Operações que resultaram, em um dos casos, na condenação de um tabelião a 13 anos de prisão”, acrescentou Marcelo de Ávila.

Além da conselheira Luiza Cristina Frischeisen e de Marcelo de Ávila, participaram do encontro o secretário-geral adjunto do CNJ, Marivaldo Dantas de Araújo; o juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Marcelo Tossi; representantes da Polícia Federal, da Receita Federal e da Caixa Econômica Federal. A próxima reunião da Ação 12 da Enccla foi marcada para agosto.

Fonte: CNJ | 30/05/2014.

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Direito de advogado ingressar nos serviços notariais e de registro não pode violar ordem constitucional

APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – LIVRE INGRESSO DO ADVOGADO EM SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO – DEVASSA NOS ARQUIVOS DA SERVENTIA – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE – DENEGAÇÃO DA ORDEM – RECURSO NÃO PROVIDO

– Conquanto inegável o direito do advogado de ingressar livremente nos serviços notariais e de registro, não pode ser extremado a ponto de violar o princípio da razoabilidade, de ordem constitucional e, em última instância, violar a própria finalidade da lei.

Apelação Cível nº 1.0188.12.008743-5/002 – Comarca de Nova Lima – Apelante: Antônio de Moura Nunes Neto – Apelada: Escrevente Substituta do Cartório de Registro de Imóveis de Nova Lima, Melila Barroso Ribeiro – Relator: Des. José Flávio de Almeida

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 9 de abril de 2014. – José Flávio de Almeida – Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. JOSÉ FLÁVIO DE ALMEIDA – Antônio de Moura Nunes Neto apela da sentença (f. 69/72) destes autos de mandado de segurança impetrado contra ato praticado pela Escrevente Substituta do Cartório de Registro de Imóveis de Nova Lima, Melila Barroso Ribeiro, que concluiu:

"[…] com fulcro no art. 269, inciso I, do CPC, denego a segurança pleiteada, tendo em vista a ausência de direito líquido e certo do impetrante e de ato abusivo da autoridade" (f. 72).

O apelante (f. 74/81) alega que, "às 12h59min do dia 28.08.2012, [esteve] na serventia e [deixou] de ser atendido no justo e legal pedido apresentado à Oficiala coatora, ora apelada […]. [Retornou] ao Cartório, em companhia do agente militar, tendo este policial descrito no BO que ouviu a Oficiala substituta dizer que não permitia que “qualquer pessoa [adentrasse] nas dependências do Cartório”, negando-me o reiterado direito de acesso aos livros registrais, sob a risível assertiva de ser a serventia “instituição privada” – em clara demonstração de que, com o advento da CF/88, os serviços notariais e de registro são função pública, exercida apenas em caráter privado, por delegação do Poder Público" (f. 75/76). Assinala que "não se pode criar um óbice ao exercício profissional do advogado, denegando um justo pedido, amparado em lei, quando o causídico apenas postula o direito de exercer uma garantia do seu múnus" (f. 80). Defende que, "ao denegar a segurança, com o consequente indeferimento do cristalino, consagrado e singelo direito de acesso e de consulta ao advogado nas serventias cartorárias, a sua ilustre Prolatora não se houve com o costumeiro e reconhecido acerto" (f. 81). Pede o provimento do recurso para concessão dos "pedidos descritos na peça exordial (itens 6.1 e 6.2), bem como os demais constantes da peça pórtica, condenando-se a apelada no pagamento dos ônus sucumbenciais de estilo" (f. 81).

Recurso com preparo pago (f. 82/83) e resposta pela manutenção da sentença (f. 86/92).

O ilustre Procurador de Justiça, Dr. Luiz Fernando Dalle Varela, opina "pelo desprovimento do recurso" (f. 102/106).

Peço dia.

Conheço do recurso, porque estão presentes os pressupostos de admissibilidade.

O inciso LXIX do art. 5º da Constituição da República viabiliza a concessão de mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

Como decorrência da norma constitucional, o art. 1º da Lei 12.016/2009 prevê:

¡°Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça”.

A irresignação do apelante, em síntese, encontra-se consubstanciada no fato de que teria havido violação ao disposto no art. 7º, VI, b, da Lei 8.906/94, que confere aos advogados a prerrogativa de entrar nas salas e dependências dos serviços notariais e de registro para colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional.

Muito embora não se desconheça que constitui direito do advogado ingressar livremente em edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, o exercício de tal direito não deve ocorrer de forma abusiva, sem disciplina ou ordem e segurança.

O pedido com fundamento nesse alegado direito deve ser balizado na razoabilidade, sob pena de violar a finalidade da própria lei.

Celso Antônio Bandeira de Melo pontifica:

"É óbvio que uma providência administrativa desarrazoada, incapaz de passar com sucesso pelo crivo da razoabilidade, não pode ser conforme a finalidade da lei. Donde, se padecer deste defeito, será, necessariamente, violadora do princípio da finalidade. Isto equivale a dizer que será ilegítima, conforme visto, pois a finalidade integra a própria lei. Em conseqüência será anulável pelo Poder Judiciário, a instância do interessado" (Curso de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 55).

No mesmo sentido, Theotonio Negrão e José Roberto Gouvêa anotam:

¡°Não constitui nenhuma ilegalidade `a restrição de acesso dos advogados e das respectivas partes além do balcão destinado ao atendimento, observados, contudo, o direito livre e irrestrito aos autos, papéis e documentos específicos, inerentes ao mandato. Disciplinar a forma de acesso aos autos e papéis não é cercear o exercício do direito” (STJ – 1ª T. – RMS 1.686-9/SC – Rel. Min. Garcia Vieira – j. em 08.09.93 – negaram provimento, maioria – DJU de 18.10.93, p. 21.836).

O direito de ingresso é livre, porém não sem limite; ao advogado não se outorgou “uma irrestrita incursão pelo recinto da serventia, com consulta livre e direta aos papéis e autos ali conservados”, embora tenha direito ao “irrestrito exame dos documentos respeitantes às suas causas”, em dependência própria e digna, que lhe seja reservada no cartório” (RJTJESP 104/342). (Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 39. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1.189).

O egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul adota o seguinte entendimento:

"Acesso a estabelecimentos públicos ou judiciais, garantido aos advogados pelo novo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – Lei Federal nº 8.906/94. Direito, entretanto, que não é absoluto, cabendo restrições de ordem excepcional e temporária. O direito de livre ingresso dos advogados aos estabelecimentos elencados no art. 7º, incisos III e IV, do Estatuto da Ordem dos Advogados – Lei nº 8.906/94 – não é absoluto, estando condicionado a certas circunstâncias de tempo, lugar e situações excepcionais. Assim, quando necessária a proteção de interesses de ordem pública, bem como a preservação da própria integridade física dos advogados, sua limitação revela-se plausível. Ato da autoridade apontada coatora que não revela ilegalidade, arbitrariedade ou abuso de poder. Apelação desprovida” (Apelação Cível nº 598582229 – Terceira Câmara Cível – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Relator: Des. Luiz Ari Azambuja Ramos – j. em 11.03.1999).

No caso posto em julgamento, o apelante pleiteia o acesso franqueado às dependências do Cartório de Registro de Imóveis de Nova Lima e a consulta indiscriminada de seus registros, sob o único e isolado argumento de que o acesso é permitido ao advogado regularmente inscrito na OAB.

Ora, a sua pretensão, nos exatos termos em que deduzida, transborda o limite do razoável, haja vista que as suas consequências configuram verdadeira devassa no registro de imóveis, diante do número indiscriminado de documentos a que pretende ter acesso, o que pode implicar centenas, talvez milhares de documentos, o que excede de sua militância na advocacia.

À semelhança do que ocorre nestes autos, apreende-se do art. 44 da Lei 5.010/1966 que tampouco os serventuários da Justiça poderão ter acesso às informações cartorárias, ausente ordem judicial específica e delimitada para o ato. Confira-se:

"Processual civil e tributário. Execução fiscal. Penhora. Pedido para que oficiais de justiça tivessem acesso a registros, livros e documentos bancários do devedor. Constrição de valores porventura encontrados. Ordem judicial inespecífica não autorizada pela lei (Lei 5.010/66, art. 44). – A teor do disposto no art. 44 da Lei 5.010/66, não é cabível a expedição de ordem judicial inespecífica, para que oficiais de justiça tenham acesso aos registros imobiliários, livros e documentos bancários de empresa devedora, a fim de garantir a constrição judicial de valores porventura encontrados, em favor de autarquia federal. – Recurso improvido" (STJ – REsp 399.620/SC – Relator: Ministro Garcia Vieira – Primeira Turma – julgado em 14.05.2002 – DJ de 17.06.2002, p. 216).

Em resumo, conquanto inegável o direito do advogado de ingressar livremente nos serviços notariais e de registro, não pode ser extremado a ponto de violar o princípio da razoabilidade, de ordem constitucional e, em última instância, violar a própria finalidade da lei.

No parecer ministerial (f. 102/106), o douto Procurador de Justiça, Dr. Luiz Fernando Dalle Varela, consigna:

"No caso dos autos, a documentação apresentada pelo impetrante não é suficiente para lastrear uma conclusão segura e definitiva no sentido da ilegalidade do ato praticado pela autoridade impetrada.

O direito de acesso do advogado nos serviços notariais deve ser combinado com medidas preventivas de defesa da incolumidade dos Livros do Cartório de Registro de Imóveis.

Com efeito, deve ser assegurado o regular funcionamento e a segurança do serviço notarial e de registro, cabendo ao apelado adotar as medidas necessárias ao cumprimento de seu mister, em obséquio da segurança e conservação dos Livros do Cartório, desde que atendidos os princípios norteadores da atividade administrativa, especialmente os da legalidade, impessoalidade e da razoabilidade.

De fato, além do elemento meramente formal, faz-se também necessária a análise da questão sob o prisma do interesse público a ser atendido.

Claro que o princípio da legalidade é basilar para a atuação administrativa, porém encartados no ordenamento jurídico estão outros princípios que também devem ser respeitados pelo administrador, como, por exemplo, o da eficiência e o da razoabilidade.

No caso sob exame, conforme asseverou a culta Magistrada de 1º grau, permanece garantida a segurança dos registros e o bom andamento do trabalho cartorário, e, de outro, fica resguardado o acesso e a obtenção das informações pretendidas, visto que a publicidade dos documentos está assegurada através de expedição de certidões.

Ante o exposto, é o Ministério Público pelo desprovimento do recurso" (f. 105/106).

Pelo exposto, nego provimento à apelação e condeno o apelante ao pagamento das custas recursais.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Alvimar de Ávila e Saldanha da Fonseca.

Súmula – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Fonte: Recivil – TJ/MG.

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