Encomenda de filho

Por Jones Figueirêdo Alves

A busca do filho, por meios não naturais, encontra o caminho dos avanços da tecnologia, mediante técnicas de reprodução assistida, que faz também encontrar "novas famílias". Tal sucede nos casos da mulher solteira, em produção independente, que obtém esperma de doador desconhecido (famílias monoparentais), e de casais homoafetivos, obtendo gametas em doação (famílias de dois pais ou duas mães).

Decisão da Corte Européia de Direitos Humanos, em 03/11/11, admitiu legitima a proibição, por seus países membros, de doação de sêmen e óvulos para a fertilização in vitro; frustrando a expectativa de muitos casais inférteis. Não obstante julgamento contrário (abril/10) de uma de suas Câmaras. Em outra latitude, reconheceu, porém, que cabe a cada Estado legislar sobre a matéria, devolvendo aos países membros o poder-dever de revisões legislativas que aperfeiçoem as leis sobre reprodução assistida.

No Brasil, onde inexiste estatuto legal de reprodução medicamente assistida, a recente resolução 2.013/13, do Conselho Federal de Medicina, – publicada no DOU, de 9/5/13 – adota normas éticas para a utilização das técnicas de RMA, como disposições deontológicas a serem seguidas pela classe médica. Ali a doação de gametas é admitida, sempre sem caráter lucrativo ou comercial, e sem identificação recíproca entre doadores e receptores, ante a obrigatoriedade do sigilo pessoal da identidade dos envolvidos (cláusula IV, itens 1 e 2). A mesma resolução torna "permitido o uso das técnicas de RMA para relacionamentos homoafetivos e pessoas solteiras, respeitado o direito da objeção de consciência do médico." (cláusula II, ítem 2).

De saída, tem-se considerar, então, que novos filhos serão obtidos de uma aplicação específica das imensas possibilidades apresentadas pela medicina reprodutiva. É certo que "esses recursos, positivamente considerados excepcionais, devam ser acessíveis somente quando o emprego de tais técnicas seja o instrumento inevitável ou que seja muito útil ao desenvolvimento da pessoa" (Pietro Perlingieri, 2000).

No ponto, a saber dos muitos arranjos de experimentação reprodutiva, tenha-se presente a hipótese, então, da encomenda de filho por casal homoafetivo, onde os dois pretendidos pais elaboram projeto parental do filho, mediante a doação de óvulo e a gestação de substituição, figurando o envolvimento, portanto, de duas mulheres: a mãe de gestação (biológica) e a mãe genética (doadora de óvulo). Aqui, não importa discutir a diretiva de presunção jurídica de filiação.

Interessa observar que a lei não oferece resposta jurídica adequada quanto a uma aplicação distorcida ou desconforme de tais técnicas, com rupturas bioéticas a contemplar situações atípicas ou inusitadas.

Pois bem. Convoca-se a essa hipótese, o aparato novelesco dos personagens Niko, Eron e Amarilis; os primeiros formando um casal homoafetivo e a última, figurando como amiga comum daqueles ("Amor à Vida"). Na trama da novela, todos os elementos fáticos contrariam as normas da reportada resolução 2.013/13 do Conselho Federal de Medicina.

Bastante assinalar que (i) doadoras temporárias do útero, à gestação de substituição, devem pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau (VII, ítem 1); (ii) inadmissível uma inseminação artificial mista, confusa ou combinada, cuja prática consiste no emprego de coquetel de sêmen, combinação seminal de sêmen do marido e de terceiro(s) ou de dois parceiros, havida por amoral por consenso de geneticistas e juristas.

Mas não é só:

(iii) Quando o personagem Amarilis resolve utilizar seu próprio óvulo, desconstitui-se, em bom rigor, a gestação por outrem, porque ela mesma torna-se, nesse caso, genitora genética e mãe geratriz, impondo-se a si mesma uma maternidade plena (maternidade binária ou dual). Em menos palavras, ela estaria gerando o seu filho para uma adoção. Isto porque não é permitido que a mulher que sub-roga seu útero, use o seu óvulo à concepção programada.

Em outra vertente, quando aquele mesmo personagem (Amarilis) resolve envolver-se com um dos pretendidos pais (Eron), admite-se a formação de um casal convencional, como pai e mãe do filho pretendido (família biparental) em detrimento ao projeto intentado pelo outro par (Eron/Niko). Tal situação foi tratada no filme "Minhas Mães e Meu Pai" ("The Kids are all right", 2010), onde um casal de lésbicas tem dois filhos adolescentes, concebidos por inseminação artificial, vindo um deles, Laser, procurar seu pai biológico (doador do sêmen) e ao encontrá-lo, este termina por se envolver com uma das mães. Em discussão, as figurações múltiplas e concomitantes de filiação (biológica e socioafetiva).

Diante de tal cenário, em novela e na vida, cumpre lembrar o famoso "Caso Baby M.", onde a mãe portadora e genética pretendeu anular o contrato "mediante o qual se obrigava a entregar a criança gerada ao pai biológico e a consentir na adoção pela mulher do pai biológico". A Suprema Corte de New Jersey, ao confirmar (1988) a decisão do tribunal de 1ª instância, ponderou pela prioridade dos interesses da criança, que na hipótese, admitiu-os protegidos pela ligação afetiva revelada ao pai e à sua mulher, não cuidando de avaliar os fundamentos éticos e psicológicos da mãe genética para descumprir o contrato.

Segue-se pensar uma eventual disputa de guarda, envolvendo os personagens da novela (Amarilis vs. Eron/Niko ou Amarilis/Eron vs. Niko).

No primeiro caso, a recusa da suposta mãe substitutiva, por pressuposto de unicamente hospedeira (sem doação de seu material genético) à entrega da criança gestada, implica em incumprimento do contrato, com lesão à boa-fé dos encomendantes do projeto parental, pela reserva mental do uso do próprio óvulo. Insere-se, na controvérsia, um contexto de fraude, face uma aparente gravidez por outrem. Afinal, a maternidade de substituição representa, às expressas, uma variante eloquente da inseminação artificial heteróloga, importando considerar que a cedente do útero, mesmo com seu material genético, faz a cessão para um projeto parental de terceiros.

No segundo caso, mãe e pai em constituindo um novo casal (convencional) preferem a uma adoção singular (pai único), quando os parceiros separados e encomendantes possuem idênticos direitos ao filho encomendado? Haverá, por certo, de atender-se ao melhor interesse da criança, tutela máxima e absoluta.

Resta, portanto, concluir que as ficções jurídicas da filiação transcendem os sistemas clássicos, sem o determinismo biológico e com a conformação de novas interpretações, que se extraem, inclusive, de fatores culturais e afetivos. A família preexiste à ordem jurídica cuja interpretação deverá sempre dignificar seus personagens, vivos ou idealizados em novela.

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* Jones Figueirêdo Alves é diretor nacional do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família e coordena a Comissão de Magistratura de Família.

Fonte: Migalhas.

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Ação negatória de paternidade não é aceita pelo STJ após ausência de suposto pai ao exame de DNA

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu,  no dia 24 de julho, que não é possível relativizar a coisa julgada para afastar, em ação negatória, a paternidade declarada em decisão já transitada em julgado.Esta decisão foi tomada  diante de recurso interposto pelo Ministério Público de Santa Catarina contra decisão do tribunal local, que permitiu a um suposto pai apresentar prova pericial em nova ação. Por  maioria de votos,   os desembargadores entenderam  que a relativização é possível em" casos excepcionalíssimos" , que não é o do recurso.

Para o desembargador Raduan Miguel Filho, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família de Rondônia, a decisão é interessante ao reconhecer que a falta do interessado à perícia médico-legal (exame de DNA) tem o mesmo efeito de recusa.

No caso, o homem ajuizou ação negatória de paternidade em 2006, quando já havia decisão transitada em julgado declarando a paternidade. Essa decisão foi baseada em prova testemunhal, tendo em vista que réu se mudou para os Estados Unidos, sem cumprir a intimação para realização do exame de DNA que ele concordou em fazer. Para a Quarta Turma do STJ, mesmo diante de eventual erro, deve-se prestigiar, no caso, a segurança jurídica.

A relativização da coisa julgada em ações de investigação de paternidade tem sido admitida, segundo Raduan Filho, nas situações em que a não realização do exame de DNA ocorre por fatores alheios à vontade dos interessados.“Esse raciocínio esposado na referida decisão, embora possa parecer inédita no âmbito do STJ, já vinha tendo acolhida por muitos magistrados e sempre em nome de uma tranquilidade jurídica espelhada pelo trânsito em julgado”, garante .

Segundo o desembargador,  o fato de o pai não comparecer para fazer o exame de DNA não prejudica a busca da verdade real, entendimento já consolidado pelo STJ, com a Súmula 301. E disse que “empresta presunção legítima da paternidade quando o pretenso pai se recusa a submeter-se  ao exame de DNA. Com isso, não se está prejudicando a verdade real, mas ao contrário, pela recusa, agora com esse entendimento também manifestada pelo abandono da causa, enseja a presunção referida na Súmula".

Ele entende que  a decisão é incomum e, com base nesta recente interpretação do STJ, é possível  que os juizes analisem de forma diferente a relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade. “Veja que foi disponibilizado ao pretenso pai a realização do exame de DNA, que inclusive foi por ele aceito, mas não o fez porque mudou-se para outro país e o magistrado, então, julgou o feito com as provas existentes nos autos; o exame não se realizou por ato de vontade do pai, aplicando-se, assim, os ensinamentos da Súmula 301”, ressaltou.

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM | 25/07/2013.

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Filho fora do casamento justifica separação mas não implica dano moral

A motivação para o fim de um casamento nada mais opera senão a indicação da inviabilidade de convívio entre marido e mulher. Com este raciocínio, a 1ª Câmara Civil do TJ negou pleito de indenização por danos morais formulado por esposa contra o ex-marido, em razão de um filho que ele teve com outra mulher na vigência do matrimônio.

A ação buscava a separação judicial, obtida, assim como a partilha de bens, porém com marco inicial anterior ao período do casamento – a mulher garantiu que houve união estável um ano antes das bodas. Este pedido também não foi acolhido, por conta da ausência das características inerentes ao instituto da união estável. 

A câmara observou que, de 1999 a 2006, as partes viveram em casas separadas, até mesmo em cidades diferentes, e somente a partir do ano de 2006, quando oficializado o casamento, costumavam passar os finais de semana juntos na residência adquirida em praia do litoral catarinense.

Os magistrados disseram que, na realidade, os litigantes mantiveram, antes do casamento, relacionamento característico de namoro. Reconheceram que a proximidade física e afetiva e o auxílio financeiro entre eles não se traduz por si em intenção de vida em comum. 

"Não fosse assim, qualquer relação pública e duradoura de namoro se confundiria com união estável", distinguiu a desembargadora substituta Denise de Souza Luiz Francoski, relatora da apelação.

A magistrada salientou a necessidade de o objetivo de constituir família estar claramente configurado, não bastando a expectativa de constituir família no futuro. "É natural que se tenha tal expectativa em um relacionamento amoroso", encerrou. A decisão foi unânime e manteve sentença de primeiro grau.

Fonte: TJSC | 15/07/2013.

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