Filiações plurais

* Jones Figueirêdo Alves

Cada família tem seu direito de família, diria Carbonnier (“a chaque famille son droit”), indicando que o direito de família não pode ser feito por normas fechadas, exigindo-se que doutrina e jurisprudência se adicionem em visão aberta que enxergue a família em seu “locus” de realizações pessoais e digna, portanto, de compreensões metajurídicas.

Assim, parentalidades são diversas, consolidadas pelo sangue (bio), pela consanguinidade com afeto (bioafetiva) e pelo trato, fama e nome, como a posse de estado de filho (socioafetiva); todas elas importando seus vínculos, o reconhecimento jurídico das situações fáticas e legais e, sobremodo, atendidas as relações entre pais e filhos como fenômenos parentais que transcendem os normativos atuais por existirem, antes de mais, como verdades concretas de realidade vividas e fundadas no valor afeto como bem jurídico.

Bem é certo diferentes a “verdade do sangue” e a “verdade do coração”, que são verdades que funcionalizam a filiação, conforme Marie-Thèrese Meldeurs em seu pioneiro artigo sobre os novos fundamentos do conceito de filiação (1972).

Impende, daí, considerar distintas (i) as filiações apenas biológicas, (ii) as filiações bioafetivas concomitantes (vínculo biológico + afetividade) e (iii) as filiações socioafetivas ocorrentes, estas últimas predominantes ou não. As primeiras estão na mera genitura, sem a função paterna exercida. Genitor é apenas quem procria. Pai é algo que acrescenta nas relações de vida.

Sucede, então, cogitar sobre a multiparentalidade quando é de admitir-se, em situações pontuais, coexistentes a parentalidade socioafetiva e a biológica (filiações plurais). Cuida-se da teoria tridimensional da filiação, em seus critérios bio-afeto-ontológicos, reconhecidos presentes a um só tempo.

A lei não oferece conceitos jurídicos de paternidade/maternidade, sequer constrói os seus estatutos próprios. Mas ao tratar da parentalidade, cuida defini-la em seu amplo espectro, dispondo o artigo 1.593 do Código Civil que “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem”.

Pois bem. A parentalidade socioafetiva como modalidade de parentesco civil, sob a cláusula “outra origem”, adicionada pelo novo Código (para além dos casos de adoção) não é apenas criação jurídica da lei. Antes, recepciona a lei as situações fáticas e variadas que plasmam espécies de parentalidades, como representações suficientes de pais e filhos, que assumem-se, recíproca e conscientemente, por afeição, como se pais e filhos fossem, inexistente o “jus sanguinis”. Nessa toada, tais parentalidades consolidadas são reconhecidas e merecem amparo jurídico.

De fato, uma nova ordem jurídica coloca-se ao encontro das situações parentais mais diversas, onde a família apresenta-se como “a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa.” Esse conceito de família, o primeiro que se conhece ofertado pelo ordenamento jurídico nacional é o contido na lei 11.340/06 (artigo 5º, II) e no ponto, faz acrescentar o elemento da “vontade expressa” como novo liame familiar-parental, no plano civil. Esse significante tem sua precisão cirúrgica, definindo outros vínculos que não os meramente biológicos.

Sobrevém situações de fato que, inexoravelmente, estão a reclamar a multiparentalidade, em seus devidos efeitos jurídicos, à luz dos dispositivos legais existentes (artigo 1.593, CC; lei 11.340, artigo 5º, II), conforme as variantes de cada situação concreta. Vejamos hipóteses:

(i) A indução a erro daquele que registra suposto filho, sob a crença de ser o pai biológico por si só não pode macular o vinculo socioafetivo do pai registral, consolidado ao longo do tempo; a tanto permiti-lo defende-lo frente ao pai biológico quando este ciente da condição que lhe tenha sido até então sonegada;

(ii) Mesmo na ausência de ascendência genética, o registro realizado de forma consciente, consolida a filiação socioafetiva. Essa circunstância opera-se quando o companheiro da mãe solteira registra o filho trazido por ela. Essa relação de fato deve ser reconhecida e amparada juridicamente. “Isso porque a parentalidade que nasce de uma decisão espontânea, deve ter guarida no Direito de Família” (STJ – 3ª turma, RESp. 1.259.460-SP. Rel.Min. Nancy Andrighi, j. em 19/6/12);

(iii) Filiações ectogenéticas, na espécie dos filhos havidos por inseminação artificial heteróloga, onde por ficção legal é genitor o marido da mulher (artigo 1.597, inciso V; do Código Civil), configuram este também como pai socioafetivo. Ao pai biológico (dador do esperma), a multiparentalidade pode ocorrer quando em face do reconhecimento da identidade genética por direito personalíssimo do filho, ocorram relações parentais também afetivas.

(iv) Posse errada de filho (troca de recém-nascidos), apurada ao depois, onde a filiação socioafetiva consolidada não cede e não haverá de prejudicar a biológica.

A família multiparental, formada por filiações plurais, já existe na jurisdição prestada. São significativos os julgados:

(i) 11/2011: a juíza Deisy Cristhian Lorena de Oliveira Ferraz, da 1ª Vara Cível da Comarca de Ariquemes, em Rondônia, declarou a dupla paternidade admitindo em registro o pai biológico que passou a se relacionar com a filha adolescente, mantendo o do pai registral e socioafetivo (Proc. nº 0012530-95.2010.8.22.0002),

(ii) 10/2012: Acórdão da 1ªCâmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça, onde Relator o des. Alcides Leopoldo e Silva Jr., determinou o registro de um jovem com os nomes de seu pai biológico, de sua mãe biológica e de sua madrasta, como mãe socioafetiva (AC 0006422-26.2011.8.26.0286; DJESP 11/10/2012).

(iii) 08/2013: decisão da juíza Carine Labres, da Comarca de São Francisco de Assis (RS) admitiu pedido da madrasta e das crianças enteadas, em ação declaratória de maternidade, sem excluir o nome da mãe biológica do registro.

Bem de ver dos julgados que a multiparentalidade tem sido admitida, para todos os fins legais, podendo ser concomitante ou sucessiva, mas em todos os casos voluntária e não imposta.

Lado outro, a 4ª turma do STJ definiu no voto do ministro relator Luís Felipe Salomão que a filiação socioafetiva desenvolvida com os pais registrais não afasta os direitos do filho resultantes da filiação biológica: certo que “a paternidade biológica gera, necessariamente, uma responsabilidade não evanescente”.

Parentalidade múltipla, em todos os ditames, é espiritual, antes de jurídica, no melhor sentido canônico, como a de José, marido de Maria, que teve como filho socioafetivo o próprio filho de Deus. Por isso mesmo, Pai é aquele que se a(pai)xona.

Disso é feita a multiparentalidade, pela fortuna de espirito de quem possui, por dádiva de vida, mais de um pai ou uma mãe. Direitos sucessórios de ambos? Sim, porque essa fortuna será sempre menor que aquela. Afinal, quem herda do procriador (herança de sangue, sem afeto), por lógica jurídica pode cumular heranças dos pais, cujos vínculos maiores da bioafeição e socioafeição o tornaram mais afortunado.

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* Jones Figueirêdo Alves é desembargador decano do TJ/PE, diretor nacional do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família ecoordena a Comissão de Magistratura de Família.

Fonte: Migalhas I 01/10/2013.

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STJ: Selic ou não Selic, eis a questão

Responsável pela estabilização da jurisprudência infraconstitucional, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) retomou a discussão de uma questão controversa que já foi debatida diversas vezes em seus órgãos fracionários: a aplicação da taxa Selic nas indenizações civis estabelecidas judicialmente. 

Na prática, a controvérsia afetada à Corte Especial pela Quarta Turma diz respeito ao artigo 406 do Código Civil (CC) de 2002, que dispõe que, quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. 

O problema é que existem duas correntes opostas sobre qual taxa seria essa, o que vem impedindo um entendimento uniforme sobre a questão. 

Em precedentes relatados pela ministra Denise Arruda (REsp 830.189) e pelo ministro Francisco Falcão (REsp 814.157), a Primeira Turma do STJ entendeu que a taxa em vigor para o cálculo dos juros moratórios previstos no artigo 406 do CC é de 1% ao mês, nos termos do que dispõe o artigo 161, parágrafo 1º, do Código Tributário Nacional (CTN), sem prejuízo da incidência da correção monetária. 

Em precedentes relatados pelos ministros Teori Zavascki (REsp 710.385) e Luiz Fux (REsp 883.114), a mesma Primeira Turma decidiu que a taxa em vigor para o cálculo dos juros moratórios previstos no artigo 406 do CC é a Selic. 

A opção pela taxa Selic tem prevalecido nas decisões proferidas pelo STJ, como no julgamento do REsp 865.363, quando a Quarta Turma reformou o índice de atualização de indenização por danos morais devida à sogra e aos filhos de homem morto em atropelamento, que inicialmente seria de 1% ao mês, para adotar a correção pela Selic. 

Também no REsp 938.564, a Turma aplicou a Selic à indenização por danos materiais e morais devida a um homem que perdeu a esposa em acidente fatal ocorrido em hotel onde passavam lua de mel. 

Caso afetado

No caso específico (REsp 1.081.149) afetado à Corte Especial e relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, uma mulher ajuizou ação declaratória de inexistência de dívida com pedido de indenização por dano moral, contra a Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros Gomes Freitas. 

Segundo os autos, a autora teve seus documentos pessoais falsificados, registrou boletim de ocorrência policial e cautelarmente incluiu nos cadastros da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) a informação "documento clonado", ao lado de seu nome. Mesmo assim, a empresa determinou a inscrição de seu nome em cadastros de inadimplentes, em razão de dívida contraída por terceiros valendo-se da documentação falsificada. 

O juízo de direito da 14ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre julgou os pedidos procedentes. Reconheceu a inexistência da dívida, determinou o cancelamento da inscrição indevida e condenou a companhia ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3.800, atualizada pelo IGP-M e juros de 12% ao ano. 

Em grau de apelação, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu parcial provimento ao recurso da autora para elevar a indenização a R$ 7 mil, fazendo incidir correção monetária e juros moratórios somente a partir da data daquele arbitramento. 

A autora recorreu ao STJ, sustentando que os juros moratórios e a correção monetária advindos de relação extracontratual devem incidir a partir do evento danoso (Súmulas 43 e 54 do STJ) e não do arbitramento da indenização. 

O julgamento do recurso foi interrompido por pedido de vista antecipada formulado pelo ministro João Otávio de Noronha. Ele entende que a questão deve ser previamente analisada pela Segunda Seção – especializada em direito privado – e não diretamente pela Corte Especial. 

Oportunidade

Para o ministro Luis Felipe Salomão, o julgamento desse caso é a oportunidade para o STJ consolidar entendimentos sobre a incidência da taxa de juros moratórios em dívidas civis (artigo 406 do CC), o momento inicial para sua fluência e a exata delimitação do que seja responsabilidade contratual e extracontratual para efeitos de incidência de juros e correção monetária. Para ele, é importante adequar os verbetes sumulares e os precedentes da Corte. 

A jurisprudência do marco inicial de incidência dos juros moratórios em responsabilidade extracontratual já está pacificada pela Súmula 54, que determina: "Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual." 

A incidência de correção monetária na indenização por danos morais está pacificada pela Súmula 362: "A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento." 

Isso significa que os juros moratórios e a correção monetária decorrentes de responsabilidade extracontratual fluem a partir de momentos diversos – os juros moratórios a partir do evento danoso, e a correção monetária, em caso de dano moral, a partir do arbitramento do valor da indenização. 

No caso de responsabilidade civil contratual, a jurisprudência determina a incidência de juros a partir da citação ou do vencimento da dívida, conforme inúmeros precedentes julgados pela Corte Superior, entre eles o REsp 1.257.846, relatado pelo ministro Sidnei Beneti, e o REsp 1.078.753, relatado pelo ministro João Otávio de Noronha. 

Controvérsia

A controvérsia que ainda não foi harmonizada pelo STJ não envolve o momento, mas o percentual que deve ser aplicado para efeito de correção da dívida. Em embargos relatados pelo ministro Teori Zavascki (EREsp 727.842), a Corte Especial firmou orientação no sentido de que "atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere artigo 406 do CC é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic), por ser ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais". 

Posteriormente, também ficou consignado que "apesar de a Selic englobar juros moratórios e correção monetária, não se verificabis in idem, pois sua aplicação é condicionada à não-incidência de quaisquer outros índices de correção monetária". 

E é justamente nesse contexto que gira a controvérsia. Para o ministro Luis Felipe Salomão, já que a taxa Selic engloba juros moratórios e correção monetária em sua formação, sua incidência em dívidas civis pressupõe a fluência simultânea de juros e correção, fato que não ocorre em indenizações civis (Súmulas 54 e 362). 

Assim, defende o ministro, é necessário harmonizar a aplicação da Selic com as Súmulas 54 e 362 do STJ, que estabelecem a contagem de juros e de correção monetária em períodos distintos.

Tese

Luis Felipe Salomão reconhece que a taxa em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional é a Selic, mas entende que sua aplicação em dívidas civis não constitui “diretriz peremptória incontornável prevista no Código Civil”, sendo apenas um parâmetro a ser adotado na falta de outro específico previsto para determinada relação jurídica, como, por exemplo, o que há para dívidas condominiais (artigo 1.335, parágrafo 1º, do CC). 

“Não obstante, parece claro que o artigo 406 do CC não encerra preceito de caráter cogente, tanto é assim que confere prevalência às estipulações contratuais acerca dos juros moratórios (‘quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada’) e a estipulações legais específicas, deixando expressa a subsidiariedade da incidência dessa taxa”, ressalta o ministro. 

Mesmo discordando da aplicação da Selic em indenizações civis, ele consignou em seu voto ter aplicado tal entendimento em julgamento ocorrido na Segunda Seção para evitar o “pernicioso dissídio jurisprudencial interno”, mas ressalvou sua posição contrária à “aplicação indiscriminada da Selic”. 

Proposta

Com base no Enunciado 20, aprovado na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal em setembro de 2002, o ministro propõe que o STJ adote a utilização de índice oficial de correção monetária ou tabela do próprio tribunal local, somado à taxa de juros de 1% ao mês (ou 12% ao ano), nos termos do artigo 161 do Código Tributário Nacional (CTN). 

O referido enunciado dispõe que “a taxa de juros moratórios a que se refere o artigo 406 é a do artigo 161, parágrafo 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% ao mês”. 

O mesmo enunciado, que possui caráter orientador da interpretação dos artigos, dispõe que a utilização da taxa Selic como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do artigo 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o artigo 192, parágrafo 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a 12% ao ano. 

“Independentemente de questionamento acerca do acerto ou desacerto da adoção da Selic como taxa de juros a que se refere o artigo 406 do Código Civil, o fato é que sua incidência se torna impraticável em situação como a dos autos, em que os juros moratórios fluem a partir do evento danoso (Súmula 54) e a correção monetária em momento posterior (Súmula 362)”, destaca o ministro em seu voto. 

Oscilação anárquica 

Para o relator do recurso afetado à Corte Especial, é exatamente pelo fato de englobar em sua formação tanto remuneração quanto correção, que a Selic não reflete, com perfeição e justiça, o somatório de juros moratórios e a real depreciação da moeda – que a correção monetária visa recompor pelos índices de inflação medida em determinado período. 

“A Selic não é um espelho do mercado; é taxa criada e reconhecida com forte componente político – e não exclusivamente técnico –, que interfere na inflação para o futuro, ao invés de refleti-la, com vistas na economia de um período anterior e na projeção para os próximos meses, em consonância também com as metas governamentais”, entende Salomão. 

Para balizar sua proposta, o ministro incluiu em seu voto um minucioso estudo sobre a taxa de juros paga com a utilização da Selic desde 2003 e constatou que sua adoção na atualização de dívidas judiciais conduz a uma oscilação anárquica dos juros efetivamente pagos pela mora. 

“Constata-se, por exemplo, o pagamento de juros a 12,31% ao ano em 2005, contra o irrisório 1,30% ao ano em 2012, períodos em que a inflação foi praticamente idêntica (5,69% e 5,84% a.a.), respectivamente”, analisou o relator. 

Para ele, a adoção da Selic para efeitos de pagamento tanto de correção monetária quanto de juros moratórios pode conduzir a situações extremas: por um lado, de enriquecimento sem causa ou, por outro, de incentivo à litigância habitual, recalcitrância recursal e desmotivação para soluções alternativas de conflito, ciente o devedor de que sua mora não acarretará grandes consequências patrimoniais. 

“Aliás, como as dívidas judiciais são atualizadas mensalmente, e não anualmente, há registros de meses em que a Selic ficou abaixo de índices oficiais que medem exclusivamente a inflação, o que significa juros negativos e que, em boa verdade, nesse período, foi o credor que pagou juros ao devedor, o que não se sustenta”, ressaltou o ministro em seu voto. 

Para Luis Felipe Salomão, a adoção da Selic na relação de direito público alusiva a créditos tributários ou a dívidas fazendárias é inquestionável, mas não há motivos para transpor esse entendimento para relações puramente privadas, nas quais se faz necessário o cômputo justo e seguro de correção monetária e juros moratórios, “atribuição essa que, efetivamente, a Selic não desempenha bem”. 

Voto

No caso afetado à Corte Especial, o ministro relator deu parcial provimento ao recurso especial para descartar a incidência da correção monetária a partir da inscrição indevida. Também consignou que a indenização por danos morais, para efeito de incidência de juros de mora, deve ser considerada sempre responsabilidade extracontratual – “até porque, no caso concreto, a ausência de contrato entre a autora e a instituição financeira foi exatamente o que justificou a propositura da ação”. 

Assim, entendeu o ministro, deve ser aplicada a Súmula 54 do STJ, com os juros moratórios fluindo a partir do evento danoso. 

Em relação à correção monetária, Salomão sustentou que a mesma deve incidir a partir do arbitramento da indenização em grau de apelação (Súmula 362), ao contrário do que propõe a recorrente, que busca a contagem também desde a inscrição indevida. O índice de correção será o da tabela adotada pelo tribunal de origem, desde que oficial. 

O julgamento foi interrompido por pedido de vista logo após a apresentação do voto, de forma que nenhum ministro votou após o relator. Não há data para retomada da discussão. 

A notícia refere-se aos seguintes processos: 

 
Fonte: STJ | 18/08/2013.
 
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STJ: A jurisprudência do STJ sobre as prerrogativas do advogado

Indispensável à administração da Justiça, o advogado é inviolável em seus atos e manifestações no exercício da profissão. O texto, presente na Constituição, resguarda não só o advogado, mas seus clientes, a Justiça e a cidadania. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a jurisprudência sobre limites e excessos das prerrogativas dos advogados é farta. 

Veja alguns exemplos de como são resolvidas questões relacionadas ao dia a dia desses profissionais e às prerrogativas previstas no Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94). 

Juiz atrasado

O atraso do magistrado por mais de 30 minutos autoriza o advogado a deixar o recinto, mediante comunicação protocolada em juízo. Porém, essa medida só se justifica quando o juiz não está presente no fórum. 

No HC 97.645, o STJ rejeitou a alegação de nulidade em caso no qual o advogado do réu acusado de homicídio qualificado, na quarta audiência marcada, deixou o local após atraso do magistrado, que presidia outro feito no mesmo recinto. 

A primeira audiência estava marcada para 20 de novembro, e o réu foi apresentado às 15h30. Às 15h58, o advogado protocolou a petição informando do exercício de sua prerrogativa, sem nem mesmo entrar em contato com o magistrado, que, por se tratar de interrogatório do acusado, adiou o feito para 6 de fevereiro do ano seguinte. 

A oitiva das testemunhas da acusação foi marcada para as 13h30 de 30 de maio, já que não compareceram à primeira. Às 16h30, o réu, preso, ainda não havia sido apresentado, o que levou à remarcação. 

Em 10 de outubro, como as testemunhas do réu estivessem atrasadas, foi iniciada a audiência de outro caso, às 14h15. Às 16h20 foi feito o pregão do processo. O magistrado foi então informado de que os advogados, novamente sem entrar em contato prévio, haviam protocolado às 16h16 petição relativa à prerrogativa. O réu, já solto, deixou o fórum junto com seu defensor. Diante do fato, o magistrado nomeou defensor público e deu seguimento ao feito. 

Para o STJ, além de não se enquadrar na hipótese prevista no estatuto, o caso não trouxe nenhum prejuízo à defesa. 

Autonomia e qualidade

No HC 229.306, a defesa alegava que a atuação do advogado no processo de origem teria sido de “péssima qualidade” e deficiente. Assim, por falta de defesa técnica, a condenação do réu em 13 anos por homicídio qualificado deveria ser anulada. 

O ministro Jorge Mussi, porém, afastou a nulidade. Para o relator, o advogado era habilitado e fora regular e livremente constituído pelo réu, pressupondo confiança deste no profissional. A atuação do advogado não seria negligente, já que sustentou suas teses em todas as oportunidades oferecidas pelo juízo. 

Conforme o ministro, não se pode qualificar como defeituoso o trabalho do advogado que atua de acordo com a autonomia garantida pelo estatuto. 

“Como se sabe, o conhecimento e a experiência agregados por cada profissional, em qualquer ofício, são critérios que levam, muitas vezes, à execução de trabalhos distintos sobre uma mesma base fática, como não raro ocorre, por exemplo, em diagnósticos diversos dados a um mesmo sintoma por dois ou mais médicos. Trata-se, na verdade, da avaliação subjetiva do profissional, diante de um caso concreto, das medidas que entende devidas para alcançar um fim almejado”, avaliou Mussi. 

“O ofício do advogado, entretanto, se consubstancia em obrigação de meio, não lhe sendo exigível qualquer resultado específico sobre a sua atuação em juízo, senão a diligência na prestação do serviço e o emprego dos recursos que lhe estiverem disponíveis em busca do êxito almejado”, completou. 

“Assim, embora aos olhos do impetrante a atuação do causídico constituído pelo paciente não seja digna de elogios, da leitura das peças que foram acostadas aos autos não se constata qualquer desídia ou impropriedade capaz de influenciar na garantia à ampla defesa do acusado”, acrescentou o ministro. 

“Aliás, mostrou-se combativo ao não resignar-se com a decisão de pronúncia, manifestando seu inconformismo até o último recurso disponível, revelando a sua convicção na estratégia defensiva traçada, a qual foi igualmente sustentada perante o conselho de sentença. Entretanto, diante de um insucesso, para o crítico sempre haverá algo a mais que o causídico poderia ter feito ou alegado, circunstância que não redunda, por si só, na caracterização da deficiência de defesa”, concluiu. 

Direito próprio

As prerrogativas profissionais são direito do próprio advogado. Essa interpretação decorreu do caso em que um clube impediu o defensor de ingressar em suas dependências, afirmando que somente sócios podiam frequentá-lo. 

O advogado defendia um cliente perante o conselho deliberativo do country club. Temendo que o impedimento tornasse a acontecer, o advogado ingressou com medida cautelar, que foi deferida. Porém, no mérito, o processo foi extinto, sob o argumento de que o advogado não poderia pleitear em seu nome direito de terceiro, seu cliente. 

Para o STJ, no entanto, é “óbvio” que o titular das prerrogativas da advocacia é o advogado e não quem o constitui. Por isso, a legitimidade para a ação, nos termos em que proposta, era mesmo do defensor (REsp 735.668). 

Carga de autos 

Em decisão recente, o STJ afirmou que apenas o advogado que deixou de devolver os autos no prazo é que pode ser responsabilizado pela falta. 

No REsp 1.089.181, as instâncias ordinárias haviam imposto restrições a todos os advogados e estagiários da parte, mas o STJ afirmou que só poderia ser punida a advogada subestabelecida que deixou de devolver os autos. Porém, no caso analisado, nem mesmo essa punição poderia ser mantida, já que os autos foram devolvidos antes do prazo legal de 24 horas que permitiria a aplicação de sanções. 

“Merece reforma o acórdão recorrido, uma vez que a configuração da tipicidade infracional decorre não do tempo em que o causídico reteve os autos, mas do descumprimento da intimação para restituí-los no prazo legal”, esclareceu o ministro Luis Felipe Salomão. 

Proibição de retirada de processo é pessoal e não se estende a outros advogados da parte 

Vistas para 47 réus

O STJ já decidiu que não viola prerrogativas da advocacia a limitação, pelo juiz processante, de restrição à vista dos autos fora do cartório quando a medida é justificada. 

No HC 237.865, o Tribunal afirmou que a retirada dos autos de processo com 47 réus, cada um com seus advogados próprios, envolvidos em cinco denúncias relacionadas a tráfico internacional de drogas, causaria tumulto e retardamento processual. 

Conforme o STJ, as partes não tiveram impedido o acesso aos documentos ou cópias, o que não restringiu seu direito de defesa. Apenas foi aplicada exceção prevista no próprio Estatuto da Advocacia (artigo 7º, parágrafo 1º, item 2). 

O caso tratava de réus presos com mais de quatro toneladas de cocaína e cinco toneladas de maconha. Na operação, foram apreendidos também 48 veículos, um avião e mais de US$ 1 milhão, além de maquinário e produtos químicos para preparação e adulteração das drogas. O grupo, de acordo com a denúncia, produzia as drogas na Bolívia e as distribuía para São Paulo, a Europa e a África. 

Tumulto protelatório

O advogado que tenta tumultuar o trâmite processual e apenas adiar o julgamento também pode ter negada a carga dos autos. No REsp 997.777, o STJ considerou válida a negativa de carga dos autos pelo tribunal local. 

Às vésperas do julgamento, os advogados foram substituídos. Por isso, os novos representantes pediam vista fora de cartório. A corte havia negado a retirada dos autos porque a parte teria, desde a primeira instância, feito várias manobras para procrastinar o andamento do processo. 

Intimação

Por outro lado, o STJ anulou (HC 160.281) o julgamento de um recurso em sentido estrito porque a decisão do relator autorizando vista para cópias deixou de ser publicada, o que impediu o conhecimento do ato pelo advogado. 

Para o tribunal local, o defensor constituído e os dois estagiários autorizados deveriam ter procurado tomar conhecimento da decisão, que só foi juntada três dias antes do julgamento. Eventual prejuízo para o réu decorreria da própria desídia da defesa. Mas o STJ considerou que o ato, nessas condições, constituiu um nada jurídico. 

Os ministros consideraram que não seria razoável exigir do advogado que se dirigisse todos os dias ao gabinete do relator ou à secretaria do foro para informar-se sobre o andamento do processo. 

Ainda conforme o STJ, havendo advogado constituído, tanto em processo judicial quanto administrativo, as intimações devem ser feitas também em seu nome, sob pena de nulidade. É o exemplo do decidido no Recurso Especial 935.004. 

Na origem, um processo administrativo corria perante o conselho de magistratura. O juiz recebeu pena de censura por ter nomeado como inventariante seu padrinho de casamento, que por sua vez contratou o irmão do magistrado como advogado do espólio. 

Como não foi intimado dessa decisão do conselho, o advogado que defendia a parte no processo de inventário não pôde entrar a tempo com a exceção de impedimento e suspeição contra o juiz. 

O STJ considerou nula a intimação do resultado de processo administrativo feita somente em nome da parte em processo judicial relacionado ao caso, sem inclusão de seu advogado constituído. 

Vista em processo administrativo

Porém, o STJ considerou, no REsp 1.232.828, que a administração não pode simplesmente impedir o advogado de retirar autos de processo administrativo da repartição. 

No caso, o advogado tinha uma senha da repartição para provar que havia tentado obter vista do processo em que pretendia verificar o lançamento de ISS contra seu cliente. Mas o horário impresso correspondia à madrugada de domingo. 

No STJ, foi considerado que, apesar disso, o documento, somado à presunção de boa-fé dos advogados, servia como prova. Mais que isso, a autoridade coatora se manifestou informando que realmente não concedia vista em carga dos processos administrativos. Isso configurou a violação do direito líquido e certo do advogado. 

Imunidade por ofensas

Para o STJ, o advogado não pode ser responsabilizado por ofensas em sua atuação profissional, ainda que fora do juízo. No HC 213.583, o Tribunal reconheceu a ausência de justa causa em processo por crimes contra a honra movido por juiz contra um advogado. 

O advogado era procurador municipal. A juíza titular da causa negara o mandado de segurança contra o ente público. A parte recorreu com embargos de declaração, os quais foram acolhidos com efeitos infringentes pelo magistrado, que substituía a titular afastada. 

Na apelação, o procurador teria ofendido o juiz substituto, ao apontar sua decisão como ilegal e imoral. Isso porque teria, “curiosamente”, julgado “com celeridade sonhada por todos os litigantes” a causa movida por esposa de servidor de seu gabinete, na vara onde era titular. 

Para o tribunal local, haveria injúria na afirmação de que a fundamentação era lamentável e a decisão absurda e ilegal; difamação, ao apontar que a decisão fora tomada “curiosamente” de forma célere, absurda, antiética e com interesse na causa; e calúnia ao afirmar que o juiz teria favorecido esposa de subordinado, fatos que corresponderiam a prevaricação e advocacia administrativa. 

O STJ, no entanto, entendeu que não havia na apelação nenhum elemento que demonstrasse a intenção do advogado de ofender o magistrado ou imputar-lhe crime. Os ministros consideraram que a manifestação era objetiva e estava no contexto da defesa do ente público, seu cliente. As críticas, ainda que incisivas e com retórica forte, restringiam-se à decisão e à atuação profissional do magistrado, não invadindo a esfera pessoal. 

Os ministros apontaram ainda que a própria magistrada titular da vara, ao receber a apelação, anotou que somente o tribunal teria competência para reverter sua decisão original e lhe causava “estranheza” a decisão do substituto. “Salvo engano, juízos com mesmo grau de jurisdição não podem alterar sentença um do outro”, registrou a magistrada. 

Porém, no RHC 31.328, o STJ entendeu que a formulação de representação à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra outro advogado não guarda relação com o exercício de atividade advocatícia, o que afasta a imunidade. 

Nesse mesmo processo, o STJ também reafirmou jurisprudência segundo a qual o cliente não pode ser responsabilizado por eventual excesso de linguagem de seu patrono. 

“Pela ordem, Excelência!”

O tribunal esclareceu, no Agravo de Instrumento 1.193.155, que a prerrogativa de o advogado “usar a palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal” não permite a juntada de documentos após o julgamento do recurso. 

No caso, o Joinville Esporte Clube tentava comprovar, com a petição denominada “questão de ordem”, ter ingressado na “Timemania”, afastando a cobrança tributária. Porém, a peça só foi atravessada depois do julgamento colegiado do agravo regimental que confirmara a negativa ao agravo de instrumento. Os ministros anotaram, ainda, que tal petição não agiria sobre o prazo prescricional. 

A notícia refere-se aos seguintes processos: 

 

Fonte: STJ I 25/08/2013.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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