STJ publica matéria especial sobre “Novos tempos, um novo direito”. Saiba como o STJ julga processos que envolvam a internet.

Com o advento da internet, várias novas demandas surgiram no Judiciário. Lesões de direitos e novas figuras jurídicas passaram a existir muito antes de leis que contivessem regras e sanções específicas para o que acontece no universo virtual. Crimes e ilegalidades já previstos pelo ordenamento também acharam na internet um novo meio para se realizar.

Separados pelos especialistas, há dois tipos de crimes cibernéticos: os puros, aqueles que só podem se realizar com o uso da informática e precisam de uma legislação específica, como ações de hackers ou criação de vírus; e os que já existiam antes da nova tecnologia e simplesmente encontraram mais uma forma de realização, como estelionato, exploração sexual de menores e plágio, já previstos em lei.

Entre novos métodos e várias analogias, adequações e revisões, o direito virtual foi ganhando espaço e passou a estar muito presente no dia a dia do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No curso do processo

O entendimento sobre prazos judiciais teve que ser debatido no STJ. Depois que os tribunais começaram a disponibilizar o andamento processual via internet, várias ações questionavam se essa informação poderia ser considerada para o cálculo dos prazos. Os ministros definiram, em um primeiro momento, que as informações seriam apenas um auxílio à parte e aos advogados, não valendo oficialmente para início de prazo nem para justificar eventuais perdas de prazo recursal (REsp 989.711).

Porém, em decisão recente, a Corte Especial entendeu que, com o crescente uso por parte dos advogados, tornando a página do andamento sua principal fonte de consulta, e após a publicação da Lei do Processo Eletrônico (Lei 11.419/06), as informações processuais veiculadas nas páginas dos tribunais devem ser consideradas oficiais (REsp 1.324.432).

O pagamento de custas processuais realizado pela internet também é uma questão a ser pacificada no STJ. Recentemente, a Quarta Turma admitiu a validade do pagamento através do internet banking, uma vez que é impossível fechar os olhos às facilidades e à celeridade que essas modalidades de operação proporcionam (REsp 1.232.385). No outro sentido, a Terceira Turma afirmou em decisão também recente que os comprovantes bancários emitidos pela internet não têm fé pública e só possuem veracidade para o correntista e o banco (AREsp 4.753).

O STJ também reconheceu, em julgamento de recurso repetitivo (REsp 1.046.376), a validade da notificação de exclusão da pessoa jurídica do Programa de Recuperação Fiscal pela internet. Desde que tivesse feito a notificação, a Receita Federal ficaria desobrigada de intimar pessoalmente o contribuinte. A disposição também está na Súmula 335 do Tribunal.

E-mail

Nos idos de 1999, as primeiras demandas envolvendo correio eletrônico surgiram. Em um dos primeiros casos, uma mulher tentava reverter decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) que a proibia de mandar mensagens eletrônicas difamando seu ex-marido. Para ela, a decisão agredia o direito de sigilo de correspondência, uma vez que as mensagens foram violadas para a determinação de seu conteúdo. Como o caso se enquadrava em sigilo postal, assunto constitucional, ele não pôde ser analisado pelo STJ (MS 6.113).

Outro caso curioso envolvendo o correio eletrônico analisava a responsabilidade do provedor de correio eletrônico na transmissão de mensagens ofensivas à moral de usuário pelo simples fato de não conseguir identificar o praticante da ofensa. Para a Terceira Turma, a culpa em casos assim é exclusiva do usuário da conta de e-mail (REsp 1.300.161).

ICMS e ISS

Entre as situações levantadas no STJ, há também o recolhimento de impostos. Um dos casos mais debatidos foi o recolhimento de ICMS pelos provedores de acesso à internet. Em um primeiro momento, seria suficiente para autorizar a cobrança o fato de a relação entre o prestador de serviço e o usuário ser de natureza negocial, visando possibilitar a comunicação desejada (REsp 323.358). Porém, ao considerar que o serviço prestado pelos provedores é de valor adicionado e que a concessionária de serviços de telecomunicações já recolhe o tributo, o entendimento mudou (EREsp 456.650) e a Súmula 334 foi editada para uniformizar a questão.

O Tribunal também foi questionado quanto à incidência de ISS sobre os mesmos serviços, uma vez que foi considerado de valor adicionado, ou seja, sua atividade é de monitoramento do acesso de usuários e provedores de informação à internet, sendo apenas uma espécie de fornecedor de infraestrutura. Porém, para incidência do imposto, é necessário que o serviço esteja previsto no Decreto-Lei 406/68, expressamente relacionado na lista constante na legislação. Como não está e não há nenhuma identidade entre o serviço prestado e os previstos, o imposto não pôde ser cobrado (REsp 674.188).

Uma rede de fofocas

Descuidos com fotos e vídeos que mostram pessoas, famosas ou não, em situações desfavoráveis não encontram mais barreiras e em minutos chegam a qualquer um. Foi assim que aconteceu com uma famosa apresentadora de televisão, que foi flagrada com seu namorado na praia e teve que entrar na Justiça para que as imagens fossem retiradas do ar.

Curiosamente, o caso também foi analisado por um outro lado que não o dos protagonistas do vídeo. Um usuário da rede entrou com pedido no STJ para que tivesse o direito de acesso à internet. Ele queria reverter decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que havia restringido o acesso ao portal de vídeos YouTube, mas entrou com um habeas corpus, ação que visa proteger a liberdade de locomoção do ser humano, não compatível com o caso e por isso foi negada (HC 74.225).

Uma ação envolvendo famosa festa à fantasia de uma escola de nível superior também chegou à Corte Superior. As fotos de um casal fazendo sexo foram divulgadas no dia seguinte à festa. A estudante fotografada entrou então com uma ação de investigação prévia, antes de entrar com os pedidos de indenização por danos morais, contra a empresa de auditoria responsável pela festa e alguns provedores de acesso. Preliminarmente o pedido foi negado no STJ (MC 12.452).

Sites de relacionamento

Sites de relacionamento como o Facebook e o Orkut estão muito presentes no dia a dia das pessoas e também são usados de maneira inadequada, causando, principalmente, constrangimentos ao espalhar boatos, brincadeiras de mau gosto e afins.

Atitudes do tipo trouxeram algumas ações ao STJ. A importância e a responsabilidade do provedor do serviço foram questionadas em algumas delas. Será que por oferecer o serviço, o provedor deve responder pelo conteúdo nele postado? De acordo com o ministro Sidnei Beneti, não. Ele não seria o responsável pelo dano gerado, mas não pode omitir-se, tendo que retirar o material do ar, fazendo cessar a ofensa (REsp 1.306.066, REsp 1.175.675).

Em decisão no outro sentido, o ministro Marco Buzzi considerou que as ferramentas de controle oferecidas pelo proprietário de site de relacionamento contra a prática de abusos devem ser realmente eficazes. Ao não desenvolvê-las, o provedor assume integralmente o ônus pela má utilização dos serviços e responde pelos danos causados (AREsp 121.496).

Senhas roubadas de sites de relacionamento também geraram muito constrangimento pela internet afora. Em recente caso, o ministro Raul Araújo acatou o pedido preliminar de provedor de acesso responsável por um site de relacionamento para suspensão do processo. A empresa afirma não ser responsável pela invasão e alteração de perfis de usuários nem pela divulgação de material constrangedor postado desse modo (Rcl 11.654).

Um mundo chamado Google

O maior provedor da internet, proprietário do site de busca mais famoso da rede e de serviços populares como o correio eletrônico Gmail, o provedor de vídeos YouTube e outros, também é parte em várias ações no STJ.

Em recente inquérito, a ministra Nancy Andrighi determinou que a empresa quebrasse o sigilo das comunicações por e-mail de vários investigados acusados de formação de quadrilha, corrupção passiva e ativa, fraude à licitação, lavagem de dinheiro, advocacia administrativa e tráfico de influência.

A empresa também esteve envolvida em ações de danos morais por demorar a retirar conteúdo ofensivo do ar. O diretor de uma faculdade em Minas Gerais recebeu indenização de R$ 20 mil porque não foram retiradas do ar as páginas de um blog criado por estudantes e hospedado no servidor Blogspot, de propriedade da empresa.

Na análise da questão no STJ, a ministra Nancy Andrighi reconheceu a relação de consumo entre o provedor e o usuário, porém estabeleceu limites para a responsabilidade da empresa, que deve garantir o sigilo, a segurança e inviolabilidade dos dados cadastrais, mas precisa remover conteúdo ilícito assim que solicitado (REsp 1.192.208).

Não faltam pessoas, incluindo muitos famosos, querendo que resultados de pesquisa com o seu nome não apareçam mais. Foi o caso de Xuxa, que processou a empresa exigindo que não aparecessem mais resultados de pesquisa com os termos “Xuxa” e “pedófila” ou equivalentes. Muitos dos resultados para a pesquisa referem-se ao filme nacional Amor Estranho Amor, de Walter Hugo Khouri.

Segundo a ministra Nancy Andrighi, o provedor de pesquisa “não inclui, hospeda, organiza ou de qualquer outra forma gerencia as páginas virtuais indicadas nos resultados disponibilizados, limitando-se a indicar links onde podem ser encontrados os termos de busca fornecidos pelo próprio usuário”. Com a decisão, o Google não precisa restringir suas pesquisas, uma vez que não se pode reprimir o direito da sociedade à informação (REsp 1.316.921).

Foi também em uma ação da Google, envolvendo o site de relacionamentos Orkut, que foi determinado o prazo de 24 horas para a retirada do ar de material considerado ofensivo. No caso, um perfil falso denegria a imagem de uma mulher e foi denunciado por ferramenta do próprio site, mas demorou mais de dois meses para que o conteúdo fosse retirado do ar (REsp 1.323.754).

Os casos citados são apenas alguns exemplos de como o ambiente virtual tem criado novas relações jurídicas. Pelo ineditismo, rapidez e mutabilidade das situações, cada uma dessas questões prepara a Justiça para novas análises e consequentes mudanças, necessárias para atender à demanda da população.

A notícia refere-se aos seguintes processos:

 
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
 
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Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum

"Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam." Salmos 23:4

Pensamento: A morte é certa! Não gostamos de pensar nela, muito menos de falar dela. No entanto, a morte é a realidade que não nos abandona. Nós perdemos amigos e parentes para a morte. Em algum ponto de nossas vidas, nós também, inevitavelmente, a enfrentaremos, a não ser que Jesus venha antes disto. Então, qual é a nossa confiança ao encararmos o inescapável? Deus, nosso Pastor! Ele nos acompanhará, guiando-nos, protegendo-nos e confortando-nos na nossa jornada. Esta promessa é ainda mais significativa quando se conhece Jesus, que já foi na nossa frente, para assegurar que nossa caminhada pelo vale da morte não termine em morte, mas em glória.

Oração: Querido Pai do Céu, meu Pastor e Salvador, obrigado porque não tenho que enfrentar a morte sozinho. Reconheço que o Senhor está comigo nesta caminhada. Sei que o Senhor enviou Jesus na minha frente para que a morte se tranforme em vida eterna. Até lá, busco sua orientação e ouço sua voz para me guiar pelo vale sombrio da morte, e me trazer para a sua presença santa e gloriosa, em vitória e alegria. Eu oro confiantemente no nome de Jesus. Amém.

Fonte: Devocional Diário | 06/07/2013. Texto Adaptado.


Paternidade socioafetiva x biológica

Por Eudes Quintino de Oliveira Júnior e Pedro Bellentani Quintino de Oliveira

Interessante e bem lançada a decisão proferida pelo juiz da comarca de Lajeado que julgou improcedente a pretensão do autor que visava a anular o registro de nascimento lavrado em seu nome, como pai. O processo tramitou em segredo de justiça e o autor da ação pleiteou a negativa de paternidade da filha, após realizar exame de DNA, que o excluiu biologicamente. O relato processual dá conta de que, durante doze anos, o requerente cultivou uma família na qual nasceu e cresceu a menina e sponte propria foi registrada por ele.

O conteúdo jurídico da sentença proferida pelo juiz Luiz Antônio de Abreu Johnson residiu no fato de que “dez anos se passaram desde o nascimento da filha até o ajuizamento da demanda. Houve convivência, houve troca, houve afeto. A menina foi apresentada à sociedade como filha, e ele como pai dela, e assim foi criada a ideia de pertencimento”.1

A cultura brasileira ainda carrega o inconveniente ranço dos “laços de sangue”, procurando deixar sempre evidenciada a importância da herança genética, como fator de segurança na afirmação da família e também na prevenção de doenças futuras, no caso daquelas hereditárias. A própria legislação civil revogada vedava o reconhecimento de filhos adulterinos e incestuosos, além de restringir os direitos do adotado. O critério é que mais legítimo seria o filho quanto maior fosse o grau de consanguinidade.

Lobo, com muita acuidade, acentua:

O CC, por seu turno, consagrou em sede infraconstitucional as linhas fundamentais da CF em prol da paternidade de qualquer origem e não apenas da biológica. Encerrou-se definitivamente o paradigma do CC anterior, que estabelecia a relação entre filiação legítima e filiação biológica; todos os filhos legítimos eram biológicos, ainda que nem todos os filhos biológicos fossem legítimos. Com o desaparecimento da legitimidade e a expansão do conceito de estado de filiação para abrigar os filhos de qualquer origem, em igualdade de direitos (adoção, inseminação artificial heteróloga, posse de estado de filiação), o novo paradigma é incompatível com o predomínio da realidade biológica. Insista-se, o paradigma atual distingue paternidade e genética”.2

Após a CF. várias inovações foram inseridas no direito à procriação. Todos os filhos, havidos ou não fora do casamento, assim como aqueles provenientes de adoção, gozam dos mesmos direitos, sem quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Nasce, então, não só pelo permissivo legal, mas também como um novo conceito social, a paternidade socioafetiva, na qual alguém, sem qualquer vínculo sanguíneo e sem imposição legal, recebe uma criança como filho, tendo como sustentáculo o sentimento de afeto e amor.

No caso em comento, a filha sente-se filha dos pais com quem conviveu e realizou sua história de vida até então e os pais, da mesma forma, sempre agiram com a devoção peculiar daqueles que geraram. Pai e mãe, desta forma, pelo novo perfil da família, não são aqueles que cederam o material procriativo e sim aqueles que criaram, educaram e dispensaram afeto e carinho, procurando conferir um ambiente perfeito e responsável para que a criança possa desenvolver suas qualidades, viver em harmonia e atingir a plena realização. É o demonstrativo mais sincero de que o afeto fala mais alto do que qualquer prova sanguínea.

Todo tipo de relacionamento, em qualquer idade, na realidade, se traduz no apego. A convivência de vários anos com canais comunicantes faz com que as pessoas vivam muito próximas, criando vários espaços de sintonia afetiva. A criança, em razão da tenra idade, vive em função de seus cuidadores e junto deles procura criar uma base estrutural com a solidez necessária. A vulnerabilidade do ser humano inicia com seu próprio nascimento e se desenvolve pelas várias fases da vida. É justamente nos primeiros anos que surge a convivência de dominação, não no sentido egoístico, mas sim no de exploração de todas as qualidades e virtudes recomendadas, mesmo sem o determinismo genético. Cyrulnik, neuropsiquiatra e chefe de ensino da “clínica do apego”, da Universidade de Toulon, em definição exemplar, alertou que “a gente não se apega ao mais gentil ou ao mais diplomado, a gente se apega a quem nos dá segurança”.3

As duas paternidades podem ser questionadas na justiça com a apresentação de todos os meios de provas considerados idôneos em direito. Não seria nenhum contrassenso dizer que a melhor paternidade seja a decorrente da junção da biológica com a afetiva, pois reúne os dois ingredientes necessários para facilitar a perfeita e harmônica convivência. Se o filho adotado pleitear, como agora é permitido pelo ECA, o reconhecimento de sua origem genética, não contraria em nada a paternidade já firmada como afetiva, pois se trata do exercício do direito de conhecer sua cadeia genética. O código menorista deixa evidenciado: “O Adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos”.4

Em decisão recente, porém, a 4ª turma do STJ, em processo que teve como relator o ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que “deve prevalecer a paternidade socioafetiva sobre a biológica para garantir direitos aos filhos, na esteira do princípio do melhor interesse da prole, sem que, necessariamente, essa afirmação seja verdadeira quando é o filho que busca a paternidade biológica em detrimento da socioafetiva”.5

No caso do julgado, trata-se de “adoção à brasileira”, pois a menina foi entregue a um casal que a registrou como se fosse o pai e a mãe biológicos. Posteriormente, com a morte dos pais registrais, quando a autora contava com 47 anos de idade, pleiteou ação de investigação de maternidade e paternidade com anulação de registro contra seus pais biológicos. O juízo de primeiro grau deferiu o pedido, mas manteve o registro de nascimento inalterável. O TJ/RS reformou a sentença, julgou a ação improcedente porque flagrantemente descabida a investigação de paternidade quando resta consolidada a relação jurídica de paternidade socioafetiva com o pai e a mãe registrais.

A decisão do STJ desconstitui o vínculo socioafetivo desenvolvido durante muitos anos entre a autora e seus pais registrais, que são excluídos da certidão e dão lugar aos pais biológicos, sem qualquer convivência. Mas, como bem ressaltado pelo digno Relator, trata-se de “adoção à brasileira” e a filha tem o direito de conhecer sua origem genética, principalmente por não ter contribuído com a existência de erro ou falsidade no documento registral.

Mas, mesmo com a existência da falsidade na declaração de nascimento, criou-se um vínculo muito maior que ultrapassa todas as letras da lei e vai ao encontro do anseio de aceitabilidade legal e até mesmo popular. O que se leva em consideração é justamente o afeto, o pertencimento, o envolvimento emocional que impulsionou as pessoas que participaram do relacionamento familiar afetivo. O tempo de convivência estabeleceu um regramento todo especial. Tamanha é sua força, que se encarregou de decretar a extinção de punibilidade por eventual delito e fez com que prevalecesse o documento registral como prova inconteste de filiação. Seria até mesmo certa contradição o pai biológico, após muitos anos sem se interessar pela prole, num repente, ocupar o espaço daquele que durante toda uma vida dedicou esforço e comprometimento na educação da criança.

O STF já lançou olhares a respeito da prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica e, em votação eletrônica regulamentada pela EC 45, reconheceu a repercussão geral do tema pela sua relevância sob os pontos de vista econômico, jurídico e social.6

É certo que o patrimônio genético, apresenta-se como dado importante. É aquele que assegura a própria sobrevivência da espécie, por isso rotulado de patrimônio genético da humanidade. O Conselho da Europa, preocupado com os procedimentos inescrupulosos, recomendou a intangibilidade da herança genética levando em consideração as intervenções artificiais. “O patrimônio genético, como o próprio nome diz, afirma Oliveira Júnior, é a somatória das conquistas do homem, no plano físico, psíquico e cultural, que o acompanha através de seus registros biológicos, faz parte de sua história e evolução e, como tal, merece a proteção legal. É o relato e o retrato da raça humana, desde o homem de Neandertal. Passa a ser objeto de tutela pessoal e estatal e qualquer ofensa a ele é desrespeito à própria humanidade. A proteção desloca-se da individualidade do ser humano já formado, com personalidade própria, para aquele que ainda vem a ser, com personalidade jurídica”.7

O próprio CC, que entrou em vigência em 2002, trouxe considerável colaboração com nova postura em razão dos avanços da engenharia genética. Desprezou a regra de que a maternidade é sempre certa (maternitas certa est). Resolve-se, desta forma o impasse para saber se a mãe vem a ser a que doou os óvulos ou a que os recebeu e gerou o filho. Mas, em contrapartida, é de se indagar também a respeito da prole de ambas. Como não há qualquer registro ou banco de dados a respeito da ovodoação, pode até ser que os filhos, sem a catalogação genética necessária, venham a se casar entre si e trazer outros complicadores biológicos e legais.

Nesta linha de pensamento, apesar do DNA ter apontado outro pai biológico, tem-se a impressão que a mais coerente interpretação seja a de manter a paternidade registral, sem prejuízo do reconhecimento da paternidade biológica, como um dado genético, próprio da natureza. Será o demonstrativo a inteligência, o espírito humano, a convivência entre as pessoas, a troca de afetos, o pertencimento, a solidariedade sempre presente, sentimentos esses comunicantes, estabelecem e fortalecem a relação familiar. A relação biológica carrega somente a origem genética, que passa para o segundo plano num mundo em que se busca muito mais do que a informação da natureza.

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1 Processo 110.005.897, que tramita em segredo de justiça, pela comarca de Lajeado (RS).

2 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Paternidade socioafetiva e o retrocesso da súmula 301 do STJ. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1036, 3 maio 2006 .

3 Cyrulnik, Boris. Dizer e morrer. Tradução Claúdia Berliner – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012, p. 102.

4 Artigo 48 do ECA.

5 O número e o processo não foram divulgados em razão de sigilo judicial.

6 ARExt 692.186.

7 Oliveira Júnior, Eudes Quintino de. As condutas e responsabilidades médicas em face do princípio da autonomia do paciente. Tese de Doutorado. Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – Famerp – São José do Rio Preto, 2010, p. 120.

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado e advogado; Pedro Bellentani Quintino de Oliveira é advogado.

Fonte: Migalhas | 05/07/2013.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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