Parecer CGJ SP: Tabelião de Notas – Fraude cuja autoria e local de cometimento não se esclareceram – Fato que foge às atividades inerentes à Serventia – Absolvição mantida – Recurso desprovido.


  
 

Número do processo: 168671

Ano do processo: 2016

Número do parecer: 229

Ano do parecer: 2016

Ementa

Tabelião de Notas – Fraude cuja autoria e local de cometimento não se esclareceram – Fato que foge às atividades inerentes à Serventia – Absolvição mantida – Recurso desprovido.

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 2016/168671

(229/2016-E)

Tabelião de Notas – Fraude cuja autoria e local de cometimento não se esclareceram – Fato que foge às atividades inerentes à Serventia – Absolvição mantida – Recurso desprovido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso administrativo tirado em face de sentença que determinou o arquivamento de procedimento administrativo, absolvendo o 1º Tabelião de Notas de Guarulhos das faltas disciplinares narradas na portaria inicial.

A absolvição deveu-se, em síntese, à constatação de que, embora as irregularidades tivessem ocorrido, não houve participação do acusado e os fatos não poderiam ser por ele evitados.

A recorrente, terceira interessada, alega, em resumo, que houve falha na segurança dos serviços prestados, com participação de escrevente do Tabelionato em fraude perpetrada e que, portanto, o Tabelião deve responder objetivamente.

Sobrevieram contrarrazões.

É o breve relato.

Passo a opinar.

Para bem entender o panorama dos autos, é de bom alvitre transcrever, parcialmente, os termos de meu parecer, que fundamentou a decisão de afastamento do arquivamento da apuração preliminar e determinou a instauração de procedimento administrativo:

“(a apuração) se iniciou por instância de terceira prejudicada, que narrou que sua avó teve as assinaturas falsificadas nos documentos de fls. 16, 18/21 e 22/24. Não obstante, tais assinaturas foram reconhecidas, por semelhança, por preposta do Tabelião.

Os reconhecimentos datam de 07 de dezembro de 2010 – mesma data da lavratura dos documentos –, ao passo que sua avó faleceu em 01 de janeiro de 2011. A escrevente que assina os reconhecimentos é Gisele Ferreira Dionísio.

Verificou-se, porém, pelos números de série, que os selos constantes nos reconhecimentos de firmas foram, de fato, utilizados no dia 07 de janeiro de 2011. E quem os utilizou foi outra escrevente, Emanuelle Souza Cavalcanti.

A escrevente Gisele foi ouvida e negou que as assinaturas apostas nos selos de autenticidade sejam suas.

A prova pericial comprovou, a uma, que as assinaturas da avó da recorrente, em todos os documentos, são falsas; a duas, que as assinaturas da escrevente Gisele, ao contrário de sua alegação, são verdadeiras.

A MMa. Juíza Corregedora Permanente determinou o arquivamento do procedimento.

É o breve relato.

Passo a opinar.

O recurso comporta provimento.

A decisão que determinou o arquivamento é contrária à prova produzida nos autos e parte de presunções que, da mesma forma, não encontram supedâneo na apuração. Vejamos.

São três os documentos investigados: o recibo de fl. 16, cujo selo de autenticidade de firma é o de n. 0370AA727552; e os contratos de fls. 18/21 e 22/24. Embora se trate, em seu conteúdo, do mesmo negócio jurídico, são dois instrumentos diversos: no primeiro, foram utilizados os selos 0370AA727548 e 0370AA727549; no segundo, os selos 0370AA727550 e 0370AA727551. É importante deixar isso claro, pois, por diversas vezes, por se tratar de um mesmo contrato – mesmo negócio jurídico –, os documentos foram examinados como se fossem um só. E não são. Cuida-se de dois instrumentos. As noções de contrato – negócio jurídico – e instrumento do contrato não se confundem.

Nesses três documentos, conforme prova pericial grafotécnica, as assinaturas da avó da recorrente são falsas. Logo, não poderiam ter sido reconhecidas. Daí uma primeira falta disciplinar.

É incontroverso, dado o sistema de controle de selos, que, na verdade, os cinco selos acima mencionados foram utilizados, de fato, no dia 07 de janeiro de 2011, pela escrevente Emanuele, que já não trabalha no Tabelionato.

No entanto, de alguma maneira – que não restou esclarecida – supostamente os mesmos selos foram utilizados nos reconhecimentos de firmas dosdocumentos de fls. 16 e 18/21, 22/24, datados de 07 de dezembro de 2010.

Nesses reconhecimentos constam as assinaturas da escrevente Gisele, que, ouvida, negou que os tenha assinado. Não reconheceu suas assinaturas. Porém, o laudo grafotécnico de fls. 958/1004 concluiu o contrário. Concluiu que as assinaturas são, sim, da escrevente Gisele.

No entanto, desprezando a prova técnica, a MMa. Juíza Corregedora Permanente asseverou: “Os documentos foram nitidamente falsificados sem a participação do Tabelionato. Os selos foram reaproveitados, o carimbo foi forjado (consta endereço incorreto, e antigo). A assinatura da escrevente GISELLE foi falsificada com maestria, e provavelmente assim foi feito de posse de outras assinaturas da escrevente em outros documentos.” (fl. 1051).

Em primeiro lugar, não há qualquer elemento nos autos que sustente a afirmação de que os selos foram reaproveitados. Aliás, pelo contrário. A presunção é de que não possam ou, ao menos, não devam ser, dada a necessidade de segurança dos serviços do Tabelionato. Assim dispõe o item 26, do Capítulo XIV, das NSCGJ:

26. Os selos de autenticidade serão dotados de elementos e característicos de segurança.

Se houvesse algum indício de reaproveitamento de selo – repito, não há –, seria de se investigar a falta de segurança dos utilizados pelo Tabelião.

Em segundo lugar, a menos que se afaste, por algum fundamento concreto, a conclusão do laudo pericial, a assinatura da escrevente Gisele é verdadeira. Não se vislumbra de onde a MMa. Juíza Corregedora Permanente tirou a conclusão de que a assinatura “foi falsificada com maestria”.

É preciso esclarecer – e isso se faz com a abertura de procedimento administrativo, mediante regular Portaria – de que forma selos utilizados em 07 de janeiro de 2011 foram parar em documentos datados de 07 de dezembro de 2010 e por qual razão constam as assinaturas verdadeiras, de preposta do Tabelião nas autenticações apostas nesses documentos.

É necessário verificar a segurança dos serviços prestados, valendo ressaltar, a título de exemplo, que a ficha de abertura de firma de fl. 1017 – em nome de José Teixeira de Queiroz – está absolutamente irregular. Ela está em desconformidade ao que determina o item 178, do Capítulo XIV, das NSCGJ. Não consta a data do depósito da firma nem a identificação de quem a tomou.

Os fatos acima expostos configuram, em tese, a inobservância de prescrições legais e normativas (art. 31, I, da Lei n. 8.935/94) e a quebra da segurança jurídica que se espera dos serviços extrajudiciais.

O eventual esclarecimento – e não o arquivamento baseado em conjecturas – demanda a abertura de procedimento administrativo, para a regular produção de provas e o exercício do contraditório.”

Pois bem. Em primeiro lugar, deve ficar assentado que a determinação anterior, para a abertura de processo administrativo, não significou nem poderia, em hipótese alguma, significar pré-julgamento. O que se determinou foi, apenas, melhor apuração dos fatos. Nada impedia, assim, que, à vista dessa melhor apuração, o juízo de primeiro grau concluísse pela absolvição. E nada impede, como se verá, que a decisão seja mantida.

Em segundo lugar, ressalte-se que os fatos estão sendo apurados na esfera criminal e que a terceira interessada ajuizou ação indenizatória em face do Tabelião. No entanto, as esferas criminal, cível e administrativa – são independentes.

Dito isso, entendo que a absolvição deva ser mantida. A prova produzida depois de aberto o processo administrativo não trouxe grandes novidades. De fato, a assinatura de Nilda de Lima Nogueira é falsa e a assinatura da preposta do Tabelião, Giselle Ferreira Dionyzio, é verdadeira. E, possivelmente –, embora não haja como se afirmar , os selos foram reutilizados, por maneira que não se esclareceu exatamente qual tenha sido.

Porém, não há qualquer comprovação de que: 1) o Tabelião tenha alguma participação na fraude; 2) a fraude tenha ocorrido no Tabelionato; 3) a fraude tenha algo a ver com o serviço regularmente prestado no Tabelionato.

Houve, sem dúvida, falsificação da assinatura de Nilda nos documentos. O responsável por essa falsificação não se sabe quem foi. Os selos foram, possivelmente, reutilizados, em ato de um fraudador, que, da mesma forma, não foi identificado. Importante ressaltar que, conforme interrogatório do acusado, o Tabelionato sequer se utilizava mais de carimbos, mas, sim, de etiquetas eletrônicas. E nem mesmo o carimbo, ao lado de onde está aposta a assinatura da preposta, corresponde aos utilizados no Cartório.

Não obstante a assinatura da preposta seja autêntica, não restou configurada responsabilidade do Tabelião. Como bem ressaltado na sentença, não se sabe, nem mesmo, se a fraude foi perpetrada no Cartório.

Essa Corregedoria Geral da Justiça permanece com o entendimento sobre a responsabilidade objetiva, na seara administrativa, dos titulares de delegação. No entanto, essa responsabilidade se liga a atos praticados pelos prepostos no exercício das funções afetas à serventia. Trata-se de falhas inerentes à atividade cartorária, à cadeia de serviços extrajudiciais.

O que ocorreu aqui foi uma fraude, cuja autoria não foi, ao menos até o momento, esclarecida e cuja execução nada tem que ver com a atividade cotidianamente executada na serventia. Mesmo a participação da preposta Giselle Ferreira Dionyzio, cuja assinatura é verdadeira, não induz à conclusão de que ela tenha agido no exercício de função afeta à serventia. Sua conduta, contudo, poderá ser apurada na esfera criminal. O que importa, aqui, é analisar a responsabilidade do Tabelião.

Por fim, a irregularidade na abertura de ficha de José Teixeira Queiroz é fato de menor relevância, que não leva, isolada e necessariamente, à imposição de pena disciplinar.

Ante o exposto, o parecer que submeto a Vossa Excelência propõe, respeitosamente, que se negue provimento ao recurso.

Sub censura.

São Paulo, 20 de outubro de 2016.

Swarai Cervone de Oliveira

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso administrativo. Publique-se. São Paulo, 21 de outubro de 2016 – (a) – MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS – Corregedor Geral da Justiça.

Diário da Justiça Eletrônico de 04.11.2016

Decisão reproduzida na página 164 do Classificador II – 2016

Fonte: INR Publicações.

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