Apelação – Retificação de assento de registro civil – Exclusão do patronímico marital e inclusão de patronímico avoengo – Possibilidade – Sentença de improcedência – Inconformismo – Acolhimento – Ausência de violação à cadeia registral e de prejuízo a terceiros pelo acréscimo do sobrenome oriundo da linha familiar da avó paterna da autora e que melhor identifica a parte no seu meio social – Faculdade da autora em renunciar o patronímico marital com anuência expressa do cônjuge – Sentença reformada – Deram provimento ao recurso.


  
 

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1070862-09.2019.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante CARMEN LUCIA CAMARGO ROCHA PAIM DE ARAÚJO, é apelado JUÍZO DA COMARCA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores PEDRO DE ALCÂNTARA DA SILVA LEME FILHO (Presidente sem voto), CLARA MARIA ARAÚJO XAVIER E SALLES ROSSI.

São Paulo, 9 de março de 2020.

ALEXANDRE COELHO

Relator

Assinatura Eletrônica

APELAÇÃO – RETIFICAÇÃO DE ASSENTO DE REGISTRO CIVIL – EXCLUSÃO DO PATRONÍMICO MARITAL E INCLUSÃO DE PATRONÍMICO AVOENGO – POSSIBILIDADE – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – INCONFORMISMO – ACOLHIMENTO – Ausência de violação à cadeia registral e de prejuízo a terceiros pelo acréscimo do sobrenome oriundo da linha familiar da avó paterna da autora e que melhor identifica a parte no seu meio social – Faculdade da autora em renunciar o patronímico marital com anuência expressa do cônjuge – Sentença reformada – DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Trata-se de apelação interposta pela autora contra a respeitável sentença, cujo relatório ora se adota, que julgou improcedente a ação de retificação de assento de registro civil por ela proposta.

A respeitável sentença julgou improcedente a ação. No seu decidir, o magistrado de primeiro grau entendeu que em respeito à cadeia registral, descabe a alteração quando o sobrenome que se pretende incluir não foi transmitido ao ascendente imediato. No caso, o sobrenome da avó paterna não teria sido acrescentado ao de seu genitor, sendo evidente a descontinuidade da cadeia registral. Fundamentou que a regra é da imutabilidade do nome sendo a exceção admitida em evidente justa causa e demais hipóteses previstas em lei. Em relação a exclusão do sobrenome marital entendeu que uma vez que a autora optou por usá-lo, a escolha tornou-se definitiva devendo perdurar até o divórcio ou óbito de seu cônjuge.

Em apelação, a recorrente pugna pela reforma da respeitável sentença, a fim de a ação ser julgada procedente. Sustenta que em razão da obtenção da cidadania italiana necessita da inclusão do sobrenome de sua avó e que a exclusão do sobrenome de seu marido é uma faculdade, além do que, houve a anuência de seu cônjuge. Discorreu sobre o direito personalíssimo e a evolução do entendimento a respeito do uso do nome. Afirma que não há risco para terceiros e não possui nenhuma mácula em seu nome conforme certidões acostadas, além de obter parecer favorável do Ministério Público.

A D. Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso.

Não houve oposição ao julgamento virtual.

É o breve relatório.

Atendidos os pressupostos de admissibilidade, o recurso é recebido com efeito suspensivo (artigo 1.012, caput, do CPC).

Com a razão está a apelante.

Muito embora em nosso ordenamento jurídico se tenha como princípio a imutabilidade do nome civil, referida norma não é absoluta e comporta flexibilização para salvaguardar outros direitos, como no caso, o da dignidade da pessoa.

O nome da pessoa se constitui direito personalíssimo, nos termos do art. 16 do Código Civil, que estabelece que “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”.

A questão se reveste de inegável interesse e relevância por se tratar o nome de um dos direitos da personalidade, razão pela qual a solução para questionamentos acerca da matéria não pode ser encontrada senão à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, que rege o ordenamento jurídico pátrio e que vai muito além dos interesses sociais e da segurança jurídica.

Na hipótese, a autora pretende acrescer ao seu nome o sobrenome da avó paterna que foi suprimido do nome de seu genitor e excluir o sobrenome de seu marido, que conta com a anuência do mesmo. Refere que tal acréscimo faz valer a sua vontade em tentar ser reconhecida como cidadã italiana em razão de sua ascendência, além de conectá-la aos seus ascendentes e que a exclusão do sobrenome marital é uma faculdade autorizada pela lei 6.015/73 quando ouvido o cônjuge que, no presente caso, declarou expressamente a sua anuência.

E de fato é realmente isso o que se dá.

Com efeito, o acréscimo do sobrenome da linha paterna serve a ligar a pessoa da autora à família de seu genitor e não constitui qualquer ofensa à cadeia registral.

As razões para a ausência do sobrenome avoengo do nome de seu genitor pouco importam, devendo se observar apenas que o sobrenome que se pretende acrescentar provém de linha ancestral da autora e que poderia ter-lhe sido atribuído por ocasião do registro de nascimento da parte.

E não há, ainda, qualquer prejuízo à cadeia registral familiar.

Também não há qualquer óbice para que seja excluído o sobrenome marital.

Vale também ressaltar a manifestação da D. Representante da PGJ, fls. 199/203, quanto ao assunto:

“A apelante pretende suprimir os patronímicos do marido, adotados quando do casamento, ainda que mantido o vínculo conjugal, e incluir o patronímico de sua avó paterna, passando de CARMEN LUCIA CAMARGO ROCHA PAIM DE ARAUJO para CARMEN LUCIA CAMARGO ROCHA CALABRIA (fls. 63).

É certo que a Lei de Registros Públicos, tem por regra a imutabilidade do nome, entretanto, a imutabilidade vem sendo cada vez mais flexibilizada pela jurisprudência pátria, na medida em que, reconhecendo que o nome é elemento inerente à personalidade, o E. Tribunal Bandeirante e o C. Superior Tribunal de Justiça já assentaram ser possível sua modificação.

A apelante quando do casamento, exerceu a faculdade para adoção do nome de casada. A esse propósito, o Código Civil atual reproduziu o artigo 240 do Código Civil de 1916, quanto ao nome da mulher casada, no sentido de que qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro (art.1565, §1º C.C.).

Admite-se que se trata de um direito que poderá ser exercido a qualquer tempo na constância do casamento e, por ser uma faculdade, poderá o cônjuge renunciar o direito ao uso dos apelidos do outro, restabelecendo o nome original (STJ REsp. 363.794/DF– DJU 30/09/2002).

Diante disso nada tenho a opor quanto à supressão dos patronímicos do marido, que inclusive anuiu com a supressão de “Paim de Araújo”(fl. 44) para a recorrente voltar a usar o nome de solteira”

(…)

Com relação ao acréscimo de patronímico comprovadamente pertencente ao ramo familiar, não existe vedação legal, ao contrário, além de se constituir em direito, permite a melhor identificação do indivíduo com suas origens, no caso concreto com ramo da avó paterna, SANTINHA CALABRIA ROCHA.

(…)

Os documentos juntados, notadamente a certidão de nascimento da recorrente (fls. 08), comprovam à saciedade que avó paterna da apelante ostentava o nome “Calabria” cuja inclusão deseja. Cabe observar que o nome da avó paterna merece retificação no respectivo assento de nascimento pois se encontra abreviado justamente no nome em questão, devendo constar avó paterna SANTINHA CALABRIA ROCHA.

Quanto à questão da continuidade, embora me filie ao atual entendimento esposado na r. sentença, há que se ponderar que “ Calabria” que se pretende acrescentar, somente não foi adotado pelo pai da recorrente, mas figura no registro de nascimento retificando, no nome de família da avó paterna, sendo possível identificar no próprio registro, a origem do nome. Diante desta circunstância, há que se considerar preservada a continuidade.

Ainda, pelas certidões juntadas, é possível afirmar que a alteração não será prejudicial a terceiros (fls. 65/110 e 118/120.”.

Disso resta justificado o pedido da autora, ainda que tardio, para a retificação de seu nome, para a inclusão de sobrenome avoengo e exclusão do sobrenome marital.

Jose Roberto Neves Amorim e Vanda Lúcia Cintra Amorim, a respeito da matéria, lecionam:

“Neste diapasão, a jurisprudência tem admitido reiteradamente a inclusão do patronímico sobrenome avoengo, ainda que os genitores não tenham com ele sido registrado. Uma vez lavrado o assentamento do nascimento, deverá ser requerida a inclusão de outro apelido de família por meio de ação judicial, cujo foro competente é o da residência do requerente. No caso de ter atingido a maioridade é conveniente instruir a inicial com certidões dos distribuidores forenses” (Direito ao nome da pessoa física, 2 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 52 grifou-se)

Em casos análogos, em que se pretendeu a inclusão de apelido avoengo, a jurisprudência deste E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é no seguinte sentido:

“AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. Pretensão improcedente, na origem, sob a premissa da imutabilidade do nome. Apelo do autor. Acréscimo de sobrenome da avó paterna. Justo motivo. Preservação do nome de família e origens. Inexistência de vedação legal para a alteração pretendida, sobretudo, quando inexistentes indícios de fraude ou prejuízo em desfavor de terceiros. Recurso provido.”. (TJSP; Apelação 0001733-45.2010.8.26.0262; Relator (a): Alexandre Bucci; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Itaberá – Vara Única; Data do Julgamento: 21/10/2014; Data de Registro: 21/10/2014).

“Ação de retificação de registro de nascimento. Acréscimo de patronímico da avó materna. Pretensão à obtenção de cidadania japonesa. Justo motivo. Preservação do nome de família e origens. Recurso provido.”. (TJSP; Apelação 0275267-82.2009.8.26.0000; Relator (a): Araldo Telles; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro de Pompéia 1. VARA CIVEL; Data do Julgamento: 22/07/2014; Data de Registro: 25/07/2014)

Destarte, a retificação do nome da autora é de rigor, devendo o apelo ser provido.

Eventuais embargos declaratórios serão julgados em sessão virtual, salvo se manifestada oposição na própria petição de interposição dos embargos, entendendo-se o silêncio como concordância.

Ante o exposto, pelo presente voto, DÁ-SE PROVIMENTO ao recurso, nos termos supraexpostos.

ALEXANDRE COELHO

Relator

(assinatura eletrônica) – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1070862-09.2019.8.26.0100 – São Paulo – 8ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Alexandre Coelho – DJ 13.03.2020

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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