Registro civil – Casamento religioso – Pretensão ao registro tardio de casamento de ascendentes falecidos com o objetivo de instruir pedido de obtenção de cidadania italiana – Prova suficiente da celebração do casamento na esfera religiosa antes da entrada em vigor do Decreto 181 de 1890 e da Constituição da República de 1891 – Época em que o registro dos casamentos era realizado pela Igreja Católica – Admissibilidade da retificação pretendida – Sentença mantida – Recurso improvido.


  
 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1049455-44.2019.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, são apelados TATIANA MORALES DE ALBUQUERQUE PEREIRA, NATASHA MORALES DE ALBUQUERQUE PEREIRA, MARINÉIA MECCHI MORALES DE ALBUQUERQUE PEREIRA e CLEIDE MECCHI MORALES.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RUI CASCALDI (Presidente) e JOSÉ EDUARDO MARCONDES MACHADO.

São Paulo, 25 de março de 2020.

AUGUSTO REZENDE

Relator

Assinatura Eletrônica

Apelação nº 1049455-44.2019.8.26.0100

Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo

Apeladas: Tatiana Morales de Albuquerque Pereira e outras

Juiz de primeiro grau: Leticia Antunes Tavares

Comarca: São Paulo

Voto nº 9.814

Registro civil. Casamento religioso. Pretensão ao registro tardio de casamento de ascendentes falecidos com o objetivo de instruir pedido de obtenção de cidadania italiana. Prova suficiente da celebração do casamento na esfera religiosa antes da entrada em vigor do Decreto 181 de 1890 e da Constituição da República de 1891. Época em que o registro dos casamentos era realizado pela Igreja Católica. Admissibilidade da retificação pretendida. Sentença mantida. Recurso improvido.

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra a r. sentença de fls. 270/274 que julgou procedente pedido de registro tardio de casamento de ascendentes falecidos das autoras.

Sustenta-se, em síntese, a impossibilidade jurídica do pedido, ante a ausência de previsão legal para lavratura de assento de casamento tardio; que o registro tardio depende de ação judicial, excluída a via administrativa; a falta de interesse jurídico a embasar o pedido, uma vez que o matrimonio realizado já é considerado válido, por ter sido celebrado conforme os ditames legais da época em que ocorreu.

Recurso tempestivo, contrarrazoado e dispensado de preparo.

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento (fls. 341/344).

É o relatório.

ARGUMENTAÇÃO E DISPOSITIVO

As autoras buscam, dentre outros pedidos, registro tardio de casamento de seus ancestrais Pietro Mecchi e Maria Schebbli, pretendendo com isso obter cidadania italiana.

O artigo 109 da Lei de Registros Públicos prevê a possibilidade de restauração, suprimento ou retificação de assentamento no Registro Civil, cabendo ao interessado fazer a prova do que pretende restaurar, suprir ou retificar.

No caso dos autos, efetuadas as pesquisas pertinentes, verifica-se que realmente não foi lavrado o registro civil de casamento (fls. 45/46).

De outro lado, o documento de fls. 44 comprova que Pietro e Maria casaram-se na Paróquia de São João Batista, na cidade de Rio Claro SP, em 26/11/1887. E se nascido filho legítimo do casal (fls. 47 e 49/50), eì de se presumir, especialmente considerando os costumes mais rigorosos da época, que de fato houve casamento regular perante as autoridades eclesiásticas ao menos algum tempo antes.

A celebração religiosa do casamento ocorreu, ao que tudo indica, em data anterior aÌ entrada em vigor do Decreto n. 181 de 24 de janeiro de 1890, que instituiu o casamento civil no Brasil; bem como em data anterior aÌ da Constituição da República de 1891.

Como já assentado:

Naquele tempo, ainda não se havia estabelecido o casamento civil, conforme lembra Rolf Madaleno: ‘no Brasil, o casamento religioso prevaleceu ao tempo do Império, preconizando a Igreja a sua competência exclusiva para celebrar os matrimônios dos cristãos, existindo, então, apenas o casamento eclesiástico para a união legítima dos cônjuges. O casamento civil foi proclamado com a Constituição da República de 1891, que passou a reconhece^-lo como a única modalidade de matrimônio válido, (…).’ (Curso de direito de família, 6a ed., Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 114). (…)

Também não se considera que o Decreto 9.886 de 07 de marco de 1888 tenha estabelecido a obrigatoriedade do registro do casamento civil, afastando os efeitos jurídicos dos casamentos celebrados apenas no âmbito religioso. A análise de seus dispositivos permite concluir que seu intuito foi tão somente o de estabelecer e regulamentar um sistema de registro civil, para dar execução ao art. 2º da Lei 1.829/1870, que impôs ao governo o dever de organizar ‘o registro dos nascimentos, casamentos e óbitos’.

Tem-se, assim, a mera criação de uma estrutura administrativa capaz de promover o recenseamento da população, em um momento de ruptura política, sem comprometer a validade ou a eficácia dos casamentos celebrados exclusivamente na esfera religiosa. A obrigatoriedade do casamento civil foi introduzida apenas com o Decreto 181/1890, em seu art. 1º, segundo o qual: ‘As pessoas, que pretenderem casar-se, devem habilitar-se perante o official do registro civil (…)’; tendência consolidada pela Constituicao da República de 1891, em seu art. 72, § 4o, segundo o qual: ‘A Republica sóì reconhece o casamento civil, cuja celebração seráì gratuita’.” (Apelação Cível nº 1084867-70.2018.8.26.0100, Rel. Claudio Godoy, 1ª Câmara de Direito Privado, j. 22/10/2019).

Nesse contexto, era mesmo o caso de se reconhecer a existência de vínculo matrimonial entre Pietro e Maria a permitir o registro civil tardio.

Em hipóteses análogas, já decidiu esta Corte:

REGISTRO CIVIL. CASAMENTO RELIGIOSO. PRETENSÃO AO REGISTRO TARDIO DE CASAMENTO DE ASCENDENTES FALECIDOS, COM O ÚNICO OBJETIVO DE INSTRUIR PEDIDO DE OBTENÇÃO DE CIDADANIA ITALIANA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO. ACOLHIMENTO. FACULTASE AOS DESCENDENTES REQUERER O REGISTRO TARDIO DE ANTEPASSADO, EM FACE DA INEXISTÊNCIA DE REGISTRO PÚBLICO À ÉPOCA. COMPROVAÇÃO DO CASAMENTO RELIGIOSO CELEBRADO, COM A FORMAÇÃO DE PROLE. ÉPOCA DE TRANSIÇÃO ENTRE OS REGISTROS PAROQUIAIS E A EXIGÊNCIA DE REGISTRO CIVIL PERANTE O CARTÓRIO. PRETENSÃO QUE NÃO VIOLA DIREITO PÚBLICO, NEM CAUSARÁ PREJUÍZOS A TERCEIROS OU LESÃO A INTERESSE ALHEIO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. (Apelação Cível nº 1005467-67.2018.8.26.0565, Rel. Coelho Mendes, 10ª Câmara de Direito Privado, j. 08/10/2019);

Registro Civil. Pretensão ao registro tardio de casamento de ascendentes falecidos, com o único objetivo de instruir pedido de obtenção de cidadania italiana. Sentença de improcedência. Inconformismo. Acolhimento. Faculta-se aos descendentes requerer o registro tardio de antepassado, em face da inexistência de registro público à época. Comprovação do casamento religioso celebrado em 1899, com a formação de prole. Época de transição entre os registros paroquiais e a exigência de registro civil perante o cartório. Pretensão que não viola direito público, nem causará prejuízos a terceiros ou lesão a interesse alheio. Sentença reformada. Recurso provido. (Apelação Cível nº 1073406-04.2018.8.26.0100; Rel. Rômolo Russo, 7ª Câmara de Direito Privado, j. 22/02/2019);

Registro Civil – Pedido de registro de casamento de ascendentes para instruir requerimento de cidadania italiana – Prova suficiente da realização do casamento em outubro de 1886 – Época em que o registro dos casamentos era realizada pela Igreja Católica – Admissibilidade do registro. Recurso provido. (Apelação Cível nº 1127476-68.2018.8.26.0100, Rel. Luis Mario Galbetti, 7ª Câmara de Direito Privado, j. 01/06/2019).

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

É o meu voto.

Augusto Rezende

Relator – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1049455-44.2019.8.26.0100 – São Paulo – 1ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Augusto Rezende – DJ 02.04.2020

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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