Inventário – Decisão que deixa de determinar a colação de metade do único imóvel doado pelo “de cujus” a uma de suas filhas – Desacerto – Possível colacionar metade do imóvel doado pelo autor da herança a uma de suas filhas, independentemente do ajuizamento de ação autônoma para reconhecer que se tratou de doação inoficiosa – Doação abrangeu todo o patrimônio do casal, que se resumia a um único bem imóvel – Inoficiosa a doação feita pelo “de cujus” e seu cônjuge supérstite – Não se cogita de doação universal, uma vez que os doadores reservaram para si o usufruto vitalício do prédio – Não é necessário que a nulidade da doação seja declarada em ação autônoma, pois a donatária (ora agravada) anuiu ao esboço de partilha que busca igualar os quinhões da tia e das sobrinhas, concordando expressamente com a colação – No caso, o bem inteiro deve ser objeto de colação para fins de partilha, já que a doação de ascendente a descendente (na parte que ultrapassa a parte disponível) importa mero adiantamento de herança, a teor do artigo 544 do CC – Deve ser colacionada metade do imóvel doado pelo autor da herança à filha CECÍLIA (ora agravada), independentemente do ajuizamento de ação autônoma para declarar a nulidade da doação inoficiosa – Recurso provido.


  
 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2023509-28.2020.8.26.0000, da Comarca de Campo Limpo Paulista, em que são agravantes WANDA MICELI DIAS DE SÁ, CAMILA DIAS DE SÁ (INVENTARIANTE), BEATRIZ DIAS DE SÁ e JOÃO JUSTO DIAS DE SÁ (ESPÓLIO), é agravado O JUÍZO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RUI CASCALDI (Presidente sem voto), CHRISTINE SANTINI E CLAUDIO GODOY.

São Paulo, 31 de março de 2020.

FRANCISCO LOUREIRO

Relator

Assinatura Eletrônica

Agravo de Instrumento nº 2023509-28.2020.8.26.0000

Processo 1º Instância n.º 1002883-19.2018.8.26.0115

Comarca: CAMPO LIMPO PAULISTA

Juiz: GABRIELA DA CONCEIÇÃO RODRIGUES

Agvte: WANDA MICELI DIAS DE SÁ E OUTROS

Agvdo: CECÍLIA DIAS DE SÁ

VOTO Nº 35.384

INVENTÁRIO. Decisão que deixa de determinar a colação de metade do único imóvel doado pelo “de cujus” a uma de suas filhas. Desacerto. Possível colacionar metade do imóvel doado pelo autor da herança a uma de suas filhas, independentemente do ajuizamento de ação autônoma para reconhecer que se tratou de doação inoficiosa. Doação abrangeu todo o patrimônio do casal, que se resumia a um único bem imóvel. Inoficiosa a doação feita pelo “de cujus” e seu cônjuge supérstite. Não se cogita de doação universal, uma vez que os doadores reservaram para si o usufruto vitalício do prédio. Não é necessário que a nulidade da doação seja declarada em ação autônoma, pois a donatária (ora agravada) anuiu ao esboço de partilha que busca igualar os quinhões da tia e das sobrinhas, concordando expressamente com a colação. No caso, o bem inteiro deve ser objeto de colação para fins de partilha, já que a doação de ascendente a descendente (na parte que ultrapassa a parte disponível) importa mero adiantamento de herança, a teor do artigo 544 do CC. Deve ser colacionada metade do imóvel doado pelo autor da herança à filha CECÍLIA (ora agravada), independentemente do ajuizamento de ação autônoma para declarar a nulidade da doação inoficiosa. Recurso provido.

Cuida-se de Agravo de Instrumento, com pedido de efeito ativo, tirado de decisão (fls. 280/281 dos autos digitais de primeira instância; aclarada às fls. 293/294) que, nos autos do inventário dos bens deixados por JOÃO JUSTO DIAS DE SÁ, deixou de determinar a colação de metade do único imóvel doado pelo autor da herança a uma de suas filhas.

Fê-lo o decisum recorrido, na parte que interessa ao presente recurso, nos seguintes termos:

“Vistos.

Trata-se a presente ação de inventário dos bens deixados por João Justo dias de Sá, falecido em 14 de outubro de 2018, casado com Wanda Miceli Dias de Sá pelo regime de comunhão universal de bens, que teve dois filhos: Cecília Dias de Sá e Luiz Dias de Sá (falecido em 2005) casado com Salete Dias de Sá, que deixou duas filhas: Camila Dias de Sá e Beatriz Dias de Sá estas, portanto, netas do de cujus.

[…]

Quanto ao imóvel que foi doado na porção de 100% para uma das herdeiras, tendo sido alegado que não foi respeitado à legitima, outra decisão não é possível, senão de que também não cabe discussão nos presentes autos, pois não faz mais parte do monte mor.

Deverá a patrona intentar os meios próprios ou para anulação da doação ou considerando-se o consenso entre as partes deverá a herdeira Cecília, se assim entender, proceder a doação da cota parte das demais herdeiras, também fora destes autos de inventario, pois não se refere ao falecido. No mesmo sentido, caso realizada a anulação da doação com relação a cota parte da interditada é o juízo da interdição competente para apreciação da venda.

[…]”

Aduz a requerente, em apertada síntese, que o autor da herança doou em vida seu único imóvel à filha CECÍLIA DIAS DE SÁ, o que evidencia se tratar de doação inoficiosa.

Destaca que a doação não dispensou a colação.

Sustenta a necessidade de que seja colacionada metade do imóvel doado, sem necessidade de prévia anulação do contrato em ação autônoma, pois a própria donatária reconheceu a nulidade.

Em razão do exposto, e pelo que mais argumenta às fls. 01/10, pede, ao final, o provimento do recurso.

Ausente pedido de efeito suspensivo, foi determinado o processamento deste Agravo (fls. 27/29).

Contraminuta às fls. 33/35.

Ofertou parecer a douta Procuradoria Geral de Justiça, que opina pelo provimento (fls. 40/42).

Não se opuseram as partes à realização de julgamento virtual, nos termos da Resolução nº 772/2017 do Órgão Especial deste Tribunal, disponibilizada no DJe aos 09 de agosto de 2.017 e em vigor desde a data da publicação.

É o relatório.

1. Inicialmente, admito o recurso com fundamento no parágrafo único do art. 1.015 do Código de Processo Civil vigente, de acordo com o qual cabe Agravo de Instrumento contra decisões interlocutórias proferidas no processo de inventário.

2. No mérito, o recurso comporta provimento.

A questão devolvida ao conhecimento do Tribunal neste Agravo versa, em poucas palavras, sobre a possibilidade de colacionar metade do imóvel doado pelo autor da herança a uma de suas filhas, independentemente do ajuizamento de ação autônoma para reconhecer que se tratou de doação inoficiosa.

Preservado o entendimento da MM. Magistrada de Primeira Instância, as circunstâncias do caso concreto recomendam a colação de metade ideal do imóvel.

Explico.

Doaram o autor da herança JOÃO JUSTO DIAS DE SÁ e a viúva meeira WANDA MICELI DIAS DE SÁ (interdita) o imóvel objeto da matrícula nº 40.020 do 2º Oficial de Registro de Imóveis de Jundiaí. A doação, com reserva de usufruto, teve como donatária uma das duas filhas dos doadores: a agravada CECÍLIA DIAS DE SÁ.

Cumpre destacar que o casal também tinha um filho LUIZ DIAS DE SÁ (herdeiro pré-morto), o qual deixou viúva e duas filhas.

Compulsando, verifica-se que a doação abrangeu todo o patrimônio do casal, que se resumia a um único bem imóvel. Disso decorre que é inoficiosa a doação feita pelo “de cujus” e seu cônjuge supérstite.

3. Não se cogita de doação universal, uma vez que os doadores reversaram para si o usufruto vitalício do prédio.

Reza o artigo 549 do Código Civil que “Nula é a também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento”.

Veda a lei, por norma cogente, que o doador que tenha herdeiros necessários disponha a título gratuito de quinhão maior do que aquele que poderia testar. Visa o preceito a preservar a legítima dos herdeiros necessários, evitando que por negócio gratuito inter vivos se obtenha o que proíbe a lei em negócio jurídico causa mortis. Em termos diversos, pode-se doar o quanto se pode testar.

As referidas características apresentadas pelas doações no caso em comento geram consequências distintas: a parcela das doações que invadiu a legítima deve ser declarada nula, nos termos do art. 549 do Código Civil. A consequente redução das liberalidades deve observar o disposto nos parágrafos do art. 2.007 do aludido diploma, principalmente o fato de que a redução se dará em substância (em espécie), com a restituição dos próprios bens doados que excederam a metade disponível da herança.

Ou seja, em relação às doações inoficiosas, como são consideradas nulas desde o momento em que foram celebradas em relação à parte que invadiu a legítima dos herdeiros necessários, os bens devem retornar em espécie ao monte.

Lembro que o momento adequado para verificar se a doação violou ou não a legítima é o da liberalidade, e não o da abertura da sucessão, tanto que se encontra pacificado o entendimento de que a ação para reconhecimento de doação inoficiosa pode ser ajuizada não só contra o donatário, mas também contra o doador, se este estiver vivo (cf. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Contratos Nominados II, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 129).

Na lição de Pontes de Miranda, “a ação de doação ofensiva da legitima é da mesma natureza que a ação de redução das disposições testamentárias (artigos 1726/8), apenas nasce ao ser feita a doação de modo que, de regra, nasce antes da abertura da sucessão. A nulidade pode ser decretada antes da morte do doador. Qualquer pessoa que interesse tenha pode suscitar a decretação da nulidade, mas esse interesse, de regra, só o tem o que seria herdeiro necessário ao tempo da doação” (Tratado de Direito Privado, vol. 46, p. 251; no mesmo sentido, Clóvis Bevilácqua, Código Civil Comentado, vol. IV, p. 342; Serpa Lopes, Curso de Direito Civil, vol III, p. 426; Hermenegildo de Barros, Manual Lacerda, vol. XVIII, n 35, pp. 63/64; Agostinho Alvim, Da Doação, RT, p. 181).

E, se a doação foi realmente inoficiosa, deve ser declarada nula, mas apenas na parte que invadiu a legítima.

Não é necessário que a nulidade da doação seja declarada em ação autônoma, pois a donatária (ora agravada) anuiu ao esboço de partilha que busca igualar os quinhões da tia e das sobrinhas, concordando expressamente com a almejada colação (cfr. fls. 273/274 na origem).

4. No caso concreto, o bem inteiro deve ser objeto de colação para fins de partilha. Isso porque a doação de ascendente a descendente na parte que ultrapassar a parte disponível importa em mero adiantamento de herança, a teor do artigo 544 do CC.

A conclusão de que a doação deve ser encarada como adiantamento de herança, no caso em tela, decorre da ausência de dispensa de colação na escritura pública do ato de liberalidade (cfr. fls. 61/63 na origem).

Sabido que a doação a descendentes tem natureza provisória, pois o valor dos bens será trazido à colação por ocasião da morte do doador.

A regra é excepcionada pela previsão dos artigos 2.005 e 2.006 do Código Civil, que tratam da doação com dispensa da colação. Ocorre que, no presente caso, o autor da herança e sua esposa não realizaram aludida dispensa, prevalecendo a regra do art. 544 do CC.

Dessa forma, advindo a morte de um dos doadores, deve ser colacionado o imóvel ao inventário, a fim de imputar o valor do bem ao quinhão que caberá a cada herdeira por ocasião da partilha.

5. Finalmente, observo que as doações aludidas nos acordos de fls. 51/55 e fls. 135/152 dos autos principais aparentam ter uma só motivação: evitar que venha a novamente à colação a outra metade ideal do imóvel quando do falecimento da viúva.

A doação da tia CECÍLIA DIAS DE SÁ para as duas sobrinhas, por ato inter vivos, tem o condão de igualar os quinhões da tia e das sobrinhas (que receberão um quarto do imóvel cada), o que evitará nova colação de metade do bem após o falecimento da WANDA MICELI DIAS DE SÁ (interdita).

Aliás, a própria agravada concorda com o provimento do recurso ao dizer em contraminuta que “ratifica integralmente as alegações formuladas pela agravante” (fl. 35).

6. Em suma, deve ser colacionada metade do imóvel doado pelo autor da herança à filha CECÍLIA DIAS DE SÁ, independentemente do ajuizamento de ação autônoma para declarar a nulidade da doação inoficiosa.

Dou provimento ao recurso.

FRANCISCO LOUREIRO

Relator – – /

Dados do processo:

TJSP – Agravo de Instrumento nº 2023509-28.2020.8.26.0000 – Campo Limpo Paulista – 1ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Francisco Loureiro – DJ 02.04.2020

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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