Registro Civil de Pessoas Jurídicas – Pretensão de averbação de alteração contratual, para inclusão de espólio como sócio – Inviabilidade da averbação – As quotas sociais que pertenciam ao sócio falecido agora integram a herança e foram transmitidas aos herdeiros – Impossibilidade de participação do espólio no quadro societário – Recurso desprovido.


  
 

Número do processo: 1110650-98.2017.8.26.0100

Ano do processo: 2017

Número do parecer: 492

Ano do parecer: 2018

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1110650-98.2017.8.26.0100

(492/2018-E)

Registro Civil de Pessoas Jurídicas – Pretensão de averbação de alteração contratual, para inclusão de espólio como sócio – Inviabilidade da averbação – As quotas sociais que pertenciam ao sócio falecido agora integram a herança e foram transmitidas aos herdeiros – Impossibilidade de participação do espólio no quadro societário – Recurso desprovido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de recurso interposto por EDCAR-LOCAÇÃO DE BENS LTDA. contra a r. sentença de fls. 86/89, que julgou improcedente o pedido de providências suscitado em face da negativa do Sr. Oficial do 4º Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Capital ao pedido de averbação da Ata da Assembleia Geral Ordinária e Extraordinária, realizada em 20 de julho de 2017, com alteração no quadro societário.

Sustenta a recorrente que o Espólio de Edda Multedo Pareto possui capacidade postulatória, nos termos do art. 1.056 do Código Civil e art. 618 do Código de Processo Civil, daí decorrendo a possiblidade da averbação, já que o inventário da falecida ainda está em trâmite.

Diz ser perfeitamente possível que o espólio integre o quadro societário, por intermédio de seu representante legal, até o encerramento do inventário.

Por fim, afirma seu direito com base na boa-fé, até porque já houve averbação anterior em que constava o Espólio de Carlo Ernesto Maria Pareto como sócio no contrato social.

A D. Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fl. 129/133).

Opino.

Preliminarmente, não se tratando de procedimento de dúvida, cujo cabimento é restrito aos atos de registro em sentido estrito, verifica-se que o recurso foi denominado erroneamente de apelação.

Isso porque se busca a retificação de atos já inscritos em registros anteriores, materializados por atos de averbação, nos termos do art. 213 §1° da Lei nº 6.015/73.

Todavia, tendo em vista a sua tempestividade, possível o conhecimento e processamento do apelo como recurso administrativo, nos termos do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo (Decreto-Lei Complementar nº 03/1969).

Na matéria de fundo, independentemente dos dispositivos legais invocados, ou mesmo da vontade dos sócios remanescentes quanto à participação dos sucessores no quadro societário, fato é que o espólio não possui capacidade jurídica para a averbação pretendida.

Diz o art. 1.028 do Código Civil:

Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:

I – se o contrato dispuser diferentemente;

II – se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;

III – se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.

Por sua vez, o art. 1.031 do Código Civil assim afirma:

Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

Independentemente das previsões que constam do contrato social, que tratam da liquidação da quota e apuração de haveres no caso de morte de um sócio, é inafastável a aplicação do princípio da saisine, nos exatos termos do art. 1.784 da Lei Civil, já que, aberta a sucessão, a herança se transmite desde logo aos herdeiros legítimos e testamentários.

E não se pode confundir capacidade postulatória com capacidade jurídica. A primeira diz respeito à possibilidade de se pleitear direito próprio em seu nome, ou se defender contra pretensão de outrem, em ação judicial, tudo relacionado a institutos do processo civil.

Já a capacidade jurídica tem natureza material, vinculada à capacidade de ser parte em relação jurídica de direito material, tal como participar ou não de quadro societário.

Tais institutos, a rigor, não se confundem.

E mesmo o art. 1.056 do Código Civil, citado nas razões recursais, também diz respeito à capacidade postulatória, ao dispor que: “os direitos a ele inerentes somente podem ser exercidos (…)”, em clara referência à defesa de direitos em relação processual.

Não por outro motivo, o art. 981 da Lei Civil é expresso ao definir que “celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”. (g.n).

Ora, espólio não é sujeito de direito e deveres, tampouco é pessoa. Assim, não pode celebrar contrato de sociedade.

Desse modo, o espólio tem a incumbência de administração provisória de apuração de haveres, nos termos dos precedentes citados pela própria recorrente (fl. 105), não restando espaço para que o ente despersonalizado figure como sócio.

O ingresso no quadro societário e a participação nas deliberações sociais dependem de ato de subscrição praticado por pessoa física ou jurídica, dotada de personalidade, não podendo o espólio atuar nesse âmbito.

Cabe ao espólio lidar provisoriamente com a gestão de bens patrimoniais, o que abrange tão somente a administração do direito de crédito representado pelas quotas sociais, mas não a atuação como sócio.

No caso concreto, 31,25% do capital social permaneceriam sem titularidade determinada; a atuação do inventariante do Espólio de Edda Multedo Pareto sequer é definitiva, pois nada obsta, por exemplo, que herdeiros renunciem aos seus quinhões, o que tornaria ilegítima qualquer deliberação tomada pelo inventariante, haja vista o efeito retroativo decorrente do princípio da saisine.

Resta aos herdeiros o direito patrimonial de crédito representado pelas quotas sociais, ficando a cargo deles a opção de ingressar ou não no quadro societário, já que se trata de declaração de vontade a ser tomada com base na Lei e no ato constitutivo, face à intransmissibilidade imediata e automática da condição de sócio.

Por fim, não se acolhe a alegação de que, como houve registro anterior no qual o espólio de falecido marido foi admitido como sócio, deveria incidir a regra da venire contra factum proprium.

A teoria dos atos próprios impede que o sujeito de relação jurídica retorne sobre os próprios passos, prejudicando terceiros que confiaram na regularidade de seu procedimento, em ofensa ao princípio da boa-fé objetiva.

Ocorre que, em matéria de registros públicos, ainda que haja um comportamento inicial e duradouro, tal fato não é passível de gerar expectativa justificada de que se prosseguirá atuando naquela direção.

De fato, fora admitido, em 18/06/2004, o ingresso do espólio de Carlo Ernesto Maria Pareto como sócio, naquela situação, com natureza que deveria ser provisória, solucionada pela expedição do formal de partilha, o que não ocorreu.

Em verdade, se aceita a pretensão da recorrente, a saída do espólio de Carlo Ernesto Maria Pareto redundaria no ingresso de outro espólio no quadro societário, perpetuando-se a situação de irregularidade no quadro social.

Como bem sugerido pelo Sr. Oficial à fl. 84/85, caso um ou mais herdeiros queiram ingressar na sociedade, poderão subscrever imediatamente quotas do capital social, firmando, juntamente com os sócios remanescentes, a respectiva alteração do contrato social, deixando pendente apenas a integralização dessas quotas para o momento em que for expedido o formal de partilha.

Pelas razões expostas, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência, é pelo conhecimento da apelação como recurso administrativo, nos termos do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, e, no mérito, pelo seu desprovimento.

Sub censura.

São Paulo, 22 de novembro de 2018.

Paulo Cesar Batista dos Santos

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, recebo a apelação como recurso administrativo e a ele nego provimento. Publique-se. São Paulo, 23 de novembro de 2018. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: BRUNO OLIVEIRA MAGGI, OAB/SP 252.385.

Diário da Justiça Eletrônico de 17.12.2018

Decisão reproduzida na página 262 do Classificador II – 2018

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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