Recurso Especial – Direito das sucessões – Regime da separação legal de bens – Norma vigente à época do início da união estável – Partilha – Bem imóvel – Regime aplicável – Momento de sua aquisição – 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que é obrigatório o regime de separação legal de bens na união estável quando um dos companheiros, no início da relação, conta com mais de sessenta anos, à luz da redação originária do art. 1.641, inciso II, do Código Civil – 2. A partilha de bem imóvel submete-se ao regime de bens aplicável no momento da sua aquisição – 3. Recurso especial conhecido e provido.


  
 

RECURSO ESPECIAL Nº 1758909 – SP (2018/0199106-1)

RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO

RECORRENTE : PEDRO MOREIRA CASADO

ADVOGADO : ABDIAS CRISOSTOMO DE SOUSA FILHO – SP064814

RECORRIDO : ANTONIA GECILDA DE SOUZA

ADVOGADO : NILSON DE CARVALHO PINTO – SP347366

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DAS SUCESSÕES. REGIME DA SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS. NORMA VIGENTE À ÉPOCA DO INÍCIO DA UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA. BEM IMÓVEL. REGIME APLICÁVEL. MOMENTO DE SUA AQUISIÇÃO.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que é obrigatório o regime de separação legal de bens na união estável quando um dos companheiros, no início da relação, conta com mais de sessenta anos, à luz da redação originária do art. 1.641, inciso II, do Código Civil.

2. A partilha de bem imóvel submete-se ao regime de bens aplicável no momento da sua aquisição.

3. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.

DECISÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos etc.

Trata-se de recurso especial interposto por PEDRO MOREIRA CASADO com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas “a” e “c”, da Constituição da República contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fl. 74):

INVENTÁRIO – Sentença reconhecendo a existência de união estável entre o falecido e a agravada – Decisão que deferiu à companheira supérstite o direito de concorrer à herança, sem prejuízo do direito real de habitação – Inconformismo de um dos filhos do falecido – Desacolhimento – Companheira que faz jus não só ao quinhão de imóvel particular como também ao direito real de habitação – Decisão do Supremo Tribunal Federal reconhecendo recentemente a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil – Irrelevância de o de cujus contar com mais de 70 anos ao tempo do início da união estável – Incidência do art. 1.829, inc. I, do referido diploma legal – Decisão mantida – Recurso desprovido.

Consta dos autos que PEDRO MOREIRA CASADO interpôs agravo de instrumento contra a decisão do juízo de primeiro grau que, nos autos do inventário dos bens deixados por Leida Moreira Casado e outro, deferiu à companheira supérstite o direito de concorrer à herança, sem prejuízo do direito real de habitação.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou provimento ao recurso conforme a ementa acima transcrita.

Em suas razões de recurso especial, o recorrente alegou violação aos arts. 1 .725 e 1.642, inciso II, ambos do Código Civil de 2002, ao argumento de que, na hipótese dos autos, deve ser aplicado o regime da separação obrigatória de bens. Acenou pela ocorrência de dissídio jurisprudencial. Requereu, por fim, o provimento do recurso especial.

Houve apresentação de contrarrazões às fls. 104/109.

O Ministério Público Federal ofertou parecer às fls. 119/122.

É o relatório.

Passo a decidir.

O recurso especial merece provimento.

Discute-se nos autos, se companheira supérstite, tem direito ao recebimento de parte do bem imóvel deixado por seu companheiro, de cujus, genitor do recorrente.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao julgar o recurso de agravo de instrumento, asseverou o seguinte (fl. 75):

(…)

O recurso não merece provimento. A união estável foi reconhecida por sentença proferida em 13 de dezembro de 2012 (fls. 35/36).

Assim, é irrelevante que o de cujus estivesse com mais de 70 anos ao tempo do início da união estável. Com efeito, é aplicável à espécie o art. 1.829, inc. I, do Código Civil em razão da recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a inconstitucionalidade do art. 1.790 do referido diploma legal.

Ora, tratando-se de bem particular de Santiago Casado Minano, falecido em 24 de fevereiro de 2013 (fls. 20), a companheira supérstite Antonia Gecilda de Souza faz jus a um quinhão do bem imóvel indicado na certidão de matricula copiada a fls. 46.

Ou dito de outra forma: não se aplicam os dispositivos legais indicados na minuta recursal (arts.1.725 e 1.641, inc. II), mas sim o art. 1.829, inc. I, do Código Civil. (g.n.)

No entanto, verifica-se que o posicionamento do Tribunal de Justiça bandeirante não merece prosperar.

Consoante destacado no parecer do Ministério Púbico Federal de lavra da Dr. Sady d’Assumpção Torres Filho, Subprocurador-Geral da República, verifica-se que, no início da união estável o de cujus contava com mais de setenta anos de idade e que o imóvel em questão foi adquirido em momento anterior ao relacionamento.

Nesse contexto, consoante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é obrigatório o regime de separação legal de bens na união estável quando um dos companheiros, no início da relação, conta com mais de sessenta anos, à luz da redação originária do art. 1.641, inciso II, do Código Civil.

A propósito:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REGIME DA SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS. NORMA VIGENTE À ÉPOCA DO INÍCIO DA UNIÃO ESTÁVEL. DECISÃO MANTIDA.

1. “É obrigatório o regime de separação legal de bens na união estável quando um dos companheiros, no início da relação, conta com mais de sessenta anos, à luz da redação originária do art. 1.641, II, do Código Civil, a fim de realizar a isonomia no sistema, evitando-se prestigiar a união estável no lugar do casamento” (REsp 1403419/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/11/2014, DJe 14/11/2014).

2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1299964/DF, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 06/11/2018, DJe 22/11/2018)

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA. ESCRITURA PÚBLICA DE CONSTITUIÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. PRETENSÃO DE NULIDADE DE CLÁUSULA QUE ELEGEU O REGIME DE COMUNHÃO TOTAL DE BENS. CONVIVENTE FALECIDO QUE CONTAVA COM MAIS DE 60 (SESSENTA) ANOS NO INÍCIO DA CONVIVÊNCIA, QUANDO VIGENTE A REDAÇÃO ORIGINAL DO ART. 1.641, II, DO CÓDIGO CIVIL (REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 12.344/2010). REGIME DE BENS OBRIGATÓRIO. SEPARAÇÃO LEGAL. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. “É obrigatório o regime de separação legal de bens na união estável quando um dos companheiros, no início da relação, conta com mais de sessenta anos, à luz da redação originária do art. 1.641, II, do Código Civil, a fim de realizar a isonomia no sistema, evitando-se prestigiar a união estável no lugar do casamento” (REsp 1.403.419/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/11/2014, DJe de 14/11/2014).

2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1247639/SP, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 16/08/2018, DJe 27/08/2018)

CIVIL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C PARTILHA DE BENS. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. ART. 1.641, II, DO CÓDIGO CIVIL (REDAÇÃO ANTERIOR À DADA PELA LEI 12.344/2010). REGIME DE BENS. SEPARAÇÃO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE DE SE PRESTIGIAR A UNIÃO ESTÁVEL EM DETRIMENTO DO CASAMENTO. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. INEXISTÊNCIA. BENFEITORIA EXCLUÍDA DA PARTILHA. RECURSO DESPROVIDO.

1. Devem ser estendidas, aos companheiros, as mesmas limitações previstas para o casamento, no caso de um dos conviventes já contar com mais de sessenta anos à época do início do relacionamento, tendo em vista a impossibilidade de se prestigiar a união estável em detrimento do casamento.

2. De acordo com o art. 1.641, inciso II, do Código Civil, com a redação anterior à dada pela Lei 12.344/2010 (que elevou essa idade para setenta anos, se homem), ao nubente ou companheiro sexagenário, é imposto o regime de separação obrigatória de bens.

3. Nesse caso, ausente a prova do esforço comum para a aquisição do bem, deve ele ser excluído da partilha.

4. Recurso especial desprovido. (REsp 1369860/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 04/09/2014)

Ademais, a partilha de bem imóvel submete-se ao regime de bens aplicável no momento da sua aquisição.

A propósito:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. SEXAGENÁRIO. LEI IMPERATIVA. REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA. APLICABILIDADE. SÚMULA Nº 568/STJ. DOAÇÃO. AQUISIÇÃO. MOMENTO. CONSENTIMENTO. INEXIGIBILIDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ART. 535 DO CPC/1973. NÃO OCORRÊNCIA. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO DO RECURSO. SÚMULA Nº 284/STF. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. DISSÍDIO NÃO DEMONSTRADO.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. É inexigível o consentimento do companheiro na alienação ou doação de bem particular nas uniões estáveis submetidas por lei imperativa ao regime de bens da separação obrigatória. Na hipótese, a fundamentação adotada pelo Tribunal estadual acerca do regime aplicável se encontra em sintonia com a jurisprudência desta Corte, atraindo ao caso o teor da Súmula nº 568/STJ, aplicável a ambas as alíneas do permissivo constitucional.

3. A partilha do bem imóvel em litígio submete-se ao regime de bens aplicável no momento da sua aquisição.

4. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte.

5. Quando o artigo apontado como violado não apresenta conteúdo normativo suficiente para fundamentar a tese desenvolvida no recurso especial, incide, por analogia, a Súmula nº 284/STF.

6. A reforma do julgado demandaria o reexame do contexto fáticoprobatório, procedimento vedado na estreita via do recurso especial, a teor da Súmula nº 7/STJ.

7. A divergência jurisprudencial, nos termos do art. 541, parágrafo único, do CPC/1973 e do art. 255, § 1º, do RISTJ, exige comprovação e demonstração, esta, em qualquer caso, com a transcrição dos julgados que configurem o dissídio, a evidenciar a similitude fática entre os casos apontados e a divergência de interpretações, o que não restou evidenciado na espécie.

8. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp 1069255/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/06/2019, DJe 26/06/2019)

Ante o exposto, com base no art. 932, inciso V, do CPC/15, conheço e dou provimento ao recurso especial.

Intimem-se.

Brasília, 13 de abril de 2020.

Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO

Relator – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.758.909 – São Paulo – 3ª Turma – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJ 15.04.2020

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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