TJ/SP – Apelação – Ação declaratória – ITCMD – Divórcio – Meação – Notificação pelo Fisco – Discussão sobre a base de cálculo – Cotas sociais – A base de cálculo do tributo deve ser o valor patrimonial das cotas percebidas e não o valor de mercado dos bens utilizados para integralização do capital social da empresa – Inteligência do art. 14, §3º da Lei nº 10.705/2000 – Precedentes desta C. Corte – Bem imóvel – Base de cálculo – Valor venal de referência – Nova base de cálculo por simples decreto – Ilegalidade (arts. 150, I da CF e 97, II e IV c.c §1º do CTN) – Precedentes desta C. Corte – Bem móvel – Veículo – Autores que utilizaram como base de cálculo o valor indicado na tabela FIPE de junho/2019 (mês de referência) – Ação de divórcio que foi ajuizada em 01.07.2019 e que teve a partilha homologada em 15.08.2019 – Base de cálculo que deve ser mantida – Reexame necessário – Inexistência do recurso oficial, proveito econômico inferior a 500 salários mínimos – Inteligência do art. 496, §3º, II, do CPC/2015 – Recurso de apelação da FESP desprovido. (Nota da Redação INR: ementa oficial)


  
 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006376–96.2020.8.26.0482, da Comarca de Presidente Prudente, em que é apelante ESTADO DE SÃO PAULO, são apelados ANA SILVIA RAPOZO LUIZARI e HAROLDO LUIZARI.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores FLORA MARIA NESI TOSSI SILVA (Presidente), ISABEL COGAN E FERRAZ DE ARRUDA.

São Paulo, 8 de junho de 2021.

FLORA MARIA NESI TOSSI SILVA

Relator(a)

Assinatura Eletrônica

VOTO Nº 18.980 (processo digital)

APELAÇÃO Nº 1006376-96.2020.8.26.0482

Nº NA ORIGEM: 1006376-96.2020.8.26.0482

COMARCA: PRESIDENTE PRUDENTE (VARA DA FAZENDA PÚBLICA )

APELANTE: ESTADO DE SÃO PAULO –FESP

APELADOS: ANA SILVIA RAPOZO LUIZARI e HAROLDO LUIZARI

MM. JUÍZO DE 1º GRAU: Darci Lopes Beraldo

APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA. ITCMD. Divórcio. Meação. Notificação pelo Fisco. Discussão sobre a base de cálculo.

COTAS SOCIAIS. A base de cálculo do tributo deve ser o valor patrimonial das cotas percebidas e não o valor de mercado dos bens utilizados para integralização do capital social da empresa. Inteligência do art. 14, §3º da Lei nº 10.705/2000. Precedentes desta C. Corte.

BEM IMÓVEL. Base de cálculo. Valor venal de referência. Nova base de cálculo por simples decreto. Ilegalidade (arts. 150, I da CF e 97, II e IV c.c §1º do CTN). Precedentes desta C. Corte.

BEM MÓVEL. Veículo. Autores que utilizaram como base de cálculo o valor indicado na tabela FIPE de junho/2019 (mês de referência). Ação de divórcio que foi ajuizada em 01.07.2019 e que teve a partilha homologada em 15.08.2019. Base de cálculo que deve ser mantida.

REEXAME NECESSÁRIO. Inexistência do recurso oficial, proveito econômico inferior a 500 salários mínimos. Inteligência do art. 496, §3º, II, do CPC/2015.

RECURSO DE APELAÇÃO DA FESP DESPROVIDO.

Vistos.

Trata-se de “Ação Anulatória de Débito Fiscal com Pedido de liminar de suspensão de exigibilidade mediante depósito” movida por ANA SILVIA RAPOZO LUZINARI HAROLDO LUZINARI em face da FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO –FESP. A fim de evitar repetições transcrevo o relatório e dispositivo da r. sentença as fls. 287/295 (proferida em 02.07.2020) que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos:

“Vistos.

ANA SILVIA RAPOZO LUZINARI e HAROLDO LUZINARI, devidamente qualificados nos autos do processo em epígrafe, ajuizaram a presente Ação Anulatória de Débito Fiscal com Pedido de Tutela de Urgência em face da FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

Informa a inicial que os autores, após terem se divorciado (feito nº 1009996-53.2019), foram notificados pelo Fisco para efetivarem declaração de ITCMD de doação judicial, em razão de ter sido apurado o excesso de meação no valor de R$ 1.660.932,14, favorável à autora Ana Silvia. Alegam que há nulidade do lançamento, uma vez que a doação ocorreu em 15/08/2019, enquanto os valores utilizados pelo Fisco datam de junho/2019 e dezembro/2018, o que torna a descrição dos bens insegura e incoerente, impedindo uma defesa eficaz, violando, assim, a ampla defesa. Defendem que o valor das quotas sociais, nos termos do § 3º, do art. 14, da Lei 10.705/2000, deve refletir o valor patrimonial contábil, bem como que a base de cálculo do ITCMD em relação aos imóveis urbanos deve ser o valor venal para fins de IPTU, e não o valor de avaliação do municipal. Aduzem, por fim, que houve excesso na definição da base de cálculo do ITCMD quanto aos veículos, uma vez que ajustou os valores dos veículos em desconformidade com a tabela FIPE. Pleiteiam os requerentes a anulação do lançamento do ITCMD contra eles efetuado.

Foi concedida a suspensão da exigibilidade do débito após o depósito da quantia discutida (fls. 247/248).

Apresentou a requerida contestação (fls. 253/267), batendo-se pela total improcedência dos pedidos.

Houve réplica (fls. 279/284).

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO E DECISÃO:

[…]

“É caso então de se JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, para que o cálculo do ITCMD tenha como base o valor contábil das quotas sociais, o valor venal atribuído para fins de lançamento do IPTU dos imóveis e o valor indicado pelos autores (fls. 240) do veículo Pajero HPE 3.2 D, ano de fabricação 2018 e modelo 2019. Acaso tenha ocorrido o lançamento deve este ser cancelado e outro lançado em seu lugar. Acaso não tenha ocorrido nenhum lançamento ainda, o cálculo a ser apurado deve proceder de acordo com o decidido nesta ação.

Resolvo a ação, em primeiro grau de jurisdição, e com apreciação do mérito, nos termos do artigo 487, I, do NCPC.

Condeno a Requerida, ainda, no pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da causa. E por conta da parcial sucumbência dos autores, condeno-os ao pagamento dos honorários advocatícios, arbitrados também em 10% sobre o valor da causa, devidos à parte contrária. Dividem-se, por igual, as custas e despesas processuais (artigo 86, NCPC), com a observância da isenção da Fazenda Pública (artigo 6º da Lei Estadual nº 11.608/03). Valores atualizados monetariamente a contar da publicação da sentença. Juros de mora a contar do trânsito em julgado.

P.I.C”.

Custas recolhidas às fls. 24/29.

Apela a FESP (fls. 298/325), aduzindo, em suma, que: a) a empresa cujas quotas foram doadas não apresenta atividade comercial típica, mas destina-se unicamente à formação e administração de patrimônio imobiliário, de modo que, a única forma de se apurar o valor patrimonial real das quotas é tomando por base o valor dos bens que compõem o patrimônio da pessoa jurídica; b) o valor das quotas objeto da transmissão deve corresponder ao patrimonial real da sociedade, quando destoante, como se verifica no caso em exame, do valor contábil do patrimônio social da empresa; c) no caso dos bens móveis, avaliação pelo fisco, se deu em janeiro de 2019, conforme consta na própria notificação, logo seria impossível avaliar o veículo para no futuro, no caso, junho/2019. No início de 2019 o veículo possuía a média de R$230.000,00 elencada pela FIPE, tendo em vista que o ano de fabricação se deu em 2018; d) em relação aos bem imóveis deve ser utilizada como base de cálculo aquela do ITBI; e) está correta e deve ser mantida a autuação fiscal.

Recurso tempestivo, isento de preparo e sem contrarrazões (fl. 331).

É o relatório.

De início, aponto que a r. sentença guerreada foi proferida e publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, e é sob a ótica desse diploma processual que será analisada sua correção ou não.

No caso em apreço, por força do disposto no art. 496, §3º, inciso II do CPC/2015, não há que se falar em reexame necessário, pois o proveito econômico da presente demanda (R$ 66.437,29 fls. 244) não ultrapassa o limite imposto no inciso II daquele artigo.

Passo à análise do recurso de apelação da FESP.

No que toca à base de cálculo das cotas sociais, tem-se a dizer o seguinte.

O imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos (ITCMD), previsto no artigo 155, inciso I, da Constituição Federal, é instituído pelo Estado de São Paulo em conformidade com a Lei Estadual nº 10.705/2000, que em seu artigo 3º, inciso I, assim dispõe:

“Artigo 3º –Também sujeita-se ao imposto a transmissão de:

I –qualquer título ou direito representativo do patrimônio ou capital de sociedade e companhia, tais como ação, quota, quinhão, participação civil ou comercial, nacional ou estrangeira, bem como, direito societário, debênture, dividendo e crédito de qualquer natureza;”

O Fisco alega que os autores infringiram o art. 12, §1º, do RITCMD (aprovado pelo Decreto 46.655/2002) que assim dispõe:

“Artigo 12 –A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional (Lei 10.705/00, art. 9º, com alterações da Lei 10.992/01).

§ 1.º –Considera-se valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação”.

Contudo, no que se refere à base de cálculo do imposto incidente sobre cotas de sociedade empresarial, o artigo 14 da Lei Estadual nº 10.705/2000 assim estabelece:

“Artigo 14 –No caso de bem móvel ou direito não abrangido pelo disposto nos artigos 9°, 10 e 13, a base de cálculo e o valor corrente de mercado do bem, título, crédito ou direito, na data da transmissão ou do ato translativo.

§ 1º –A falta do valor de que trata este artigo, admitir-se–á o que for declarado pelo interessado, ressalvada a revisão do lançamento pela autoridade competente, nos termos do artigo 11.

§ 2º –O valor das ações representativas do capital de sociedades é determinado segundo a sua cotação média alcançada na Bolsa de Valores, na data da transmissão, ou na imediatamente anterior, quando não houver pregão ou quando a mesma não tiver sido negociada naquele dia, regredindo-se, se for o caso, até o máximo de 180 (cento e oitenta) dias.

§ 3º –Nos casos em que a ação, quota, participação ou qualquer título representativo do capital social não for objeto de negociação ou não tiver sido negociado nos últimos 180 (cento e oitenta) dias, admitir-se–á o respectivo valor patrimonial.”

Desta feita, a base de cálculo do ITCMD, quando da transmissão de cotas de sociedades, que não tenham sido negociadas nos últimos 180 (cento e oitenta) dias, será o respectivo valor patrimonial (valor monetário).

Importa dizer que não existe previsão legal que determine que o valor patrimonial da cota a ser utilizado como base de cálculo do ITCMD seja o valor patrimonial real (valor de mercado dos bens incorporados à sociedade empresarial), razão pela qual deve ser aceito o valor patrimonial contábil (valor patrimonial das cotas de capital social).

E, neste ponto, conforme bem pontuado pelo Exmo. Des. Ricardo Anafe, Relator da Apelação Cível n. 1020440-82.2018.8.26.0482 (j. 27.03.2020), em caso análogo aos autos:

“Consoante se observa da norma de regência, o legislador bandeirante, ao dispor sobre a transmissão de cotas de capital social pelo “respectivo valor patrimonial”, o faz valendo-se de conceito próprio do direito privado, no qual as regras societárias e contábeis delimitam os critérios para apuração do valor patrimonial de uma cota, que é o resultado da divisão do patrimônio líquido da sociedade, lançado em seu balanço patrimonial, pela quantidade de cotas em que se fraciona o respectivo capital social”.

Deste modo, o valor patrimonial é o resultado da divisão do patrimônio líquido da sociedade, pelo número de cotas em que se fraciona o capital social. O patrimônio líquido da sociedade, entretanto, varia em função dos critérios adotados na elaboração do balanço patrimonial.

Assim sendo, deve ser mantida a r. sentença que acolheu a pretensão dos autores, neste tocante.

Na mesma esteira do aqui decidido, citam-se os seguintes julgados, a título de exemplo:

“Apelação Cível. Mandado de Segurança. ITCMD – Sociedade limitada – Capital social integralizado por imóveis urbanos e rurais de acordo com os valores constantes da DIRPF do sócio – Doação de cotas – A base de cálculo da exação deve ser o valor patrimonial das cotas percebidas e não o valor de mercado dos imóveis outrora utilizados para integralização do capital social da empresa – AIIM insubsistente –Sentença reformada – Segurança concedida. Dá-se provimento ao recurso interposto”. (TJSP; Apelação Cível 1020440-82.2018.8.26.0482; Relator (a): Ricardo Anafe; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público; Foro de Presidente Prudente –Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 27/03/2020; Data de Registro: 27/03/2020)

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA. ITCMD. AUTOS DE INFRAÇÃO E IMPOSIÇÃO DE MULTA. TRANSMISSÃO DE QUOTAS DO CAPITAL SOCIAL. BASE DE CÁLCULO DO TRIBUTO. Pretensão do autor ao cancelamento do AIIM nº. 4.122.065-1, lavrado em seu desfavor, por não concordar o fisco com o valor recolhido de ITCMD sobre a transferência das cotas sociais da sociedade, fixado com base nos valores dos imóveis (ativos). Ação de improcedência na origem. Inconformismo do autor. Cabimento. Valor dos bens imóveis (ativo) que não representa o das cotas sociais, devendo ser adotado o valor patrimonial contábil, conforme documentos apresentados ao Fisco Federal. Inteligência dos artigos 14, § 3º, da Lei Estadual nº 10.705/2000 e 182 da Lei n.º 6.404/76. Precedentes deste E. Tribunal de Justiça. Sentença reformada para julgar procedente a ação, invertidos os ônus sucumbenciais. Honorários advocatícios fixados por equidade. Precedente do STJ. Recurso provido”. (TJSP; Apelação Cível 1010440-86.2019.8.26.0482; Relator (a): Djalma Lofrano Filho; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público; Foro de Presidente Prudente –Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 26/08/2020; Data de Registro: 27/08/2020)

“APELAÇÃO. AÇÃO ORDINÁRIA. ITCMD. TRANSMISSÃO DE COTAS DO CAPITAL SOCIAL. BASE DE CÁLCULO DO TRIBUTO. Aplicação do art. 14, §3º, da Lei Estadual nº 10.705/2000, que estabelece como base de cálculo do ITCMD, na hipótese de transmissão de cota do capital social que não tenha sido negociada nos últimos 180 dias, o valor patrimonial da cota. Impossibilidade de utilização do valor nominal, diante da ausência de previsão legal. Jurisprudência deste Tribunal, ademais, que tem adotado o valor patrimonial contábil das cotas, diante da ausência de definição legal do conceito de valor patrimonial. Possibilidade, porém, de a FESP, em caso de discordância do valor contábil declarado, instaurar procedimento administrativo de arbitramento, nos termos do art. 11 da LE nº 10.705/2000. Ônus sucumbencial. Inaplicabilidade do art. 86, parágrafo único, do CPC, por não se tratar de hipótese de sucumbência em parte mínima do pedido. Sentença mantida. Recurso de apelação e recurso adesivo não providos”. (TJSP; Apelação Cível 1000755-17.2018.8.26.0506; Relator (a): Marcelo Semer; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Público; Foro de Ribeirão Preto –2ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 18/12/2020; Data de Registro: 18/12/2020)

“MANDADO DE SEGURANÇA – ITCMD – Alegação de que as autoridades coatoras, por ocasião de sucessão “causa mortis”, utilizaram-se do valor venal dos imóveis (ativos) que integram o patrimônio da empresa transferida, como base de cálculo do ITCMD, ao invés de utilizarem o valor patrimonial das quotas de capital social efetivamente transferidas, conforme determina o art. 14, §3º, da Lei nº 10.705/00 – Pretensão de obter a anulação dos autos de infração nº 4.123.329-3, 4.124.373-0 e 4.123.184-3 – Possibilidade – Base de cálculo do ITCMD, na hipótese de transmissão “causa mortis” de quotas sociais, que deve corresponder ao valor patrimonial (contábil) – Inteligência do Art. 14, §3º, da Lei nº 10.705/2000 – Precedentes deste Egrégio Tribunal de Justiça – Sentença que concedeu a segurança mantida. Reexame necessário e recurso voluntário desprovidos”. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1053463-91.2019.8.26.0576; Relator (a): Oscild de Lima Júnior; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro de São José do Rio Preto –2ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 26/11/2020; Data de Registro: 01/12/2020).

No que se refere a base de cálculo dos bens imóveis, temse a dizer o seguinte.

A alteração da base de cálculo do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos) incidente sobre os imóveis urbanos, por meio do Decreto nº 55.002, de 09 de novembro de 2009, que acabou por ensejar a majoração do tributo em razão da substituição da sua base de cálculo, é ilegal.

O Decreto nº 55.002, de 09 de novembro de 2009, alterou a base de cálculo do ITCMD substituindo o valor venal do IPTU como regra, e como piso mínimo, pelo valor venal de referência, o que viola os princípios da legalidade tributária, eis que alteração de tal monta só seria admissível por meio de Lei em sentido estrito.

As alterações da base de cálculo do ITCMD, por meio do Decreto n° 55.002/09, especificamente, aludem à nova redação por este dada ao parágrafo único do art.16 do Decreto Estadual nº 46.655/2002, a saber:

“O valor da base de cálculo, no caso de bem imóvel ou direito a ele relativo será (Lei 10.705/00, art.13): I–em se tratando de: a) urbano, não inferior ao fixado para o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana IPTU”(….) “Parágrafo único –Poderá ser adotado, em se tratando de imóvel:” (…) “2–urbano, o valor venal de referência do Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis ITBI divulgado ou utilizado pelo município, vigente à data da ocorrência do fato gerador, nos termos da respectiva legislação, desde que não inferior ao valor referido na alínea “a” do inciso I, sem prejuízo da instauração de procedimento administrativo de arbitramento da base de cálculo, se for o caso.”

Ocorre que a lei instituidora do ITCMD nº 10.705, de 28 de dezembro de 2000, dispõe, apenas, que a base de cálculo do imposto será o valor venal do bem (art. 9º).

Da análise conjunta dos diplomas legais apontados observasse que a Lei Estadual nº 10.705/2000 não vinculou a base de cálculo do referido tributo ao valor venal de referência do ITBI utilizado pelo Município, como fez o Decreto Estadual nº 55.002/09, o que se mostra em contradição com o entendimento dominante, segundo o qual somente a lei pode criar ou majorar tributos, consoante estabelecem os artigos 97 incisos II e IV c.c § 1º, do CTN.

Nesta esteira, veda-se que simples decreto ou interpretação dotada de parcialidade possam gerar ou majorar tributos. Consabido, somente a lei estaria imbuída de tais funções, consoante estatuem o art. 150 I da CRFB e o art. 97 II e IV e seu §1º, do CTN.

As inovações do aludido decreto tiveram por consequência, portanto, um aumento considerável e de vulto nos valores do ITCMD, fato verdadeiro, que só poderia ocorrer por cumprimento de lei e não de decreto, consoante ao estatuído no artigo 150, I, da Constituição Federal e artigo 97, §1° do CTN.

E neste sentido há precedentes desta C. Corte, verbis:

“TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – ITCMD – BASE DE CÁLCULO –Sentença que reconheceu que a base de cálculo do ITCMD, no tocante aos bens imóveis, deve corresponder ao valor venal utilizado para o lançamento do IPTU – Manutenção – A estipulação do valor venal do ITBI como base de cálculo do ITCMD, pelo artigo 16 do Decreto nº 46.655/2002, ultrapassa as disposições dos artigos 155, inciso I, da Constituição Federal, 38 do Código Tributário Nacional e 9º da Lei Estadual de São Paulo nº 10.705/2000 – Impõe-se, assim, a utilização do valor venal atinente ao IPTU como base de cálculo do ITCMD – Precedentes – Reexame necessário não provido”. (TJSP; Remessa Necessária Cível 1013932-15.2019.8.26.0053; Relator (a): Spoladore Dominguez; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público; Foro Central –Fazenda Pública/Acidentes –15ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 14/04/2020; Data de Registro: 14/04/2020)

“REEXAME NECESSÁRIO MANDADO DE SEGURANÇA –ITCMD – Imóvel urbano –Recolhimento do tributo, conforme previsão do Decreto Estadual n. 55.002/09 que regulamentou a Lei nº 10.705/2000, adotando como base o valor de mercado e não a base de cálculo do IPTU – Impossibilidade –Recolhimento do tributo, conforme previsão do Decreto Estadual n. 55.002/09 –Inadmissibilidade de aumento de tributação por meio de decreto –Ofensa aos princípios da legalidade e da anterioridade –Inteligência do artigo 97, inciso II, § 1º, do Código Tributário Nacional – Sentença mantida –Recurso oficial desprovido”. (TJSP; Remessa Necessária Cível 1062877-33.2019.8.26.0053; Relator (a): Silvia Meirelles; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes –15ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 17/04/2020; Data de Registro: 17/04/2020)

“Mandado de Segurança –ITCMD –Base de cálculo –Valor venal do imóvel, utilizado para cálculo do IPTU – Possibilidade – Precedentes –Sentença de concessão da segurança – Recurso desprovido”. (TJSP; Remessa Necessária Cível 1031118-51.2019.8.26.0053; Relator (a): Osvaldo Magalhães; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Público; Foro Central –Fazenda Pública/Acidentes –4ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 17/04/2020; Data de Registro: 17/04/2020)

“MANDADO DE SEGURANÇA –Base de cálculo do ITCMD – Imóveis urbanos situados no Município de São Paulo Utilização do valor venal dos imóveis para fins de IPTU – Possibilidade – Ilegalidade na majoração do tributo advinda da nova redação do art. 16, parágrafo único, do DE nº 46.655/02, pelo DE nº 55.002/09 –Precedentes –Sentença mantida –Reexame necessário não provido”. (TJSP; Remessa Necessária Cível 1045770-73.2019.8.26.0053; Relator (a): Luís Francisco Aguilar Cortez; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Público; Foro Central –Fazenda Pública/Acidentes –15ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 17/04/2020; Data de Registro: 17/04/2020)

“APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA – ITCMD – BASE DE CÁLCULO – ALTERAÇÃO POR DECRETO – IMPOSSIBILIDADE. 1. Fisco Estadual que por meio de Decreto n.º 55.002/2009 adotou valor venal para fins de lançamento do ITBI como base de cálculo do ITCMD. Ofensa ao princípio da legalidade. Lei Estadual n.º 10.705/2000 que prevê o valor venal para fins de IPTU como base de cálculo mínima. Alteração que, de fato, criou nova base de cálculo sem, contudo, haver o mínimo respaldo legal. Precedentes desta Corte.. 2. Direito à isenção de recolhimento do ITCMD, pois no caso concreto foi realizada a transferência de apenas 50% do imóvel objeto da partilha de bens deixados pelo de cujus. Recurso da impetrante provido. Remessa necessária desprovida”. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1017436-29.2019.8.26.0053; Relator (a): Nogueira Diefenthaler; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Público; Foro Central –Fazenda Pública/Acidentes –5ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 16/04/2020; Data de Registro: 17/04/2020)

Assim sendo, também correta a r. sentença neste tocante.

Por fim, no que se refere à base de cálculo dos bens móveis (veículos), tem-se a dizer o seguinte.

O art. 14 da Lei nº 10.705/2000 estabelece que:

“Art. 14. No caso de bem móvel ou direito não abrangido pelo disposto nos artigos 9°, 10 e 13, a base de cálculo e o valor corrente de mercado do bem, título, crédito ou direito, na data da transmissão ou do ato translativo”.

No caso, entendo que a tabela FIPE é aquela que melhor expressa os preços médios do mercado efetivamente praticados. Neste sentido, a título exemplificativo:

“Mandado de segurança. Diferença de ITCMD. Base de cálculo incidente sobre o valor médio da terra-nua e das benfeitorias divulgado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Inadmissibilidade. Adoção do valor venal do ITR lançado no exercício. Base de cálculo para automóvel. Utilização da Tabela FIPE. Cabimento. Reexame necessário desprovido”. (TJSP; Remessa Necessária Cível 1003353-35.2017.8.26.0196; Relator (a): Borelli Thomaz; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público; Foro de Ribeirão Preto –1ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 15/05/2019; Data de Registro: 16/05/2019).

Por sua vez, como bem indicado pela r. sentença:

“Com relação ao veículo Pajero HPE 3.2 D, ano de fabricação 2018 e modelo 2019, razão assiste aos autores.

Para análise do valor pela tabela FIPE, deve se levar em consideração o ano de fabricação do veículo, que é mais condizente com seu valor. Tanto é assim que, em consulta à tabela FIPE, observa-se que o modelo do veículo indicado no CRLV de fls. 233 só consta até o ano de 2018, sendo que no ano de 2019 há alteração para uma categoria superior (Pajero Full)”.

Importa esclarecer que os autores alegam que o ajuizamento da ação de divórcio se deu em 01.07.2019, oportunidade na qual apresentou o valor do veículo em questão pela tabela FIPE. Ainda alegam que a homologação da partilha se deu em 15.08.2019.

Ao contrário do alegado pela FESP, a primeira notificação feita por ela não se deu em janeiro/2019, mas sim em dezembro/2019, conforme fls. 35/36. Em janeiro/2019 sequer havia sido distribuída a ação de divórcio pelos autores.

A FESP sequer justifica a procedência do valor de R$ 230.000,00 que afirmou, em sua notificação, ser o valor do veículo Pajero HPE (fl. 32), enquanto os autores indicaram que o valor de R$ 175.046,00 é aquele apresentado na tabela FIPE do mês de referência junho de 2019 (fl. 240).

Desta feita, em relação ao veículo Pajero HPE 3.2 D, deve ser mantida a r. sentença, não merecendo acolhimento os argumentos lançados pela FESP.

Pelos motivos acima apresentados, deve ser mantida a r. sentença de parcial procedência dos pedidos dos autores, ficando desacolhido o recurso de apelação da FESP.

Em relação ao prequestionamento, basta que as questões tenham sido enfrentadas e solucionadas no voto, como ocorreu, pois “desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais” (STJ EDCL. No RMS 18.205/SP, Rel. Min. Felix Fischer, j. 18.04.2006), mas mesmo assim, para que não se diga haver cerceamento de direito de recorrer, dou por prequestionados todos os dispositivos legais referidos na fase recursal.

Por fim, eventuais embargos de declaração serão julgados virtualmente, nos termos da Resolução nº 549/2011, com redação dada pela Resolução nº 772/2017.

Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação da FESP, mantendo-se a r. sentença, por seus próprios fundamentos e pelos aqui acrescidos.

FLORA MARIA NESI TOSSI SILVA

Relatora – –/

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1006376-96.2020.8.26.0482 – Presidente Prudente – 13ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Flora Maria Nesi Tossi Silva – DJ 15.06.2021

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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