TJ/SP – Recurso Administrativo – Pedido de alvará judicial para traslado e incineração de restos mortais – Lei Municipal de São Paulo nº 7.017, de 17 de abril de 1967 – Filhos que se declaram únicos, concordando com o pedido – Indeferimento fundado na necessidade de retificação do assento de óbito, onde consta que o falecido não tinha filhos – Desnecessidade – Relação de parentesco decorrente do registro de nascimento – Informações apresentadas pelo declarante do óbito que não obstam o exercício de pretensões por quem ostente a condição de filho, conforme o registro civil – Declaração de inexistência de outros filhos com presunção de veracidade, ausente impugnação por qualquer interessado – Possibilidade de retificação posterior do assento de óbito, sem prejudicar o pedido administrativo de incineração – Recurso provido para deferir o pedido, determinando-se a expedição de alvará para traslado e incineração.


  
 

Número do processo: 0050857-80.2019.8.26.0100

Ano do processo: 2019

Número do parecer: 71

Ano do parecer: 2020

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 0050857-80.2019.8.26.0100

(71/2020-E)

Recurso Administrativo – Pedido de alvará judicial para traslado e incineração de restos mortais – Lei Municipal de São Paulo nº 7.017, de 17 de abril de 1967 – Filhos que se declaram únicos, concordando com o pedido – Indeferimento fundado na necessidade de retificação do assento de óbito, onde consta que o falecido não tinha filhos – Desnecessidade – Relação de parentesco decorrente do registro de nascimento – Informações apresentadas pelo declarante do óbito que não obstam o exercício de pretensões por quem ostente a condição de filho, conforme o registro civil  Declaração de inexistência de outros filhos com presunção de veracidade, ausente impugnação por qualquer interessado – Possibilidade de retificação posterior do assento de óbito, sem prejudicar o pedido administrativo de incineração – Recurso provido para deferir o pedido, determinando-se a expedição de alvará para traslado e incineração.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

1. Trata-se de recurso administrativo interposto por O.A., visando a reforma da sentença que julgou improcedente o pedido de autorização de traslado e incineração dos restos mortais de seu genitor, R.A.P., entendendo pela necessidade de retificação do registro de óbito, ante a informação de que o falecido não tinha filhos. Afirmou a impossibilidade de verificação da existência de outros filhos cuja anuência é necessária, conforme o art. 2°, da Lei Municipal nº 7.017, de 19 de abril de 1967 (fls. 54/55).

2. O recurso sustenta, em resumo, que a autorização para incineração é regulada pela Lei Municipal nº 7.017, de 19 de abril de 1967, exigindo a anuência dos descendentes, na falta de manifestação em vida do de cujus, de cônjuge sobrevivente ou de ascendentes vivos. Sustenta haver prova suficiente da anuência de todos os filhos do falecido, comprovado pelo registro de nascimento seu e de sua irmã, D., sendo irrelevante a informação no registro do óbito da inexistência de filhos. Sustenta a desnecessidade de prévia retificação do registro do óbito, permitindo-se a imediata autorização para a incineração. Busca o provimento do recurso, autorizando-se por alvará o traslado e cremação dos restos mortais (fls. 64/72).

O Ministério Público de primeiro grau manifesta-se pelo provimento do recurso (fls. 82/84).

A Procuradoria Geral de Justiça opina pelo provimento do recurso (fls. 88/90).

É o relatório.

Opino.

3. Apesar da interposição do recurso com a denominação de apelação, substancialmente cuida-se de recurso administrativo previsto no art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, cujo processamento e apreciação competem a esta Corregedoria Geral da Justiça.

Assim, em atenção aos princípios da instrumentalidade e da fungibilidade ao processo administrativo, conheço do recurso.

4. Trata-se de pedido de autorização judicial para o translado e incineração dos restos mortais de R.A.P., requerido por seu filho, O.A., com fundamento na Lei Municipal nº 7.017, de 19 de abril de 1967. Descreve que, por conta do falecimento de R. ter se dado em acidente de automóvel, com morte por carbonização, exigiu o crematório autorização judicial para o ato, nos termos do art. 77, § 2° da Lei nº 6.015/1973.

A sentença recorrida indeferiu o pedido, entendendo pela necessidade de prévia retificação do registro de óbito, eis que esta consta a informação de falecimento sem filhos. E, por conta disto, entendeu pela impossibilidade de confirmação se a autorização do recorrente e de sua irmã, D., diz respeito a todos os filhos, nos termos do art. 4° c.c. art. 2°, b e § 1º, da referida lei municipal.

Consta de referida lei municipal:

Art. 1º Fica o Executivo autorizado a instituir a prática de cremação de cadáveres e incineração de restos mortais, bem como a instalar, nos cemitérios ou em outros próprios municipais, por si, pelo Serviço Funerário da Capital, ou por terceiros, através de concessão de serviços, fornos e incineradores destinados àqueles fins.

(…)

Art. 2º Será cremado o cadáver:

a) daquele que, em vida, houver demonstrado esse desejo, por instrumento público ou particular, exigida, neste último caso, a intervenção de três testemunhas e o registro do documento;

b) se, ocorrida a morte natural, a família do morto assim o desejar e sempre que, em vida, o ‘de cujus’ não haja feito declaração em contrário por uma das formas a que se refere a alínea anterior.

§ 1º Para efeitos do disposto na alínea ‘b’ deste artigo, considera-se família, atuando sempre um na falta do outro, e na ordem estabelecida, o cônjuge sobrevivente, os ascendentes, os descendentes e os irmãos, estes e aqueles últimos, se maiores.

(…)

Art. 4º Os restos mortais, após a regular exumação, poderão ser incinerados, mediante consentimento expresso da família do ‘de cujus’, observado, para esse efeito, o critério estatuído no § 1º do artigo 2°.”

A lei local deixa claro que, à falta de consentimento prévio do morto ou, sucessivamente, de autorização do cônjuge sobrevivente ou de ascendentes, haveriam de concordar com o ato todos os descendentes do falecido. Tal autorização não guarda qualquer relação com a correção das informações constantes do assento de óbito, vinculando-se exclusivamente à condição de filhos dos pretendentes, a afastar a exigência da retificação.

Segundo os autos, por conta do registro do óbito de R.A.P., ocorrido em 05.05.1980, anotou-se a informação de que o falecido não deixava filhos (fl. 5). E, por conta deste fato, entendeu o MM Juiz Corregedor Permanente pela necessidade de prévia retificação do registro do óbito, ante a insegurança de que o recorrente e sua irmã seriam os únicos filhos existentes.

A questão, em termos gerais, passa pela natureza das anotações feitas por conta do registro do óbito, com fundamento no art. 80 da Lei nº 6.015/1973, em relação à comprovação da filiação decorrente do registro de nascimento.

E, no caso, não há como se reconhecer outros efeitos que não a simples informação feita pelo declarante do óbito de que o falecido não tinha filhos, sem qualquer interferência quanto à condição de descendentes dos filhos e do direito de decidirem pelo destino dos restos mortais do pai.

As anotações feitas no registro de óbito, listadas no art. 80 da Lei nº 6.015/1973, giram em torno do fato certo da morte, mas não traduzem constituição de situações jurídicas em si mesmas. São apenas informativas, podendo ser feitas por quem não tenha segurança de todos os elementos constantes da lei no momento da informação, considerando a possibilidade da declaração por quem não seja sequer parente do falecido, conforme prevê o art. 79, números 4, 5 e 6, da Lei de Registros Públicos. Tais informações, assim, não constituem direitos, mas apenas servem para dar segurança não só da ocorrência da morte, mas para fornecer naquilo que interessa razoável número de informações a respeito do fato.

Mas tais informações não traduzem qualquer efeito quanto às relações de parentesco do falecido. A vinculação de duas pessoas pelo parentesco na linha descendente, configurando-se a condição jurídica de filho, decorre exclusivamente do registro de nascimento, nos termos do art. 1.603 do Código Civil.

Daí que a presença ou não de tal indicação no registro do óbito não altera, em nada, a realidade fáticojurídica dos filhos registrados como tal.

E, no caso, há comprovação nos autos de que o recorrente O. e sua irmã, D., são filhos do falecido, conforme certidões de nascimento de fl. 38 e fl. 41.

Tal comprovação, complementada pela informação constante no registro do óbito de G.V.P., viúva de R., de que deixava dois filhos, O.A. e D.A.V.C., bem como da escritura pública de inventário de bens de R. e G., em que constam os dois filhos como únicos herdeiros (fls. 43/48), traduz suficiente segurança no cumprimento da autorização exigida pelo art. 4° da Lei Municipal nº 7.017/1967.

Perceba-se que tanto a informação da existência de filhos constante do registro do óbito, como a declaração dos descendentes por conta do inventário de que são os únicos filhos, caracterizam ato unilateral com presunção de veracidade afastável mediante provocação de algum interessado. São declarações firmadas a partir do que consta do registro civil de nascimento, não havendo motivos para a recusa por conta da necessidade de correção de informações do registro de óbito.

Este, como dito, pode e deve ser retificado. Mas tal fato não condiciona a autorização para a incineração dos restos mortais, sendo suficiente a autorização dada pelos comprovadamente filhos.

Daí não haver dúvidas de que o recorrente cumpriu os requisitos legais, seja pela apresentação de seu pedido, seja pela concordância expressa da outra filha do falecido, D. (fls. 32/33), não havendo necessidade de prévia retificação do registro de óbito para que ali se informasse a existência destes filhos.

Observo, ainda, que a comunicação feita pelo Juízo ao Juiz Corregedor Permanente do Registro Civil da Comarca de (…), local onde está registrado o óbito, torna desnecessária nova determinação neste sentido, procedendo-se a retificação do registro independentemente de autorização de incineração dos restos mortais.

5. Assim, o parecer que submeto à consideração de Vossa Excelência, é no sentido de se dar provimento ao recurso, deferindo se o pedido de autorização para traslado e incineração dos restos mortais de R.A.P. para o Crematório Horto da Paz, expedindo-se alvará para a incineração e, posteriormente, mandado ao Cartório de Registro Civil de (…), procedendo-se a retificação do assento de óbito matrícula 115543 01 55 1980 4 00074 266 0030961-03.

Sub censura.

São Paulo, 12 de fevereiro de 2020.

Paulo Rogério Bonini

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou provimento ao recurso administrativo, para autorizar o traslado e a incineração dos restos mortais de R.A.P. Publique-se. São Paulo, 21 de fevereiro de 2020. (a) RICARDO ANAFE, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: O.A., OAB/SP: 23.663 (em causa própria).

Diário da Justiça Eletrônico de 09.03.2020

Decisão reproduzida na página 029 do Classificador II – 2020

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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