1VRP/SP: Registro de Imóveis. Escritura de confissão de dívida e dação em pagamento de direitos de devedora fiduciante em conferência de bem. Indisponibilidade em nome do devedor fiduciante. Registro indeferido.


  
 

Processo 1057231-90.2022.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Escuderia Comércio de Veículos Ltda. – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida, mantendo a exigência de prévio levantamento das ordens de indisponibilidade averbadas para que seja efetivado o registro. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: JULIA GUIMARÃES FERREIRA PINTO (OAB 428768/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1057231-90.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: Oficial do 15º de Registro de Imóveis de São Paulo

Suscitado: Escuderia Comércio de Veículos Ltda.

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 15º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Escuderia Comércio de Veículos Ltda após negativa de registro de escritura de confissão de dívida e dação em pagamento de direitos de devedora fiduciante em conferência de bem, por meio da qual a parte suscitada adquiriu de Belmetal Indústria e Comércio Ltda os direitos de propriedade resolúvel sobre o imóvel da matrícula n. 150.862 daquela serventia.

O Oficial informa que a empresa Belmetal Indústria e Comércio Ltda adquiriu a propriedade e a alienou fiduciariamente ao Banco Santander (Brasil) S/A, cujos direitos creditórios foram cedidos e transferidos para a suscitada (R.12 e Av.41, fls.151/152 e 17/171).

Entretanto, a fiduciante Belmetal está com seus bens indisponíveis, pelo que foi exigido o cancelamento prévio das diversas ordens de indisponibilidade averbadas na matrícula, as quais recaíram sobre os direitos da propriedade resolúvel da empresa fiduciante.

O Oficial reconhece a jurisprudência atual que admite a averbação da consolidação da plena propriedade em favor do credor fiduciário mesmo havendo ordem de indisponibilidade pesando contra o fiduciante inadimplente, mas entende se tratar de hipótese invertida, em que a empresa devedora está dispondo de seu próprio direito eventual. Juntou documentos às fls. 12/213.

Em manifestação dirigida ao Oficial, a parte suscitada aduz que adquiriu os créditos e acessórios relativos à carta de crédito bancário firmada pela antiga proprietária do imóvel, tornando-se credora fiduciária e, portanto, proprietária do bem nos termos do artigo 28 da Lei n.9.514/97; que as indisponibilidades são posteriores à contratação da alienação fiduciária do imóvel em favor do Banco Santander; que havia poucas indisponibilidades quando a escritura foi lavrada e todas foram baixadas; que o registro da alienação fiduciária tem prioridade sobre os demais gravados na matrícula; que nenhuma restrição poderia ter sido gravada na matrícula nem mesmo penhora já que o imóvel não integra mais o patrimônio da antiga proprietária Belmetal; que não consegue baixar as restrições na mesma velocidade em que são averbadas; que o caráter resolúvel não implica ausência de propriedade por parte do credor fiduciário (fls.14/27).

Nestes autos, porém, não foi apresentada impugnação (fls.11 e 214).

O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 218/220).

É o relatório.

Fundamento e decido.

No mérito, a dúvida procede. Vejamos os motivos.

De início, vale ressaltar que o registrador dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/94), o que não caracteriza falha funcional.

No caso da alienação fiduciária em garantia, não há, de fato, como a indisponibilidade recair sobre o próprio bem se o fiduciante ainda não possui a propriedade plena, de modo que incabível que tal restrição se estenda ao credor fiduciário e até mesmo aos demais credores que buscam no patrimônio do devedor a satisfação de suas obrigações.

Entendimento contrário, no sentido de que a indisponibilidade na matrícula obsta a consolidação da propriedade, vai de encontro ao conceito do próprio instituto da alienação fiduciária.

É nesse sentido o entendimento atual da E. Corregedoria Geral da Justiça que admite a averbação de consolidação da propriedade de imóvel em favor do credor fiduciário em virtude do inadimplemento a despeito da existência de averbação de indisponibilidade contra o devedor fiduciante (Recurso Administrativo n. 1117050-60.2019.8.26.0100 – Parecer CG 128/2020-E).

Contudo, a propriedade fiduciária se caracteriza por uma finalidade específica, que é a de servir de garantia para a satisfação da dívida correspondente ao contrato principal, que, no caso, corresponde à cédula de crédito emitida, cujos direitos e obrigações foram cedidos à parte suscitada.

Por isso mesmo, o sistema regulado pela Lei n.9.514/97 determina, em seu artigo 27, a alienação do bem em leilão promovido pelo credor fiduciário a fim de liquidar o seu crédito e restituir ao devedor eventual saldo remanescente.

Havendo consenso entre as partes, o artigo 26, §8º, da mesma lei, permite que o fiduciante disponha do seu direito eventual sobre o imóvel, entregando-o ao credor em pagamento da dívida.

Mas, no caso concreto, esse direito está afetado por diversas ordens de indisponibilidade que impedem uma negociação direta entre as partes, sob o risco de prejuízo aos demais credores que podem se beneficiar com eventual saldo remanescente resultante de leilão público.

Note-se que, por meio da escritura copiada às fls.130/137, a devedora fiduciante confessa uma dívida de pouco mais de dezesseis milhões de reais, a qual pretende quitar dando ao credor seus direitos eventuais sobre um imóvel cujo valor venal é de quase vinte e três milhões de reais, o que evidencia benefício a um credor específico em detrimento dos demais.

Note-se, ainda, que as partes foram devidamente alertadas pelo tabelião acerca do resultado positivo da consulta à central de indisponibilidade e, ainda assim, decidiram continuar com a transação.

Neste contexto, inaplicável a regra do artigo 26, §8º, da Lei n.9.514/97, impondo-se os procedimentos previstos no artigo 27 da mesma lei: existindo ordem judicial de indisponibilidade de bens e direitos, a alienação voluntária (no caso, uma dação em pagamento) não pode ser levada

a registro.

Vale observar, ainda, que incabível, neste âmbito administrativo, qualquer juízo de valor sobre as medidas restritivas averbadas, as quais devem ser debatidas nos autos em que determinadas. A via administrativa, como se sabe, não se presta a rever decisões proferidas em sede judicial.

Nesse sentido, com destaques nossos:

“Registro de imóveis – Decisões da Justiça Federal que decretaram a indisponibilidade e a penhora parcial de bens imóveis – Pedido de cancelamento/retificação formulado por credor fiduciário objetivando resguardar seus direitos – Indeferimento – Via administrativa que não se presta a rever decisões de cunho jurisdicional – Pedido que deve ser analisado pelo juízo que proferiu as ordens recurso não provido” (CGJ – recurso administrativo nº 1012434-82.2015.8.26.0037, Parecer n. 119/2016-E, Rel. Carlos Henrique André Lisboa – Juiz Assessor da Corregedoria, j. 02.06.2016).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida inversa julgada improcedente – Escritura de Venda e Compra e Cessão – Questionamento parcial das exigências formuladas pelo Registrador – Circunstância que torna prejudicado o julgamento da dúvida – Pertinência do óbice apresentado – Impossibilidade de ingresso do título em razão de indisponibilidade determinada por Juiz Federal – Recurso não conhecido” (CSM-SP, Apelação Cível 0043598-78.2012.8.26.0100, Rel. José Renato Nalini, j. 26/09/13).

Também não merece acolhida a alegação de que a alienação fiduciária é anterior às ordens de indisponibilidade, já que, como bem salientado pelo MP, prevalece, para fins registrais, o princípio do tempus regit actum, pelo qual se aplicam as exigências legais contemporâneas ao registro, independentemente da data do título ou, no caso, da origem da aquisição ou da posse.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida, mantendo a exigência de prévio levantamento das ordens de indisponibilidade averbadas para que seja efetivado o registro.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 01 de agosto de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 03.08.2022 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônica

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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