1VRP/SP: Segundo o entendimento pacífico da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, o cancelamento de cláusulas restritivas que implique investigação da vontade do instituidor compete a órgão com função jurisdicional, já que tal investigação é impossível nos estritos limites do campo de atuação administrativa.


  
 

Processo 1071479-61.2022.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Adzete Saraiva de Oliveira Silva – – Adnyce Paula de Oliveira Silva – – Adylene Cassia de Oliveira Silva – Neste contexto, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências formulado pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital para ratificar a conclusão pela impossibilidade de cancelamento da averbação em questão à vista do requerimento apresentado nesta via administrativa. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: VINICIUS COTRIN NEGRÃO (OAB 344364/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1071479-61.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 17º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Suscitado: Adzete Saraiva de Oliveira Silva e outros

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de pedido de providências formulado pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Adzete Saraiva de Oliveira, Adnyce Paula de Oliveira Silva e Adylene Cássia de Oliveira Silva, diante da recusa de cancelamento de cláusulas restritivas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade averbadas na matrícula n.26.507 daquela serventia (Av. 11).

O Oficial informa que o imóvel foi doado para Adnyce Paula de Oliveira Silva e Adylene Cássia de Oliveira Silva por Adzete Saraiva de Oliveira e Nelo Francisco da Silva, os quais impuseram as cláusulas restritivas, ficando estabelecida como cláusula temporária apenas a inalienabilidade prevista para vigorar enquanto vivos os doadores. Considerando que a doação foi realizada por instrumento público e que o distrato se faz pela mesma forma do contrato (artigo 472 do CC), foi exigida formalização do cancelamento também por instrumento público.

Considerando, ainda, o falecimento do doador Nelo, o Oficial entende impossível o cancelamento das cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade que recaem sobre a parte ideal doada por ele, pois se tornaram irretratáveis, sendo que os termos estabelecidos para a validade das cláusulas seriam a vitaliciedade (enquanto vivas as donatárias) ou enquanto vivos os doadores, de modo que o cancelamento da inalienabilidade somente pode se dar, na integralidade, após o falecimento de ambos os doadores, não sendo permitas, no âmbito administrativo, abstrações ou ilações para interpretação da intenção do doador.

Documentos vieram às fls. 07/35 e 42/55.

A parte suscitada apresentou impugnação às fls.56/60, esclarecendo que a doação ocorreu por ocasião do divórcio dos doadores, de modo que a manifestação de vontade de cada um somente poderia recair sobre a sua meação. Assim, falecido qualquer dos doadores, perde efeito a inalienabilidade que recai sobre a sua meação. Pelos mesmos motivos, defende, ainda, a possibilidade de instrumentalização por mero requerimento.

O Ministério Público, em seu parecer, apontou a impossibilidade de análise administrativa da extinção de vínculo que não tenha causa automática (fls.64/65).

É o relatório.

Fundamento e decido.

No mérito, o requerimento de cancelamento da averbação nesta via não pode ser autorizado.

Segundo o entendimento pacífico da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, o cancelamento de cláusulas restritivas que implique investigação da vontade do instituidor compete a órgão com função jurisdicional, já que tal investigação é impossível nos estritos limites do campo de atuação administrativa (Proc. CGJ. 1.109/2005; 20/02/2006; Relator:

Des. Álvaro Luiz Valery Mirra; Proc. CGJ. 120/84 – Decisões Administrativas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, 1984/1985, RT, ementa nº 60).

Nossa competência, em outros termos, está restrita à análise de causa automática de extinção do vínculo.

No caso concreto, porém, resta evidente a necessidade de interpretação da vontade do doador falecido ao instituir os vínculos restritivos sobre o bem doado, notadamente à vista da previsão de que eles manteriam validade enquanto vivos os doadores (fl. 18), o que torna competente a Vara Especializada da Família e Sucessões, que é absoluta nos termos do artigo 37, II, “f”, do Código Judiciário do Estado de São Paulo (destaques nossos):

“Artigo 37 – Aos Juízes das Varas da Família e Sucessões compete:

II – conhecer e decidir as questões relativas a:

(…)

f) vínculos, usufruto e fideicomisso”.

Nesse sentido, foram resolvidos os Conflitos de Competência nº9051256-48.2008.8.26.0000 e nº0041548-20.2014.8.26.0000, referidos no acórdão do CC nº0037795-16.2018.8.26.0000, que adotou o mesmo entendimento.

Vale observar, ainda, quanto à forma, que requerimento veiculado por instrumento particular não pode ser aceito para o cancelamento administrativo de cláusulas restritivas estabelecidas por meio de instrumento público.

O artigo 472 do Código Civil consagra o princípio da atração das formas, impondo ao distrato a mesma forma exigida para o contrato.

Assim, o cancelamento de vínculos estabelecidos no contrato de doação somente pode se dar mediante modificação do próprio contrato de doação. Por ter sido ele celebrado por escritura pública, essa deve ser a forma adotada para a revisão dos seus termos.

Em outras palavras, se a averbação das cláusulas decorreu do conteúdo do contrato de doação, o cancelamento de tal inserção no fólio real por esta via administrativa somente pode ocorrer pela modificação da fonte desses gravames, o que é impossível na hipótese à vista do falecimento de um dos doadores (Pedido de Providências de autos n. 0046548-31.2010).

Neste contexto, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências formulado pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital para ratificar a conclusão pela impossibilidade de cancelamento da averbação em questão à vista do requerimento apresentado nesta via administrativa.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 09 de agosto de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 11.08.2022 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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