Apelação Cível e Reexame Necessário – Mandado de Segurança – Sentença que reconheceu o direito de não recolher o ITBI sobre cessão de direitos de compromisso de compra e venda de imóvel – Ausência de fato gerador, em se tratando da cessão de direitos obrigacionais – Compromisso de compra e venda não registrado no cartório de imóveis não gera direito real de aquisição – Sentença mantida – Recursos oficial e voluntário do Município não providos.


  
 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 1072205-16.2021.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é recorrente JUÍZO EX OFFICIO e Apelante MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, é apelada JULIANA PAIS MONTEIRO MONACO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento aos recursos. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores SILVA RUSSO (Presidente sem voto), RAUL DE FELICE E ERBETTA FILHO.

São Paulo, 8 de julho de 2022.

AMARO THOMÉ

Relator(a)

Assinatura Eletrônica

APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA N° 1072205-16.2021.8.26.0053

COMARCA DE SÃO PAULO

APELANTES: JUÍZO EX OFFICIO E MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

APELADA: JULIANA PAIS MONTEIRO MONACO

JUIZ: FAUSTO DALMASCHIO FERREIRA

VOTO Nº 31.088

APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – SENTENÇA QUE RECONHECEU O DIREITO DE NÃO RECOLHER O ITBI SOBRE CESSÃO DE DIREITOS DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – AUSÊNCIA DE FATO GERADOR, EM SE TRATANDO DA CESSÃO DE DIREITOS OBRIGACIONAIS – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA NÃO REGISTRADO NO CARTÓRIO DE IMÓVEIS NÃO GERA DIREITO REAL DE AQUISIÇÃO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSOS OFICIAL E VOLUNTÁRIO DO MUNICÍPIO NÃO PROVIDOS.

Cuida-se de apelação interposta pelo Município de São Paulo contra a r. sentença de fls. 97/101, que concedeu a ordem no mandado de segurança impetrado por Juliana Pais Monteiro Monaco, para afastar a incidência do ITBI sobre o contrato de cessão de direitos do imóvel descrito na inicial.

Em suas razões (fls. 105/115), o apelante postula a reforma da sentença e a denegação da segurança, alegando que a cessão dos direitos de aquisição da propriedade amolda-se à regra matriz de incidência do ITBI prevista no art. 156, inc. II, terceira parte, da Constituição Federal, no art. 35 do Código Tributário Nacional. Subsidiariamente, pugna pelo reconhecimento da incidência do ITBI no momento do registro da cessão de direitos no Cartório de Registro de Imóveis.

Recurso tempestivo, isento de preparo e contrarrazoado (fls. 118/128).

Nos termos do disposto no art. 14, §1º, da Lei nº 12.016/09, há reexame necessário.

As partes não se opuseram ao julgamento virtual.

É o relatório.

Verifica-se que Juliana Pais Monteiro Monaco impetrou mandado de segurança apontando como autoridade coatora o Diretor do Departamento de Rendas Imobiliárias do Município de São Paulo e alegou que, após figurar como adquirente em compromisso de compra e venda relativo a uma parte do imóvel mencionado a fl. 01, cedeu, por ato oneroso, os direitos oriundos daquele contrato.

Pretendendo a elaboração da respectiva escritura pública e ciente de que o Município exige o pagamento de ITBI antes da realização de tal ato notarial, a impetrante postulou a concessão da segurança para que fosse reconhecida a ilegalidade de tal exigência, argumentando ser indevida a cobrança de ITBI sobre a cessão de direitos, uma vez que o imposto somente seria exigível quando do registro da transmissão da propriedade no Cartório de Imóveis.

A r. sentença de fls. 97/101, conforme já referido, concedeu parcialmente a segurança, “determinar que a autoridade coatora se abstenha de exigir ITBI referente à cessão de direitos havida pela impetrante quanto ao imóvel descrito na petição inicial (matrícula 61.605 do 14º Cartório de Registro de Imóveis) antes do registro a ser realizado pela impetrante perante o ofício competente, bem como para que não imponha sanções em razão do não recolhimento do referido imposto antes do momento do registro.” (fl. 101)

A r. sentença não comporta reforma.

De início, destaco ser possível, em tese, a incidência de ITBI sobre a cessão dos direitos do promitente comprador, uma vez que se trata de direito real expressamente elencado no art. 1225, inc. VII, do Código Civil, e o ITBI não tem como fato gerador apenas a transmissão do direito de propriedade, mas também a de outros direitos reais, exceto os de garantia.

Este, aliás, o expresso teor da art. 156 da Constituição Federal e do art. 35 do Código Tributário Nacional:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

[…]

II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição

Art. 35. O imposto, de competência dos Estados [leia-se Municípios], sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:

I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;

II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;

III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL – Ação de repetição de indébito tributário – ITBI – Lançamentos incidentes sobre transmissão dos direitos do promitente comprador e sobre a promessa de compra e venda. 1) Com relação à transferência dos bens imóveis, o fato gerador do ITBI só ocorre com a transferência efetiva da propriedade mediante o registro no Cartório de Registro de Imóveis – Ausência do fato gerador do tributo – Impossibilidade de cobrança – Precedentes do STF, do STJ e desta 15ª Câmara de Direito Público. 2). Incidência do ITBI sobre transferência dos direitos do promitente comprador – Possibilidade – Inteligência do art. 156, II, da Constituição Federal in fine e do art. 35, II, do CTN – Direitos do promitente comprador que se caracterizam como direito real quando devidamente registrados na matrícula do imóvel – Inteligência dos arts. 1.225, VII, e 1.227 do Código Civil – Lançamento, contudo, que recaiu sobre quem não era contribuinte, nos termos do art. 133, I, do CTM c/c o art. 42 do CTN, e sobre base de cálculo diversa da prevista no art. 38 do CTN – Sentença reformada – Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1000253-10.2017.8.26.0637; Relator (a): Eutálio Porto; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de Tupã – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/05/2018; Data de Registro: 29/05/2018)

No entanto, na hipótese dos autos, uma vez que o instrumento particular de compra venda não foi registrado no Cartório de Registro de Imóveis (cf. cópia atualizada da matrícula, a fls. 13/19), a cessão de fls. 32/35 diz respeito apenas a direitos obrigacionais, e não a direitos reais de aquisição, de modo que não se verificou fato gerador de ITBI.

Assim ocorre porque, segundo o art. 1.417 do Código Civil, somente o Compromisso de Compra e Venda devidamente registrado gera direito real para o promitente comprador: ”Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel”.

Confira-se, a respeito, ainda, o art. 1.227, daquele Código: “Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247)”.

Nesse sentido, quando do julgamento do ARE nº 1.294.969/SP (Tema nº 1.124), o Col. Supremo Tribunal Federal, reafirmando a jurisprudência dominante da referida Corte, fixou a tese de que “O fato gerador do imposto sobre transmissão intervivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”.

No mesmo sentido, é o entendimento do Col. Superior Tribunal de Justiça: STJ, AREsp 1705930/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 09/04/2021; REsp 1721067/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/03/2018, DJe 16/11/2018; STJ, REsp 1236816/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/03/2012, DJe 22/03/2012; STJ, REsp 771.781/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/06/2007, DJ 29/06/2007, p. 540.

Ainda que, na espécie, não se trate da transmissão do direito de propriedade, mas de outro direito real, mantém-se a necessidade de efetivo registro do título no Cartório de Imóveis para a incidência do tributo, em conformidade com a jurisprudência das Cortes Superiores.

Não comporta acolhimento, por seu turno, o pleito subsidiário formulado pelo Município, de reconhecimento de incidência do ITBI a partir do registro da cessão de direitos no Cartório de Registro de Imóveis, uma vez que, como já se explicitou, não se trata de cessão de direitos reais, mas apenas direitos obrigacionais, sobre a qual não incide referido imposto.

De rigor, portanto, a manutenção da r. sentença.

Por fim, para viabilizar eventual acesso às vias extraordinária e especial, considera-se prequestionada toda a matéria suscitada, observando-se que o art. 1.025, do Código de Processo Civil estabelece que “Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados…”, e o entendimento do STJ no sentido de que “não há falar em negativa de prestação jurisdicional ante a análise das questões necessárias à solução da controvérsia, não configurando negativa de prestação jurisdicional a ausência de prequestionamento numérico.” (AgInt nos EDcl no REsp 1787184/MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/08/2021, DJe 26/08/2021).

Ante o exposto, nego provimento aos recursos oficial e voluntário da municipalidade.

AMARO THOMÉ

Relator – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação / Remessa Necessária nº 1072205-16.2021.8.26.0053 – São Paulo – 15ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Amaro Thomé – DJ 12.07.2022

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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