Registro de Títulos e Documentos – Averbação de atas de assembleia geral – Validade e eficácia das assembleias discutidas em ações jurisdicionais – Bloqueio da prática de novos atos de registro, até que se resolva a questão na esfera jurisdicional – Inviabilidade – Inexistência de nulidade nos assentos – Qualificação que só pode ser impedida por decisão da esfera jurisdicional – Recurso de outra interessada a que se dá provimento para reformar a sentença e cassar o bloqueio – Recurso interposto por quem não tinha poderes para agir como representante da associação envolvida, que não se conhece.


  
 

Número do processo: 1000361-59.2021.8.26.0100

Ano do processo: 2021

Número do parecer: 467

Ano do parecer: 2021

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1000361-59.2021.8.26.0100

(467/2021-E)

Registro de Títulos e Documentos – Averbação de atas de assembleia geral – Validade e eficácia das assembleias discutidas em ações jurisdicionais – Bloqueio da prática de novos atos de registro, até que se resolva a questão na esfera jurisdicional – Inviabilidade – Inexistência de nulidade nos assentos – Qualificação que só pode ser impedida por decisão da esfera jurisdicional – Recurso de outra interessada a que se dá provimento para reformar a sentença e cassar o bloqueio – Recurso interposto por quem não tinha poderes para agir como representante da associação envolvida, que não se conhece.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

1. Cuida-se de recursos administrativos (fl. 1.328/1.344 e 1.364/1.377) interpostos por Maria de Fátima de Almeida Arruda e Instituto dos Lagos – Rio contra r. sentença (fl. 1.257/1.265 e 1.326) proferida pela MM.ª Juíza de Direito da 1ª Vara de Registros Públicos da Comarca de São Paulo, a qual decisão manteve bloqueio de atos de registro e averbação relativos ao dito Instituto (fl. 544), até que haja decisão jurisdicional que expressamente os determine, ou até que haja trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nos autos n. 1009308-11.2021.8.26.0001.

Segundo a r. sentença (fl. 1.257/1.265 e 1.326), o Oficial Interino do 10º Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São Paulo narrou que (a) em 15.12.2020, Maria de Fátima de Almeida Arruda, conselheira do Instituto dos Lagos – Rio, apresentou uma ata de assembleia geral extraordinária, datada de 11.12.2020, na qual se deliberaram a destituição do presidente e a alteração do quadro de membros da administração, com eleição de novo presidente. Ademais, (b) em 16.12.2020, Valéria Silvério Vieira, advogada do Instituto dos Lagos – Rio, apresentou ata de assembleia geral extraordinária, datada de 9.11.2020, na qual constam medidas de reestruturação e funcionamento da entidade, com alteração do quadro de associados, sendo anexada uma ata de reunião do conselho de administração, datada de 22.9.2020, em que se deliberaram assuntos gerais e a admissão de novos membros, ad referendum da assembleia geral. Esses documentos são conflitantes e os interessados fizeram várias acusações recíprocas, trazendo notícias-crime inclusive. Depois, (c) em 17.12.2020, Maria de Fátima de Almeida Arruda informou ao cartório que, segundo um boletim de ocorrência, a ata de assembleia geral extraordinária, datada de 9.11.2020, estaria extraviada, mas isso não seria verdade, pois o documento estaria em poder dela Maria de Fátima, que a retirara do 10º Oficio de Registro de Títulos e Documentos. Além disso, em 9.12.2020, Antônio José da Costa Nazareth, na condição de presidente do Instituto, tinha requerido o cancelamento da averbação da ata de assembleia geral extraordinária, datada de 9.11.2020, solicitando a restituição de todos os documentos, a qual devolução não foi possível, uma vez que tudo já tinha sido levado por Maria de Fátima de Almeida de Almeida Arruda em 7.12.2020; Antônio José da Costa Nazareth também disse que Maria de Fátima de Almeida Arruda e Maria Elisabeth, ambas conselheiras da entidade, tinham admitido irregularidades na destituição de presidente e eleição de diretoria ocorridas na assembleia geral extraordinária de 11.12.2020; ainda segundo informações do cartório, Antônio José da Costa Nazareth afirmara que apresentaria para averbação a ata de assembleia geral extraordinária datada de 21.12.2020, o que não teria ocorrido até a instauração do pedido de providências. Não bastasse, (d) em 17.12.2020, a dita doutora Valéria Silvério Vieira, advogada, informou a existência de indícios de falsificação de uma ata averbada e apresentada para cancelamento do CNPJ do Instituto, fraude que foi confirmada pelo registro de títulos e documentos. Depois, (e) em 22.12.2020, Antônio José da Costa Nazareth, na condição de presidente do Instituto, solicitou informações sobre todas as prenotações existentes relativas à entidade, e (f) no dia 29.12.2020 apresentou uma declaração comunicando quais associados têm direito a voto e podem protocolar documentos. Nesse último dia, Antônio José da Costa Nazareth requereu a retirada de todos os documentos concernentes ao Instituto, alegando que o talão de uma ata se encontrava desaparecido; conforme a informação do cartório, essa ata pode ser aquela em que o mesmo Antônio José da Costa Nazareth foi destituído da condição de presidente (assembleia de 11.12.2020). Por tudo isso, o Oficial Interino narrou que não havia condições nenhumas para a averbação das atas em questão. Processado o feito administrativo, e determinado o bloqueio de atos relativos à instituição (fl. 544), concluiu a r. sentença que as alegações recíprocas de falsidade das atas de assembleia geral não podem ser analisadas pelo juízo administrativo, quanto a seu mérito, cabendo aos interessados buscar, na via jurisdicional, a declaração de falsidade dos títulos que entendem fraudulentos. Ao juízo administrativo cabe somente o exame formal das atas objeto de controvérsia, a saber uma datada de 11.12.2020 (prenotação n. 63.731, em 15.12.2020), outra de 9.11.2020 (prenotação n. 63.750, em 16.12.2020), e a terceira de 21.12.2020 (prenotação n. 64.024, em 20.1.2021). Nenhuma das atas contém indícios de falsidade, mas todas têm óbices registrais, com a pendência de ações jurisdicionais em que se discute qual assembleia seria válida, e quais não, e sem determinação para que se proceda ao registro de uma ou de outra. De qualquer forma, a ata datada de 11.12.2020 (prenotação n. 63.731, em 15.12.2020) – cuja pendência, no protocolo, prejudica a análise das restantes – não pode mesmo levar à averbação pretendida, enquanto não superadas as exigências. A impedir essa averbação existem quatro óbices: (1) apresentação de exemplares da ata de reunião do Conselho de Administração; (2) necessidade de convocação regular da assembleia geral, pois há incompatibilidade entre os que subscreveram a lista de presença e os últimos atos inscritos em cartório; (3) retificação do cabeçalho do edital de convocação quanto à frase “Do Conselho de Administração”, visto que se trata de assembleia geral extraordinária; (4) contradição entre o item e da ata e do edital de convocação. Quanto ao terceiro óbice, trata-se de mero erro material, a ser corrigido pelo interessado. Acerca dos óbices restantes, decisão dada pelo egrégio Tribunal de Justiça no agravo de instrumento tirado dos autos n. 1009308-11.2021.8.26.0001 concluiu que a assembleia fora convocada corretamente, e tinha competência para deliberar sobre destituição de administradores, exclusão e admissão de associados e alteração de estatuto, com o que se poderiam afirmar superados os óbices registrais. Contudo, essa decisão proferida no agravo de instrumento foi dada em tutela provisional, sem determinação taxativa para a prática de ato registral, o que impõe a manutenção do bloqueio cautelar decretado a fl. 544, até que haja provimento jurisdicional expresso determinando a averbação da ata de assembleia ou até o trânsito em julgado da sentença a ser dada naqueles autos n. 1009308-11.2021.8.26.0001.

Em seu recurso, Maria de Fátima de Almeida Arruda (fl. 1.328/1.344) alega que deve ser levantado o bloqueio quanto à averbação da ata prenotada sob n. 63.731. Segundo a decisão dada pelo egrégio Tribunal de Justiça no agravo de instrumento (fl. 1.094/1.096), é válida a ata da assembleia celebrada em 11.12.2020, com o afastamento de Antônio José da Costa Nazareth, de modo que deve prevalecer a dita prenotação n. 63.731, e a r. sentença recorrida, ao manter o bloqueio, torna ineficaz aquela deliberação dada na via jurisdicional e permite que Antônio José da Costa Nazareth continue a administrar e a representar a entidade, indevidamente e em prejuízo da atividade do presidente eleito. Pede, assim, a interessada que se dê provimento a seu recurso e seja permitida a averbação da ata de prenotação n. 63.731.

Recorrendo, o Instituto dos Lagos – Rio sustenta (fl. 1.364/1.377) que a ata da assembleia geral celebrada em 11.12.2020 não reúne condições de averbação, o que deveria ter sido reconhecido pela r. sentença, com a consequente autorização para a inscrição das restantes.

A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento de ambos os recursos (fl. 1.393/1.398).

É o relatório.

Opino.

2. O recurso interposto pelo Instituto dos Lagos ? Rio não deve ser conhecido, e a sua interposição demonstra má fé. Pelo que se vê na r. decisão copiada a fl. 1.094/1.096, o egrégio Tribunal de Justiça, nos autos do Agravo de Instrumento n. 2084725-53.2021.8.26.0000, decidiu que Antônio José da Costa Nazareth está destituído de suas funções de presidente da entidade. Todavia, como se esse provimento não lhe dissesse respeito, o mesmo Antônio José, por meio de seu advogado (fl. 322/324 e 1.377), continuou a agir como se ainda fosse representante da instituição, em nome da qual interpôs o recurso de fl. 1.364/1.377. Claro está, portanto, que a interposição foi abusiva, feita por quem não podia estar em juízo pelo Instituto dos Lagos – Rio, o que, como dito, naturalmente leva a dar-se por prejudicado esse recurso.

Por sua vez, o recurso apresentado por Maria de Fátima de Almeida Arruda (fl. 1.328/1.344) deve ser conhecido, e, no mérito, deve ser provido para que se reforme a r. sentença e se permita a qualificação dos títulos em questão, na ordem em que foram prenotados, ressalvada, como é natural, decisão em sentido contrário advinda da esfera jurisdicional. É que o bloqueio decretado a fl. 544, e confirmado pela r. sentença, não foi decretado na melhor forma de direito.

Como é cediço, a providência de bloqueio de assentos, assim no registro de imóveis (Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 214, §§ 3° e 4°), como alhures, em outras especialidades do registro público – no caso, o civil das pessoas jurídicas –, o bloqueio de assentos, dizia, só pode ser imposto se e quando houver, nas próprias inscrições já lavradas, nulidade extrínseca (ou formal, o que é o mesmo) de tal ordem, que admitir se o ingresso de novas situações jurídicas seja causa de risco para a segurança do tráfego.

No caso em discussão, entretanto, inverteu-se essa perspectiva: longe de haver algum defeito nos assentos mesmos, a incerteza, a falha e o erro encontram-se nos títulos, que a r. sentença, confirmando a decisão de fl. 544, impediu que fossem qualificados. Não parece que esta seja a melhor solução: cumpria ao Oficial Interino qualificar todos os títulos que lhe fossem apresentados, pela ordem de sua apresentação ao protocolo, recusando os que não preenchessem os requisitos legais. O que não cabia fazer, porém, era impedir a qualificação registral, cometendo o exame à esfera jurisdicional, mediante bloqueio de assentos acerca dos quais não pende notícia de irregularidade.

3. Diante do exposto, o parecer que respeitosamente ofereço ao elevado critério de Vossa Excelência é pelo não conhecimento do recurso administrativo interposto pelo Instituto dos Lagos – Rio (fl. 1.364/1.377) e pelo provimento daquele apresentado por Maria de Fátima de Almeida Arruda (fl. 1.328/1.344), para que, reformada a r. sentença (fl. 1.257/1.265 e 1.326), fique cassado o bloqueio (fl. 544) e se proceda à qualificação registral dos títulos (prenotação n. 63.731, em 15.12.2020; prenotação n. 63.750, em 16.12.2020; prenotação n. 64.024, em 20.1.2021).

Sub censura.

São Paulo, 13 de dezembro de 2021.

Josué Modesto Passos

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Vistos. Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, não conheço do recurso administrativo interposto pelo Instituto dos Lagos – Rio (fl. 1.364/1.377), e dou provimento àquele apresentado por Maria de Fátima de Almeida Arruda (fl. 1.328/1.344), para reformar a r. sentença (fl. 1.257/1.265 e 1.326) e cassar o bloqueio (fl. 544), procedendo-se à qualificação dos títulos prenotados. São Paulo, 14 de dezembro de 2021. (a) RICARDO ANAFE, Corregedor Geral da Justiça – ADV: FLÁVIO ALBERTO GONÇALVES GALVÃO, OAB/SP 153.025, JARBAS GERALDO BARROS PASTANA, OAB/SP 200.209, ROGERIO BORBA DA SILVA, OAB/RJ 115.966 e SÉRGIO HENRIQUE SILVA AGUIAR, OAB/RJ 90.053.

Diário da Justiça Eletrônico de 21.01.2022

Decisão reproduzida na página 006 do Classificador II – 2022

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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