1VRP/SP: O ITBI incide no momento em que título hábil à transferência da propriedade imobiliária é apresentado para registro na matrícula.


  
 

Processo 1079550-52.2022.8.26.0100

Dúvida – REGISTROS PÚBLICOS – Gabriel Nunes Ramires – Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para determinar o registro do título. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: LUANA DA SILVA MONTEIRO (OAB 308283/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1079550-52.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – REGISTROS PÚBLICOS

Suscitante: 14º Oficial de Registro de Imoveis da Capital

Suscitado: Gabriel Nunes Ramires

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Gabriel Nunes Ramires diante da negativa em se proceder ao registro da carta de arrematação expedida pelo juízo da 16ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Capital no processo de autos n. 0219528-23.2006.8.26.0100 (matrícula n. 175.217 daquela serventia).

O Oficial informa que o registro do título foi adiado em razão de atraso no recolhimento do ITBI, que deveria ter ocorrido em quinze dias da data da arrematação (14/02/2020), de modo que necessária complementação, inclusive com encargos, na forma da legislação municipal (arts. 165 e 167 do Decreto n. 59.579/20); que devida, ainda, retificação do documento de arrecadação municipal – DAMSP para fazer constar a data correta da transação; que a legislação impõe aos registradores controle rigoroso do recolhimento de tributos, sob pena de responsabilidade pessoal.

Documentos vieram às fls. 04/471.

Em manifestação dirigida ao Oficial, a parte suscitada aduz que o fato gerador do ITBI somente ocorre com a transferência efetiva da propriedade imobiliária, o que se dá mediante registro, pelo que não há que se falar em complementação; que a fiscalização registral deve se restringir à verificação sobre a existência ou não do recolhimento do tributo e não sobre a correção do valor recolhido (fls. 07/11).

Em impugnação, a parte acrescenta que impetrou mandado de segurança contra a Prefeitura do Município de São Paulo para ver reconhecido seu direito à inexigibilidade dos encargos moratórios, sendo que liminar foi concedida (processo de autos n. 1045341-04.2022.8.26.0053 – 15ª Vara da Fazenda Pública da Capital), pelo que registro é possível (fls. 472/476).

O Ministério Público opinou pela improcedência (fls. 479/481).

É o relatório.

Fundamento e Decido.

No mérito, a dúvida é improcedente.

De início, vale destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real.

O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7).

Neste sentido, também a Ap. Cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:

“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.

E, ainda:

“REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA.

O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência – pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).

Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.

Não se desconhece, ainda, que, para os registradores, vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art.134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei 8.935/1994).

Todavia, acerca desta matéria, o Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo).

Nesse sentido, os seguintes julgados do E. Conselho Superior da Magistratura:

“Ao oficial de registro incumbe a verificação de recolhimento de tributos relativos aos atos praticados, não a sua exatidão” (Apelação Cível 20522-0/9- CSMSP – J.19.04.1995 – Rel. Antônio Carlos Alves Braga).

“Todavia, este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 996-6/6 CSMSP, j. 09.12.2008 – Rel. Ruy Camilo).

“Este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 0009480- 97.2013.8.26.0114 – Campinas – j. 02.09.2014 – Rel. des. Elliot Akel).

Nessa mesma linha, este juízo já decidiu em casos análogos que também versavam sobre a exigência do correto recolhimento de ITBI (autos de número 1115167-78.2019.8.26.0100, 1116491-06.2019.8.26.0100 e 1059178-53.2020.8.26.0100).

É certo que os artigos 1º, inciso I, 2º, inciso V, e 15 do Decreto Municipal n. 51.627/2010, que regulamentou a Lei Estadual n. 11.154/1991, preveem hipótese de incidência do imposto sobre transmissão onerosa inter vivos de bens imóveis em caso de arrematação (ITBI), a ser recolhido antes da assinatura da carta ou, no caso de embargos, do trânsito em julgado da sentença que os julgar.

O Decreto n. 55.196, de 11 de junho de 2014, repetiu as mesmas regras:

“Art. 1º O Imposto sobre Transmissão “Inter Vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição ITBI-IV tem como fato gerador: (…)

I – a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso:

a) de bens imóveis, por natureza ou acessão física; (…)

Art. 2º: Estão compreendidos na incidência do Imposto (…):

V – a arrematação, a adjudicação e a remissão; (…)

Art. 16. Na arrematação, adjudicação ou remição, o Imposto deverá ser pago dentro de 15 (quinze) dias desses atos, antes da assinatura da respectiva carta e mesmo que esta não seja extraída.

Parágrafo único. Caso oferecidos embargos, o prazo será de 10 (dez) dias, a contar do trânsito em julgado da sentença que os rejeitar”.

Entretanto, o fato gerador do ITBI é a transmissão da propriedade, que somente se opera pelo registro do negócio jurídico perante a serventia imobiliária (artigos 156, inciso II, da Constituição Federal; 1.245 do Código Civil; 35, inciso I, do Código Tributário Nacional, e 1º, inciso I, “a”, do Decreto Municipal n. 55.196/2014).

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do ARE n.1.294.969/SP, fixou a seguinte tese (Tema 1124):

“O fato gerador do imposto sobre transmissão ‘inter vivos’ de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”.

“Recurso Extraordinário com Agravo. Tributário. Mandado de Segurança. Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis – ITBI. Fato gerador. Cobrança do tributo sobre cessão de direitos. Impossibilidade. Exigência da transferência efetiva da propriedade imobiliária mediante registro em cartório. Precedentes. Multiplicidade de recursos extraordinários. Entendimento consolidado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Controvérsia constitucional dotada de repercussão geral. Reafirmação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Agravo conhecido. Recurso Extraordinário desprovido” (STF ARE n. 1.294.969 RG/SP Ministro Luiz Fux j. 15.12.2020).

Note-se que o decidido em sede de repercussão geral consolidou o entendimento já adotado pela Suprema Corte, de que o imposto de transmissão somente pode ser exigido quando da efetiva transferência do domínio (destaque nosso):

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO TRIBUTÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DEVIDO PROCESSO LEGAL. ITBI. FATO GERADOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. 1. A jurisprudência do STF se consolidou no sentido de que suposta ofensa aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório e dos limites da coisa julgada, quando a violação é debatida sob a ótica infraconstitucional, não apresenta repercussão geral. Precedente: RERG 748.371, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, DJe 1º.8.2013. 2. A transferência do domínio sobre o bem torna-se eficaz a partir do registro público, momento em que incide o Imposto Sobre Transferência de Bens Imóveis (ITBI), de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Logo, a promessa de compra e venda não representa fato gerador idôneo para propiciar o surgimento de obrigação tributária. 3. Agravo regimental a que se nega provimento” (ARE n. 807.255/AgR Min. Edson Fachin j. 06.10.2015).

Em outras palavras, o ITBI incide no momento em que título hábil à transferência da propriedade imobiliária é apresentado para registro na matrícula.

Assim e em tendo havido recolhimento sem identificação de hipótese de flagrante irrazoabilidade ou erro de cálculo, óbice não subsiste.

Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para determinar o registro do título.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 26 de agosto de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito (DJe de 30.08.2022 – SP)

FonteDiário da Justiça Eletrônico

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito