1VRP/SP: Registro de Imóveis. Por ser a formalização facultativa, registro de escritura pública de reconhecimento da união estável não pode ser exigido para que se possibilite ingresso do título no Registro de Imóveis.


  
 

Processo 1073660-35.2022.8.26.0100

Dúvida – REGISTROS PÚBLICOS – Silvia Camargo Vasconcellos de Oliveira – Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para afastar o óbice e, em consequência, determinar o registro do título. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: ANA CAROLINA TEODORO DE ANDRADE (OAB 353149/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1073660-35.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – REGISTROS PÚBLICOS

Suscitante: 14º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Suscitado: Silvia Camargo Vasconcellos de Oliveira e outro

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Silvia Camargo Vasconcelos de Oliveira e Eder Teixeira da Silva tendo em vista negativa em se proceder ao registro de escritura pública de compra e venda lavrada pelo 3º Tabelião de Notas desta Capital (livro n. 3.666, págs. 011/014), referente ao imóvel da matrícula n. 97.343 daquela serventia.

O Oficial informa que o registro foi adiado por ser necessária a apresentação de certidão de registro da escritura de união estável dos adquirentes perante o 2º Registro de Imóveis da Capital, já que domiciliados naquela circunscrição. Embora tenha sido apresentada certidão de registro perante o 1º Registro Civil da Capital, a exigência se sustenta em preceito normativo vigente (itens 83 e 83.1, Cap. XX, NSCGJ) e isto ainda que haja decisão desta 1ª Vara acerca do assunto em sentido contrário.

Documentos vieram às fls. 03/57.

Em manifestação dirigida ao Oficial (fls. 06/17), a parte suscitada aduz que a escritura de união estável e seu registro perante o 1º Registro Civil da Capital conferem publicidade suficiente (artigo 1.723 do CC); que o registro perante a serventia imobiliária do domicílio do casal é facultativo conforme precedentes desta 1ª Vara de Registros Públicos e do E. CSM (processos de autos n. 1044002-05.2018 e 1048254-12.2022) e nos termos do Provimento CNJ n. 37 (artigo 1º); que não pode ser obrigada a fazer ou deixar de fazer aquilo que a lei não exige. Em impugnação, a parte reiterou suas teses (fls. 58/67).

O Ministério Público opinou pela improcedência (fls. 71/73).

É o relatório.

Fundamento e decido.

No mérito, a dúvida é improcedente. Vejamos os motivos.

A matéria em debate já foi apreciada por este juízo conforme mencionado nos autos, inclusive com manutenção pelo segundo grau.

A conclusão foi pela dispensabilidade do registro de escritura declaratória de união estável tanto perante o Registro Civil como perante o Registro de Imóveis:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura de compra e venda de imóvel – Compradora solteira que declara conviver em união estável com companheiro divorciado, sob o regime da comunhão parcial de bens – Princípio da especialidade subjetiva – Apresentação de escritura declaratória de união estável – Exigência de registro da união estável no Livro E do Registro Civil das Pessoas Naturais e no Livro nº 3 (Registro Auxiliar) do Registro de Imóveis que, no caso concreto, não se sustenta – Dúvida improcedente – Recurso não provido” (CSM – Apelação Cível n. 1044002-05.2018.8.26.0100 – Des. Pinheiro Franco – j. 16.05.2019).

Vejamos os motivos de tal posicionamento.

A união estável é regulada pelo artigo 1.723 do Código Civil:

“É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

A regra deixa claro que a união estável é situação de fato que conta com reconhecimento por nosso sistema jurídico, sendo capaz de produzir efeitos jurídicos para os envolvidos independentemente de celebração formal, como se exige para o casamento.

Desse modo, por ser a formalização facultativa, registro de escritura pública de reconhecimento da união estável não pode ser exigido para que se possibilite ingresso do título no Registro de Imóveis.

Tal conclusão encontra amparo, ainda, na norma do artigo 1º do Provimento n. 37 do CNJ, que trata do registro de sentença ou de escritura de união estável:

“Art. 1º. É facultativo o registro da união estável prevista nos artigos 1.723 a 1.727 do Código Civil, mantida entre o homem e a mulher, ou entre duas pessoas do mesmo sexo”.

No julgamento da Apelação Cível n. 1044002-05.2018.8.26.0100, o Conselho Superior da Magistratura bem esclareceu que:

“(…) a despeito dos entendimentos em sentido contrário, a matéria ganhou nova interpretação. Como ficou consignado no voto proferido nos autos da Apelação nº 1101111-45.2016.8.26.0100[7]:

“(…) Os requisitos enumerados no Código Civil para a constituição de união estável não contemplam a celebração de ato formal, ou a realização de cerimônia revestida de formalidades específicas.

Diante disso, e ao contrário do casamento, a união estável tem como característica própria a informalidade, ou informalismo, para a sua formação.”

(…) A propósito, constou do voto anteriormente referido que: “A necessidade de indicação do estado civil do titular do direito real permanece presente porque a união estável pode coexistir com o casamento, desde que constituída com pessoa separada de fato, como previsto no § 1º do art. 1.723 do Código Civil (…). Em outros termos, a união estável pode ser mantida tanto entre duas pessoas solteiras, viúvas, separadas ou divorciadas, como entre pessoas casadas, desde que separadas de fato de seus respectivos cônjuges. Bem por isso, não há como admitir no Registro Imobiliário que tem como finalidade precípua a de promover a publicidade dos direitos reais inscritos, com estrita observação do princípio da especialidade subjetiva para que possam produzir efeitos “erga omnes”, que o titular de direito dessa natureza seja qualificado simplesmente como “companheiro”, ou “em união estável”, sem que se indique seu real estado civil que pode, em tese, ser o de casado (…).

(…) Ao delimitar o alcance e os efeitos, e discriminar as hipóteses em que admitido o registro da união estável no Livro “E” do Registro Civil das Pessoas Naturais, o Provimento nº 37/2014 da Eg. Corregedoria Nacional de Justiça serve de parâmetro para o ingresso união estável nos demais Registros Públicos que, como exposto, não pode ser causa para a concomitante inscrição de direitos reais de igual natureza, entre cônjuge e companheiro, que sejam conflitantes entre si”

(…) Assim, a existência da união estável deve estar amparada em declaração conjunta dos companheiros, ou em sentença judicial transitada em julgado, na medida em que a declaração unilateral de vontade, ou seja, de que há ou foi mantida união estável, somente obriga quem a realizou, sem criar ou prejudicar direito de terceiro que dela não tiver participado. Também se faz necessário que conste no título o real estado civil do titular do direito, isto é, solteiro, casado, viúvo, separado ou divorciado.

(…) Destarte, não há obstáculo ao registro do título em que a adquirente do direito a ser inscrito está identificada como convivente em união estável, independentemente do prévio registro da união estável no Livro nº 3 Registro Auxiliar do Registro de Imóveis do domicílio dos companheiros, ou no Livro “E” do Registro Civil das Pessoas Naturais, desde que observados os requisitos indicados, tal como efetivamente ocorre no caso em análise. Diante do exposto, nego provimento ao apelo”.

Não bastasse tudo isso, verifica-se que os compradores ora interessados, Silvia Camargo Vasconcelos de Oliveira e Eder Teixeira da Silva, reconheceram em conjunto a convivência em união estável perante o 3º Tabelião de Notas desta Capital, o qual os qualificou adequadamente, inclusive fazendo referência à escritura de união estável lavrada pelo 29º Tabelião de Notas da Capital e registrada perante o 1º Registro Civil da Capital (fls. 20/21 e 28/29), o que garante publicidade e segurança.

A exigência formulada, portanto, não subsiste.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para afastar o óbice e, em consequência, determinar o registro do título.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 25 de junho de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito (DJe de 30.08.2022 – SP)

FonteDiário da Justiça Eletrônico

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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