Pedido de Providências – Registro de formal de partilha – Benefício da gratuidade deferido na esfera jurisdicional – Pedido de revogação formulado pelo registrador – Impossibilidade de revisão ou cassação da decisão proferida na esfera jurisdicional no juízo administrativo – §8º do art. 98 do CPC que deve ser interpretado restritivamente


  
 

Número do processo: 1040560-06.2020.8.26.0506

Ano do processo: 2020

Número do parecer: 377

Ano do parecer: 2021

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1040560-06.2020.8.26.0506

(377/2021-E)

Pedido de Providências – Registro de formal de partilha – Benefício da gratuidade deferido na esfera jurisdicional – Pedido de revogação formulado pelo registrador – Impossibilidade de revisão ou cassação da decisão proferida na esfera jurisdicional no juízo administrativo – §8º do art. 98 do CPC que deve ser interpretado restritivamente – Recurso a que se nega provimento.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso interposto por FREDERICO JORGE VAZ DE FIGUEIREDO ASSAD, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Ribeirão Preto, em face da r. sentença de fl. 317/329, que julgou improcedente o pedido de providências ofertado para revogação de benefício da gratuidade aos emolumentos relativos ao formal de partilha expedido nos autos do inventário judicial dos bens deixados pelo falecimento de Marcelo Henrique Ribeiro da Silva em favor da viúva, filhos e outros.

Sustenta o recorrente, em suma, que há previsão legal que autoriza o registrador requerer ao juízo competente dirimir questões registrais sobre a revogação da concessão de benefícios e que a questão tratada não alberga todo o benefício, mas somente a gratuidade quanto aos emolumentos e custas registrais; que restou cessada a situação de pobreza que justificou a concessão do benefício.

A D. Procuradoria de Justiça manifestou-se a fl. 349/350, consignando inexistir interesse do Ministério Público por se tratar a questão de direito patrimonial disponível.

É o relatório.

Opino.

Cuida-se de pedido de providências em que o recorrente pleiteia a revogação dos benefícios da gratuidade processual concedidos nos autos do inventário judicial dos bens deixados pelo falecimento de Marcelo Henrique Ribeiro da Silva em favor da viúva, filhos e outros.

Narra o recorrente na peça inicial que em 09 de novembro de 2020 foi prenotado, sob n.º 491.989 o formal de partilha expedido na data de 19 de outubro de 2020, nos autos do inventário – processo de n.º 1009692-16.2018.8.26.0506, dos bens deixados pelo falecimento de Marcelo Henrique Ribeiro da Silva. Esclarece que o monte partível é formado por três imóveis, dividido em frações ideais; quatro veículos; participação em sociedade empresária, tendo-lhe sido atribuído valor total de R$ 2.498.464,26 (dois milhões, quatrocentos e noventa e oito mil, quatrocentos e sessenta e quatro reais e vinte e seis centavos). Narra que nos autos da ação de inventário foi concedido às partes o benefício da justiça gratuita, e que, tendo sido o processo realizado e transitado em julgado a sentença, foram registrados os imóveis junto ao 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Ribeirão Preto, na data de 20 de novembro de 2020, objetos das matrículas de n.º 111.912 e 117.524, bem como averbação de óbito e o registro de partilha, havendo, portanto, transmissão da herança. Esclarece, ainda, que no que se refere ao 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Ribeirão Preto, houve o pagamento, de R$ 426.451,04 (quatrocentos e vinte e seis mil, quatrocentos e cinquenta e um reais e quatro centavos), cuja metade foi atribuída à viúva meeira, e a outra metade aos herdeiros, cabendo à cada um destes últimos o valor de R$ 71.075,17 (setenta e um mil, setenta e cinco reais e dezessete centavos). Afirma, no mais, que além dos imóveis registrados na Serventia Extrajudicial em questão, há mais um imóvel; quatro veículos e expedição de alvará para providenciar o encerramento da sociedade empresarial descrita, os quais importam em acúmulo de quantia considerável ao patrimônio dos correqueridos.

Instados, Alexandra Marques Bianco Ribeiro da Silva; Matheus Henrique Ribeiro da Silva; Lucas Henrique Ribeiro da Silva e Laura Bianco Ribeiro da Silva manifestaram-se a fl. 288/293, rechaçando os fatos alegados pelo recorrente.

Por meio da r. decisão recorrida entendeu por bem o MM. Juiz Corregedor Permanente julgar improcedente o pedido de providências, consignando que a via administrativa afigura-se inadequada para a revogação do benefício concedido na esfera jurisdicional.

O recurso, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, não merece provimento.

Com efeito, o artigo 98, parágrafo 1º, inciso IX, e parágrafos 6º e 8º, do Código de Processo Civil, estabelecem:

“Art. 98 – A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.

§ 1º – A gratuidade da justiça compreende:

(…)

§ 6º – Conforme o caso, o juiz poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.

(…)

§ 8º – Na hipótese do § 1º, inciso IX, havendo dúvida fundada quanto ao preenchimento atual dos pressupostos para a concessão de gratuidade, o notário ou registrador, após praticar o ato, pode requerer, ao juízo competente para decidir questões notariais ou registrais, a revogação total ou parcial do benefício ou a sua substituição pelo parcelamento de que trata o § 6º deste artigo, caso em que o beneficiário será citado para, em 15 (quinze) dias, manifestar-se sobre esse requerimento.”

Daí se extrai, pois, a possibilidade de concessão da gratuidade dos emolumentos na via jurisdicional, como ocorreu.

De outro lado, ao Delegatário do Serviço Público não é permitido se opor à execução da ordem jurisdicional ante a natureza administrativa de sua atividade.

Havendo irresignação, compete, pois, ao Oficial ou Tabelião, depois da prática do ato, requerer ao Juízo a revogação do benefício nos termos do artigo 98, parágrafo 8º, do Código de Processo Civil.

Contudo, não se pode interpretar o referido §8º como se autorizasse o juízo administrativo de alguma forma revisar ou cassar uma decisão jurisdicional (isto é, a que concedeu a gratuidade da justiça). A regra tem aplicação deveras restrita, aos casos em que, concedido o benefício, haja possível controvérsia sobre sua abrangência ou perceba o Delegatário do Serviço Público que já não seria mais o caso de manter-se na situação específica ante a nítida modificação da condição financeira do beneficiado.

No caso, entretanto, o que se pretende é a discussão ampla sobre o benefício, recentemente concedido na esfera jurisdicional, o que não se pode admitir nesta seara administrativa.

O texto legal consigna “havendo dúvida fundada quanto ao preenchimento atual dos pressupostos” (g.n.), sendo que, in casu, o benefício fora concedido nos autos da ação de inventário pouquíssimo antes da qualificação registral, não parecendo haver transcorrido período razoável entre a concessão do benefício e a insurgência do registrador a ponto de modificar a capacidade financeira da parte.

Ademais, certo é que mesmo na hipótese de eventual reconhecimento da modificação da condição financeira do usuário do serviço extrajudicial, beneficiado com a gratuidade da justiça concedida jurisdicionalmente, não haveria condenação ao pagamento dos emolumentos nesta esfera administrativa, o que demandaria o ajuizamento de ação autônoma direcionada ao juízo competente, observado o contraditório e a ampla defesa.

Ante o exposto, o parecer que submeto à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de negar provimento ao recurso administrativo interposto.

Sub censura.

São Paulo, 22 de outubro de 2.021.

Leticia Fraga Benitez

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Vistos. Aprovo o parecer da MM.ª Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso administrativo interposto. Publique-se. São Paulo, 25 de outubro de 2021. (a) RICARDO ANAFE, Corregedor Geral da Justiça – ADV: FLÁVIA VAMPRÉ ASSAD, OAB/SP 165.361, FABIANO CARVALHO, OAB/SP 162.597, VICTOR HUGO DE ALMEIDA, OAB/SP 237.001 e MARIA APARECIDA MARQUES, OAB/SP 48.963.

Diário da Justiça Eletrônico de 28.10.2021

Decisão reproduzida na página 104 do Classificador II – 2021

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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