1VRP/SP: Registro de Imóveis. Contrato de Comodato. Averbação viável.

Processo 1078412-50.2022.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Leonardo David Cabral Ludescher – Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de providências formulado pelo Oficial do 3º Registro de Imóveis da Capital para afastar o óbice e, em consequência, determinar a averbação do instrumento particular de comodato na matrícula n.94.059 daquela serventia. Regularize a serventia judicial o cadastro do feito (pedido de providências), remetendo-se cópia desta decisão, a qual serve como ofício, à E. CGJ para análise de eventual necessidade de revisão das Normas de Serviço. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: CRISTINA MARTINI (OAB 443416/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1078412-50.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 3º Oficial de Registro de Imóveis

Suscitado: Leonardo David Cabral Ludescher

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 3º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Leonardo David Cabral Ludescher por negativa de ingresso de instrumento particular de comodato na matrícula n. 94.059 daquela serventia.

O Oficial relatou que o título foi devolvido diante da ausência de previsão legal de registro de contrato de comodato: o rol de títulos para tal providência é taxativo (artigo 167, inciso I, LRP). Ademais, o artigo 246, caput, da Lei n. 6.015/73, trata das averbações que alteram de alguma forma as situações sujeitas a registro (artigo 167, inciso I, da LRP). Se o título não é registrável, inaplicável também a regra do artigo 246.

Documentos vieram às fls. 03/17.

Em manifestação dirigida ao Oficial, a parte suscitada aduz que o ingresso do contrato de comodato no fólio real é possível por repercutir nos direitos relativos ao imóvel (artigo 246 da LRP, com a redação dada pela Lei n. 14.382/22 – fl. 03).

Em impugnação, a parte acrescentou que o entendimento adotado pelo Registrador encontra-se ultrapassado diante da amplitude conferida pelo artigo 246 da LRP; que a averbação busca conferir publicidade à transferência da posse direta do imóvel à comodatária, enquanto o comodante passa a deter somente a sua posse indireta; que o contrato de comodato possui natureza real por transferir ao comodatário alguns dos direitos inerentes à propriedade, tais como uso e gozo (artigo 1.228 do CC); que a posse é a exteriorização de um direito real (fls. 27/34).

O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 39/40).

É o relatório.

Fundamento e decido.

De início, é importante ressaltar que este caso não envolve registro em sentido estrito justamente por não tratar de título constitutivo, modificativo ou extintivo de direito real.

A providência buscada, ademais, é a de averbação do empréstimo gratuito do imóvel, instrumento particular de comodato, para publicidade.

O procedimento de dúvida registral, portanto, é inadequado, devendo o feito prosseguir como pedido de providências.

Também é importante destacar que, neste âmbito administrativo, não se analisa a relação obrigacional definida pelas partes, mas apenas a habilidade do título por elas apresentado para ingresso no fólio real.

No mérito, o pedido é improcedente. Vejamos os motivos.

Por primeiro, cumpre destacar que as hipóteses descritas no artigo 167, inciso II, da Lei n. 6.015/73, que dizem respeito às averbações nas serventias imobiliárias, são meramente exemplificativas.

Enquanto o registro de direitos e ônus reais sobre imóveis submete-se aos princípios da tipicidade e da legalidade, uma vez que restrito a rol taxativo (conforme tipos rígidos e exaurientes definidos em lei: artigo 167, inciso I, da LRP), os atos de averbação, por sua vez, são de natureza acessória e estão previstos em rol exemplificativo (numerus apertus), já que sempre disseram respeito a mutações relativas a direitos e fatos anteriormente inscritos.

Existem, assim, duas formas de ingresso de títulos no fólio real, as quais cobrem situações jurídicas distintas, com finalidades próprias:

“Embora uma e outra cubram mutações jurídico-reais, a primeira destina-se a certas mutações e a segunda a outras diversas. A inscrição, nela absorvida a transcrição discrepante, cobre as aquisições e onerações de imóveis, que são os assentos importantes, ao passo que a averbação cobre as demais, que alteram por qualquer modo os principais. A nomenclatura binária condiz com a diferença entre a principalidade dos primeiros atos e a acessoriedade dos segundos. Essa diferença, derivada da consideração recíproca dos atos, implica outra de natureza temporal, pois o que altera é necessariamente posterior ao alterado. Assim, pressupondo a inscrição, a averbação lhe é posterior, devendo consignar fatos subsequentes. A nova lei registral confirma esse conceito, visto como, após referência a casos expressos de averbação, a prevê para ‘as sub-rogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro’ (art. 246). (…)

A averbação não muda nem a causa nem a natureza do título que deu origem à inscrição, não subverte o assento original, tão somente o subentende (…)” (Afrânio de Carvalho, Registro de Imóveis, 4ª edição, Rio de Janeiro: editora Forense, 1998, página 117).

Há que se observar, ainda, que, por se tratar o Direito Registral de ramo do Direito Público, a melhor interpretação do princípio da legalidade é aquela pela qual somente se podem admitir hipóteses de registro e de averbação autorizadas por lei.

A propósito, decisão proferida pela E. Corregedoria Geral da Justiça (CG n. 39.751/2015, em parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria Swarai Cervone de Oliveira, aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Des. Hamilton Elliot Akel, destaques nossos):

“Não é isso o que a recorrente deseja. Ela quer a averbação – não o registro – do bem de família legal ou involuntário, aquele previsto na Lei 8.009/90. Diz que não há vedação legal à sua pretensão.

Olvidou-se a recorrente, contudo, de que o Registrador deve agir segundo o princípio da legalidade. O rol de direitos passíveis de inscrição no folio real é taxativo. Não fica a critério do interessado ou do Registrador escolher quais títulos ou direitos registrar ou averbar. Aqui, não vale a regra de que o que não é vedado por lei é permitido. Ao contrário, no direito registral, no que respeita aos atos de registro ou averbação, só são permitidos aqueles expressamente previstos por lei”.

No caso concreto, busca-se a averbação de instrumento particular de comodato pelo qual o proprietário, Leonardo David Cabral Ludescher, emprestou o imóvel objeto da matrícula n. 94.059 do 3º RI da Capital para Miriam Maria Almeida Cabral (fls. 07/08).

Inexiste, de fato, supedâneo legal expresso para o ato registral pretendido.

Não bastasse isso, as Normas de Serviço vedam expressamente o registro do comodato (item 76.3, Cap. XX, com destaque nosso):

“O protesto contra alienação de bens, o arrendamento e o comodato são atos insuscetíveis de registro, admitindo-se a averbação do protesto contra alienação de bens diante de determinação judicial expressa do juiz do processo, consubstanciada em Mandado dirigido ao Oficial do Registro de Imóveis”.

Pelos motivos já expostos, a E. Corregedoria Geral da Justiça tem afastado a averbação do contrato de comodato no fólio real:

“Registro de Imóveis – Contrato de comodato – Acesso ao fólio real recusado – Desqualificação registrária mantida – Recurso não provido” (CGJ Proc. n. 2012/00078021 Des. José Renato Nalini j. 02.07.2012).

Entretanto, com o advento da Lei n. 14.382/2022, que conferiu nova redação ao artigo 246, caput, da Lei de Registros Públicos, os casos passíveis de averbação foram flexibilizados, possibilitando-se tal ato registral não apenas para ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro, como vinha sendo observado anteriormente, mas também para aquelas que repercutam de alguma forma sobre os direitos pertinentes ao imóvel (destaque nosso):

“Além dos casos expressamente indicados no inciso II do caput do art. 167 desta Lei, serão averbadas na matrícula as sub-rogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro ou repercutam nos direitos relativos ao imóvel”.

A matéria, portanto, merece ser revisitada, notadamente porque o dispositivo em questão, em sua atual redação, confere maior concretude ao princípio da concentração, pelo qual todos os fatos, atos ou situações jurídicas devem ser tornados públicos na matrícula do imóvel a fim de que possam ser oponíveis a terceiros (artigo 54, §1º, da Lei n. 13.097/15):

“Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no registro de imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel”.

Note-se que o contrato de comodato em análise traz disposições relativas ao uso e ao gozo do bem (fls. 07/08), as quais, por implicarem limitação ao domínio e transferirem à comodatária obrigações e responsabilidades inerentes ao imóvel, repercutem em sua esfera jurídica e podem alcançar terceiros (artigos 582/584 do CC e artigo 34 do CTN).

Assim, não há qualquer empecilho para se concluir como possível, atualmente, a averbação do contrato de comodato no fólio real.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de providências formulado pelo Oficial do 3º Registro de Imóveis da Capital para afastar o óbice e, em consequência, determinar a averbação do instrumento particular de comodato na matrícula n.94.059 daquela serventia. Regularize a serventia judicial o cadastro do feito (pedido de providências), remetendo-se cópia desta decisão, a qual serve como ofício, à E. CGJ para análise de eventual necessidade de revisão das Normas de Serviço.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 02 de setembro de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito (DJe de 06.09.2022 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico

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TST afasta penhora de vagas de garagem vinculadas a bens de família

Sem matrícula própria no registro de imóveis, elas são impenhoráveis

05/09/22 – A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou a liberação da penhora das vagas de garagem vinculadas a imóveis em Londrina (PR) pertencentes a duas sócias da Seara Indústria e Comércio de Produtos Agropecuários, que estão sendo executadas para quitar uma dívida trabalhista. O entendimento do colegiado é de que as vagas, por não matrícula própria no registro de imóveis, estão vinculadas aos respectivos imóveis, bens de família, e, portanto, também são impenhoráveis.

Dívida trabalhista

A ação teve início em 2014, quando um motorista que prestava serviços para a Seara pleiteou, na Justiça do Trabalho, entre outras parcelas, indenização por danos morais e materiais em decorrência de doenças como cardiopatia isquêmica, epilepsia e depressão que teriam sido adquiridas em razão das atividades realizadas para a empresa e do relacionamento com as chefias.

Penhora

Os pedidos foram parcialmente deferidos, e, como a empresa está em recuperação judicial, a execução da dívida foi direcionada aos sócios. Assim, foram penhoradas quatro vagas de garagem vinculadas ao apartamento de uma das sócias, avaliadas em R$ 300 mil, e outras quatro vagas, mais um depósito, pertencentes ao imóvel da outra sócia, avaliados em R$ 310 mil.

Ao manter a medida, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) entendeu que o bem impenhorável é o que se destina à proteção da moradia da família, e as vagas não estariam incluídas nesse conceito, mesmo que não tenham matrícula própria no registro de imóveis.

Bem de família

Segundo o relator do recurso de revista das sócias, ministro Amaury Rodrigues, não há dúvidas de que as vagas não têm matrícula própria e estão vinculadas aos respectivos imóveis de propriedade das executadas. Ele destacou que, de acordo com a Súmula 449 do Superior Tribunal de Justiça, nessa circunstância, a vaga não constitui bem de família para efeito de penhora, e que a jurisprudência do TST tem se firmado no mesmo sentido. Assim, a impenhorabilidade dos imóveis, reconhecidos como bens de família, de acordo com a Lei 8009/1990, se estendem também às vagas.

A decisão foi unânime.

(LF/CF)

Processo: RR-1265-18.2014.5.09.0019 

Fonte: Tribunal Superior do Trabalho

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Informativo de Jurisprudência do STJ destaca Sistema Financeiro de Habitação

Processo: AgInt no REsp 1.837.718-PR, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 09/08/2022, DJe 30/08/2022.

Ramo do Direito: Direito Civil, Direito Bancário

Tema: Sistema Financeiro de Habitação. Contrato de mútuo. Parcelas vencidas. Execução. Contagem do prazo prescricional. Termo inicial. Data do vencimento da última parcela.

Destaque: Em contrato de mútuo vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação (SFH), o termo inicial para a contagem do prazo prescricional da pretensão de cobrança de parcelas vencidas é a data de vencimento da última parcela.

Informações do inteiro teor

A controvérsia diz respeito ao termo a quo para a contagem do prazo prescricional da pretensão de cobrança de parcelas vencidas de contrato vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação (SFH).

As instâncias ordinárias declararam a prescrição das parcelas vencidas há mais de cinco anos da data da distribuição da execução hipotecária.

Porém, tal conclusão mostra-se equivocada, haja vista a existência de uma obrigação única, relativa ao pagamento do valor do empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, quantia já disponibilizada pela instituição financeira.

O parcelamento do pagamento, em benefício da parte devedora, nas datas de vencimento pactuadas no contrato, não configura relação de trato sucessivo decorrente de obrigações periódicas, que se renovam mês a mês. A obrigação de pagamento do valor financiado é única, devendo ser quitada a integralidade do valor financiado até o termo do contrato.

O parcelamento não torna autônomas cada uma das parcelas, a ponto de ensejar a contagem do prazo prescricional relativo a cada uma delas, mas sim ao final do prazo contratual relativo ao empréstimo para aquisição do imóvel.

O entendimento adotado na decisão agravada, de contar a prescrição do vencimento de cada parcela, demandaria o ajuizamento de execuções múltiplas, uma execução a cada parcela vencida, o que não se mostra razoável, nem compatível com a própria contratação.
Por se tratar de obrigação única (pagamento do valor financiado), que somente se desdobrou em parcelas para facilitar o adimplemento da parte devedora, o termo inicial do prazo prescricional também é único, devendo ser considerado o dia do vencimento da última parcela do contrato.

Fonte: Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo

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