CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Negativa de registro de escritura pública de inventário, partilha e cessão de meação e de quotas hereditárias à terceiro – Indisponibilidade dos bens do co-herdeiro – Gravame que impede o registro pretendido – Cisão do título que se afigura inviável diante da unicidade negocial – Ausência, ademais, de manifestação do cessionário – Apelação a que se nega provimento – Dúvida julgada para manter a negativa de registro do título em sua totalidade.

Apelação Cível nº 1002214-64.2021.8.26.0404

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1002214-64.2021.8.26.0404
Comarca: O.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1002214-64.2021.8.26.0404

Registro: 2022.0000533607

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002214-64.2021.8.26.0404, da Comarca de O., em que é apelante J. A. G. F., é apelado O. DE R. DE I. E A. DA C. DE O..

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U. Negaram provimento ao recurso e julgaram procedente a dúvida, a fim de manter a negativa de registro do título em sua totalidade, v. u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 4 de julho de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1002214-64.2021.8.26.0404

APELANTE: J. A. G. F.

APELADO: O. de R. de I. e A. da C. de O.

VOTO Nº 38.715 -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Registro de Imóveis – Dúvida – Negativa de registro de escritura pública de inventário, partilha e cessão de meação e de quotas hereditárias à terceiro – Indisponibilidade dos bens do co-herdeiro – Gravame que impede o registro pretendido – Cisão do título que se afigura inviável diante da unicidade negocial – Ausência, ademais, de manifestação do cessionário – Apelação a que se nega provimento – Dúvida julgada para manter a negativa de registro do título em sua totalidade.

Trata-se de apelação interposta por J. A. G. F. contra a r. sentença, proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do O. DE R. DE I. E A. DA C. DE O., que julgou procedente em parte a dúvida suscitada e manteve a recusa de registro da escritura pública lavrada perante o Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos da mesma comarca (Livro 397, fls. 187/192) no que tange à cessão das quotas hereditárias a terceiro, ante a existência de ordens de indisponibilidade em face de um dos herdeiros, autorizando, de outro lado, o registro do ato notarial no que se refere à partilha dos bens deixados pela falecida Maria Júlia dos Santos Ferreira.

Da nota devolutiva de fls. 09/10 constou o seguinte óbice ao registro do título:

“(…)

A escritura pública de inventário e partilha lavrada no Tabelião de Notas da Comarca de O., livro 397, páginas 187 e ss, em 08 de abril de 2021, noticia a CESSÃO E TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS DE MEAÇÃO E HEREDITÁRIOS, feita pelo viúvo e herdeiros, dentre eles do herdeiro J. A. G. F., com pagamento da totalidade da parte ideal do imóvel inventariado a favor do cessionário MANOEL FRANCISCO DOS SANTOS.

Na consulta do CPF/MF 044.920.0236-42, em nome do citado herdeiro, realizado junto a Central Nacional de Indisponibilidade de Bens, conforme disposto no item 404 das Normas de Serviço da CGJ do Estado de São Paulo, a mesma resultou positiva.

(…)

Diante do exposto, inviável o registro, sem o prévio cancelamento das ordens de indisponibilidades (…)”

O apelante, inconformado com a decisão que manteve o óbice à cessão das quotas hereditárias quanto a todos os herdeiros, alega, em síntese, que não há motivo que justifique a proibição do registro da cessão dos demais herdeiros/cedentes que não possuem qualquer restrição ou indisponibilidade.

A DD. Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo não provimento do recurso (fls. 134/136).

É o relatório.

Cuida-se de registro de escritura pública de inventário, partilha e cessão, lavrada perante o Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca de O. – SP (Livro 397, fls. 187/192).

Por meio de dito ato notarial, em virtude do falecimento de Maria Júlia dos Santos Ferreira, proprietária de 10% do imóvel objeto da Matrícula nº 28.265, do O. DE R. DE I. E A. DA C. DE O., foi feita a partilha, além da cessão, por parte do viúvo meeiro e dos herdeiros filhos, de seus direitos sobre a propriedade imobiliária ao terceiro Manoel.

Ocorre que pendem, em face do herdeiro ora apelante, três ordens de indisponibilidade, razão porque pelo Oficial Registrador foi obstado o pretendido registro, exigindo-se o cancelamento das indisponibilidades.

Suscitada, a MM.ª Juíza Corregedora Permanente julgou a dúvida “parcialmente procedente”, mantendo o óbice imposto ao registro quanto à cessão das quotas hereditárias, determinando, de outro lado, o registro da partilha de bens.

De proêmio, relevante pontuar que o recurso de apelação, no processo de dúvida, devolve ao órgão ad quem o conhecimento de toda a matéria discutida e não somente daquela impugnada.

Nesse sentido é a lição de Josué Modesto Passos:

“A apelação, no processo de dúvida, devolve ao órgão ad quem o conhecimento integral de todos os elementos constantes do processo. Ou seja: a apelação devolve ao órgão ad quem, no processo da dúvida, o conhecimento de toda a matéria discutida, e não somente daquela impugnada (aliter, na apelação do processo civil comum, como se vê no CPC/2015, art. 1.013, caput), o que, no jargão do registro de imóveis, traduz-se dizendo que a qualificação se devolve por inteiro ao julgador da apelação. A expressão é enfática, mas peca por excesso: a ação de dúvida dá ao Poder Judiciário poder de revisão e cassação da qualificação negativa, mas não o põe no lugar mesmo do oficial de registro de imóveis: ‘o juiz não requalifica. Sequer mesmo o juiz da ‘jurisdição’ administrativa (‘jurisdição registral’, o ‘juiz dos registros’, o ‘juiz da dúvida’) requalifica, senão que apenas revê, o que importa em características e limites nem sempre vistos e observados com a ortodoxia correspondente”. [1]

Fixada esta premissa, passo ao enfrentamento do tema.

Sempre que trata do ponto, a doutrina faz incluir a indisponibilidade (Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 247) no campo das proibições ao poder de dispor, pois ela:

(a) representa uma “inalienabilidade de bens, que pode provir das mais diversas causas”, diz Valmir Pontes (Registro de Imóveis, São Paulo: Saraiva, 1982, p. 179);

(b) constitui uma “forma especial de inalienabilidade e de impenhorabilidade”, segundo Walter Ceneviva (Lei dos Registros Públicos Comentada, 20ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 625, n. 671);

(c) implica “a restrição ao poder de dispor da coisa, impedindo-se sua alienação ou oneração por qualquer forma”, conforme o ensinamento de Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza (Noções Fundamentais de Direito Registral e Notarial, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 109);

(d) “impede apenas a alienação, mas não equivale à penhora e não acarreta necessariamente a expropriação do bem”, no dizer de Francisco Eduardo Loureiro (in José Manuel de Arruda Alvim Neto et alii (coord.), Lei de Registros Públicos comentada, Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 1.291);

(e) “afeta os atributos da propriedade, perdendo o proprietário o poder de disposição, de modo que, para alienar ou onerar o bem é necessário o prévio cancelamento da indisponibilidade”, ensina Ana Paula P. L. Almada (in Registros Públicos, Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2020, p. 444); e

(f) possui natureza “evidentemente acautelatória, pois visa assegurar o resultado prático de não dispor do imóvel enquanto persistir a situação jurídica que autoriza a indisponibilidade de bens”, na opinião de Vitor Frederico Kümpel e Carla Modina Ferrari (Tratado Notarial e Registral Ofício de Registro de Imóveis, São Paulo: YK Editora, 2020, p. 2.843-2.843).

Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza (op. cit., p. 109-110) ainda faz a seguinte precisão:

“Não obstante a inalienabilidade e a indisponibilidade signifiquem restrição ao poder de dispor da coisa, usualmente tem-se utilizado o termo inalienabilidade para as restrições decorrentes de atos de vontade, enquanto o termo indisponibilidade tem sido usado para se referir às restrições impostas pela lei, ou em razão de atos administrativos ou jurisdicionais. Diferença relevante assenta na finalidade: enquanto nos atos de vontade o que se busca atingir com a restrição é a proteção do beneficiário da cláusula (daquele que fica impedido de dispor), nos demais atos o objetivo, em regra, é dar efetividade a decisões administrativas e jurisdicionais, em desfavor de quem tenha alcançado seu poder de disposição.”

Na hipótese em discussão, tanto o apelante, em face de quem pendem as ordens de indisponibilidade, quanto os demais herdeiros aceitaram a herança e, após, transferiram as suas quotas partes, por meio de cessão, a terceiro.

Indiscutível, então, que houve o ingresso da herança em seus respectivos patrimônios, de modo que, atingido o do herdeiro José Aparecido pelas ordens de indisponibilidade, acertado o óbice imposto ao registro da escritura pública telada.

Cuida-se, em outras palavras, de disposição voluntária do bem pertencente aquele atingido pela ordem de indisponibilidade, o que não se admite.

Cumpre observar, por pertinente, que por ocasião da lavratura do ato notarial duas das ordens de indisponibilidades haviam sido relatadas (fls. 25/30), sendo irrelevante que a última decretação tenha ocorrido após a lavratura da escritura pública em comento.

Nesse diapasão, já decidiu o Conselho Superior da Magistratura, na Apelação nº 29.886-0/4, Relator Desembargador MÁRCIO MARTINS BONILHA:

“A indisponibilidade de bens é forma especial de inalienabilidade e impenhorabilidade, impedindo o acesso de títulos de disposição ou oneração, ainda que formalizados anteriormente à decretação da inalienabilidade.”

Os requisitos de validade e eficácia do título, ao menos sob o ponto de vista dos princípios registrais, são observados ao tempo da prenotação (art. 1.246 do Código Civil):

“Art. 1246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro e este o prenotar no protocolo.”

E justamente em razão do princípio da prioridade, gerado pela prenotação, é que o título contraditório (ordem de indisponibilidade fls. 35) prepondera sobre títulos prenotados posteriormente (art. 186 da Lei n° 6.015/73).

Ultrapassado este ponto, é sabido que o título se divide em capítulos, com correspondente eficácia analítica, admitindo-se sua cindibilidade se não houver, com isto, ruptura da conexão dos capítulos que venha a interferir com a integral validade dos fatos, atos ou negócios jurídicos nele consubstanciados.

Na jurisprudência deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, a cisão possível é a do título formal (do instrumento) e não do título causal (fato jurídico que, levado ao registro de imóveis, dá causa à mutação jurídico-real).

Na hipótese em análise, a cisão do título, com o registro da partilha de bens e exclusão da cessão das quotas hereditárias, como autorizado pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente, implica a modificação do ato de vontade das partes externada no título.

Pela mesma razão, observada a unicidade negocial, e uma vez inexistente manifestação do cessionário, diretamente atingido pela pretensão, também não se afigura admissível a cisão do título como pretendido pelo apelante para registro da cessão das quotas hereditárias, com a exclusão do percentual cabente ao recorrente atingido pelas ordens de indisponibilidade.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo e julgo procedente a dúvida, a fim de manter a negativa de registro do título em sua totalidade.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

NOTAS:

[1] A dúvida no Registro de Imóveis/Josué Modesto Passos, Marcelo Benacchi. 2. ed. rev. atual. E ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022. (Coleção Direito Imobiliário; v. 3/Alberto Gentil de Almeida Pedroso, coordenação). (Acervo INR – DJe de 08.09.2022 – SP)

Fonte: INR Publicações

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Sentença homologatória de acordo celebrado nos autos da ação de usucapião – Origem judicial do título que não impede sua qualificação – Inocorrência de declaração de domínio por usucapião – Propriedade de parte do imóvel matriculado em área maior transferida aos apelantes por acordo celebrado entre as partes – Transmissão voluntária de domínio – Modo derivado de aquisição de propriedade – Desmembramento de área que exige autorização da Prefeitura, com apontamento da servidão, ou decisão judicial que expressamente a dispense para fins registrários – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva – Apelação não provida.

Apelação Cível nº 1019162-71.2020.8.26.0451

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1019162-71.2020.8.26.0451

Comarca: PIRACICABA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1019162-71.2020.8.26.0451

Registro: 2022.0000535700

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1019162-71.2020.8.26.0451, da Comarca de Piracicaba, em que são apelantes BENEDITO SERGIO LOURENÇO DE CAMARGO e LUCIA CRISTINA CARDOSO DE CAMARGO, é apelado PRIMEIRO OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE PIRACICABA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 7 de julho de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1019162-71.2020.8.26.0451

APELANTES: Benedito Sergio Lourenço de Camargo e Lucia Cristina Cardoso de Camargo

APELADO: Primeiro Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da comarca de Piracicaba

VOTO Nº 38.731

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Sentença homologatória de acordo celebrado nos autos da ação de usucapião – Origem judicial do título que não impede sua qualificação – Inocorrência de declaração de domínio por usucapião – Propriedade de parte do imóvel matriculado em área maior transferida aos apelantes por acordo celebrado entre as partes – Transmissão voluntária de domínio – Modo derivado de aquisição de propriedade – Desmembramento de área que exige autorização da Prefeitura, com apontamento da servidão, ou decisão judicial que expressamente a dispense para fins registrários – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva – Apelação não provida.

Trata-se de apelação interposta por Benedito Sérgio Lourenço de Camargo e Lucia Cristina Cardoso de Camargo contra a r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Piracicaba e manteve a recusa do registro de mandado de usucapião, expedido em virtude de sentença homologatória de acordo celebrado nos autos da ação de usucapião que tramitou perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Piracicaba (Proc. nº 1018108-41.2018.8.26.0451), sob o fundamento de que não houve declaração judicial de aquisição de domínio por usucapião, mas negócio jurídico celebrado entre particulares (fls. 175/179).

Alegam os apelantes, em síntese, que a sentença proferida na ação de usucapião deve ser cumprida pelo Oficial de Registro, pois preenchidos os pressupostos legais para a declaração de aquisição da propriedade. Sustenta que a citação e anuência dos confrontantes não são obrigatórias e que a transação, homologada por sentença, tem objeto lícito e determinado, certo que o registro da usucapião visa consolidar uma situação fática existente há anos.

Entende que não há necessidade de aprovação municipal quanto ao desdobramento do imóvel e descrição da servidão gravada nas matrículas nos 37.855 e 37.875 (fls. 209/217).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 243/245).

É o relatório.

O registro do mandado judicial oriundo dos autos da ação de usucapião que tramitou perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Piracicaba (Proc. nº 1018108-41.2018.8.26.0451), tendo por objeto o imóvel matriculado em área maior sob nº 76.093, junto ao 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Piracicaba, foi negado pelo registrador, que formulou as seguintes exigências, conforme Nota de Devolução a fls. 95/99, cujos itens 1 e 1.1 foram reiterados quando do reingresso do título, consoante esclarecido por ocasião da suscitação de dúvida (fls. 07):

1. O mandado judicial de registro reporta-se a sentença homologatória de acordo amigável, entre herdeiros dos proprietários tabulares e os autores, aparentemente sem o regular processamento e respectivas citações pertinentes ao usucapião, tais como os proprietários e confrontantes tabulares, dos titulares de direito real sobre o imóvel (servidões), e demais órgãos/entes públicos, que smj deve se submeter a todos os princípios registrais e aos requisitos formais de transmissão voluntária, dentre os quais a prévia e indispensável aprovação municipal do desdobramento do imóvel, ou decisão judicial que objetivamente o afaste para os efeitos registrários. Vale observar que o acordo comporta renúncia de herança e atribuição objetiva de propriedade aos demais herdeiros na área remanescente do imóvel objeto da matrícula cuja parte se pretende na ação judicial de usucapião, e cujos elementos devem ser levados para a respectiva ação de inventário/arrolamento, aparentemente já formalizada por escritura pública mencionada na petição inicial que não integrou o mandado de registro. Regularizar.

1.1. Em consequência, apresentar aprovação municipal quanto ao desdobramento/desmembramento do imóvel objeto da matrícula 76093, apontando inclusive, objetivamente, a servidão de passagem nela gravada a favor dos imóveis objetos das matrículas 37855 e 37875 [averbação 1 (remissão de servidão)], ou decisão judicial que a tenha afastado. O desmembramento/desdobro do imóvel, resultante de acordo formalizado e homologado judicialmente, em atenção ao princípio registrário da especialidade objetiva, dependerá de alvará de licença, memorial descritivo e mapa, devidamente aprovados pela Prefeitura Municipal local, acompanhados da respectiva ART, conforme decidiu o Egrégio Conselho Superior da Magistratura. O afastamento da exigência somente será possível se por ordem judicial específica for afastada a exigência de aprovação municipal a quem compete a aferição das questões urbanísticas municipais, desde que sejam apresentados todos os demais elementos acerca da especialidade, tais como a planta e memoriais acompanhados da ART, guardando a necessária coincidência aos elementos registrários constantes da respectiva matrícula. (…).

De início, cumpre salientar que a origem judicial do título não impede sua qualificação, nem implica desobediência, como está disposto no item 117, Capítulo XX, do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça e, no mais, é lição corrente deste Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível n.º 413-6/7; Apelação Cível n.º 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível nº 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível nº 1001015-36.2019.8.26.0223). Observe-se que, in casu, trata-se, verdadeiramente, de título judicial (passível, portanto, de qualificação), e não de ordem judicial (hipótese em que o cumprimento seria coativo e independeria do exame de legalidade próprio da atividade registral).

Na hipótese em análise, pretendem os apelantes o registro da sentença homologatória de acordo (fls. 90), oriunda dos autos da ação de usucapião que tramitou perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Piracicaba (Proc. nº 1018108-41.2018.8.26.0451), tendo sido ajustado entre as partes, com menção à renúncia recíproca de herança entre eles, que:

“(…) o imóvel matrícula nº 76.093 (…), representando por duas casas independentes, sendo a primeira com endereço à Avenida Dr. Torquato da Silva Leitão, nº 724, Bairro São Dimas –  Piracicaba – SP, será integralmente partilhado entre os herdeiros condôminos José Luiz Lourenço de Camargo, casado com Fraukflor Silmara Cardoso de Camargo, Izildinha Aparecida de Camargo Cláudio, Márcia Lourenço de Camargo, bem como o condômino meeiro exequente Luiz Lourenço de Camargo e sua esposa Terezinha de Almeida Rocha Camargo, a qual assinará como anuente, salientando que Benedito Sérgio Lourenço de Camargo e Lucia Cristina Cardoso de Camargo abrem integralmente mão de qualquer quinhão que lhes seja de direito, no que tange única e exclusivamente à referida casa.

Outrossim, a casa da Rua Barão de Piracicamirim, nº 322, Bairro São Dimas Piracicaba – SP, será integralmente partilhado em favor de Benedito Sérgio Lourenço de Camargo e Lucia Cristina Cardoso de Camargo, salientando que, os herdeiros condôminos José Luiz Lourenço de Camargo, casado com Fraukflor Silmara Cardoso de Camargo, Izildinha Aparecida de Camargo Cláudio, Márcia Lourenço de Camargo, bem como o condômino meeiro exequente Luiz Lourenço de Camargo e sua esposa Terezinha de Almeida Rocha Camargo, a qual assinará como anuente, reconhecem a usucapião extraordinária em favor de Benedito e Lúcia, abrindo integralmente mão de qualquer quinhão que lhes seja de direito, no que tange única e exclusivamente à referida casa” (fls. 78).

Do referido acordo constou, ainda, que os apelantes assumiriam a dívida de IPTU do imóvel cuja propriedade lhes estava sendo transmitida, assim como todos os ônus referentes ao seu desmembramento (fls. 78/80).

Como é sabido, a “usucapião é modo originário de aquisição da propriedade, pois não há relação pessoal entre um precedente e um subsequente sujeito de direito. O direito do usucapiente não se funda sobre o direito do titular precedente, não constituindo este direito o pressuposto daquele, muito menos lhe determinando a existência, as qualidades e a extensão. São efeitos do fato da aquisição ser a título originário: não haver necessidade de recolhimento do imposto de transmissão quando do registro da sentença, (…); os direitos reais limitados e eventuais defeitos que gravam ou viciam a propriedade não se transmitirem ao usucapiente; (…) sanar os vícios de propriedade defeituosa adquirida a título derivado” (Peluso, Cezar (Coord); Código Civil Comentado, Ed. Manole, 2010, p. 1.212).

Na esteira do explanado, o escólio doutrinário de Narciso Orlandi Neto, que discorre sobre a força peculiar da aquisição originária:

“(…) Da mesma forma, quando a matrícula é aberta para o registro de usucapião; na matrícula que existia para o imóvel, o registrador deve averbar a perda da propriedade. Observe-se que nas hipóteses aqui formuladas, não há transmissão da propriedade

(…). São casos de aquisição originária e de perda da propriedade por ato alheio à vontade do titular” (Retificação do Registro de Imóveis, Ed. Oliveira Mendes, São Paulo, 1997, pp. 235/236).

Ocorre que, no caso dos autos, não houve declaração de domínio em favor dos usucapientes por sentença judicial em que reconhecido o preenchimento dos requisitos legais da usucapião extraordinária. Em verdade, a propriedade de parte do imóvel matriculado sob nº 76.093, junto ao 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Piracicaba foi transferida aos apelantes por acordo celebrado entre as partes.

Trata-se, pois, de modo derivado de aquisição de propriedade, razão pela qual não há como ser afastada a exigência de aprovação pela Prefeitura do desmembramento do imóvel, com apontamento da servidão, ou decisão judicial que expressamente a dispense para fins registrários.

Com efeito, nos estritos rigores da qualificação registral não há espaço para dispensa das formalidades devidas para transferência voluntária da propriedade imobiliária entre os titulares de domínio, inclusive no que diz respeito à observância do princípio da especialidade objetiva (art. 176, da Lei nº 6.015/73), referido pelo Oficial.

Daí porque os óbices apresentados ao registro pretendido não podem ser levantados, sendo de rigor a manutenção da r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 08.09.2022 – SP)

Fonte: INR Publicações

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EDITAL Nº 13/2022 – CONTEÚDO DA PROVA ESCRITA E PRÁTICA- CONCURSO EXTRAJUDICIAL- 12º CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS E TÍTULOS PARA OUTORGA DE DELEGAÇÕES DE NOTAS E DE REGISTRO DO ESTADO DE SÃO PAULO

EDITAL Nº 13/2022 – CONTEÚDO DA PROVA ESCRITA E PRÁTICA

Espécie: EDITAL

Número: 13/2022

Comarca: CAPITAL

CONCURSO EXTRAJUDICIAL

12º CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS E TÍTULOS PARA OUTORGA DE DELEGAÇÕES DE NOTAS E DE REGISTRO DO ESTADO DE SÃO PAULO

EDITAL Nº 13/2022 – CONTEÚDO DA PROVA ESCRITA E PRÁTICA

(GRUPO 3 – CRITÉRIOS PROVIMENTO E REMOÇÃO)

O Presidente da Comissão Examinadora do 12º Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de São Paulo, Desembargador WALTER ROCHA BARONE, TORNA PÚBLICO o conteúdo da Prova Escrita e Prática realizada aos 04 de setembro de 2022 (Grupo 3 – Critérios Provimento e Remoção):

I. DISSERTAÇÃO 

As interfaces do registro civil das pessoas naturais com o princípio da dignidade da pessoa humana na contemporaneidade. Discorra sobre o tema contemplando, naquilo que for relacionado, as gratuidades, o nome, a filiação, o casamento e a união estável no âmbito do registro civil das pessoas naturais.

II. PEÇA PRÁTICA

Catarina Boyko e Denis Brink, ambos perfeitamente qualificados de acordo com as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo (NSCGJ) e Lei no 6.015/73, comparecem ao Registro Civil da sede da comarca de São Paulo munidos de uma escritura de união estável lavrada a folhas 37/38 do Livro 25 do 1o Cartório de Notas da Capital.

1) Catarina é refugiada ucraniana e não possui documento que comprove seu estado civil; possui apenas uma declaração feita por duas testemunhas atestando ser ela solteira;

2) Denis é holandês, casado naquele país, separado de fato há cinco anos;

3) Tanto Catarina quanto Denis residem na cidade de São Paulo. Catarina assinou a escritura por meio da plataforma do e-notariado e Denis assinou presencialmente. Solicitam a prática do ato necessário para que a escritura ingresse no Registro Civil.

a) Considerando todos os dados acima, pratique ou não o ato competente.

b) Independentemente de sua opção pela prática ou não do ato, justifique sua resposta considerando cada um dos itens anteriores.

III. QUESTÕES DISCURSIVAS

QUESTÃO DISCURSIVA 1 – Em face do contido no art. 653 do Código Civil é possível inferir que mandato e procuração são sinônimos? Explique.

QUESTÃO DISCURSIVA 2 – Qual o papel do Registro Civil na aplicação das medidas de proteção previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente?

E para que chegue ao conhecimento dos interessados e não se alegue desconhecimento, é expedido o presente edital.

São Paulo, 05 de setembro de 2022.

(a) WALTER ROCHA BARONE – DESEMBARGADOR PRESIDENTE DA COMISSÃO DO 12º CONCURSO (Assinatura Eletrônica) (DJe de 06.09.2022 – NP)

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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