CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Sentença homologatória de acordo celebrado nos autos da ação de usucapião – Origem judicial do título que não impede sua qualificação – Inocorrência de declaração de domínio por usucapião – Propriedade de parte do imóvel matriculado em área maior transferida aos apelantes por acordo celebrado entre as partes – Transmissão voluntária de domínio – Modo derivado de aquisição de propriedade – Desmembramento de área que exige autorização da Prefeitura, com apontamento da servidão, ou decisão judicial que expressamente a dispense para fins registrários – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva – Apelação não provida.


  
 

Apelação Cível nº 1019162-71.2020.8.26.0451

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1019162-71.2020.8.26.0451

Comarca: PIRACICABA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1019162-71.2020.8.26.0451

Registro: 2022.0000535700

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1019162-71.2020.8.26.0451, da Comarca de Piracicaba, em que são apelantes BENEDITO SERGIO LOURENÇO DE CAMARGO e LUCIA CRISTINA CARDOSO DE CAMARGO, é apelado PRIMEIRO OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE PIRACICABA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 7 de julho de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1019162-71.2020.8.26.0451

APELANTES: Benedito Sergio Lourenço de Camargo e Lucia Cristina Cardoso de Camargo

APELADO: Primeiro Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da comarca de Piracicaba

VOTO Nº 38.731

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Sentença homologatória de acordo celebrado nos autos da ação de usucapião – Origem judicial do título que não impede sua qualificação – Inocorrência de declaração de domínio por usucapião – Propriedade de parte do imóvel matriculado em área maior transferida aos apelantes por acordo celebrado entre as partes – Transmissão voluntária de domínio – Modo derivado de aquisição de propriedade – Desmembramento de área que exige autorização da Prefeitura, com apontamento da servidão, ou decisão judicial que expressamente a dispense para fins registrários – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva – Apelação não provida.

Trata-se de apelação interposta por Benedito Sérgio Lourenço de Camargo e Lucia Cristina Cardoso de Camargo contra a r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Piracicaba e manteve a recusa do registro de mandado de usucapião, expedido em virtude de sentença homologatória de acordo celebrado nos autos da ação de usucapião que tramitou perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Piracicaba (Proc. nº 1018108-41.2018.8.26.0451), sob o fundamento de que não houve declaração judicial de aquisição de domínio por usucapião, mas negócio jurídico celebrado entre particulares (fls. 175/179).

Alegam os apelantes, em síntese, que a sentença proferida na ação de usucapião deve ser cumprida pelo Oficial de Registro, pois preenchidos os pressupostos legais para a declaração de aquisição da propriedade. Sustenta que a citação e anuência dos confrontantes não são obrigatórias e que a transação, homologada por sentença, tem objeto lícito e determinado, certo que o registro da usucapião visa consolidar uma situação fática existente há anos.

Entende que não há necessidade de aprovação municipal quanto ao desdobramento do imóvel e descrição da servidão gravada nas matrículas nos 37.855 e 37.875 (fls. 209/217).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 243/245).

É o relatório.

O registro do mandado judicial oriundo dos autos da ação de usucapião que tramitou perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Piracicaba (Proc. nº 1018108-41.2018.8.26.0451), tendo por objeto o imóvel matriculado em área maior sob nº 76.093, junto ao 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Piracicaba, foi negado pelo registrador, que formulou as seguintes exigências, conforme Nota de Devolução a fls. 95/99, cujos itens 1 e 1.1 foram reiterados quando do reingresso do título, consoante esclarecido por ocasião da suscitação de dúvida (fls. 07):

1. O mandado judicial de registro reporta-se a sentença homologatória de acordo amigável, entre herdeiros dos proprietários tabulares e os autores, aparentemente sem o regular processamento e respectivas citações pertinentes ao usucapião, tais como os proprietários e confrontantes tabulares, dos titulares de direito real sobre o imóvel (servidões), e demais órgãos/entes públicos, que smj deve se submeter a todos os princípios registrais e aos requisitos formais de transmissão voluntária, dentre os quais a prévia e indispensável aprovação municipal do desdobramento do imóvel, ou decisão judicial que objetivamente o afaste para os efeitos registrários. Vale observar que o acordo comporta renúncia de herança e atribuição objetiva de propriedade aos demais herdeiros na área remanescente do imóvel objeto da matrícula cuja parte se pretende na ação judicial de usucapião, e cujos elementos devem ser levados para a respectiva ação de inventário/arrolamento, aparentemente já formalizada por escritura pública mencionada na petição inicial que não integrou o mandado de registro. Regularizar.

1.1. Em consequência, apresentar aprovação municipal quanto ao desdobramento/desmembramento do imóvel objeto da matrícula 76093, apontando inclusive, objetivamente, a servidão de passagem nela gravada a favor dos imóveis objetos das matrículas 37855 e 37875 [averbação 1 (remissão de servidão)], ou decisão judicial que a tenha afastado. O desmembramento/desdobro do imóvel, resultante de acordo formalizado e homologado judicialmente, em atenção ao princípio registrário da especialidade objetiva, dependerá de alvará de licença, memorial descritivo e mapa, devidamente aprovados pela Prefeitura Municipal local, acompanhados da respectiva ART, conforme decidiu o Egrégio Conselho Superior da Magistratura. O afastamento da exigência somente será possível se por ordem judicial específica for afastada a exigência de aprovação municipal a quem compete a aferição das questões urbanísticas municipais, desde que sejam apresentados todos os demais elementos acerca da especialidade, tais como a planta e memoriais acompanhados da ART, guardando a necessária coincidência aos elementos registrários constantes da respectiva matrícula. (…).

De início, cumpre salientar que a origem judicial do título não impede sua qualificação, nem implica desobediência, como está disposto no item 117, Capítulo XX, do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça e, no mais, é lição corrente deste Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível n.º 413-6/7; Apelação Cível n.º 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível nº 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível nº 1001015-36.2019.8.26.0223). Observe-se que, in casu, trata-se, verdadeiramente, de título judicial (passível, portanto, de qualificação), e não de ordem judicial (hipótese em que o cumprimento seria coativo e independeria do exame de legalidade próprio da atividade registral).

Na hipótese em análise, pretendem os apelantes o registro da sentença homologatória de acordo (fls. 90), oriunda dos autos da ação de usucapião que tramitou perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Piracicaba (Proc. nº 1018108-41.2018.8.26.0451), tendo sido ajustado entre as partes, com menção à renúncia recíproca de herança entre eles, que:

“(…) o imóvel matrícula nº 76.093 (…), representando por duas casas independentes, sendo a primeira com endereço à Avenida Dr. Torquato da Silva Leitão, nº 724, Bairro São Dimas –  Piracicaba – SP, será integralmente partilhado entre os herdeiros condôminos José Luiz Lourenço de Camargo, casado com Fraukflor Silmara Cardoso de Camargo, Izildinha Aparecida de Camargo Cláudio, Márcia Lourenço de Camargo, bem como o condômino meeiro exequente Luiz Lourenço de Camargo e sua esposa Terezinha de Almeida Rocha Camargo, a qual assinará como anuente, salientando que Benedito Sérgio Lourenço de Camargo e Lucia Cristina Cardoso de Camargo abrem integralmente mão de qualquer quinhão que lhes seja de direito, no que tange única e exclusivamente à referida casa.

Outrossim, a casa da Rua Barão de Piracicamirim, nº 322, Bairro São Dimas Piracicaba – SP, será integralmente partilhado em favor de Benedito Sérgio Lourenço de Camargo e Lucia Cristina Cardoso de Camargo, salientando que, os herdeiros condôminos José Luiz Lourenço de Camargo, casado com Fraukflor Silmara Cardoso de Camargo, Izildinha Aparecida de Camargo Cláudio, Márcia Lourenço de Camargo, bem como o condômino meeiro exequente Luiz Lourenço de Camargo e sua esposa Terezinha de Almeida Rocha Camargo, a qual assinará como anuente, reconhecem a usucapião extraordinária em favor de Benedito e Lúcia, abrindo integralmente mão de qualquer quinhão que lhes seja de direito, no que tange única e exclusivamente à referida casa” (fls. 78).

Do referido acordo constou, ainda, que os apelantes assumiriam a dívida de IPTU do imóvel cuja propriedade lhes estava sendo transmitida, assim como todos os ônus referentes ao seu desmembramento (fls. 78/80).

Como é sabido, a “usucapião é modo originário de aquisição da propriedade, pois não há relação pessoal entre um precedente e um subsequente sujeito de direito. O direito do usucapiente não se funda sobre o direito do titular precedente, não constituindo este direito o pressuposto daquele, muito menos lhe determinando a existência, as qualidades e a extensão. São efeitos do fato da aquisição ser a título originário: não haver necessidade de recolhimento do imposto de transmissão quando do registro da sentença, (…); os direitos reais limitados e eventuais defeitos que gravam ou viciam a propriedade não se transmitirem ao usucapiente; (…) sanar os vícios de propriedade defeituosa adquirida a título derivado” (Peluso, Cezar (Coord); Código Civil Comentado, Ed. Manole, 2010, p. 1.212).

Na esteira do explanado, o escólio doutrinário de Narciso Orlandi Neto, que discorre sobre a força peculiar da aquisição originária:

“(…) Da mesma forma, quando a matrícula é aberta para o registro de usucapião; na matrícula que existia para o imóvel, o registrador deve averbar a perda da propriedade. Observe-se que nas hipóteses aqui formuladas, não há transmissão da propriedade

(…). São casos de aquisição originária e de perda da propriedade por ato alheio à vontade do titular” (Retificação do Registro de Imóveis, Ed. Oliveira Mendes, São Paulo, 1997, pp. 235/236).

Ocorre que, no caso dos autos, não houve declaração de domínio em favor dos usucapientes por sentença judicial em que reconhecido o preenchimento dos requisitos legais da usucapião extraordinária. Em verdade, a propriedade de parte do imóvel matriculado sob nº 76.093, junto ao 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Piracicaba foi transferida aos apelantes por acordo celebrado entre as partes.

Trata-se, pois, de modo derivado de aquisição de propriedade, razão pela qual não há como ser afastada a exigência de aprovação pela Prefeitura do desmembramento do imóvel, com apontamento da servidão, ou decisão judicial que expressamente a dispense para fins registrários.

Com efeito, nos estritos rigores da qualificação registral não há espaço para dispensa das formalidades devidas para transferência voluntária da propriedade imobiliária entre os titulares de domínio, inclusive no que diz respeito à observância do princípio da especialidade objetiva (art. 176, da Lei nº 6.015/73), referido pelo Oficial.

Daí porque os óbices apresentados ao registro pretendido não podem ser levantados, sendo de rigor a manutenção da r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 08.09.2022 – SP)

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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