1VRP/SP: Registro de Imóveis. CND Conjunta: A conclusão pelo novo posicionamento, de manutenção da exigência, sai fortalecida pela revogação de liminar obtida em mandado de segurança impetrado pela ANOREG que possibilitava dispensa (Agravo de Instrumento n. 5031693-86.2023.4.03.0000, TRF da 3ª Região, Rel. Des. Federal Renato Becho, decisão de 01 de dezembro de 2023). Ainda que a parte suscitada se trate de fundo de investimento em direitos creditórios, ou seja, de fundo não regulado pela Lei n. 8.668/93, a previsão da cláusula (semelhante ao artigo 7º da referida lei) e sua averbação perante o Registro de Imóveis não trazem qualquer risco à segurança jurídica, notadamente porque apenas reforçam a autonomia patrimonial do fundo cessionário.

Processo 1164458-08.2023.8.26.0100

Espécie: PROCESSO
Número: 1164458-08.2023.8.26.0100

Processo 1164458-08.2023.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – One Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios Não Padronizados – Diante do exposto, JULGO PREJUDICADA a dúvida, observando que a apenas a exigência de prova de regularidade fiscal subsiste. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: JOSE MARCELINO CORREA (OAB 421833/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1164458-08.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 17º Oficial de Registro de Imóveis

Suscitado: One Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios Não Padronizados

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de One Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios Não Padronizados, representado por sua administradora RJI Corretora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda, diante da negativa em se proceder ao registro de escritura pública de cessão de direitos creditórios (fls. 35/43), a qual envolve os imóveis das matrículas n. 4.662 e 5.229 daquela serventia (prenotação n. 275.918 fl. 21).

O Oficial esclarece que, em 15/08/2023, certidão da escritura emitida pelo 27º Tabelião de Notas da Capital foi apresentada, cujo objeto são os direitos creditórios decorrentes da alienação fiduciária registrada sob n. 08 na matrícula n. 5.229 e sob n. 10 da matrícula n. 4.662; que o título recebeu qualificação negativa conforme itens “1” a “3” da nota devolutiva de fls. 21/31; que o título foi reapresentado em 27/10/2023, mas sem cumprimento das exigências; que a parte suscitada se insurge apenas contra a exigência de apresentação de CND relativa aos tributos federais e à dívida ativa da União, abrangendo também as contribuições previdenciárias e as de terceiros, em nome da empresa cedente, Prudent Investimentos Ltda (item “1” da nota devolutiva – fls. 21/28); que, em relação às demais exigências, manifestou concordância, mas sem efetivo cumprimento, o que torna a dúvida prejudicada.

O Oficial esclarece, ainda, notadamente em relação ao item “1” da nota devolutiva, que não desconhece o posicionamento do CSM na Apelação Cível n. 105738-82.2023.8.26.0100; que, porém, há outros entendimentos, como aquele manifestado na Apelação Cível n. 0015621-88.2011.8.26.0604, no sentido de que eventual dispensa da CND somente poderia ser autorizada por este juízo ou órgãos judiciais hierarquicamente superiores; que, no caso concreto, não foi possível proceder à emissão da CND em nome da cedente, que não se enquadra nas hipóteses de dispensa previstas no artigo 17 da Portaria Conjunta PGFN/RFB n. 1751, de 02/10/2014: a empresa não possui atividade exclusiva de comércio de imóveis e não declara que o bem objeto da transação nunca constou do seu ativo permanente, pelo que deve apresentar a certidão nos termos dos artigos 47 e 48 da Lei n. 8.212/91; que, na escritura, consta que o cessionário concorda com a não apresentação da CND de acordo com as decisões proferidas pelo CSM, pelo que a parte entende haver inconstitucionalidade na exigência da referida certidão; que, conforme o item 60.2, do Cap. XIV, das NSCGJ, é faculdade e não obrigação dos Tabeliães de Notas a dispensa da apresentação da CND, entendimento este ratificado pelo Juízo da 2ª Vara de Registros Públicos da Capital no processo de autos n. 1007357-20.2014.8.26.0100 (possibilidade de o Tabelião manter a exigência de apresentação da CND); que tal liberdade de decisão deve ser conferida também ao Registrador de Imóveis, já que a Lei n. 8.212/91 estabelece multa e responsabilidade solidária ao delegatário que deixar de observar o disposto em seu artigo 47, sem prejuízo de responsabilidade penal e administrativa, sendo o ato nulo para todos os efeitos; que o STJ entendeu cabível multa contra Notário ou Registrador que deixa de exigir a apresentação das certidões negativas de débitos previdenciários; que decisão do TRF-3 demonstra que o tema ainda envolve posicionamentos divergentes, vez que entendeu pela impossibilidade de aplicar interpretação extensiva à declaração de inconstitucionalidade proferida na ADIN n. 173 e 394, posicionamento semelhante ao da CGJ no Recurso Administrativo n. 1034191- 93.2020.8.26.0506; que este juízo já declarou, no processo de autos n. 1132744-64.2022.8.26.0100, ter alterado entendimento antes adotado à vista da exposição de motivos ao veto do artigo 20, IV, da Lei n. 14.382, de 2020, que revogava expressamente a exigência imposta pelo artigo 47, inciso I, “b”, e inciso II, da Lei n. 8.212/91.

Em relação ao item “2” da nota devolutiva (fls. 28/29), informa que há expressa menção, na cláusula 12ª da escritura, ao artigo 7º da Lei n. 8.668/93, aplicável aos fundos imobiliários; que a averbação pretendida é inviável tendo em vista o decidido no processo de autos n. 1008575-05.2022.8.26.0100 por este juízo corregedor.

Em relação ao item “3” da nota devolutiva (fls. 29/30), esclarece que o título foi encaminhado digitalmente via plataforma do ONR, mas sem assinatura do apresentante; que há necessidade de cumprimento dos itens 365 e seguintes do Cap. XX das NSCGJ ou de apresentação dos documentos pela via física, diretamente na serventia; que, por se tratar de escritura pública, o envio também deve se dar por Tabelião, substituto ou preposto, nos termos do item 366.2, Cap. XX, das NSCGJSP.

Documentos vieram às fls. 21/69.

Nova manifestação do Oficial à fl. 70, para retificar erro material presente nas razões iniciais e informar corretamente o objeto social da credora fiduciária Prudent Investimentos Ltda, constante na ficha cadastral simplificada da Jucesp (fls. 71/73).

Em manifestação dirigida ao Oficial (fls. 32/34), a parte suscitada alega que o CSM modificou posicionamento anterior e passou a considerar inexigível a certidão negativa de débito por parte da empresa alienante do imóvel para fins de registro do título, com apoio em julgados do STF (ADIN n. 173-6 e 394-1); que, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade n. 139256-75.2011.8.26.0000, o Órgão Especial do TJSP também reconheceu a inconstitucionalidade do artigo 47, I, “d”, da Lei n. 8.212/91; que a exigência de apresentação de CND não pode, portanto, subsistir.

Em impugnação (89/93), a parte reitera os mesmos argumentos apresentados ao Oficial em relação ao item “1” da nota devolutiva e sustenta que, quanto ao item “2”, deve-se considerar que, em atenção ao princípio da legalidade estrita na aplicação ao artigo 7º da Lei. n. 8.668/93, tal como mencionado na cláusula 12ª da cessão, se trata de mera faculdade, notadamente porque a consolidação da propriedade será requerida em nome do fundo e não de sua administradora; que, em relação ao item “3” da nota devolutiva, será apresentado requerimento devidamente assinado eletronicamente nos termos das NSCGJ (remessa de títulos digitais).

O Ministério Público opinou pela prejudicialidade da dúvida ante a falta de impugnação a todas as exigências e, no mérito, pelo afastamento do óbice questionado (fls. 148/150).

É o relatório.

Fundamento e decido.

Em primeiro lugar, verifica-se que a parte não se insurge contra todas as exigências formuladas pelo Oficial (envio do título devidamente assinado de modo eletrônico e apresentação da escritura diretamente pelo Tabelião), de modo que a dúvida resta prejudicada.

Ainda assim, como estamos na via administrativa, visando evitar novo questionamento futuro, passo à análise do óbice impugnado, o que é possível segundo entendimento do E. Conselho Superior da Magistratura:

REGISTRO DE IMÓVEIS Recusa de ingresso de título – Resignação parcial Dúvida prejudicada Recurso não conhecido Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação Correta descrição dos imóveis envolvidos em operações de desdobro e fusão Princípio da especialidade objetiva Manutenção das exigências Exibição de certidões negativas de débitos federais, previdenciários e tributários municipais Inteligência do item 119.1. do Cap. XX das NSCGJ Precedentes deste Conselho Afastamento das exigências Exibição de certidões de ações reais, pessoais reipersecutórias e de ônus reais Exigência que encontra amparo na letra “c” do item 59 do Capítulo XIV das NSCGJ e na Lei nº 7.433/1985 Manutenção das exigências” (Apelação n.1000786-69.2017.8.26.0539 Relator Des. Pereira Calças).

No mérito, a dúvida seria parcialmente procedente. Vejamos os motivos.

Este juízo, seguindo entendimento do Conselho Superior da Magistratura, do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Conselho Nacional de Justiça, julgava improcedente a dúvida em casos de exigência de certidão conjunta negativa expedida pela Receita Federal nos seguintes termos:

A questão em debate já foi apreciada inúmeras vezes tanto pelo E. Conselho Superior da Magistratura quanto pela E. Corregedoria Geral de Justiça, sendo que tais órgãos superiores firmaram entendimento acerca da dispensa das certidões negativas de dívidas tributárias e previdenciárias federais no que toca ao ‘munus’ do registro imobiliário. Destaca-se o julgamento proferido pelo E. CSM em análise recursal de procedimento que tramitou perante este juízo (autos n. 1124381- 98.2016.8.26.0100), com relatoria do eminente Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, de cujo teor se extrai:

“Item 3 (Certidão negativa de tributos federais e da dívida ativa da União):

Essa exigência é a única a ser afastada. Este Conselho Superior da Magistratura já se posicionou, por diversas vezes, no sentido de que são dispensáveis as certidões de dívidas ativas tributárias e previdenciárias federais.

Inspirado em precedentes do Supremo Tribunal Federal que inadmitiram a imposição de sanções políticas pelos entes tributários para, por vias oblíquas, constranger o contribuinte a quitar débitos tributários, o Conselho Superior da Magistratura reconheceu inexistir justificativa para condicionar o registro de títulos nas serventias prediais à prévia comprovação da quitação de créditos tributários, contribuições sociais e de outras imposições pecuniárias compulsórias (Apelações Cíveis n. 0018870-06.2011.8.26.0068, 0013479-23.2011.8.26.0019 e 9000002-22.2009.8.26.0441, todas sob a relatoria do Desembargador José Renato Nalini, destaques nossos)”.

Nesse mesmo sentido, confiram-se: (a) para a CGJ: Processos de autos n. 62.779/2013 (j.30/07/2013) e 100.270/2012, (j.14/01/2013); (b) para o CSM: as Apelações Cíveis dos autos n. 0015705-56.2012.8.26.0248 (j.06.11.2013); 9000004-83.2011.8.26.0296 (j.26.09.2013); 0006907-12.2012.8.26.0344 (j.23.05.2013); 0013693-47.2012.8.26.0320 (j18.04.2013); 0019260-3.2011.8.26.0223 (j.18.04.2013); 0021311-24.2012.8.26.0100 (j.17.01.2013); 0013759-77.2012.8.26.0562 (j.17.01.2013); 0018870-06.2011.8.26.0068 (j.13.12.2012); 9000003-22.2009.8.26.0441 (j. 13.12.2012); 0003611-12.2012.8.26.0625 (j.13.12.2012) e 0013479-23.2011.8.26.0019 (j.13.12.2012).

Note-se, ainda, o disposto no item 117.1, do Capítulo XX, das Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais:

“117.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais”.

Tal entendimento também é compartilhado pelo Conselho Nacional de Justiça:

“RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. IMPUGNAÇÃO DE PROVIMENTO EDITADO POR CORREGEDORIA LOCAL DETERMINANDO AOS CARTÓRIOS DE REGISTRO DE IMÓVEIS QUE SE ABSTENHAM DE EXIGIR CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO NAS OPERAÇÕES NOTARIAIS. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 47 E 48 DA LEI N. 8.2012/91.INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. 1. Reconhecida a inconstitucionalidade do art. 1º,inciso IV da Lei nº 7.711/88 (ADI 394), não há mais que se falar em comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias para o ingresso de qualquer operação financeira no registro de imóveis, por representar forma oblíqua de cobrança do Estado, subtraindo do contribuinte os direitos fundamentais de livre acesso ao Poder Judiciário e ao devido processo legal (art. 5º, XXXV e LIV, da CF). 2. Tendo sido extirpado do ordenamento jurídico norma mais abrangente, que impõe a comprovação da quitação de qualquer tipo de débito tributário, contribuição federal e outras imposições pecuniárias compulsórias, não há sentido em se fazer tal exigência com base em normas de menor abrangência, como a prevista no art. 47, I, ‘b’, da Lei 8.212/91. 3. Ato normativo impugnado que não configura qualquer ofensa a legislação pátria, mas apenas legítimo exercício da competência conferida ao Órgão Censor Estadual para regulamentar as atividades de serventias extrajudiciais vinculadas ao Tribunal de Justiça local. RECURSO IMPROVIDO” (CNJ – Pedido de Providências – Corregedoria – 0001230-82.2015.2.00.0000 – Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA 28ª Sessão Virtual. Julgado em 11.10.2017)”.

Como se vê, não é novo o debate sobre a exigibilidade de certidões de  regularidade fiscal para o Registro de Imóveis, notadamente diante da ordem de controle rigoroso do recolhimento dos impostos que vigora para os Oficiais por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n.6.015/73; artigo 134, VI, do CTN e artigo 30, XI, da Lei 8.935/1994), bem como pelo disposto pelo item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os equisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais“.

O afastamento de algumas exigências, ainda que normativas, na via administrativa encontrou raiz em precedentes do Supremo Tribunal Federal que inadmitiram a imposição de sanções políticas pelos entes tributários para, por vias oblíquas, constranger os contribuintes inadimplentes a quitar eventuais débitos.

É nesse sentido que se concluía pelo afastamento da exigência de certidão negativa de débitos federais, embora até o momento não tenha havido reconhecimento expresso da inconstitucionalidade em controle concentrado, com afastamento do ordenamento jurídico da alínea “b”, do inciso I, do artigo 47, da Lei n. 8.212/91, com a redação dada pela Lei n. 9.032/95:

Art. 47. É exigida Certidão Negativa de Débito CND, fornecida pelo órgão competente, nos seguintes casos:

I – da empresa:

(…)

  1. b) na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito ele relativo;

(…)

Art. 48. A prática de ato com inobservância do disposto no artigo nterior, ou o seu registro, acarretará a responsabilidade solidária dos contratantes e do oficial que lavrar ou registrar o instrumento, sendo o to nulo para todos os efeitos.

(…)

  • 3° – O servidor, o serventuário da Justiça, o titular de serventia extrajudicial e a autoridade ou órgão que infringirem o disposto no artigo anterior incorrerão em multa aplicada na forma estabelecida no art. 92, sem prejuízo da responsabilidade administrativa e penal cabível“.

Entretanto, por ocasião da sanção da Lei n. 14.382, de 27 de junho de 2022, vetou-se o artigo 20, inciso IV, da proposição legislativa que revogava expressamente a exigência imposta pelo artigo 47, inciso I, “b”, e do inciso II, da Lei n. 8.212/91, com os seguintes motivos:

“(…) Contudo, em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público ao dispensar a comprovação de regularidade fiscal para o exercício de determinadas atividades pelos contribuintes, o que reduz as garantias atribuídas ao crédito tributário, nos termos do art. 205 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.

Ressalta-se que o controle da regularidade fiscal dos contribuintes, por um lado, exerce indiretamente cobrança sobre o devedor pela imposição de ressalva à realização de diversos negócios e, por outro lado, procura prevenir a realização de negócios ineficazes entre devedor e terceiro que comprometam o patrimônio sujeito à satisfação do crédito fazendário.

Desse modo, a proposição legislativa está em descompasso com a necessária proteção do terceiro de boa-fé, o que resultaria no desconhecimento pelo terceiro da existência de eventual débito do devedor da Fazenda Pública, sujeitando a prejuízo aqueles que, munidos de boa-fé, fossem induzidos a celebrar negócio presumivelmente fraudulento, a teor do disposto no art. 185 da Lei nº 5.172, de 1966 – Código Tributário Nacional“.

Não bastasse isso, em 17 de outubro de 2022, a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil expediu a Instrução Normativa RFB n. 2.110, reforçando o dever de fiscalização dos registradores no que toca à matéria:

Art. 258. O titular de serviço notarial e de registro é pessoalmente responsável pela infração a obrigação acessória prevista na legislação previdenciária, em nome do qual será lavrado o documento de constituição do crédito tributário, por meio de sua matrícula CEI ou CAEPF atribuída ou não de ofício. (Lei nº 8.212, de 1991, art. 48, § 3º, e art. 68, § 5º; e Regulamento da Previdência Social, de 1999, art. 228, § 6º).

(…)

Art. 262. As infrações isoladas, por ocorrência, poderão integrar, para economia processual, um único Auto de Infração ou uma única Notificação de Lançamento.

  • 1º Para fins do disposto neste artigo, configura-se uma ocorrência:

I – cada segurado não inscrito, independentemente da data de contratação do empregado, do empregado doméstico, do trabalhador avulso ou do contribuinte individual;

II – cada Perfil Profissiográfico Previdenciário não emitido para trabalhador exposto aos agentes nocivos, ou não atualizado;

III – cada certidão negativa de débitos não exigida, nos casos previstos em lei;

IV – cada obra de construção civil não matriculada no prazo estabelecido em lei; e

V – a ausência de entrega, a entrega fora do prazo ou a apresentação com incorreções ou omissões, pelo município ou Distrito Federal, da relação de todos os alvarás, habite-se e certificados de conclusão de obra emitidos no mês“.

A hipótese é semelhante àquela relativa à exigência de certidão de homologação do ITCMD pelo fisco, na medida em que não houve pronunciamento judicial expresso sobre eventual inconstitucionalidade do óbice, que, atualmente, é respaldado por norma da Fazenda Pública:

“REGISTRO DE IMÓVEIS CARTA DE SENTENÇA ARROLAMENTO ITCMD NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DA CERTIDÃO DE HOMOLOGAÇÃO EXPEDIDA PELA SECRETARIA DA FAZENDA E PLANEJAMENTO ÓBICE MANTIDO RECURSO NÃO PROVIDO” (TJSP; Apelação Cível 1074569-77.2022.8.26.0100; Relator (a): Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 03/11/2022; Data de Registro: 10/11/2022).

“Registro de Imóveis Formal de partilha Comprovação de pagamento do ITCMD Necessidade de apresentação de certidão de homologação pela Fazenda Óbice mantido Recurso não provido”. (TJSP; Apelação Cível 0000534-79.2020.8.26.0474; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Potirendaba – Vara Única; Data do Julgamento: 25/02/2021; Data de Registro: 05/03/2021).

Neste contexto, alterou-se o entendimento antes adotado neste âmbito administrativo, que conta com limitada competência, como se sabe, com a observação de que eventual inconstitucionalidade deve ser objeto de questionamento específico pela via adequada conforme orientação do Conselho Superior da Magistratura (destaque nosso):

“REGISTRO DE IMÓVEIS Loteamento Negativa de registro Artigo 18, III, “c”, e § 2°, da Lei n.º 6.766/1979 Existência de ação penal em curso contra um dos sócios da loteadora por crime contra a administração – Fato que, por si só, obsta o registro Impossibilidade de controle de constitucionalidade em sede administrativa Dúvida procedente Recurso não provido” (CSM Apelação n. 9000001-12.2015.8.26.0063 Des. Pereira Calças j. 15.03.2016).

A conclusão pelo novo posicionamento, de manutenção da exigência, sai fortalecida pela revogação de liminar obtida em mandado de segurança impetrado pela ANOREG que possibilitava dispensa (Agravo de Instrumento n. 5031693-86.2023.4.03.0000, TRF da 3ª Região, Rel. Des. Federal Renato Becho, decisão de 01 de dezembro de 2023).

Quanto ao óbice contido no item “2” da nota devolutiva (fls. 28/29), não impugnado diretamente ao Oficial, que se refere à impossibilidade de averbação da cláusula 12ª do contrato de cessão de direitos (fl. 37), há necessidade de revisão.

De fato, e ainda que a parte suscitada se trate de fundo de investimento em direitos creditórios, ou seja, de fundo não regulado pela Lei n. 8.668/93, a previsão da cláusula em questão e sua averbação perante o Registro de Imóveis não trazem qualquer risco à segurança jurídica, notadamente porque apenas reforçam a autonomia patrimonial do fundo cessionário.

Não há fundamento legal, portanto, para se exigir retificação do negócio pactuado entre as partes como determinado anteriormente por este juízo.

Já em relação à exigência de envio da escritura pública por Tabelião, substituto ou preposto, a providência é dispensável na medida em que o item 366.2, Cap. XX, das NSCGJ, apenas determina que o Oficial verifique se o titular do certificado utilizado na certidão mantinha a condição de Tabelião, substituto ou preposto autorizado à época da assinatura.

Ademais, na forma do item 108, Cap. XX, das NSCGJ, não se exige reconhecimento de firma de documento público, sendo que não há qualquer questionamento sobre a autenticidade da certidão diante de fls. 35/43 e da possibilidade de conferência pelo QR Code.

Diante do exposto, JULGO PREJUDICADA a dúvida, observando que a apenas a exigência de prova de regularidade fiscal subsiste.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 19 de dezembro de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 06.02.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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Registro de imóveis – Apelação – Usucapião extrajudicial – Ausência de demonstração da posse qualificada pelo prazo legalmente exigido – Prescrição que não corre contra o absolutamente incapaz – Inteligência do art. 198, I, do Código Civil – Apelação a que se nega provimento.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1000836-19.2022.8.26.0346

Registro: 2023.0000987601

ACÓRDÃO  

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000836-19.2022.8.26.0346, da Comarca de Martinópolis, em que são apelantes PAULO FERREIRA DE SOUZA e ELIANE APARECIDA PAZ SOUZA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MARTINÓPOLIS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 9 de novembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1000836-19.2022.8.26.0346

APELANTES: Paulo Ferreira de Souza e Eliane Aparecida Paz Souza

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Martinópolis

VOTO Nº 39.172

Registro de imóveis – Apelação – Usucapião extrajudicial – Ausência de demonstração da posse qualificada pelo prazo legalmente exigido – Prescrição que não corre contra o absolutamente incapaz – Inteligência do art. 198, I, do Código Civil – Apelação a que se nega provimento.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Paulo Ferreira de Souza e Eliane Aparecida Paz Souza, em procedimento de dúvida, suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Martinópolis, visando a reforma da r. sentença de fls. 174/179, que manteve a recusa ao prosseguimento do processo de usucapião extrajudicial do imóvel objeto da matrícula nº 441, daquela serventia imobiliária.

Os apelantes aduzem, em suma, que detém posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel usucapiendo pelo prazo legal, comprovada documentalmente. A posse do imóvel foi adquirida por meio de contrato particular de compromisso de compra e venda e a alienação da parte do imóvel pertencente à época menor, Mariana Camargo Alminio, foi devidamente autorizada por meio de alvará judicial. A aplicação da regra do art. 198, I, do Código Civil deveria ser observada caso a segurança jurídica do ato estivesse comprometida; o que não ocorre no caso concreto.

Às fls. 215/219 os recorrentes acostaram aos autos “contrato particular de compra e venda de parte ideal correspondente a 2,5% de imóvel urbano” firmado com Mariana Camargo Alminio.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 238/241).

É o relatório.

Trata-se de pedido extrajudicial de usucapião extraordinária, fundado em alegação de posse mansa e pacífica, há mais de dez anos, sobre o imóvel descrito na matrícula nº 441 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Martinópolis, nos termos do art. 1238, parágrafo único do Código Civil.

Sustentam os recorrentes que ingressaram no imóvel localizado na Rua Francisco Martins Bidóia, nº 334, Vila Alegrete, há mais de onze anos quando firmaram, com os dezessete titulares de domínio, contrato particular de compromisso de compra e venda, exercendo, desde então, a posse mansa, pacífica e ininterrupta do imóvel.

O pedido foi indeferido nos moldes da nota devolutiva de fls. 139/140, que assim dispôs:

“(…) Após análise de toda documentação e dos depoimentos apresentados, identificou-se que o requerente não possui tempo suficiente de posse ad usucapionem, uma vez que a proprietária tabular, Mariana Camargo Alminio era menor impúbere ao tempo do início da posse pelos requerentes, aos 08.12.2010; vindo a completar dezesseis anos somente em 12.03.2014. Sendo assim, conforme determina o artigo 198, inciso I, do Código Civil, não corre prescrição aquisitiva, contra absolutamente incapaz, ou seja, os menores de 16 anos.

Portanto, por não haver tempo de posse suficiente, rejeito o pedido formulado, por ausência de preenchimento dos requisitos legais, para aquisição por usucapião”.

Por meio da r. sentença recorrida, a dúvida foi julgada procedente (fls. 174/179).

De proêmio, relevante pontuar ser inadmissível a juntada de documentos posteriores à qualificação registral, como pretendem os recorrentes.

Como se sabe, em procedimento de dúvida, o provimento deve ser sempre positivo ou negativo, a fim de que o registro seja ou não autorizado diante da dissensão que existia ao tempo da suscitação. A finalidade precípua do procedimento de dúvida é a de dirimir dissenso entre o registrador e o apresentante quanto a questões fáticas e jurídicas pré-existentes à suscitação.

Dito isso, a apelação não comporta provimento.

A dúvida foi suscitada em procedimento de usucapião extrajudicial, com fundamento no art. 17, § 5º do Provimento CNJ nº 65/2017:

“Art. 17. Para a elucidação de quaisquer dúvidas, imprecisões ou incertezas, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis ou por escrevente habilitado.

§ 5º – A rejeição do requerimento poderá ser impugnada pelo requerente no prazo de quinze dias, perante o oficial de registro de imóveis, que poderá reanalisar o pedido e reconsiderar a nota de rejeição no mesmo prazo ou suscitará dúvida registral nos moldes dos art. 198 e seguintes da LRP”.

A usucapião é modo de aquisição originária da propriedade em razão do exercício da posse prolongada e mediante o preenchimento dos requisitos legais.

A pretensão, portanto, está sujeita à caracterização de:

i) posse mansa e ininterrupta pelo prazo previsto em lei; ii) inexistência de oposição à posse; iii) “animus domini”.

Em qualquer modalidade de usucapião devem, pois, estar presentes sempre os elementos: posse e tempo.

No tocante ao tempo, cumpre ao postulante da usucapião extraordinária demonstrar, portanto, que ostenta a posse pelo prazo de 15 anos, de forma contínua e sem oposição.

Quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo o prazo da usucapião extraordinária será reduzido para dez anos, nos termos do parágrafo único do art. 1238 do Código Civil.

Com relação ao elemento posse, exige-se a posse qualificada ad usucapionem, ou seja, a posse potencializada pela convicção de domínio, de ter a coisa para si com animus domini.

Assim, a configuração da prescrição aquisitiva não se contenta com a posse normal ad interdicta, exigindo-se a posse ad usucapionem, em que, além da exteriorização da aparência de domínio, o usucapiente deve demonstrar o exercício da posse com ânimo de dono pelo prazo, sem interrupção e sem oposição.

Fixadas estas premissas, a despeito dos recorrentes terem adquirido a posse do imóvel usucapiendo por meio de regular contrato particular de compromisso de compra e venda datado de 08/12/2010, à vista de alvará judicial expedido nos autos da ação de inventário e partilha, autos do processo n.º 0105060-21.2005.8.26.0346, que tramitou perante a 1ª Vara da Comarca de Martinópolis, porque, à época a titular de domínio Mariana Camargo Alminio, era menor de idade, certo é que, nos termos do art. 198, I, do Código Civil, não corre a prescrição contra os incapazes menores de 16 anos, inexistindo, in casu, posse ad usucapionem e com animus domini pelo prazo legalmente exigido.

A contagem da prescrição aquisitiva não se dá, portanto, a partir do ano de 2010 (data do compromisso de compra e venda), mas sim a partir de 12/03/2014 quando Mariana completou 16 anos de idade.

No ponto, relevante trazer à baila lição de Benedito Silvério Ribeiro[1]:

“A prescrição não corre contra os incapazes de que trata o art. 3º do Código Civil (art. 198, I). São absolutamente incapazes, e entre estes encontram-se os menores de 16 anos”.

E, como bem consignado na r. sentença recorrida, não se busca no caso telado a inscrição do compromisso particular de compra e venda junto ao Registro de Imóveis. Tampouco se questiona a validade do negócio jurídico, realizado à vista de alvará judicial. Trata-se de processo de usucapião extrajudicial, em que se almeja a declaração do domínio a partir da posse qualificada pelo prazo legalmente exigido.

Nesta senda, o contrato particular de compromisso de compra e venda, a despeito de demonstrar o início da posse dos recorrentes, não influi no início do prazo prescricional por se tratarem as normas relativas à prescrição aquisitiva de ordem pública e natureza cogente.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação, mantendo-se a procedência da dúvida.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

Tratado de Usucapião, 8ª edição, 2012, Editora Saraiva, pág. 96 (DJe de 06.02.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

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Apelação Cível nº 1017845-63.2023.8.26.0053

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1017845-63.2023.8.26.0053
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1017845-63.2023.8.26.0053

Registro: 2023.0000987607

ACÓRDÃO  

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1017845-63.2023.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MESP MEDICINA EMPRESARIAL DE SÃO PAULO LTDA., é apelado 8º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 9 de novembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1017845-63.2023.8.26.0053

APELANTE: Mesp Medicina Empresarial de São Paulo Ltda.

APELADO: 8º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 39.197

Registro de imóveis – Dúvida – Escritura Pública de Venda e Compra – Certidão Negativa de Débito – CND exigência afastada, segundo atual orientação deste Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Nacional de Justiça – Subitem 117.1, Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Apelo provido.

Trata-se de apelação interposta por Mesp Medicina Empresarial de São Paulo Ltda. contra a r. sentença proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 8º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo que, em mandado de segurança recebido como processo de dúvida inversa, manteve a recusa do registro da escritura pública de venda e compra tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 2.127 da referida serventia extrajudicial (fls. 63/69).

Alega a apelante, em síntese, que a exigência apresentada pelo registrador contraria jurisprudência pacífica do Egrégio Supremo Tribunal Federal e deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, que reiteradamente vem afastando a necessidade de apresentação da certidão negativa de débito – CND em nome da alienante do imóvel, para registro da transferência de propriedade (fls. 75/88).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 108/113).

Nos termos do v. acórdão a fls. 114/118, o recurso foi redistribuído a este Colendo Conselho Superior da Magistratura.

É o relatório.

Da nota devolutiva copiada a fls. 24, expedida pelo registrador por ocasião da qualificação negativa do título, constou a seguinte exigência:

“Anexar Certidão Negativa Conjunta de Tributos Federais e da Dívida Ativa da União em nome da empresa vendedora MESP MEDICINA EMPRESARIAL DE SÃO PAULO LTDA., expedida pela Secretaria da Receita Federal comprovando a quitação desses tributos (…)”

Como se sabe, o disposto no artigo 47, I, “b”, da Lei nº 8.212/1991, não é requisito para registro stricto sensu.

A jurisprudência consolidada e reiterada deste Colendo Conselho Superior da Magistratura é no sentido de que as certidões negativas de tributos federais e contribuições previdenciárias, porque não dizem respeito ao fato jurídico por inscrever, não podem ser exigidas como condição para a prática de ato de registro previsto no artigo 167, I, da Lei nº 6.015/1973. A lição está recolhida nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça e vem sendo reafirmada nos julgados deste Colegiado:

“Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais.” (subitem 117.1, Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça).

“Registro de Imóveis  Carta de Adjudicação  Desqualificação do título judicial, exigindo-se certidão negativa de débitos (CND) expedida conjuntamente pela Receita Federal e pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional  Impossibilidade  Item 119.1, do Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ  Registrador que não pode assumir o papel de fiscal dos tributos não vinculados ao ato registrado  Dúvida improcedente  Apelação provida.” (Apelação Cível n. 1000791-27.2017.8.26.0625, Rel. Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, j. 15.5.2018, DJe (17.07.2018). Consta do voto: “Não se justifica a exibição de CND (certidões negativas de débitos previdenciários e tributários), diante da contemporânea compreensão do Colendo Conselho Superior da Magistratura, iluminada por diretriz estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal (ADI n. 173-DF e ADI n. 394-STF, rel Min. Joaquim Barbosa, j. 25.9.2008), a dispensá-la, porquanto a exigência, uma vez mantida, prestigiaria vedada sanção política.” (Apelação Cível n. 0013759-77.2012.8.26.0562, rel. Des. Renato Nalini, j. 17.1.2013; Apelação Cível n. 0021311-24.2012.8.26.0100, rel. Des. Renato Nalini, j. 17.1.2013; Apelação Cível n. 0013693-47.2012.8.26.0320, rel. Des. Renato Nalini, j. 18.4.2013; Apelação Cível n. 9000004-83.2011.8.26.0296, rel. Des. Renato Nalini, j. 26.9.2013; e Apelação Cível n. 0002289-35.2013.8.26.0426, rel. Des. Hamilton Elliot Akel, j. 26.8.2014; Apelação Cível n. 14803-69.2014.8.26.0269, rel. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j. 30.6.2016). Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, em diversas ocasiões, já se posicionou pela inconstitucionalidade de atos do Poder Público que traduzam exercício abusivo e coercitivo de exigência de obrigações tributárias, inclusive com natureza de contribuições previdenciárias. Tal entendimento se encontra consubstanciado em enunciados da Suprema Corte (Súmulas 70, 323 e 547), no sentido de que a imposição, pela autoridade fiscal, de restrições de índole punitiva, quando motivada tal limitação pela mera inadimplência do contribuinte, revela-se contrária às liberdades públicas ora referidas (RTJ 125/395, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI)conforme voto do E. Ministro CELSO DE MELLO:

‘O fato irrecusável, nesta matéria, como já evidenciado pela própria jurisprudência desta Suprema Corte, é que o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os em instrumentos de acertamento da elação tributária, para, em função deles e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso’ (STF, RE 666405/RS). Na situação em apreço, a confirmação da exigência representa indevida restrição ao acesso de título à tábua registral, imposta como forma oblíqua e instrumentalizada para, ao arrepio e distante do devido processo legal, forçar o contribuinte ao pagamento de tributos. Caracteriza, em síntese, limitação a interesses privados em desacordo com a orientação do E. STF, à qual se alinha este Colendo Conselho Superior da Magistratura, mascarando uma cobrança por quem não é a autoridade competente, sem observância do procedimento adequado à defesa dos direitos do contribuinte, em atividade estranha à fiscalização que lhe foi cometida, certo que as obrigações tributárias em foco não decorrem do ato registral buscado. Segundo lição de Humberto Ávila, ‘a cobrança de tributos é atividade vinculada procedimentalmente pelo devido processo legal, passando a importar quem pratica o ato administrativo, como e dentro de que limites o faz, mesmo que – e isto é essencial – não haja regra expressa ou a que seja prevista estabeleça o contrário.’ (Sistema Constitucional Tributário, 5ª. Ed., São Paulo. Saraiva, 2012, p. 173).”

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura de compra e venda – CND da Receita Federal – Exigência afastada, conforme atual orientação do CNJ, do CSM e nos termos das NSCGJ – Penhoras promovidas em execuções fiscais ajuizadas pela Fazenda Nacional – Documentos apresentados para o registro que somente autorizam o cancelamento da averbação de uma dessas penhoras Impedimento para o registro – Dúvida procedente – Recurso não provido.” (Apelação Cível n. 1056244-85.2017.8.26.0114, Rel. Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, j. 28.6.2018, DJe 18.3.2019).

Consta do voto: “O tema objeto do debate não é novo. Tampouco existe unanimidade na doutrina quanto à possibilidade de afastamento dessa exigência pela via administrativa. Nada obstante, são diversos os precedentes deste E. Conselho Superior da Magistratura quanto à inexigibilidade da certidão negativa de tributos federais (CND) para ingresso de títulos no registro de imóveis. De fato, a exigência da CND pode configurar forma heterodoxa e atípica de exigibilidade de débitos tributários, sem o devido processo legal, em afronta à Constituição Federal, por traduzir verdadeira sanção política ao jurisdicionado. O próprio Supremo Tribunal Federal, em diversas ocasiões, já se posicionou pela inconstitucionalidade de atos do Poder Público que traduzam exercício coercitivo de exigência de obrigações tributárias, inclusive com natureza de contribuições previdenciárias. […]. A doutrina se posiciona no mesmo sentido quanto à impossibilidade de cobrança atípica, feita em ofensa ao due process of law: ‘Em Direito Tributário a expressão sanções políticas corresponde a restrições ou proibições impostas ao contribuinte, como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo, tais como a interdição do estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime especial de fiscalização, entre outras. Qualquer que seja a restrição que implique cerceamento da liberdade de exercer atividade lícita é inconstitucional, porque contraria o disposto nos artigos 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, do Estatuto Maior do País. (…) São exemplos mais comuns de sanções políticas a apreensão de mercadorias sem que a presença física destas seja necessária para a comprovação do que o fisco aponta como ilícito; o denominado regime especial de fiscalização; a recusa de autorização para imprimir notas fiscais; a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes; a recusa de certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o contribuinte; a suspensão e até o cancelamento da inscrição do contribuinte no respectivo cadastro, entre muitos outros.

Todas essas práticas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras razões, porque: a) implicam indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da vigente Constituição Federal; e b) configuram cobrança sem o devido processo legal, com grave violação do direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que a este impõe a restrição não é a autoridade competente para apreciar se a exigência é ou não legal’.” (MACHADO, Hugo de Brito, Sanções Políticas no Direito Tributário, Revista Dialética e Direito Tributário n. 30, p. 46/47).

Ademais, assim já decidiu o Colendo Conselho Nacional de Justiça:

“É inconstitucional restrição imposta pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quando aquelas forem utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos.” (Pedido de Providências nº 0001230-82.2015.2.00.0000, j. 16.9.2017, DJ 16.9.2017).

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação, a fim de julgar improcedente a dúvida suscitada e afastar o óbice apresentado ao registro pretendido.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 06.02.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

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